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PROCURANDO DIVA NO SUL GLOBAL: FEMINISMO, ARTE E POLÍTICA

LOOKING FOR DIVA IN THE GLOBAL SOUTH. FEMINISM, ART AND POLITICS

BUSCANDO DIVA EN EL SUR GLOBAL: FEMINISMO, ARTE Y POLÍTICA

RESUMO

Este artigo analisa a obra Diva de Juliana Notari. Ao se tratar de uma vulva gigante que emerge no meio de uma área que fora um canavial, em Pernambuco, várias ondas de contestação emergiram. Pretendemos evidenciar que esta produção artística se assume como um retrato do artivismo estético e político, mas também enquadrá-la no âmbito dos processos de resistência que demarcam o Sul Global, em que as desigualdades de gênero são profundas. É a partir de uma metodologia de caráter qualitativo, assente numa análise de conteúdo da obra da artista Juliana Notari que fundamos a nossa análise, procurando refletir e questionar os cânones do gênio masculino, bem como a evolução e a consolidação de uma história social da arte feminista.

Feminismo; Corpo como arma política; Artivismo; Sul Global; História da Arte

ABSTRACT

This article analyses the work Diva by Juliana Notari. In dealing with a giant vulva that emerges in the middle of an area that was once a sugarcane plantation, in Pernambuco, several waves of contestation have emerged. We intend to show that this artistic production is taken as a portrait of aesthetic and political artivism, but also to frame it within the processes of resistance that demarcate the Global South, where gender inequalities are profound. It is from a qualitative methodology, based on a content analysis of the work of the artist Juliana Notari that we base our analysis, seeking to reflect and question the canons of masculine genius, as well as the evolution and consolidation of a social history of feminist art.

Feminism; Body as a Political Weapon; Artivism; Global South; Art History

RESUMEN

Este artículo analiza la obra Diva , de Juliana Notari. Por lo que se trata de una vulva gigante que emerge en el medio de una región que fuera una plantación de cana de azúcar, en Pernambuco, Brasil, contestaciones surgirán en flujos. Intentamos evidenciar que esta producción artística se asume como un retrato del artivismo estético y político, pero también encuádrala en el ámbito de los procesos de resistencia que demarcan el Sur Global, en lo cual las desigualdades de género son profundas. Fundamos nuestro análisis partiendo de una metodología de carácter cualitativo, basada en un examen del contenido de la obra de la artista, buscando así reflexionar y cuestionar los cánones del genio masculino y la evolución y consolidación de una historia social del arte feminista.

Feminismo; Cuerpo como arma política; Artivismo; Sur Global; Historia del Arte

Propor uma análise sobre a obra Diva de Juliana Notari é o foco para a elaboração deste artigo. O primeiro motivo que nos levou à escolha deste trabalho artístico prende-se ao fato de o mesmo ter sido alvo de uma profunda controvérsia no Brasil. O segundo motivo diz respeito à denúncia de desigualdade de gênero inerente à obra, uma vez que os discursos que emergiram em torno da obra implicam a inserção da mesma dentro de um sistema de práticas sociais que constitui homens e mulheres como diferentes ( BERKERS; SCHAAP, 2018BERKERS, Pauwke; SCHAAP, Julian. Gender Inequality in Metal Music Production . Londres: Emerald Publishing Limited, 2018. ), mas também, mulheres como subalternas aos homens, algo tanto mais evidente quando nos focamos no campo artístico ( RAINE; STRONG, 2019RAINE, Sarah; STRONG, Catherine. Towards Gender Equality in the Music Industry . Education, Practice and Strategies for Change. Londres: Bloomsbury, 2019. ).

No âmbito das artes contemporâneas ou conceituais, a presença da mulher ainda permanece interrogada e suspensa num tear de discursos patriarcais e tradicionalistas. De acordo com Tim Wray (2003)WRAY, Tim. The Queer Gaze. Wissenschaftliche Zeitschrift der Bauhaus-Universität Weimar , 4, 2003, pp. 69-73. , essa visão hegemônica de que os produtos artísticos têm de ser produzidos com o intuito de agradar aos homens heterossexuais. O Brasil, dentro do contexto da América Latina, pauta-se por ser uma das sociedades que maior discrepância de gênero possui ( BERKERS; SCHAAP, 2018BERKERS, Pauwke; SCHAAP, Julian. Gender Inequality in Metal Music Production . Londres: Emerald Publishing Limited, 2018. ), sendo que com isto queremos expor – neste artigo – que se trata de um país profundamente masculinizado.

Também neste sentido, pretendemos estabelecer uma breve reflexão em torno das recentes linguagens contemporâneas de expressão artística e de resistência, nomeadamente o artivismo ( GUERRA, 2019GUERRA, Paula. Nothing Is Forever: um ensaio sobre as artes urbanas de Miguel Januário±MaisMenos±. Horizontes antropológicos , vol. 25, n. 55, 2019, pp. 19-49. ). A arte, no âmago destas linguagens, possui um papel crucial na resistência e na subversão do status quo , ao passo que implica uma ruptura com a visão da arte pela arte, mas também se afasta da realidade social e do retrato da mesma, como ela é. Ambos os eixos estão presentes na obra de Juliana e, como tal, merecem reflexão, pois é feita uma conjugação entre a sua intervenção estética, mas também performativa. Então, num contexto de politização artística ( GONÇALVES, 2012GONÇALVES, Fernando do N. Arte, ativismo e tecnologias de comunicação nas práticas políticas contemporâneas. Contemporânea , vol. 10, n. 2, 2012, pp. 178-193. ), temos visto cada vez mais a ligação a questões sociopolíticas, tal como neste caso, referentes ao gênero feminino, ao passo que se denota um afastamento dos modos usuais de ação política (GUERRA, op. cit.). Outro aspeto interessante prende-se ao fato de Juliana nos fazer pensar no artivismo fora do espaço urbano, onde ele é tipicamente idealizado, uma vez que o urbano é encarado como o locus dos movimentos sociais, aspecto esse que enfatizou ainda mais uma prática contracultural.

Ao longo deste artigo pretendemos abordar, historicamente, o papel da mulher no campo das artes, ao passo que estabelecemos um cruzamento teórico-conceitual entre o cânone e as teorias feministas ( MCROBBIE, 2009MCROBBIE, Angela. The Aftermath of Feminism: Gender, Culture and Social Change. Londres: Sage, 2009. ). Para tal, adotamos uma metodologia qualitativa, assente numa lógica de análise de conteúdo, nos moldes como nos propõe Bardin (1979)BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo . Lisboa: Edições 70, 1979. e Bakhtin (2001)BAKHTIN, Mikhail. Esthétique et théorie du roman . Paris: Gallimard, 2001. , partindo do pressuposto de que a obra Diva se assume como sendo uma expressão da sociedade brasileira, perplexa de significados sociais, individuais e coletivos. Mais ainda, pretendemos encará-la como sendo uma reafirmação artística frente aos dogmas sociais e institucionais inerentes à sociedade brasileira, ao Sul Global e ao papel que a mulher possui nos cotidianos e nos campos artísticos. Inicialmente, começaremos a nossa abordagem a partir de uma contextualização da obra, avançando para o questionamento do lugar que o corpo feminino possui nas sociedades contemporâneas. Iremos inclusive abordar a virada cultural e o surgimento da história social da arte feminista, enquanto enquadramento histórico, social, cultural e político da obra de Juliana Notari, culminando num questionamento do conceito e conceptualização do cânone contemporâneo, tendo em mente um afastamento da noção filosófica – e sociológica – de gênio masculino. Por fim, na última seção deste artigo, partindo das concepções e reflexões anteriores, analisamos em profundida a obra Diva , de Juliana Notari, apresentando excertos da entrevista realizada à artista.

O NASCIMENTO DE DIVA

Em 31 de dezembro de 2020, a imagem de uma vulva vermelha gigante surgiu nas redes sociais brasileiras. A imagem imediatamente sofreu inúmeros ataques: foi acusada de obscena, racista, transfóbica, genitalista e antiecológica. Os ataques vieram de homens homofóbicos e misóginos; de mulheres trans que acusavam a obra de ser a representação de uma mulher cisgênero e, na sequência, associavam a artista a uma visão essencialista da mulher; foi, também, acusada de ser racista, por ter sido talhada por 20 operários negros; e, de antiecológica, por ter sido esculpida na natureza ( figura 1 ).

FIGURA 1
: Juliana Notari, Diva , 2020. Intervenção na paisagem ( Land Art ). Concreto armado e resina, 33 x 16 x 6 m. Jardim Usina de Arte, Pernambuco. Fotografia: Juliana Notari.

Diva , naturalmente, expressa uma transgressão de valores históricos, tornando-se um meio expressivo que une a beleza plástica e a sedução, ao mesmo tempo que inquieta, incomoda, porque encarna uma imagem que traduz inconsciente ou conscientemente as múltiplas violências sofridas pelas mulheres na história do Brasil, na América Latina e também um pouco por todo o mundo. A imagem da vulva incorporou historicamente, em distintas sociedades e tempos históricos, os medos e as ansiedades masculinas sobre as mulheres, porém, a obra Diva traduz a relação entre ser mulher, a história, a cultura, e a arte, realizada por uma artista do Sul Global: Juliana Notari.

A obra é uma imagem e representação artística pós-moderna, unindo arte e natureza e o modo como esta pode tornar-se uma ferramenta de recuperação da terra e, ainda, a herança originária da artista com a sociedade na qual está inserida, propondo, deste modo, uma releitura sobre a história, a cultura e a arte. Diva dialoga com uma arte “euro-norte-americana”, mas é uma expressão artística da geografia do Sul Global, da América do Sul. A estética política da paisagem real e imaginária apresentada pela obra parte da periferia para dialogar com o centro, colocando em discussão a imagem e a representação “daquele pedaço de Terra”, que é historicamente um território de lutas e conflitos políticos. A escultura aberta é imagem-encenação-dramática que sintetiza a história e a cultura do Brasil e do lugar da mulher brasileira nesta história, unindo, assim, um território geopolítico e um território feminino, os quais interpretam a complexidade das relações entre gênero, cultura e história na sociedade brasileira.

Compreendemos a obra a partir da perspectiva da antropóloga decolonial Rita Laura Segato (2005SEGATO, Rita L. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Estudos Feministas , Florianópolis, vol. 13. n. 2, mai.-ago. 2005, pp. 265-285. , p. 13): “como uma crítica da colonialidade, enquanto estrutura profunda que representa a reprodução das desigualdades sociais brasileiras”, foi projetada por uma artista mulher contemporânea que assume a si e a obra como feminista. Para Notari: “Em ‘Diva’ , utilizo a arte para dialogar com questões que remetem à problematização de gênero a partir de uma perspectiva feminina aliada a uma cosmovisão que questiona a relação entre natureza e cultura na nossa sociedade ocidental falocêntrica e antropocêntrica”1 1 . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 fev. 2021. . Diva , como território feminino e também geopolítico, une o corpo e a identidade de mulher à terra, território que, desde os tempos primordiais, é propriedade masculina, numa investigação da história, da cultura, da sexualidade, da regeneração humana em ciclos de vida, refletindo uma consciência feminina, feminista e humana, que incorpora um medo existencial: a relação dicotômica feminino e masculino, morte e vida, perpassada pela política e pela consciência ambiental que atravessa a contemporaneidade.

A obra é, neste aspecto, o próprio corpo da artista, a sua herança cultural, sendo, portanto, o próprio corpo da artista unido ao corpo da terra. Assim é um corpo “práxis política”, “texto cultural”, “construção social” e écriture féminine (JAGUAR, 1997, p. 23) de uma artista do Sul Global ( GUERRA, 2021GUERRA, Paula. So Close Yet So Far: DIY Cultures in Portugal and Brazil. Cultural Trends , vol. 30, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09548963.2021.1877085 . Acesso em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09548963.2021.1877085
https://doi.org/10.1080/09548963.2021.18...
), carregando camadas de significação, transgredindo a construção do corpo feminino como território masculino, como analisa Segato:

[...] o corpo feminino [...] significa território, e sua etimologia é tão arcaica quanto suas transformações são recentes. Tem sido constitutivo da linguagem das guerras, tribais ou modernas, que o corpo da mulher anexe-se como parte do país conquistado. A sexualidade investida sobre o mesmo expressa o ato domesticador, apropriador, quando insemina o território no corpo da mulher. ( SEGATO, 2005SEGATO, Rita L. Território, soberania e crimes de segundo Estado: a escritura nos corpos das mulheres de Ciudad Juarez. Estudos Feministas , Florianópolis, vol. 13. n. 2, mai.-ago. 2005, pp. 265-285. , p. 278)

Podemos encarar assim o corpo como uma arma política, mas também como um veículo para a prática artística, no sentido em que o mesmo é utilizado como uma forma de reivindicar uma agência e uma estética, mas é também tido como um locus de empoderamento e de resistência, frente à heteronormatividade imposta socialmente ( LANGMAN, 2008LANGMAN, Lauren. Punk Porn and Resistance. Current Sociology , vol. 56, n. 4, 2008, pp. 657-677. ). Diva , a vulva vermelha, é uma escultura a céu aberto, com 33 metros de altura por 16 metros de largura e seis metros de profundidade, recoberta por concreto armado e resina, em vermelho intenso, sobre um terreno elevado que, por ter sido utilizado anteriormente para o plantio da cana de açúcar, em Pernambuco, estava inteiramente deteriorado. “‘Diva’ é resultado de um trabalho que a artista vem desenvolvendo por quase 20 anos, com a imagem de uma ‘vulva ferida’”2 2 . Entrevista concedida a Claudia de Oliveira em 28 fev. 2021. .

As primeiras vulvas de Notari aparecem em performances, nas quais a artista costumava abrir cavidades nas paredes de galerias em grandes metrópoles como São Paulo, Berlim, Veneza, Amsterdã, e, também, em intervenções urbanas. A própria artista conta em entrevista que a imagem-presença da vulva é uma imagem representação presente desde seus primeiros trabalhos artísticos. É uma imagem-representação que a acompanha.

Em 2015, a artista decidiu replicar a imagem da vulva na performance Amuamas . Se antes ela costumava fazer essa performance em galerias e espaços públicos, escolhera, para Amuamas , a floresta Amazônica. Na floresta, Notari escolheu a árvore Samaúma: uma árvore de grandes proporções, cujas raízes são tão profundas que são capazes de alimentar outras árvores. Por esta razão, a Samaúma é considerada a “mãe da floresta”, uma vez que este espécime tem a capacidade de alimentar outras e, assim, todo o ecossistema da floresta. Em descrição da performance, a artista diz ter se vestido com roupas brancas assépticas, com as quais costuma realizar a performance, e abrir uma ferida na raiz da Samaúma, aplicando seu sangue menstrual, coletado ao longo de nove meses e que é, coincidentemente, o tempo de uma gestação. Inseriu seu sangue e também um crucifixo que pertencera a uma geração de mulheres de sua família. Para abrir a ferida na Samaúma, ela utilizou como instrumento um espéculo ginecológico comprado em uma loja de materiais de “segunda mão” nos arredores de Recife. Tais espéculos tinham o nome de Dra. Diva – médica que a artista diz ter sido a dona dos instrumentos.

Diva também dialoga com o ecofeminismo, vertente do movimento artístico feminista que conecta a luta pela igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres à defesa do meio ambiente e de sua preservação e, também com a série da artista Ana Mendieta em suas performances, Silueta Series , realizadas no México, entre 1976 e 1991 ( figura 2 )3 3 . Artista falecida em 1985. Silueta Series tinha como proposta fazer da Terra uma tela em branco para inscrição de ideias e conceitos (LIPPARD; FOX; MITHLO, 2010, p. 5). . Estas produções artísticas podem também ser entendidas enquanto um produto das “ecoguerreiras” e, além disso, a ligação do feminismo à ecologia também se relaciona com a noção de que as mulheres possuem uma ligação mais forte com a natureza em comparação aos homens. Atendendo ainda às condições vivenciais pós-modernas, torna-se impreterível que obras artísticas como a Diva ou Silueta Series surjam não só por uma questão de autoconsciência ou de consciência coletiva (GUERRA et al , 2020), mas também devido à necessidade de afirmação e de inclusão da mulher no ambiente, nas sociedades e nas culturas, dando conta dos percalços e das adversidades que as mesmas enfrentam devido às suas características biológicas. Concomitantemente, essa performance de Notari pode – no seu sentido lato e também estrito sensu – ser entendida enquanto uma materialização do conceito de performatividade de gênero ( BUTLER, 1999BUTLER, Judith. Gender Trouble. Feminism and the Subversion of Identity . Nova York: Routledge, 1999. ). Apesar de se tratar de um conceito que se encontra intimamente associado ao corpo, à performance, aos gestos e modos de vestir e de estar, a questão sexual não deixa de desempenhar um papel determinante. Então, o desenho e a marcação de uma vulva numa árvore centenária e de tamanha simbologia como a Samaúma, bem com o uso do fluxo menstrual e a simbologia que tais elementos representam para o gênero feminino, enfatizam uma performance de gênero. Performance essa em que a mulher é enaltecida por se encontrar no centro da vida humana, mas também por lutar contra as mutilações sociais e simbólicas face à sua representatividade e face ao seu papel.

FIGURA 2
: Ana Mendieta, Silueta Séries , 1976/1981. Coleção: Museum of Contemporary Art Chicago, Gift from The Howard and Donna Stone Collection, 2002.46.10. Imagem: Nathan Keay, MCA Chicago.

A POTÊNCIA DE DIVA

Diva se insere na formulação que o filósofo Jacques Rancière denomina como “‘novidade da tradição’: quando o regime estético das artes começa com as interpretações daquilo que a arte faz ou daquilo que faz a arte ser arte” (RANCIÈRE, 2015, p. 38). O pós-modernismo, para Rancière, abriu as comportas da arte para expressões de todas as ordens, novas combinações da palavra e da pintura, da escultura monumental, a mistura de gêneros e épocas, desde a pop art até as diversas instalações e variadas performances (Ibidem, p. 41).

O modelo teleológico da modernidade tornou-se insustentável, ao mesmo tempo que suas distinções entre “os próprios” das diferentes artes, ou a separação de um domínio próprio da arte. O pós-modernismo, num certo sentido, foi apenas o nome com o qual certos artistas e pensadores tomaram consciência do que tinha sido o modernismo: uma tentativa desesperada de fundar um “próprio da arte” atendo-o a uma teologia simples da evolução e de ruptura históricas. E não havia de fato necessidade de se fazer, desse reconhecimento tardio um dado fundamental do regime estético das artes, um corte temporal efetivo, o fim real de um período histórico. Mas, precisamente, o que se seguiu mostrou que o pós-modernismo era mais que isso. [...]. A partir daí o pós-modernismo entrou no grande concerto do luto e do arrependimento do pensamento modernitário. O pós-modernismo tornou-se então a grande nêmia do irrepresentável/irrecobrável, denunciando a loucura moderna da ideia de uma autoemancipação da humanidade do homem e sua inevitável e interminável conclusão nos campos de extermínio. (RANCIÈRE, 2015, pp. 42-43)

Diva é obra que pertence à pós-modernidade, tal como a ecologia e o feminismo e, do ponto de vista da história da arte, se inclui na nova disciplina “história da arte feminista” que irrompeu após a grande virada nas ciências sociais, nas artes e humanidades, após a década de 1970, com os estudos culturais, o estruturalismo e o pós-estruturalismo, que passaram a questionar as epistemologias e metodologias de disciplinas tradicionais como a história, a filosofia e a própria história da arte, propondo, sobretudo, uma interdisciplinaridade nos campos de estudo.

O texto inaugural da nova disciplina “História Social da Arte Feminista” foi “Why Have There Been No Great Women Artist?”, publicado pela historiadora da arte feminista Linda Nochlin, em 1971. Ao fazer uma pergunta nova — feminista, irônica e provocadora —, a historiadora revolucionou a história da arte que, segundo a mesma, encontrava-se extremamente confortável nos seus cânones em que sucessões de estilos artísticos se seguiam ao longo do tempo, tendo como principal sujeito criador o “grande gênio masculino”. Desde então, a história social da arte feminista tem se desdobrado e se sofisticado, não só fazendo uma verdadeira “escavação” de artistas mulheres obliteradas pelo cânone artístico, mas, sobretudo, se utilizando, através da interdisciplinaridade, de ferramentas que recorrem aos campos da psicanálise, do gaze , dos estudos sobre o corpo, da sexualidade, e da diferença/ Différance (conceito do filósofo Jacques Derrida) para mostrar a especificidade das criações das mulheres artistas, posicionando-as não só como sujeitos da história ( MCROBBIE, 2009MCROBBIE, Angela. The Aftermath of Feminism: Gender, Culture and Social Change. Londres: Sage, 2009. ), mas como indivíduos criadores, cujo olhar é absolutamente distinto do masculino. Assim, a criação de uma obra por uma artista mulher e a sua leitura, realizada por historiadoras/es feministas, apontam uma completa diferença de percepção e construção do objeto entre o sujeito masculino e o sujeito feminino. Aliás, tal aspecto não se verifica apenas na história da arte, mas também no campo da sociologia. Desde que McRobbie (1980)MCROBBIE, Angela. Settling Accounts with Subcultures: A Feminist Critique. Screen Education, vol. 34, 1980, pp. 37-49. lançou uma crítica aos estudos subculturais, por estes deixarem de lado o papel das mulheres nas subculturas, surgiu um grande número de pesquisadores preocupados com as questões de gênero e sexualidade nas subculturas ( GUERRA; OLIVEIRA, 2019GUERRA, Paula; OLIVEIRA, Ana. Heart of glass: Gender and Domination in the Early Days of Punk in Portugal. In VILOTIJEVIC, Marija Dumnic; MEDIC, Ivana (eds). Contemporary Popular Music Studies . Wiesbaden, Reino Unido: Springer, 2019, pp. 127-136. ), tendo isto permitido, segundo a autora, que várias editoras de zines contestassem as representações dominantes das mulheres, ou como Jane Ussher (1997)USSHER, Jane. Fantasies of Femininity: Reframing the Boundaries of Sex. New Brunswick, Nova Jérsei: Rutgers University Press, 1997. refere: “conceitos de feminilidade” (scripts of femininity). Na verdade, as produções independentes, como os fanzines , desempenharam um papel fulcral na desvinculação da mulher dos valores patriarcais e misóginos das sociedades. Aliás, as produções artísticas no seu todo e enquanto aura, quando levadas a cabo por mulheres, na sua maioria, pretendem demarcar um processo de libertação face aos cânones masculinos institucionalizados. No caso de Diva , como vimos na introdução deste texto, não só uma desvinculação mas também a afirmação de um novo espaço de atuação e de novas narrativas, como é o caso do ecofeminismo.

Aliás, um dos casos mais analisados é o do corpo feminino, que, segundo certos autores, tem sido constantemente reprimido e marginalizado na cultura ocidental (WOLFF, 1990); contudo, certos investigadores procuram outros discursos alternativos que realcem o corpo feminino não como algo fixo, mas como tendo uma plasticidade e maleabilidade que significa que pode adotar diferentes formas em diferentes alturas ( PIANO, 2003PIANO, Doreen. Resisting Subjects: DIY Feminism and the Politics of Style in Subcultural Production. In MUGGLETON, David; WEINZIERL, Rupert (orgs.). The Post-Subcultures Reader. Oxford, Reino Unido: Berg, 2003, pp. 253-265. ). Nas subculturas em estudo, o corpo feminino tornou-se, portanto, uma forma de contestação sobre os significados que normalmente comporta, quer seja no palco ou em mosh pit ; contudo, e paradoxalmente, como Piano refere:

Isto criou oportunidades para explorar e negociar identidades… Participando em práticas subculturais como slam-dancing , tocar em bandas, criar sites ou jornais e produzir zines , as mulheres nas subculturas punk resistiram ativamente às ideias autoritárias e subculturais que colocavam as mulheres como espectadoras silenciosas. Esta resistência não foi realizada apenas da apropriação de papéis tradicionalmente masculinos, mas também colocando em primeiro plano questões de gênero e sexualidade através do posicionamento disruptivo dos seus corpos. ( PIANO, 2003PIANO, Doreen. Resisting Subjects: DIY Feminism and the Politics of Style in Subcultural Production. In MUGGLETON, David; WEINZIERL, Rupert (orgs.). The Post-Subcultures Reader. Oxford, Reino Unido: Berg, 2003, pp. 253-265. , p. 258)4 4 . Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções são das autoras deste texto.

O corpo e o artivismo, plasmados na obra de Juliana, podem também ser analisados a partir do pós-feminismo de Angela McRobbie (2009)MCROBBIE, Angela. The Aftermath of Feminism: Gender, Culture and Social Change. Londres: Sage, 2009. , no sentido em que possuem potencial para mudar a sociedade, ao passo que causam profunda ansiedade em todos os que se beneficiam de um status quo assente no patriarcalismo e na dominação masculina ( GUERRA, 2018GUERRA, Paula. Gender is Dead, Pink is 4Ever: Gender, Differences and Popular Cultures. Keep It Simple, Make It Fast . Porto: Universidade do Porto, 2018. ), ou seja, o pós-feminismo de McRobbie centra-se na rejeição de uma cultura dominante em que o homem era visto e encarado como uma figura central. Mais ainda, fazem que com que se crie uma igualdade simbólica que, de certo modo, se materializa numa performance de gênero subversiva que dá lugar a uma experimentação de possibilidades (MCROBBIE, 2009; GUERRA, 2018GUERRA, Paula. Gender is Dead, Pink is 4Ever: Gender, Differences and Popular Cultures. Keep It Simple, Make It Fast . Porto: Universidade do Porto, 2018. ; PIANO, 2003PIANO, Doreen. Resisting Subjects: DIY Feminism and the Politics of Style in Subcultural Production. In MUGGLETON, David; WEINZIERL, Rupert (orgs.). The Post-Subcultures Reader. Oxford, Reino Unido: Berg, 2003, pp. 253-265. ).

A “VIRADA CULTURAL” E A EMERGÊNCIA DA HISTÓRIA SOCIAL DA ARTE FEMINISTA NOS ANOS 1970

Witney Chadwic, na introdução de seu livro Women, Art and Society (2007), relata a história do quadro de Johan Zoffany The Academicians of the Royal Society (1771-72) ( figura 3 ), assinalando que a composição de Zoffany, assim como muitas outras obras de arte, obedece a predisposições culturais amplamente aceitas, que subjugavam os interesses das mulheres aos dos homens, estruturando o acesso das mulheres à educação e à vida pública, reforçando padrões e crenças que sustentaram os discursos e os papéis “naturais” das mulheres e suas capacidades. A composição de Zoffany e seus agrupamentos figurativos reforçam suposições sobre arte e história da arte que não são exclusivas da Inglaterra do século XVIII: “os artistas são homens e são brancos, e a arte é um discurso erudito; as fontes temáticas e os estilos artísticos estão no passado clássico; mulheres são objetos de representação e não produtoras de uma história comumente traçada por ‘Velhos Mestres’ e ‘obras-primas’” ( CHADWIC, 2007CHADWIC, Witney. Women, Art and Society . 4ª ed. Londres: Thames & Hudson, 2007. ).

FIGURA 3
: Johan Zoffany, The Academicians of the Royal Society , 1771-72. Óleo sobre tela, 101,1 x 147,5 cm. Coleção: The Royal Collection, Londres.

Entre os membros fundadores da Academia Real Britânica em 1768 estavam duas mulheres: as pintoras Angélica Kauffmann e Mary Moser. Ambas eram filhas de estrangeiros e ativas no grupo de pintores masculinos que contribuíram para a formação da Royal Academy , o que sem dúvida facilitou sua adesão. Kauffmann, eleita para a prestigiosa Academia de São Lucas em Roma em 1765, foi aclamada como a sucessora de Van Dyck em sua chegada a Londres, em 1766. Principal pintora associada à linha decorativa e romântica do classicismo, ela foi em grande parte responsável pela propagação das teorias estéticas de Abbé Winckelmann na Inglaterra e foi creditada, junto com o escocês Gavin Hamilton e o americano Benjamin West, por popularizar o neoclassicismo lá. Moser, cuja reputação na época rivalizava com a de Kauffmann, era filha de George Moser, um esmaltador suíço que foi o primeiro (Keêper) da Royal Academy . No entanto, quando o retrato do grupo de Johann Zoffany celebrando a recém-fundada Royal Academy, The Academicians of the Royal Society (1771-2), Kauffmann e Moser não foram incluídas entre os artistas casualmente agrupados em torno dos modelos masculinos. Claramente, não havia lugar para as duas acadêmicas na discussão que ocorria na cena criada por Zoffany. As mulheres eram impedidas de estudar o modelo de nu que se tornou a base para o treinamento acadêmico e representação do século XVI ao século XIX. Depois de Kauffmann e Moser, nenhuma mulher foi autorizada a entrar na Academia Real Britânica até que Annie Louise Swynnerton se tornou um membro associado em 1922 e Laura Knight foi eleita membro pleno em 1936. ( CHADWIC, 2007CHADWIC, Witney. Women, Art and Society . 4ª ed. Londres: Thames & Hudson, 2007. , p. 8)

Durante a década de 1970, o feminismo americano transformou a relação entre corpo feminino em representação e experiência feminina, abraçando abordagens pessoais e colaborativas na produção artística. Alguns artistas e críticos exploraram a noção de um “imaginário feminino” – como forma positiva de representação do corpo feminino, resgatando-o de sua construção enquanto objeto passivo e de desejo masculino. Outros passaram a desafiar as hierarquias existentes de produção e representação, através das quais a disciplina história da arte havia estruturado o conhecimento, bem como sua descrição e classificação de objetos, e identificação de uma classe de indivíduos conhecida como “artistas” e “arte" identificada como um estilo que enfatizava uma história que reverenciava o artista individual, o herói, como expressão individual e não como resposta da realidade derivada do social, do contemporâneo, com suas condições de produção e circulação ( CHADWIC, 2007CHADWIC, Witney. Women, Art and Society . 4ª ed. Londres: Thames & Hudson, 2007. , p. 9).

É neste contexto que, em 1976, foi aberta em Los Angeles a exposição “Women Artists 1550-1950”. A mostra expunha pela primeira vez em um mesmo espaço artistas de nacionalidades distintas e de períodos diferentes, consolidando as abordagens de uma história da arte feminista. Este aspecto levou a resultados bem diferentes daqueles que, em princípio, se poderia esperar de uma exposição organizada à margem de um contexto museológico e discursivo da história da arte dominante, visto que a dimensão prática da exposição, envolvendo pesquisas pormenorizadas sobre artistas, em sua grande maioria pouco conhecidas, e também os empréstimos de vários museus e de coleções privadas na Europa e nos Estados Unidos, obrigava a condições de trabalho que dificilmente poderiam ter sido obtidas num contexto menos institucional ( VICENTE, 2005VICENTE, Felipa L. Arte sem história - mulheres artistas (Sécs. XVI-XVIII). ARTIS - Revista do Instituto de História da Arte , Lisboa, n.4, 2005, pp. 205-242. , p. 205, p. 164).

“A exposição pode ser entendida como um ato fundador”, segundo Vicente (Ibidem, p. 206), na medida em que incorporava as premissas do valor artístico definidas pela história da arte, tais como “qualidade”, “originalidade” e “estilo” mostrando que tais premissas só se aplicavam ao cânone masculino, resultando, portanto, na obliteração, ou pior, deixando fora do cânone, um conjunto enorme de artistas: as artistas mulheres, uma vez que para Nochlin, tais noções não se aplicavam a este grupo artístico. Para explicar as razões da não aplicabilidade destas noções às artistas mulheres, Nochlin e Harris propuseram uma genealogia de mulheres artistas para demonstrar a especificidade de suas criações. A partir de então, a “página em branco” da história da arte começou a ser preenchida “por várias propostas de genealogias artísticas no feminino” (Ibidem, p. 206).

“Women Artists 1550-1950” situava-se conjuntamente às práticas acadêmicas e artísticas que caminhavam unidas às pautas apresentadas pelos movimentos feministas que, desde os anos de 1960, foram fundamentais para o estabelecimento da nova disciplina. No campo artístico, a obra inaugural The Dinner Party ( figura 4 ), de Judy Chicago, não só criava uma genealogia cultural das ausências, uma vez que a obra apresentava um amplo conjunto de mulheres obliteradas pela história, mas as celebrava como sujeitos criadores. Embora a obra ainda seja controversa, especialmente no cânone masculinista, que insiste nas noções de “qualidade”, “originalidade” e “estilo”, Chicago é uma artista feminista que inovou tanto no método quanto na obra ( The Dinner Party ), uma vez que método e obra desafiam a estrutura patriarcal do mundo da arte e, por estas razões, Chicago talvez seja a artista feminina mais brilhante de sua geração, segundo análise de Amélia Jones (2005)JONES, Amelia. The Sexual Politics of the Dinner Party. In BROUDE, Norma; GARRARD, Mary D. (eds). Reclaiming Female Agency: Feminist Art History After Postmodernism. Berkeley: University of California Press, 2005. . Desse ponto de vista, as artistas femininas que a seguiram devem muito à coragem de Chicago, que abriu o tema da arte feminista no campo artístico. O fato é que as críticas do “mundo da arte” em relação aos trabalhos de Judy Chicago e, especialmente, The Dinner Party , evidenciam as ansiedades masculinas sobre a sexualidade feminina, pois estas iniciativas, obras, discursos e práticas começam a evidenciar uma necessidade de libertação da mulher face aos valores e às regras socialmente impostas, mas também face à constante insistência do cânone em se manter preso a regras passadistas – ou ao que Rancière nomeia como “princípio modernitário”, uma vez que Chicago, nessa obra, afasta-se radicalmente do modernismo que influenciara todo o século XX. “‘ The Dinner Party ’ exemplifica os caminhos da arte pós-moderna, que marca a contemporaneidade” ( VICENTE, 2005VICENTE, Felipa L. Arte sem história - mulheres artistas (Sécs. XVI-XVIII). ARTIS - Revista do Instituto de História da Arte , Lisboa, n.4, 2005, pp. 205-242. , p. 207).

FIGURA 4
: Judy Chicago, The Dinner Party, 1974–79. Cerâmica, porcelana, tecidos, 14,63 x 14,63 m. Coleção: Brooklyn Museum. Gift of the Elizabeth A. Sackler Foundation, 2002.10. ©Judy Chicago. Imagem: Donald Woodman.

Paralelamente, tanto o Fresno State College como o California Institute of the Arts (ambos na Califórnia) começaram a apresentar projetos artísticos inovadores, mostrando uma perspectiva das mulheres na arte e incentivando uma prática artística que fosse o resultado de uma reflexão sobre a experiência de ser mulher. Sobre este ponto, também acadêmicas, como Angela McRobbie (2009)MCROBBIE, Angela. The Aftermath of Feminism: Gender, Culture and Social Change. Londres: Sage, 2009. , analisam as complexidades contemporâneas associadas ao gênero feminino nas mais diversas esferas da vida cotidiana, mas com um especial enfoque no campo artístico. Mais ainda, McRobbie destaca a ausência de elementos estéticos e biomédicos no âmbito das políticas feministas e, paralelamente, a sobrevalorização de padrões estéticos e comportamentais vem justificar o discurso de que o corpo da mulher pode (e deve) ser construído a partir de discursos heteronormativos e masculinos, algo que vai ao encontro do que nos propomos aqui analisar.

Também Judith Butler (1999)BUTLER, Judith. Gender Trouble. Feminism and the Subversion of Identity . Nova York: Routledge, 1999. , dentre elas, se debruça sobre a complexidade de se ser mulher no campo artístico, bem como na sociedade como um todo. Desta feita, os projetos artísticos acima mencionados, tais como Diva ou, ainda, iniciativas levadas a cabo pela Fresno State College ou pela California Institute of the Arts, materializam-se naquilo que a autora descreve em termos de performatividade de gênero, ou seja, as práticas artísticas como a pintura, a performance ou a música são fundamentais para a construção de gênero, e por conseguinte, para a afirmação do gênero – neste caso, gênero feminino – no âmago das sociedades misóginas e machistas.

No mesmo sentido, também nos distanciamos dos privilégios que o modernismo atribuíra à pintura e à escultura; igualmente, essas comunidades artísticas não hegemônicas recorriam a uma multiplicidade de meios como forma de expressão – instalações, performances, peças de teatro, colagens, vídeo, uso de técnicas tradicionalmente femininas, como o bordado, etc. No entanto, olhando de hoje, a contribuição dessas iniciativas para a prática artística e o que se seguiu a elas continua a ser analisado por uma história da arte feminista sem, contudo, fazer parte dos programas universitários, nem da história da arte ou dos livros em que se construiu o cânone artístico do século XX ( VICENTE, 2005VICENTE, Felipa L. Arte sem história - mulheres artistas (Sécs. XVI-XVIII). ARTIS - Revista do Instituto de História da Arte , Lisboa, n.4, 2005, pp. 205-242. , p. 207).

O importante, porém, na pergunta lançada ao cânone por Nochlin (por que é que não existiram grandes mulheres artistas?), é que a historiadora elenca respostas provocativas. Dentre elas, Nochlin ressalta, por exemplo, que “uma coisa é pensar que em determinados momentos históricos e por diferentes razões, relacionadas às limitações que lhes eram socialmente impostas, as mulheres se dedicassem mais a certos motivos na pintura ou a certos formatos ou gêneros pictóricos” ( VICENTE, 2005VICENTE, Felipa L. Arte sem história - mulheres artistas (Sécs. XVI-XVIII). ARTIS - Revista do Instituto de História da Arte , Lisboa, n.4, 2005, pp. 205-242. , p. 209). Em decorrência da primeira proposição, Nochlin assevera que outra coisa era “a tentativa de encontrar algo de diferente, de feminino, na produção artística das mulheres através dos séculos que atuaram em zonas geográficas distintas” (Ibidem, p. 209), portanto, estas noções também não se aplicam à produção artística feminina. Embora esses argumentos, na década de 1970, fossem falas que abriam espaços para as vozes feministas, no século XIX, como sabemos, “a definição de uma arte feminina foi usada como modo de distinção para uma arte verdadeiramente profissional que, implicitamente, era masculina” (Ibidem, p. 209). Finalmente, Nochlin conclui que, nestes termos, apesar de terem existido muitas artistas com um trabalho interessante, de fato, não existiram “great women artists” e nem poderiam ter existido (Ibidem, p. 209).

A partir dessas novas abordagens, a subjetividade das escolhas dos objetos expostos nos museus, os quais, muitas vezes renovam as salas disponíveis ao público, passaram a seguir novos direcionamentos, novos enfoques ( BUTLER, 1999BUTLER, Judith. Gender Trouble. Feminism and the Subversion of Identity . Nova York: Routledge, 1999. , p. 213). De modo que a nova perspectiva feminista começou a adentrar e pressionar tanto os estudos no campo da história da arte tradicional, a partir da década de 1970, como a promoção de novas práticas artísticas e novas direções ou posições que os museus passaram a adotar. Assim, como assinala a historiadora da arte portuguesa Felipa Lowndes Vicente, a história da arte social feminista deve ser vista em um contexto amplo de críticas aos saberes estabelecidos, obrigando “a um repensar irreversível das próprias disciplinas de ciências sociais e humanas e que implicaram a sua transformação nas últimas décadas” (VICENTE, 2005, pp. 211-212).

PROVOCANDO O CÂNONE

Seguindo as proposições abertas por Linda Nochin, na década de 1970, a historiadora da arte feminista inglesa Griselda Pollock publica, em 1999, o livro Differencing the Canon: Feminist. Desire and the Writing of Art’s Histories . Nesta publicação, Pollock, dizendo-se pertencer à mesma geração de Nochlin e, portanto, à geração pós-1960, e situando-se como uma historiadora social feminista da arte, abre o livro provocando o cânone, com inúmeras perguntas:

O cânone tradicional dos "Velhos Mestres" dever ser rejeitado, substituído ou reformado? Qual a "diferença" que as "intervenções feministas nas histórias da arte" podem fazer? Devemos simplesmente rejeitar a sucessão masculina de "grandes artistas" em favor de uma ladainha feminina de uma arte heroínas? Ou devemos deslocar as atuais demarcações de gênero e permitir que ambiguidades e complexidades de desejo moldem nossas leituras de arte? (POLLOCK, 1999, p. 5)

“Diferenciar o cânone”, para Pollock, é se mover entre releituras feministas entre aquelas tidas como canônicas, que insistem nos “mestres do modernismo” – Van Gogh, Toulouse-Lautrec e Manet – e, em posição contrária, apresentar artistas como Artemisia Gentileschi e Mary Cassatt – artistas discutidas neste livro de Pollock. A historiadora, no livro, portanto, evita tanto uma crítica sem nuances aos cânones masculinos quanto uma celebração às mulheres artistas porque, para ela, isto seria incorrer no mesmo erro às avessas. Mas o inovador nesta publicação é que a historiadora recorre a outros instrumentos de análise, como a psicanálise e a desconstrução, para examinar o projeto ou fazer uma leitura sobre o que ela nomina como “inscrições no feminino”, para demonstrar o que “sinais da ‘diferença’” (POLLOCK, 1999, p. 6) podem dizer sobre a criação de uma artista mulher. Pollock argumenta ao longo do livro que, para que a diferença seja entendida como algo mais que o simplório par binário e patriarcal homem/mulher, devemos reconhecer as diferenças entre as mulheres moldadas pelas hierarquias racistas e coloniais da modernidade. Para isto, Pollock, retoma a proposição apresentada pela filósofa Gayatri Spivak em “Pode o Outro falar?”, em que Spivak afirma que devemos sempre perguntar “Quem é o outro mulher?” (SPIVAK, 2010). Pois, para Pollock, partir desta pergunta é explorar as questões tanto da sexualidade como da diferença cultural, ambas fundamentais para entendermos as “inscrições femininas”. Assim, a historiadora inicia a publicação reafirmando que a história da arte se transformou em uma nova disciplina acadêmica a partir da virada cultural, e que a nova história da arte não é mais aquela “arrumada demais” (POLLOCK, op. cit., p. 6).

Primeiramente, Pollock afirma que Differencing the Canon coloca uma questão inicial, a seu ver candente para pensar o novo status da disciplina: O que é o cânone? A partir desta pergunta afirma que uma perspectiva feminista, que busque explorar os problemas que a canonicidade apresenta para as intervenções feministas no campo das histórias da arte, partindo de princípios como uma exclusividade masculina nas interpretações canônicas e metodologias, não é possível para uma intervenção feminista na história da arte. Pois, em sua visão, a história contada pelo cânone sempre coloca a arte das mulheres no campo acadêmico institucionalizada que privilegia um único padrão de valor artístico, trans-histórico, absoluto, que incorpora a representação do “artista exemplar”, universalista. Esta visão, para a historiadora, apresenta problemas historiográficos e teóricos muito problemáticos. Por isso, ela propõe novas perguntas:

[...] como diferentes narrativas, modelos ou identidades poderiam intervir no que é geralmente aceito como história da arte sem, apenas, confirmar o jogo sem fim do Um e de seu Outro? Pode a “diferença” significar algo novo dentro do escopo que aprendemos como passado cultural e artístico? Podemos escapar a essa história idealizada de “grandes homens” sem termos o anseio de criar, como contraparte, mulheres heroicas? (POLLOCK, 1999, p. 7)

O legado histórico da modernidade, por si só, incitou e exigiu uma revolta e revisão, fazendo surgir uma modernização no pensamento feminista que passou a explorar a diferença sexual. Tal afirmação também é corroborada pela crítica literária Heloisa Buarque de Hollanda, que afirma no catálogo Manobras Radicais (2006) – publicação que apresenta as propostas de Buarque de Hollanda e Paulo Herkenhoff na exposição “Manobras Radicais: Artistas Brasileiras entre 1986 e 2006”, no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo – que se antes a diferença era uma condição negada pelas mulheres, as quais buscavam uma paridade entre homens e mulheres, hoje, a diferença tornou-se um capital para as mulheres (HOLLANDA; HERKENHOFF, 2006, p. 24). Esta diferença que ambas (Pollock e Hollanda) pensam como fundamentais para se conceber as mulheres na história e na história da arte na contemporaneidade conformam novos caminhos de leitura e construção de obras realizadas por mulheres, no passado ou no presente: sexualidade, subjetividade, atividade e representação formam um conjunto crítico de questões inter-relacionadas para a cultura feminista, oferecendo suportes para a análise de representações visuais que percorrem os terrenos do desejo, da fantasia e da ambivalência.

De modo que Differencing the Canon sequencia essa discussão. Pollock, então, abre seu primeiro capítulo discutindo não só o significado etimológico da palavra cânone, mas a sua construção no campo musical, literário e sobretudo artístico. “O termo cânone é derivado do grego kanon , que significa ‘regra ou padrão’, evocando regulação social e organização militar” (POLLOCK, 1999, p. 16). Porém, com o surgimento de academias e universidades, os cânones se tornaram seculares, referindo-se a corpos literários.

Deste ponto de vista, o cânone estabelece o discurso das instituições acadêmicas, as quais edificam os melhores, os mais representativos e significativos objetos, na literatura, na história da arte ou na música. Contudo, historicamente, nunca houve um único cânone, mas vários competindo entre si. Durante o que Pollock qualifica como “a grande era da história da arte”, o século XIX, muitos artistas foram redescobertos e reavaliados. Esse foi o caso de Rembrandt, por exemplo, que passou a ser extremamente apreciado no século XIX, visto pela crítica e pelos artistas desse século como um grande artista religioso e espiritual, deixando, deste modo, de ser rejeitado, como acontecera no século XVIII. Do mesmo modo, Franz Hals, que havia sido por muito tempo evitado por ser visto como um pintor de gênero menor, sem grande habilidade ou distinção, passou, no século XIX, a ser o grande artista, a inspiração para Manet e sua geração de modernistas em busca de novas técnicas de pintura sobre a “vida ao ar livre” (Ibidem, 1999, p. 18).

Como um registro do gênio masculino autônomo, o cânone é marcado pela obra “O que é uma obra-prima?” do historiador da arte Kenneth Clark. O historiador insistia que “embora muitos significados se agrupem em torno da palavra obra-prima, ela é antes de tudo obra de um artista de gênio que foi absorvido pelo espírito da época de uma forma que transformou o indivíduo em experiências universais” (CLARK apud POLLOCK, 1999, p. 20). De modo que o cânone não é apenas produto da academia, mas também é criado por artistas, historiadores da arte e críticos.

O problema do cânone, tal como estabelecido, é que este não apenas determina o que lemos, olhamos, ouvimos, vemos nas galerias de arte, museus ou, ainda, o que estudamos na Universidade, mas, sobretudo, implica uma escolha realizada pelos próprios artistas que selecionam seus predecessores e os legitimam. Nesse cânone, as mulheres ou os artistas não europeus são deixados de fora dos registros e ignorados como parte do patrimônio cultural. Assim, o cânone acaba por tornar-se um filtro empobrecido e empobrecedor para a totalidade das possibilidades culturais geração após geração (POLLOCK, 1999, p. 24). Portanto, para a autora, o que conhecemos como cânone renascentista, barroco, modernista etc., foi colocado nos currículos como padrões necessários para o estudo e, sobretudo, para a aculturação, assimilação e processamento de um saber branco masculino europeu exclusivista e opressor. Muito embora hoje, na contemporaneidade, os cânones sejam construídos em padrões mais ampliados, que incluem instituições como museus, editoras, críticos e universidades, eles precisam ser pressionados para se abrirem para outras linguagens (POLLOCK, 1999, p. 25).

Não é difícil para a história da arte feminista mostrar o “clube masculino” representado por Histórias de Arte como as de Ernst Gombrich e de W. Janson que não apresentam nem uma só mulher artista. Assim como Freud criou sua psicanálise apoiado em uma visão inteiramente patrilinear, com seus conceitos de Édipo e da castração sustentando e reforçando a opressão masculina, o cânone artístico falocêntrico branco ocidental ajudou a fortalecer as mitologias patriarcais da criatividade, porque ambos se retroalimentam.

E AGORA?

Em The Sacred and the Feminine: Imagination and Sexual Difference (2014), livro organizado pelas historiadoras da arte feministas Griselda Pollock e Victoria Turvey Sauron, Pollock, no prefácio da obra, levanta várias perguntas: “O que você acha das artes visuais hoje em dia? O que está acontecendo com a história da arte? Quais são as novas direções? Ao que devemos permanecer leais?”. Para responder a estas indagações, Pollock recorre a um travelling concept – elaborado pela crítica literária feminista, narratologista e pensadora dos estudos culturais Mieke Bal –, uma vez que, para Pollock, somente um travelling concept responderia às várias questões postas à arte e aos estudos acadêmicos na contemporaneidade, pois, em sua compreensão, as artes visuais, a cultura e a história encontram-se frente a várias encruzilhadas ( POLLOCK; TURVEY-SARON, 2014POLLOCK, Griselda; TURVEY-SARON, Victoria (ed.). The Sacred and the Feminine: Imagination and Sexual Difference (New Encounters: Arts, Cultures, Concepts). Londres: I.B.Tauris & Co. Ltd, 2014. , p. 2). Assim, a historiadora afirma que estudos culturais, análise, teoria e história são, na contemporaneidade, oferecidas “como experimentos para pensar como entendemos e agimos no mundo neste momento, considerado por ela como extremamente importante, após a virada intelectual e cultural nas artes e nas humanidades que caracterizaram o último quartel do século XX” (Ibidem, p. 3).

Mieke Bal (2002)BAL, Mieke. Travelling Concepts in the Humanities. A Rough Guide . Toronto, Buffalo, Londres: University of Toronto Press, 2002. acredita que após a virada interdisciplinar do final do século XX, passamos a viver uma época caracterizada pela perda de fronteiras conceituais, assim, sua proposta é a criação de novas metodologias, baseadas na formulação de novos conceitos, para dar conta de pesquisas, seja no campo acadêmico ou nas criações artísticas, que ultrapassem as fronteiras disciplinares tradicionais. Dentro desses estudos, os estudos feministas e os estudos culturais foram, segundo a autora, fundamentais para esta “abertura absolutamente indispensável na estrutura disciplinar nas humanidades e nas artes” ( BAL, 2002BAL, Mieke. Travelling Concepts in the Humanities. A Rough Guide . Toronto, Buffalo, Londres: University of Toronto Press, 2002. , p. 20). Para Bal, os estudos culturais e feministas passaram a desafiar dogmas metodológicos, preconceitos elitistas e julgamentos de valor, forçando a comunidade acadêmica a se transformar (Ibidem, p. 24). Para a autora, travelling concept contém uma teoria sistemática, na qual são extraídos conceitos de teorias “tradicionais” para dar suporte a novas epistemologias. Nesse percurso, a essência dos conceitos (tradicionais) não é negligenciada, nem mesmo em sua própria história ou embasamentos filosóficos ou teóricos, mas oferece como contrapartida a compreensão do conceito como “texto cultural”, “obra” ou "coisa" que constitui o objeto de análise do artista e do intelectual contemporâneo. Segundo Bal, “nenhum conceito é significativo para a análise cultural a menos que nos ajude a compreender melhor o objeto em seus próprios termos” (Ibidem, p. 25). Foi a própria nova situação em que se encontraram as disciplinas tradicionais no campo das humanidades e das artes, incluindo as próprias práticas artísticas, que, para a autora, possibilitou a emergência de uma mudança metodológica, que se apresenta como uma reação (BAL, 2002, p. 26).

Para ilustrar como, em diferentes períodos históricos, os significados e os usos dos conceitos mudam dramaticamente as epistemologias e paradigmas, Bal utiliza o conceito de hibridismo. A autora mostra como esse conceito, proveniente da biologia, que no século XIX implicava um entendimento sobre o “outro” como um espécime autêntico que levava à esterilidade, foi utilizado pelo discurso imperialista com suas nuanças racistas. Desde a “virada”, o conceito se transformou – travel through –, para os estudos pós-coloniais, em um estado que implicava diversidade. Assim, na compreensão da autora, um travelling concept possibilita o pensamento tomar outros cursos, indicando novas construções teóricas e conceituais. Travelling concept , segundo a autora, indica uma “aventura intelectual”, uma viajem rumo a novas vivências (Ibidem, p. 30). “Sem dúvida o conceito tem um estatuto paradoxal, porém auxilia o pesquisador a conviver com e através do seguinte dilema: só a prática pode se pronunciar sobre a validade teórica, contudo, sem validade teórica nenhuma prática pode ser validada” (Ibidem, p. 30). Travelling concept é, então, um conceito metafórico para pensar em ideias que se entrecruzam e viajam dando suporte para construções de novos contextos artísticos, históricos e culturais.

Para Pollock (2014), a partir da virada cultural no fim do século XX, a pesquisa em artes e humanidades foi reconfigurada pelas correntes filosóficas estruturalistas e pós-estruturalistas e pelos estudos culturais, que apresentam conceitos que envolvem reflexões sobre a sociabilidade, texto, imagem, sujeito, pós-colonial, diferença – e hoje, ainda, incluímos os estudos descoloniais ou decoloniais. Segundo a autora, velhas disciplinas foram profundamente desafiadas, e as novas disciplinas – chamadas de estudos – surgiram para contestar o campo acadêmico e suas epistemologias e passaram a pressioná-lo a construir novas epistemologias e novos paradigmas. Tais mudanças, como afirma Pollock, foram operadas por meio de “compromissos disciplinares” operando com conceitos que incluem desde o marxismo, pensamento feminista, desconstrução, psicanálise, discursos e até mesmo táticas políticas advindas de grupos políticos minoritários. Tal mapeamento acabou por produzir divisões entre os modelos teóricos tradicionais e, como resposta, uma profunda cisão surgiu (POLLOCK, 2014, p. 3, POLLOCK; TURVEY-SARON, 2014POLLOCK, Griselda; TURVEY-SARON, Victoria (ed.). The Sacred and the Feminine: Imagination and Sexual Difference (New Encounters: Arts, Cultures, Concepts). Londres: I.B.Tauris & Co. Ltd, 2014. , p. 6).

Embora o turning point tenha sido, sem dúvida, extremante criativo, Pollock afirma que muitos intelectuais na contemporaneidade têm afirmado que essa criatividade se exauriu, acabando por levar a nova geração a se deparar com o que ela classifica como os “101 slogans da teoria – o autor está morto, o gaze é masculino, o tema/objeto está dividido, nada mais existe além de texto etc.” (POLLOCK, 2014, p. 5). Assim, a grande luta inicial por mudanças de paradigmas, que buscavam, sobretudo, afirmar a diferença, subjetividade, imagem, representação, sexualidade, pós-colonialidade, textualidade, tem esmaecido (Ibidem, p. 6). A partir desta constatação, Pollock vê como urgente enfrentarmos essas novas questões postas pela pós-modernidade, as quais a autora vê como ainda mais problemáticas. Contudo, em sua visão, agora temos muitos meios de análise para refletir sobre a complexidade da linguagem, da imagem, da representação, da subjetividade, das práticas simbólicas, dos afetos apresentada pelas estéticas pós-modernistas (Ibidem, p. 6).

O filósofo Jacques Rancière, em seus vários estudos, também divide das mesmas opiniões que Pollock e Bal. Para Rancière, “o que se chama de pós-modernismo é propriamente o processo dessa reviravolta”. Portanto, é nesse fio de análise que Pollock propõe seguir as propostas de Mieke Bal e caminhar na direção de um estado de superação. E, para isso, ela se utilizava dos “conceitos em viagem” – travelling concepts – para refletir, por exemplo, como arte e cultura podem ser representadas pela sacralidade da sexualidade feminina, objeto discutido na coletânea The Sacred And The Female: Imagination and Sexual Difference (2014). Refletir sobre arte, cultura e sexualidade é, para Pollock, pensar na ambivalência da imagem, que pode oscilar entre uma experiência espiritual e uma experiência erótica, traçando, ainda, uma genealogia iconográfica da imagem em questão – sagrada ou profana, relacionada à sexualidade e à cultura – e, também, analisando a importância da visualidade do corpo feminino em representações contemporâneas que apresentam reflexões sobre a sexualidade de modo ainda mais problematizados (POLLOCK, 2014, p. 6) como, em nosso estudo de caso, a vulva Diva , da artista Juliana Notari.

DIVA: UMA OBRA ARTÍSTICA DA QUARTA ONDA FEMINISTA NO SUL GLOBAL

Em “O grifo é meu”, texto introdutório de A explosão feminista (2018) de Heloisa Buarque de Hollanda, a autora descreve a sua surpresa e a felicidade ao se deparar com a quarta onda feminista no Brasil, onda que situa artista e arte neste tempo novo, em que as vozes femininas do Sul Global fazem ecoar em suas criações que apresentam arte, cultura, sexualidade, erotismo, o sagrado e o profano, como é Diva , a obra em análise.

Grifar quer dizer sublinhar, ressaltar, chamar atenção para. Sou uma feminista da terceira onda. Minha militância foi feita na academia, a partir de um desejo enorme de mudar a universidade, de descolonizar a universidade, de usar, ainda que de forma marginal, o enorme capital que a universidade tem. Nunca me interessei por uma carreira acadêmica tradicional. Senti, desde muito cedo, como minha missão intelectual, pesquisar e abrir espaço para novas vozes, novos saberes e novas políticas. Meu trabalho com mulheres, especialmente na década de 1980, foi parte importante dessa tarefa. Há pouquíssimo tempo, por volta de 2015, eu acreditava que a minha geração teria sido, talvez, a última empenhada na luta das mulheres. O feminismo hoje não é o mesmo da década de 1980. Se naquela época eu ainda estava descobrindo as diferenças entre as mulheres, a interseccionalidade, a multiplicidade de sua opressão, de suas demandas, agora os feminismos da diferença assumiram, vitoriosos, seus lugares de fala, como uma das mais legítimas disputas que têm pela frente. Por outro lado, vejo claramente a existência de uma nova geração política, na qual se incluem as feministas, com estratégias próprias, criando formas de organização desconhecidas para mim, autônomas, desprezando a mediação representativa, horizontal, sem lideranças e protagonismos, baseadas em narrativas de si, de experiências pessoais que ecoam coletivas, valorizando mais a ética do que a ideologia, mais a insurgência do que a revolução. Enfim, outra geração. (HOLLANDA, 2018, p. 11)

A crítica, ao anunciar o novo tempo do feminismo no Brasil, faz-nos pensar em como esses discursos se desdobram nas artes e nos comportamentos das artistas contemporâneas que, agora, assumem, sem medo, sua posição política no campo das artes, posicionando-se como mulheres criadoras feministas, visto que arte não se separa da política, como afirma a filósofa Chantal Mouffe em The Democratic Paradox (2000, p. 34), dando assim origem ao surgimento de práticas artísticas que podem ser lidas do ponto de vista do artivismo. O dito ativismo estético-político (GUERRA et al ., 2020) representa uma forma de expressão das lutas sociais, das políticas e das culturas, e o mesmo tem-se destacado de forma substancial nas sociedades contemporâneas. Na verdade, essa forma de ativismo pode também ser encarada numa lógica de performatividade de gênero, como referimos anteriormente que era defendido por Judith Butler (1999)BUTLER, Judith. Gender Trouble. Feminism and the Subversion of Identity . Nova York: Routledge, 1999. , no sentido de que dá origem a uma identidade e a cimenta, ao mesmo tempo que cria um lugar de abertura para o gênero feminino nas sociedades contemporâneas. As práticas e os produtos que se inserem nesse âmbito, tal como a obra Diva , assinalam outras lutas, mas também outros discursos e vivências, pautadas pelas afirmações identitárias, bem como pela opressão, historicamente perpetuada frente a mulheres e às minorias. Tal como nos refere Juliana na entrevista,

E de alguma forma eu não considerava que o feminino associado à problematização dessa categoria nos estudos de gênero, na construção identitária, tivesse muita centralidade no meu trabalho. Mas mesmo assim, alguns curadores sempre insistiam em me ver nesses moldes e às vezes eu não gostava, mas justamente por conta desse medo; desse rótulo que poderia fechar o campo de significado do trabalho, enquanto eu sei que há muitos outros. De alguma forma me parecia que era mais essencial entender que meu corpo fundava a minha produção e que a dimensão da sua identidade cultural se dava de modo bem mais diverso das produções que se colocam como a crítica da política e da cultura. Mas no meu caso, era a dimensão traumática que sempre me pareceu mais evidente […]5 5 . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 jan. 2021.

É neste contexto que uma obra como Diva revela que a vulva, sempre tida como abjeta e, por isso mesmo, evocadora de tantas críticas e escárnios, é um território político feminino, que carrega muitas camadas milenares de significações. É partindo dessa compreensão que a própria artista revela tanto o seu processo criativo quanto a sua importância para as mulheres e para ela enquanto sujeito feminino. Diva é uma “inscrição no feminino”, como nos alerta Pollock, e é corpo como “ práxis política”, “texto cultural”, “construção social” e “ écriture féminine ”, como define Susan Bordo e Alisson Jaguar (1997), evidente também noutras práticas e performances da artista

Mas esse meu medo desse enquadramento temático foi quebrado, não foi nem em “Diva”. Foi em “Amuamas” [ figura 5 ] que é um trabalho de 2018, quando eu vou lá para Belém do Pará e eu faço [A performance “Amuamas”], que é “Samaúma” de traz para frente [...] aquela árvore centenária que tem na Amazônia, que é considerada a árvore sagrada. A árvore que para muitos povos é a mãe da floresta, que faz justamente essa relação da terra com o céu e é cercada de mistérios espirituais e medicinais também. É uma entidade feminina, centenária. Aí eu vou na floresta e faço, abro essa vulva ferida que é o mesmo processo que eu fiz lá em “Diva”. Na verdade, “Diva” começou quando eu achei, lá nos anos 2000, vários espéculos de aço inoxidável num lugar que vendia coisas usadas aqui no subúrbio, em Recife. Encontrei 22 espéculos de aço inoxidável, ginecológicos, escritos, encravados neles “Dra. Diva”, que era a ginecologista dona desses espéculos. A partir dali eu comecei a fazer uma série de trabalhos, e um deles é a performance “Dra. Diva” que eu abro, eu fiz em São Paulo, na França... Eu faço um furo na parede com martelo e escopo, faço essa fenda vaginal e ali eu banho, banhava com sangue de boi e enfiava o espéculo com algodão... a galeria, o museu se tornava aquele corpo da mulher violada […]6 6 . Retirado de mensagem recebida da artista por WhatsApp em 29 de outubro de 2020.

FIGURA 5
: Juliana Notari, Amuamas, 2018. Videoperformance, 8’52’’. Fotografia: Juliana Notari.

Juliana Notari é artista pernambucana, branca, com 46 anos e considera-se uma artista de meia-idade. Filha e neta de artistas, o avô, o pintor Luiz Notari, foi assistente do pintor Candido Portinari, o pai é designer e fotógrafo e a artista diz ter vivido toda a sua infância e adolescência cercada de artistas como Samico, Liliane Dardot e João Câmara, em Olinda. A imagem da vulva, como dissemos antes, sempre a acompanhou, desde seus primeiros desenhos. Na verdade, todo o seu percurso artístico pode ser pautado por práticas de resistência e de existência ( GUERRA, 2021GUERRA, Paula. So Close Yet So Far: DIY Cultures in Portugal and Brazil. Cultural Trends , vol. 30, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09548963.2021.1877085 . Acesso em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09548963.2021.1877085
https://doi.org/10.1080/09548963.2021.18...
), mas pode também ser visto como um meio de existir dentro de uma sociedade opressora e masculinizada, isto é, de afirmar e de enaltecer uma luta feminista frente ao patriarcado que, consciente ou inconscientemente, pauta o seu cotidiano,

O patriarcado é na verdade uma instituição que funciona nas demais instituições. Então, é aquilo que está presente em tudo, há cinco milênios e perpassa tudo, nossa educação... Então era um trabalho muito evidente nesse sentido, de trazer a violência no corpo, transformar a instituição num corpo feminino e tal. Mas, mesmo com esses trabalhos aí, depois eu levo essa ferida para o tamanho grande, para fazer as intervenções como eu fiz na residência na França, em 2009, eu coloco essas feridas em fotografias ampliadas em diversas paredes e cidades da Europa e eu chego em 2018 para fazer essa performance que é a “Amuamas”, [em] que eu entro na floresta, vestida com a mesma roupa de “Diva” […] A equipe era toda de homem, eu queria uma equipe feminina só que aí eu não encontrava mulher nenhuma na parte técnica de filmagem, de cinema, de vídeo para fazer – que é mais uma demonstração disso, né, do machismo que envolve determinadas profissões –, e enfim, eu não me senti acho muito bem lá com a equipe, embora tenham sido contratados e feito reuniões e tudo e eu fui embora, para casa…7 7 . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 jan. 2021.

Longe de afirmar que as mulheres artistas devam ter o compromisso de alinharem suas obras ao feminismo, uma vez que entendemos que as mulheres devem fazer o que querem, em entrevista, ao ser questionada se se considerava uma artista feminista e se inseria a obra Diva na tradição da história da arte feminista do Brasil, na qual as artistas mulheres parecem ter tido certo receio de alinharem suas produções artísticas ao feminismo, Juliana Notari respondeu:

Bem, essa é uma questão que é importante para mim porque eu sempre, desde o começo, tinha muito medo de ser enquadrada nessa categoria. Me considero uma mulher feminista sim, acho que ser artista, fazer arte [...] em qualquer parte do mundo é algo político por natureza e sendo mulher, não tem como fugir disso. É inerente à própria condição de mulher. Então, sim, me considero feminista e desde nova sempre tive muitos atritos, já na adolescência, pelo estilo de vida que escolhi, não ter filhos, não casar... Então, eu tenho, na minha própria maneira de estar no mundo muitos problemas. E olha que sou de uma família liberal, querendo ou não, meus pais, foram criados, eram daquele movimento de artistas dos anos 60/70, casaram na faculdade de arquitetura, com a música do Pink & Floyd e só viviam com artistas e tal, mas mesmo assim, eu sempre tive conflitos em casa. É uma coisa que faz parte da minha condição enquanto mulher.8 8 . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 jan. 2021.

RE(X)ISTIR PARA EXISTIR

A obra de Juliana não pode deixar de ser enquadrada numa sociedade pós-moderna, pautada pelas estruturas de significados, como meio de conferir sentido à vida cotidiana ( FRITH, 1996FRITH, Simon. Music and Identity. In HALL, Stuart; DY GAY, Paul. (eds). Questions of Cultural Identity . Londres: Sage Publications, 1996, pp. 108-127. ). Neste sentido, mulheres como Juliana têm sido as protagonistas de inúmeras experiências de índole artística, mas também estético-política (GUERRA et al , 2020), visando à denúncia das desigualdades e das opressões que são colocadas ao gênero feminino, acentuando ainda mais as clivagens e as inconformidades das relações de gênero ( RAINE; STRONG, 2019RAINE, Sarah; STRONG, Catherine. Towards Gender Equality in the Music Industry . Education, Practice and Strategies for Change. Londres: Bloomsbury, 2019. ). Contudo, apesar das inúmeras opressões, as mulheres têm-se destacado histórica, social e politicamente através de expressões e de manifestações artísticas que ditam o declínio do patriarcado e do imposicionalismo exacerbado. Assim, com a elaboração deste artigo e com a leitura das obras de Juliana – a partir do princípio heurístico de que as mesmas são relatoras de uma sociedade do Sul Global –, assinalamos as potencialidades das artes, como meio profícuo de celebração de novas e diferentes narrativas de resistência e de afirmação pessoal e coletiva (GUERRA et al ., 2020, GUERRA, 2021GUERRA, Paula. So Close Yet So Far: DIY Cultures in Portugal and Brazil. Cultural Trends , vol. 30, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09548963.2021.1877085 . Acesso em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09548963.2021.1877085
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).

Deste modo, refletir sobre as artes e sobre a sua relação com o universo social é tanto mais pertinente nas sociedades contemporâneas. Mais ainda, discutir a própria relação interdisciplinar e a evolução acadêmica de disciplinas como a História da Arte também nos parece evidente, no sentido de que a necessidade de nos desviarmos dos cânones referentes à arte institucionalizada assume-se como elemento vigorante numa lógica de descolonização acadêmica e disciplinar. Em última instância, pretendemos encetar uma discussão e uma reflexão que possam contribuir para a construção de novos caminhos de possibilidades, não só no campo acadêmico, como também no campo artístico, discutindo os modos como as iniciativas artísticas são, efetivamente, capazes de promover a emancipação social e a redução das desigualdades sociais, enquanto, simultaneamente, conferem modos de resistir e de existir ( GUERRA, 2021GUERRA, Paula. So Close Yet So Far: DIY Cultures in Portugal and Brazil. Cultural Trends , vol. 30, 2021. Disponível em: https://doi.org/10.1080/09548963.2021.1877085 . Acesso em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/09548963.2021.1877085
https://doi.org/10.1080/09548963.2021.18...
).

Embora o ativismo estético e político esteja presente nas sociedades contemporâneas e seja uma parte substancial das condições pós-modernas de existência, um entendimento do mesmo, na sua totalidade, é ainda impossível, pois a sociedade, tal como as obras e os artistas, está em constante mudança. Porém, compreendemos que obras como a de Notari marcam posições e perspectivas, mas também suscitam novas interpretações. Então, reconhecemos também que se trata de um campo que ainda necessita de um enorme investimento teórico e empírico, porém esperamos que este artigo seja um passo nessa direção.

FIGURA 6
: Juliana Notari, Amuamas, 2018. Videoperformance, 8’52’’. Fotografia: Juliana Notari.

FIGURA 7
: Juliana Notari, Amuamas, 2018. Videoperformance, 8’52’’. Fotografia: Juliana Notari.

FIGURA 8
: Juliana Notari, Amuamas, 2018. Videoperformance, 8’52’’. Fotografia: Juliana Notari.

FIGURA 9
: Juliana Notari, Amuamas, 2018. Videoperformance, 8’52’’. Fotografia: Juliana Notari.

FIGURA 10
: Juliana Notari, Amuamas, 2018. Videoperformance, 8’52’’. Fotografia: Juliana Notari.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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NOTAS

  • 1
    . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 fev. 2021.
  • 2
    . Entrevista concedida a Claudia de Oliveira em 28 fev. 2021.
  • 3
    . Artista falecida em 1985. Silueta Series tinha como proposta fazer da Terra uma tela em branco para inscrição de ideias e conceitos (LIPPARD; FOX; MITHLO, 2010, p. 5).
  • 4
    . Exceto quando indicado o contrário, todas as traduções são das autoras deste texto.
  • 5
    . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 jan. 2021.
  • 6
    . Retirado de mensagem recebida da artista por WhatsApp em 29 de outubro de 2020.
  • 7
    . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 jan. 2021.
  • 8
    . Entrevista concedida a Cláudia de Oliveira em 28 jan. 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Out 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    4 Abr 2021
  • Aceito
    10 Jun 2021
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