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Gestão municipal dos resíduos da construção civil: influência da taxa de disposição em aterros

Resumo

Os instrumentos econômicos fiscais são um dos principais mecanismos para promover a melhoria do gerenciamento dos resíduos da construção civil (RCC), sendo a diferenciação das taxas para a disposição final em aterros uma das práticas mais efetivas. Este trabalho analisou a influência do aumento da taxa para disposição dos RCC em aterro, considerando um sistema municipal de gerenciamento. O perfil ambiental do cenário atual e dos cenários propostos, projetados de acordo com a adoção de instrumentos econômicos fiscais, foram determinados por meio da avaliação do ciclo de vida. Os resultados indicaram que o cenário proposto para 2030 (aumento de 350% na taxa de disposição do aterro em relação a 2017) apresenta os menores impactos ambientais, indicando os benefícios potenciais do uso de instrumentos fiscais.

Palavras-chave:
Resíduos da construção civil; gestão; gerenciamento; instrumentos econômicos; avaliação do ciclo de vida

Abstract

Fiscal economic instruments are one of the main mechanisms to improve the management of construction and demolition waste (C&DW), and the establishment of specific disposal fees is one of the most effective practices. This study analyzed the influence of increasing C&DW disposal fees considering a municipal management system. The environmental profile of the current scenario and the proposed scenarios, designed in accordance with the adoption of economic fiscal instruments, were determined through life cycle assessment. The results indicated that the scenario proposed for 2030 (350% increase in disposal fees compared to 2017) has the lowest environmental impact, indicating the potential benefits of using tax instruments.

Keywords:
Construction and demolition waste; management; economic instruments; life cycle assessment

Resumen

Los instrumentos económicos fiscales son uno de los principales mecanismos para promover la mejora de la gestión de los residuos de la construcción civil (RCC), siendo la tasa de cobro para la disposición final en vertederos una de las prácticas más efectivas. Este trabajo analizó la influencia del aumento de la tasa para la disposición de los RCC en vertederos, considerando un sistema municipal de gestión. El perfil ambiental del escenario actual y de los escenarios propuestos, proyectados de acuerdo con la adopción de instrumentos económicos fiscales, fueron determinados por medio del análisis del ciclo de vida. Los resultados indicaron que el escenario propuesto para 2030 (aumento del 350% en la tasa de disposición del vertedero en relación a 2017) presenta los menores impactos ambientales, indicando los beneficios potenciales del uso de instrumentos fiscales.

Palabras-clave:
Residuos de la construcción civil; gestión; instrumentos económicos; análisis del ciclo de vida

Introdução

Os resíduos provenientes das atividades da construção civil são globalmente reconhecidos como um dos maiores desafios para o poder público. Dentre os principais motivos, destacam-se as altas taxas de geração e composição heterogênea (DAHLBO et al., 2015DAHLBO, H. et al. Construction and demolition waste management e a holistic evaluation of environmental performance. Journal of Cleaner Production, v. 107, p. 333-341, 2015.; UMAR et al., 2017UMAR, U. A.; SHAFIQ, N.; MALAKAHMAD, A.; NURUDDIN, M. F.; KHAMIDI, M. F. A review on adoption of novel techniques in construction waste management and policy. Journal of Material Cycles and Waste Management, v.19, p. 1361-1373, 2017.; YAZDANBAKHSH, 2018YAZDANBAKHSH, A. A bi-level environmental impact assessment framework for comparing construction and demolition waste management strategies. Waste Management, v.77, p. 401-412, 2018.). No Brasil, apesar da existência da Resolução CONAMA nº 307 de 2002 (BRASIL, 2002) que disciplina a gestão e o gerenciamento dos resíduos da construção civil (RCC), as prefeituras municipais relatam a ocorrência de disposições irregulares, as quais ocasionam impactos ambientais, econômicos e sociais (IPEA, 2012).

Os RCC são compostos por uma fração mineral (concreto, argamassa, tijolos, cerâmicas) e outras frações diversas, como plásticos, metais, vidros, madeira, embalagens de papelão, gesso, tintas, óleos e solventes. Há a possibilidade da existência de resíduos perigosos, portanto, a segregação na fonte geradora é essencial para garantir o adequado reuso e reciclagem, bem como, para prevenir contaminações ambientais e riscos à saúde pública (SINDUSCON-SP, 2015)

As fontes de geração envolvem desde pequenas reformas, muitas vezes informais, até construções e demolições de grande porte. Independente do volume produzido, o gerador é o responsável pelo correto gerenciamento dos RCC. No entanto, os municípios devem prover sistemas gratuitos de coleta que atendam os pequenos geradores, os quais produzem até 1 tonelada de RCC por dia (BRASIL, 2002). Em muitos casos, mesmo com a existência de pontos de coleta, há a incidência de disposições irregulares (ROSADO e PENTEADO, 2018aROSADO, L. P.; PENTEADO, C. S. G. Análise da eficiência dos Ecopontos a partir do georreferenciamento de áreas de disposição irregular de resíduos de construção e demolição. Sociedade & Natureza, v. 30, n. 2, p.164-185, 2018a.), aumentando os gastos do poder municipal com limpeza pública.

Em municípios de médio e grande porte, a quantidade gerada de RCC pode ultrapassar a quantidade de resíduos sólidos urbanos (RSU), principalmente devido ao elevado volume e densidade dos RCC (MARQUES NETO, 2009MARQUES NETO, J. C. Estudo da Gestão Municipal dos resíduos de construção e demolição na bacia hidrográfica do Turvo Grande (UGRHI-15). Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação e Área de Concentração em Ciências de Engenharia Ambiental. Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, 2009.). De modo geral, em comparação com os RSU, a composição dos RCC não implica em grandes problemas com mau odor e poluição visual. Com isso, o seu gerenciamento acaba sendo negligenciado por parte do poder público municipal. Mas, vale destacar que disposições irregulares de RCC podem ocasionar a proliferação de vetores causadores de doenças, como a dengue, e estimular o descarte de outros materiais pela população, levando à criação de passivos ambientais que podem comprometer o local do ponto de vista sanitário.

Até o momento, não há dados concretos sobre a geração total de RCC no Brasil, a informação disponível revela que os serviços de limpeza dos municípios coletaram, em 2018, 122.012 toneladas desse tipo de resíduo por dia (ABRELPE, 2019). No entanto, tal quantidade não considera os resíduos gerados em obras privadas de grande porte. Desta forma, a taxa de geração per capita de 510 kg de RCC/habitante/ano pode ser utilizada para estimar a geração de RCC nos municípios brasileiros (PINTO, 1999PINTO, T. P. Metodologia para a gestão diferenciada de resíduos sólidos da construção urbana. Tese (Doutorado) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.).

A existência de extensas áreas para a instalação de aterros, bem como a abundância de agregados naturais não incentivam a redução da geração dos RCC e o seu correto gerenciamento. Após a publicação da Resolução CONAMA nº 448 de 2012, os aterros para RCC conhecidos como aterro de resíduos inertes, passaram a ser denominados como “aterros de resíduos classe A de reservação de material para usos futuros” (BRASIL, 2012). No entanto, na prática, a maioria dos aterros existentes nos municípios brasileiros continuam armazenando os RCC classe A (resíduos reutilizáveis ou recicláveis como agregados) misturados com as demais classes, devido à ausência ou ineficiência da triagem na fonte geradora.

Apesar do amplo conhecimento das técnicas de reciclagem dos RCC (ULSEN et al., 2013ULSEN, C.; KAHN, H.; HAWLITSCHEK, G.; MASINI, E. A.; ANGULO, S. C. Separability studies of construction and demolition waste recycled sand. Waste Management, v. 33, p. 656-662, 2013.; CAZACLIU et al., 2014CAZACLIU, B. et al. The potential of using air jigging to sort recycled aggregates. Journal of Cleaner Production, v. 66, p. 46-53, 2014.; VEGAS et al., 2015VEGAS, I.; BROOS, K.; NIELSEN, P.; LAMBERTZ, O.; LISBONA, A. Upgrading the quality of mixed recycled aggregates from construction and demolition waste by using near-infrared sorting technology. Construction and Building Materials, v. 75, p. 121-128, 2015.; PARANHOS et al., 2016PARANHOS, R. S. et al. A sorting method to value recycled concrete. Journal of Cleaner Production, v. 112, p. 2249 - 2258, 2016.; SILVA et al., 2017SILVA, R. V.; BRITO, J. de; DHIR, R. K. Availability and processing of recycled aggregates within the construction and demolition supply chain: A review. Journal of Cleaner Production, v. 143, p. 598-614, 2017.), o uso dos agregados reciclados (AR) em substituição aos agregados naturais (AN) ainda possui resistência por parte dos profissionais do setor da construção civil. Um dos principais fatores, é a ausência de normas reguladoras sobre o padrão de qualidade dos agregados reciclados. Além disso, as normas brasileiras limitam o uso dos AR para pavimentação e fabricação de concreto sem função estrutural (ABNT, 2004a; 2004b).

A Política Nacional de Resíduos Sólidos reforça a obrigatoriedade do correto gerenciamento dos RCC, incentivando a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos a fim de minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados (BRASIL, 2010). No entanto, a maior parte dos municípios brasileiros adota com frequência medidas corretivas no manejo dos RCC, o que representa ônus elevados para os sistemas de limpeza pública (MARQUES NETO, 2009MARQUES NETO, J. C. Estudo da Gestão Municipal dos resíduos de construção e demolição na bacia hidrográfica do Turvo Grande (UGRHI-15). Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação e Área de Concentração em Ciências de Engenharia Ambiental. Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, 2009.; CÓRDOBA, 2014CÓRDOBA, R. E. Estudo do potencial de contaminação de lixiviados gerados em aterros de resíduos da construção civil por meio de simulações em colunas de lixiviação. 2014. 340 p. Tese (Doutorado) - Curso de Engenharia Hidráulica e Saneamento, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2014.). Os principais fatores que corroboram esse tipo de gestão são a escassez de recursos técnicos e financeiros, além da falta de fiscalização dos órgãos responsáveis (SCREMIN et al., 2014SCREMIN, L. B., CASTILHOS JUNIOR, A. B., ROCHA, J. C. Sistema de apoio ao gerenciamento de resíduos de construção e demolição para municípios de pequeno porte. Engenharia Sanitária Ambiental, v. 19, n. 2, p. 203-206, 2014.).

Os instrumentos econômicos fiscais, como por exemplo, taxas diferenciadas para disposição dos RCC em aterros, são apontados como adequados para incentivar o correto gerenciamento deste resíduo. No entanto, a aplicação repentina de tais instrumentos combinada com a ausência de campanhas de conscientização dos atores envolvidos, pode causar prejuízos econômicos e ambientais, como o aumento das disposições irregulares.

Neste sentido, faz-se necessária a avaliação da relação entre a cobrança de taxas diferenciadas, e os benefícios ambientais oriundos do sistema de taxação, de forma a possibilitar um aumento gradativo deste sistema, em função dos benefícios ambientais resultantes. Para tanto, conforme destacam Laurent et al. (2014LAURENT, A.; BAKAS, I.; CLAVREUL, J.; BERNSTAD, A.; NIERO, M.; GENTIL, E.; HAUSCHILD, M. Z.; CHRISTENSEN, T. H. Review of LCA studies of solid waste management systems - Part I: Lessons learned and perspectives. Waste Management, v. 34, p. 573-588, 2014.) e Bovea e Powell (2016BOVEA, M.; POWELL, J. Developments in life cycle assessment applied to evaluate the environmental performance of construction and demolition wastes. Waste Management, v. 50, p. 151-172, 2016.), a avaliação do ciclo de vida (ACV) é uma das metodologias indicadas, pois permite a determinação dos impactos ambientais potenciais de sistemas de gerenciamento de resíduos, podendo apoiar a tomada de decisão e auxiliar na comparação entre dois ou mais cenários de gerenciamento.

Apesar da existência de estudos sobre as potencialidades dos instrumentos econômicos fiscais para a melhoria do gerenciamento de RCC (SÖDERHOLM, 2011SÖDERHOLM, P. Taxing virgin natural resources: Lessons from aggregates taxation in Europe. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, p. 911- 922, 2011.; YUAN; WANG, 2014YUAN, H.; WANG, J. A system dynamics model for determining the waste disposal charging fee in construction. European Journal of Operational Research, v. 237, p. 988-996, 2014.; AJAVI; OYEDELE, 2017AJAVI, S. O.; OYEDELE, L. O. Policy imperatives for diverting construction waste from landfill: Experts’ recommendations for UK policy expansion. Journal of Cleaner Production, v. 147, p. 57-675, 2017.), até o momento, não há estudos sobre a influência desses instrumentos no perfil ambiental dos sistemas de gerenciamento.

Dentro deste contexto, este trabalho possui como objetivo principal avaliar a influência do aumento da taxa de disposição dos RCC em aterro, no perfil ambiental do sistema de gerenciamento de um município de médio porte localizado no Estado de São Paulo, por meio de um estudo de avaliação do ciclo de vida.

Revisão de Literatura

Instrumentos econômicos para a gestão ambiental

Segundo Barbieri (2007BARBIERI, J. C. Gestão ambiental empresarial - Conceitos, Modelos e Instrumentos. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.) gestão ambiental pública é a ação do poder público conduzida segundo uma política pública ambiental, que por sua vez, compreende um conjunto de objetivos, diretrizes e instrumentos de ação. Como consequência da diversidade das questões ambientais, o poder público faz uso de diferentes instrumentos a fim de evitar novos problemas, bem como, eliminar ou minimizar os existentes. Os instrumentos podem ser classificados em (i) comando e controle, (ii) econômicos e (iii) outros, como o apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico, educação ambiental e informações ao público.

No Brasil, os instrumentos mais utilizados são os de comando e controle, também denominados como de regulação direta, os quais se aplicam por meio de proibições, restrições e obrigações impostas aos indivíduos e organizações, sempre baseados em normas legais (BARBIERI, 2007BARBIERI, J. C. Gestão ambiental empresarial - Conceitos, Modelos e Instrumentos. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.). Exemplos deste tipo de instrumento, são os padrões de emissão de poluentes, o licenciamento e zoneamento ambiental, as sanções administrativas e penais (JURAS, 2009JURAS, A. G. M. J. Uso de Instrumentos Econômicos para a Gestão Ambiental: países da OCDE e América Latina. Estudo Consultoria Legislativa, 2009. Available at: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema14/2009_4264.pdf (Accessed October 20, 2018).
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).

Os instrumentos econômicos podem ser subdivididos em fiscais e de mercado. Os instrumentos fiscais promovem a transferência de recursos entre os agentes privados e o setor público, por meio de tributos ou subsídios. E os de mercado, ocorrem por meio de transações entre agentes privados em mercados regulados pelo governo, como por exemplo, o caso das permissões de emissões transferíveis e os sistemas de depósito-retorno (BARBIERI, 2007BARBIERI, J. C. Gestão ambiental empresarial - Conceitos, Modelos e Instrumentos. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2007.).

Os instrumentos econômicos são apontados como os mais adequados para complementar as abordagens estritas e tradicionais dos instrumentos de comando e controle (JURAS, 2009JURAS, A. G. M. J. Uso de Instrumentos Econômicos para a Gestão Ambiental: países da OCDE e América Latina. Estudo Consultoria Legislativa, 2009. Available at: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema14/2009_4264.pdf (Accessed October 20, 2018).
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). Por outro lado, tais instrumentos possuem algumas desvantagens, como a dificuldade de aprovação pelo Poder Legislativo, resistência dos agentes afetados e a necessidade de avaliações e adaptações periódicas (IPEA, 2016).

O objetivo central dos instrumentos econômicos é criar um mecanismo para que o “preço” da degradação ambiental seja pago pelo causador do dano. Com isso, os instrumentos econômicos incentivam a mudança de padrões e comportamentos dos usuários/poluidores, garantindo a conservação da qualidade ambiental de modo apropriado (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012BURSZTYN, M. A.; BURSZTYN, M. Fundamentos de política e gestão ambiental - Caminhos para sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.).

A criação de novas cobranças sobre emissões e produtos poluentes, também denominadas de ecotaxas, contribui para a internalização das externalidades econômicas, visto que forçam os produtores e os consumidores a considerar o custo da poluição ou de outras externalidades ambientais nas suas decisões econômicas (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012BURSZTYN, M. A.; BURSZTYN, M. Fundamentos de política e gestão ambiental - Caminhos para sustentabilidade. Rio de Janeiro: Garamond, 2012.).

As ecotaxas podem ser calculadas em função do peso de resíduos sólidos destinados aos aterros, por exemplo, aumentando o custo médio da destinação final. Desta forma, incentivam a redução da geração e o desenvolvimento de outras alternativas, como a reciclagem.

Instrumentos econômicos fiscais aplicados ao gerenciamento dos resíduos da construção civil

Desde o final da década de 1980, houve um crescente interesse na aplicação de instrumentos econômicos na formulação de políticas públicas ambientais, como os impostos, taxas, permissões de emissões transferíveis e os sistemas de depósito-retorno (SÖDERHOLM, 2011SÖDERHOLM, P. Taxing virgin natural resources: Lessons from aggregates taxation in Europe. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, p. 911- 922, 2011.). A principal justificativa para tal interesse, é o fato de as regulamentações tradicionais (comando e controle) muitas vezes falharem em fornecer ferramentas flexíveis e com boa relação custo-benefício para reduções de emissões (STAVINS, 2001STAVINS, R. N. Experience with Market-Based Environmental Policy Instruments. Washington, DC: Discussion Paper 01 - 58, Resources for the Future, 2001. Available at: http://www.rff.org/files/sharepoint/WorkImages/Download/RFF-DP-01-58.pdf (Accessed October 30, 2018).
http://www.rff.org/files/sharepoint/Work...
).

Como exemplo, pode-se citar a taxa sobre os resíduos sólidos destinados aos aterros e incineradores iniciada em 1987 na Dinamarca. Conforme descrito por Andersen (1998ANDERSEN, M. S. Assessing the Effectiveness of Denmark’s Waste Tax. Environment: Science and Policy for Sustainable Development, v. 40, n. 4, p. 10-15, 1998.), essa taxa dobrou o custo médio da destinação final em aterros e aumentou os custos de incineração em 70%. Em relação aos RCC, caso os resíduos entregues nas instalações fossem reutilizados ou reciclados, havia um reembolso da taxa cobrada no momento da entrega. Nesta mesma época também foi criada uma taxa sobre as matérias-primas usadas na construção civil, como areia e agregados. Esse conjunto de medidas permitiu a redução de 64% dos RCC entregues nos aterros entre os anos de 1987 e 1993, e o aumento significativo da reciclagem, passando de 800.000 toneladas em 1991 para mais de 1,6 milhão de toneladas em 1995.

Até os dias atuais, a legislação e as políticas fiscais são os mecanismos mais utilizados para promover a minimização dos RCC, sendo a taxa de cobrança para a disposição final de resíduos em aterros uma das práticas mais notáveis apontadas pela literatura (YUAN; WANG, 2014YUAN, H.; WANG, J. A system dynamics model for determining the waste disposal charging fee in construction. European Journal of Operational Research, v. 237, p. 988-996, 2014.).

Ajavi e Oyedele (2017AJAVI, S. O.; OYEDELE, L. O. Policy imperatives for diverting construction waste from landfill: Experts’ recommendations for UK policy expansion. Journal of Cleaner Production, v. 147, p. 57-675, 2017.) apontam que para melhorar a efetividade de tais mecanismos, é recomendável considerar a opinião dos profissionais envolvidos (arquitetos, engenheiros, projetistas, entre outros). O Quadro 1 apresenta as seis principais medidas apontadas por profissionais do Reino Unido para melhorar a efetividade das políticas que visam a minimização da disposição de RCC em aterros. Os instrumentos econômicos estão representados nas medidas 1 e 5, confirmando seu potencial para melhorar o gerenciamento deste tipo de resíduo.

Incentivos e reduções fiscais aparecem como a principal estratégia, como a redução fiscal para as empresas que realizam a reciclagem dos RCC, contribuindo para a competitividade do preço do AR em relação ao AN correspondente. Em seguida, são sugeridas reduções fiscais para os equipamentos utilizados no gerenciamento dos RCC, como os britadores móveis de pequeno porte, os quais podem produzir AR para uso no próprio canteiro de obras, minimizando a disposição em aterro, bem como os impactos do transporte (AJAVI; OYEDELE, 2017AJAVI, S. O.; OYEDELE, L. O. Policy imperatives for diverting construction waste from landfill: Experts’ recommendations for UK policy expansion. Journal of Cleaner Production, v. 147, p. 57-675, 2017.).

De acordo com Söderholm (2011SÖDERHOLM, P. Taxing virgin natural resources: Lessons from aggregates taxation in Europe. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, p. 911- 922, 2011.), países que adotam impostos relativamente altos para os AN (como o Reino Unido) alcançam taxas de reciclagem mais altas. Entretanto, o autor ressalta a importância de compreender como um conjunto mais amplo de políticas, além de impostos, interage com o mercado de agregados.

A quinta medida recomendada também se enquadra como instrumento econômico, a qual propõe o aumento da taxa para a disposição dos RCC em aterro, e o uso das taxas excedentes como incentivos. Essa medida é uma importante estratégia, visto que possui o potencial de alertar o setor da construção civil sobre o desempenho do gerenciamento dos RCC para minimizar os custos, já que geração elevada ou triagem ineficiente ocasionam altas taxas de disposição final (AJAVI; OYEDELE, 2017AJAVI, S. O.; OYEDELE, L. O. Policy imperatives for diverting construction waste from landfill: Experts’ recommendations for UK policy expansion. Journal of Cleaner Production, v. 147, p. 57-675, 2017.).

Quadro 1
Principais medidas para aumentar a efetividade das políticas de minimização dos resíduos da construção civil indicadas por profissionais do setor da construção civil do Reino Unido.

Segundo Coelho e Brito (2011COELHO, A.; BRITO, J. Economic analysis of conventional versus selective demolition - A case study. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, p. 382-392, 2011.), a taxa de disposição dos RCC em aterro também possui o potencial de incentivar a demolição seletiva. Um estudo conduzido pelos autores concluiu que as taxas de disposição de RCC em aterros comumente usados em Lisboa (Portugal) deveriam aumentar de 90% a 150%, a fim de tornar as operações de demolição seletiva economicamente competitivas com as demolições tradicionais.

Em Hong Kong, uma das práticas mais significativas para a minimização dos RCC foi o sistema de triagem dos resíduos antes da disposição final. De 2006 a 2012 foram segregadas 5,11 milhões de toneladas de RCC devido as seguintes alterações nas taxas para o recebimento dos RCC: HK$125/t de RCC disposto em aterros; HK$ 100/t de RCC entregue nas instalações de triagem, e apenas HK$ 27/t para RCC inteiramente composto de materiais inertes que possam ser aceitos nas instalações públicas para uso como material de preenchimento e nivelamento de terrenos (WEISHENG; HONGPING, 2012WEISHENG, L.; HONGPING, Y. Off-site sorting of construction waste: What can we learn from Hong Kong? Resources, Conservation and Recycling, v. 69, p. 100-108, 2012.).

Os estudos sobre a aplicação dos instrumentos econômicos em políticas públicas ambientais brasileiras (JURAS, 2009JURAS, A. G. M. J. Uso de Instrumentos Econômicos para a Gestão Ambiental: países da OCDE e América Latina. Estudo Consultoria Legislativa, 2009. Available at: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema14/2009_4264.pdf (Accessed October 20, 2018).
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; IPEA, 2012; 2016) não apresentam exemplos ou recomendações específicas para a gestão e gerenciamento dos RCC, tendo como foco principal os resíduos sólidos urbanos.

No entanto, é importante destacar a existência de iniciativas públicas com a finalidade de melhorar o modelo atual de incidência de impostos no Brasil, nas quais, dependendo da estrutura da cadeia de reciclagem, a tributação do material reciclado pode ser superior à da matéria-prima equivalente (LCA, 2014; CEMPRE, 2014).

Como exemplo, a Lei nº 16.177/16 do estado do Ceará estabelece a redução de 61,11% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) para os produtos resultantes de reciclagem de plásticos, papel, papelão, resíduos sólidos da construção civil e outros materiais recicláveis, desde que possuam a Certificação do Selo Verde emitida pela Superintendência Estadual do Meio Ambiente.

Na região sudeste, verifica-se a existência de um único Projeto de Lei, no Estado do Rio de Janeiro (Projeto de Lei nº 3.344/10), que prevê a isenção de ICMS na comercialização ou circulação de produtos derivados da reciclagem de RCC (SILVA, 2016SILVA, E. L. Desenvolvimento de fluxograma de beneficiamento para produção de agregados minerais reciclados e aplicações tecnológicas dos mesmos. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Materiais e Metalurgia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2016.).

As experiências reportadas na literatura internacional e as iniciativas nacionais demonstram o potencial dos instrumentos econômicos na melhoria da gestão pública dos RCC, principalmente, por meio da redução da disposição dos RCC em aterros e, do incentivo à reciclagem, que por sua vez, viabiliza a substituição de agregados naturais por reciclados. Para a efetividade de tais instrumentos, recomenda-se um estudo prévio que contemple a opinião dos atores envolvidos (gerador, transportador e operador do destino final), além da adoção conjunta de instrumentos de comando e controle, e a realização de programas de comunicação e educação ambiental que envolvam toda a sociedade.

Método

O estudo dos impactos ambientais dos sistemas de gerenciamento de resíduos sólidos requer uma sistematização de dados, métodos de levantamento e comparação dos dados, para que os resultados possam ser interpretados de forma adequada, e possam servir como ferramenta para a tomada de decisão. Neste contexto, a avaliação do ciclo de vida (ACV) é uma das metodologias mais indicadas para esta finalidade (CLIFT et al., 2000CLIFT, R; DOIG, A; FINNVEDEN, G. The application of life cycle assessment to integrated solid waste management Part 1 - Methodology. Trans IChemE, v. 78, n. July, 2000.) e, portanto, foi utilizada para o estudo da influência do aumento da taxa para disposição dos RCC em aterro no sistema de gerenciamento do município de Limeira/SP.

Descrição da área de estudo

O município de Limeira, localizado a 154 km da cidade de São Paulo, pertence à Região Administrativa de Campinas e às Bacias Hidrográficas dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí. Em 2018, a população foi estimada em 292.497 habitantes (SEADE, 2018), o que configura um município de médio porte.

Limeira possui um Complexo Municipal de Aterros, localizado a 10 km do centro da cidade, que contempla um aterro sanitário para a disposição de resíduos sólidos urbanos e resíduos industriais classe II-A (resíduos não perigosos e não inertes) e, um aterro de inertes para a disposição de resíduos da construção civil classe A e resíduos industriais classe II-B (resíduos não perigosos e inertes). Neste mesmo local, há uma área reservada para o armazenamento dos RCC classe A isentos de impurezas e com granulometria adequada para a pavimentação das vias de acesso do aterro, para uso como material de cobertura para a operação do aterro sanitário. Além disso, há um local para a triagem e disposição final dos resíduos coletados no Programa “Só Cacareco”, compostos principalmente por móveis inservíveis (LIMEIRA, 2015).

O sistema de gerenciamento de RCC contempla ainda 11 pontos de entrega voluntária de pequenos volumes (Ecopontos), localizados em cinco regiões estratégicas do município, as quais recebiam grandes volumes de disposições irregulares de RCC. Os Ecopontos recebem gratuitamente até 1 m³ de RCC por habitante por dia, além de materiais recicláveis (metal, papel, plástico, vidro) e resíduos verdes (podas e resíduos provenientes da limpeza de terrenos) (LIMEIRA, 2015).

De 2005 a 2017, a quantidade média per capita de RCC gerenciado pela Prefeitura foi de 1,45 kg/habitante/dia, o que corresponde aos resíduos coletados por 14 empresas transportadoras de RCC e entregues no Complexo Municipal de Aterros, às quantidades entregues pelos munícipes e transportadores autônomos diretamente no aterro e nos Ecopontos, à fração gerada nas obras da própria Prefeitura, e às quantidades coletadas pela empresa terceirizada que realiza a limpeza urbana e remove entulho das áreas de descarte irregular.

Os grandes geradores (construtoras e empresas de demolição) são responsáveis pela destinação adequada de seus resíduos, por meio de contrato com empresas particulares que efetuam a coleta e a destinação final, e até o momento não há registro das quantidades geradas pelos mesmos (ROSADO PENTEADO, 2018bROSADO, L.P; PENTEADO, C.S.G. Uso de metodologia participativa na elaboração de Plano Municipal de Gestão de Resíduos da Construção Civil. Revista DAE, v. 66, n. 211, p. 20 -34, 2018b.). Desse modo, de acordo com o responsável pela gestão do aterro, estima-se que 60% dos RCC recebidos no aterro municipal são provenientes dos grandes geradores e 40% dos pequenos geradores.

De acordo com o Jornal Oficial do Município, a taxa para a disposição de RCC no aterro é de R$ 15/m³, e volumes com até 1 m³ são isentos do pagamento. Desde 2015 existe um valor diferenciado para caçambas contendo RCC misturados com outros tipos de resíduos (R$ 110/m³), já que estes resíduos devem ser dispostos no aterro sanitário, devido ao risco de contaminação. É importante destacar, que de acordo com a norma brasileira (ABNT, 2004c) os aterros de resíduos inertes não necessitam de sistemas de impermeabilização e coleta de lixiviados, portanto, o controle da classificação dos resíduos dispostos neste local é imprescindível para evitar a contaminação do solo e das águas subterrâneas.

A Tabela 1 apresenta a evolução das taxas e da multa aplicada para a ocorrência de disposições irregulares de RCC, as quais são aplicadas de acordo com a Lei Municipal nº 4812/2011, Lei Complementar nº 650/2012 e demais regulamentações do município.

Tabela 1
Evolução das taxas para a disposição de RCC no Complexo Municipal de Aterros e o valor da multa para disposição irregular.

O município publicou o Plano Municipal de Gestão dos RCC em 2015, por meio do Decreto nº 304 de 2015 (LIMEIRA, 2015) em consonância com as Resoluções Conama nº 307/2002 e nº 448/2012. Entretanto, até o momento não foram realizadas atualizações e algumas metas ainda precisam ser cumpridas, tais como: exigir os Planos de Gerenciamento de RCC dos grandes geradores, aprimorar o gerenciamento dos Ecopontos existentes e incentivar a reciclagem dos RCC e, intensificar os trabalhos de fiscalização e as atividades de educação ambiental (ROSADO; PENTEADO, 2018aROSADO, L. P.; PENTEADO, C. S. G. Análise da eficiência dos Ecopontos a partir do georreferenciamento de áreas de disposição irregular de resíduos de construção e demolição. Sociedade & Natureza, v. 30, n. 2, p.164-185, 2018a.), visto que os descartes irregulares ainda são frequentes em alguns pontos, os quais representam aproximadamente 7% do total de RCC gerenciado pelo município.

Avaliação do Ciclo de Vida

O estudo de ACV foi realizado de acordo com os requisitos das normas ABNT 14.040 e 14.044 (ABNT, 2009a; 2009b).

A unidade funcional foi determinada como a quantidade total de RCC classe A proveniente dos grandes geradores (60% do total gerado) em cada ano (2017 - cenário atual; 2020, 2025 e 2030 - projeções com base nos cenários atual e proposto). Os pequenos geradores (geração diária de até 1m³ de RCC) não foram considerados pois são isentos de pagamento de taxa para disposição no aterro e, portanto, não são influenciados.

A elaboração dos cenários considerou as abordagens adotadas nos estudos de Coelho e Brito (2011COELHO, A.; BRITO, J. Economic analysis of conventional versus selective demolition - A case study. Resources, Conservation and Recycling, v. 55, p. 382-392, 2011.) e Weisheng e Hongping (2012WEISHENG, L.; HONGPING, Y. Off-site sorting of construction waste: What can we learn from Hong Kong? Resources, Conservation and Recycling, v. 69, p. 100-108, 2012.), os quais apontaram a potencialidade do aumento da taxa de disposição dos RCC em aterros para a minimização da geração e/ou aumento do reuso e reciclagem deste resíduo.

Deste modo, a análise consistiu em comparar a manutenção do atual sistema de gerenciamento de RCC realizado em Limeira (cenário atual) com um sistema de gerenciamento em que há o aumento das taxas para disposição dos RCC em aterros, a fim de incrementar ou incentivar o reuso e reciclagem, e minimizar a disposição final em aterros.

Para isso, foram realizadas duas projeções para o sistema municipal de gestão dos RCC de Limeira:

  • Cenário atual: considerando a atualização das taxas de disposição dos RCC no aterro municipal com base nas taxas anteriores (aproximadamente R$ 2 ao ano) e a inexistência de uma usina de reciclagem no município, bem como a ausência de incentivos para a minimização da disposição dos RCC em aterros.

  • Cenário proposto: considerando o aumento das taxas de disposição dos RCC no aterro municipal com a finalidade de minimização da disposição em aterros, a existência de uma usina de reciclagem no município, bem como programas de incentivos para a reciclagem.

A Tabela 2 apresenta as principais informações utilizadas para elaborar a projeção dos cenários para os anos de 2020, 2025 e 2030. A quantidade de RCC foi estimada com base nos dados da projeção populacional (SEADE, 2018) e na taxa média de geração per capita de RCC em Limeira (0,50 t de RCC/habitante/ano).

Tabela 2
Principais informações utilizadas para elaborar a projeção dos cenários para os anos de 2020, 2025 e 2030 com base no sistema atual de gerenciamentos dos RCC.

É importante ressaltar que para a elaboração do cenário proposto foi considerado que não haveria o aumento de disposições irregulares, devido a existência de um programa eficiente de monitoramento e comunicação ambiental sobre este tipo de prática irregular, além da aplicação de multas.

A taxa para a disposição dos RCC contaminados é constante em ambos os cenários, pois são valores considerados adequados e, caso houvesse um aumento, poderia impulsionar a prática de disposições irregulares. Porém, no cenário proposto considera-se a exigência e acompanhamento dos Planos de Gerenciamento dos RCC e a criação de programas informativos sobre a triagem dos RCC no canteiro, e a mobilização dos munícipes quanto a proibição de contaminação das caçambas com resíduos que não são provenientes das atividades da construção civil.

Os percentuais de reciclagem de RCC foram adotadas com base na proporção atual de aproximadamente 20% (ABRECON, 2015) e projetadas considerando um fator positivo de que o preço para o envio de caçambas para a Usina de Reciclagem será sempre menor que o envio para o aterro de inertes e, um fator negativo de que ainda haverá resistência por parte dos profissionais da construção civil em utilizar os agregados reciclados; portanto, o maior escoamento dos AR produzidos será para as obras da prefeitura, e com isso, a fração máxima de RCC destinada para reciclagem será de 40%.

A fronteira do sistema (Figura 1) considerou os encargos ambientais das seguintes etapas:

  • Operação do aterro de inertes: consumo de diesel e óleo lubrificante dos equipamentos utilizados;

  • Limpeza das áreas de disposição irregular: consumo de diesel e óleo lubrificante da pá carregadeira utilizada para coleta dos RCC e consumo de diesel do caminhão utilizado no transporte do RCC coletado até o aterro de inertes (distância média de 12 km);

  • Reciclagem dos RCC: consumo de diesel e óleo lubrificante da pá carregadeira utilizada para a alimentação do britador, consumo de energia elétrica dos equipamentos utilizados no processo de reciclagem e consumo de água para o controle de emissão de material particulado na usina de reciclagem;

  • Encargos evitados devido ao processo de reciclagem dos RCC: consumo de explosivos, diesel, óleo lubrificante e água para obtenção dos agregados naturais, consumo de diesel e óleo lubrificante da pá carregadeira utilizada para a alimentação do britador, consumo de energia elétrica dos equipamentos utilizados no processo de produção dos agregados naturais e consumo de água para o controle de emissão de material particulado.

Figura 1
Fronteira do sistema com as principais entradas, saídas e encargos evitados dos cenários atual e proposto.

Os inventários do ciclo de vida foram elaborados com base em dados primários obtidos em consulta à Prefeitura de Limeira, em conjunto com dados secundários obtidos da base de dados Ecoinvent v3.1 (2014) e da literatura.

A metodologia CML baseline v.3.03 foi utilizada para a determinação dos potenciais impactos ambientais, com auxílio do software SimaPro 8.5.2.0.

Resultados e Discussão

A partir das premissas citadas anteriormente, um estudo de Avaliação do Ciclo de Vida foi realizado para determinar o perfil ambiental do sistema municipal de gerenciamento dos RCC de um município de médio porte com base no cenário atual e suas projeções para 2020, 2025 e 2030 e, nos cenários propostos para 2020, 2025 e 2030, com o objetivo de verificar como o aumento da taxa de disposição em aterro pode influenciar nos impactos ambientais.

A Figura 2 apresenta os resultados dos potenciais impactos ambientais para uma pessoa durante um ano, considerando o contexto global. Para todas as categorias de impacto consideradas, os cenários propostos apresentam menores impactos ambientais em relação aos cenários projetados de acordo com o panorama atual do sistema municipal de gestão dos RCC. O cenário proposto para 2030 apresenta os menores impactos ambientais, indicando a eficácia do uso de instrumentos fiscais em conjunto com instrumentos de comando e controle e de informação para a melhoria do desempenho ambiental.

Figura 2
Resultados dos impactos normalizados para o cenário atual com base nos dados de 2017 e projeções para 2020, 2025 e 2030 considerando o cenário atual e os cenários propostos.

Para a categoria “Depleção abiótica (combustíveis fósseis)” a redução gradativa dos impactos nos cenários propostos (9% para 2020, 26% para 2025 e 34% para 2030) resulta principalmente da diminuição do consumo de diesel utilizado na operação do aterro. Este fator também contribui para a redução das emissões de CO2 (fóssil) e óxido nitroso (N2O) para a categoria “Aquecimento Global”, o que resulta na redução de 37% dos impactos no cenário proposto para 2030 em relação ao cenário projetado de acordo com o cenário atual para o mesmo ano.

As reduções dos impactos para a categoria “Toxicidade Humana” (8% para 2020, 23% para 2025 e 31% para 2030) justifica-se principalmente pela minimização das emissões atmosféricas de óxidos de nitrogênio e de fluoreto de hidrogênio advindas do processo de extração do basalto utilizado para a fabricação dos agregados naturais.

Entretanto, em comparação com as demais categorias, a “Toxicidade Humana” apresentou as menores reduções para os impactos devido às emissões de pesticidas para o solo, resultantes do consumo de energia elétrica no processo de reciclagem dos RCC. Os pesticidas são advindos do cultivo da cana-de-açúcar, que participa do mix energético brasileiro como biomassa.

A reciclagem dos RCC nos cenários propostos contribui para a redução significativa dos impactos para a categoria “Acidificação” (22% para 2020, 65% para 2025 e 87% para 2030). A produção de agregados reciclados evita a produção de agregados naturais que por sua vez evita a extração de matérias-primas naturais, como o basalto, com isso há redução das emissões atmosféricas de amônia e óxidos de nitrogênio, as quais são provenientes do processo de extração das matérias-primas.

Conclusões

A determinação do perfil ambiental do atual sistema de gerenciamento de RCC e de cenários futuros (2020, 2025 e 2030), considerando a adoção de instrumentos econômicos fiscais, foi realizada a partir da metodologia de avaliação do ciclo de vida.

Em síntese, os resultados indicaram que o cenário proposto para 2030 (aumento de 350% na taxa de disposição do aterro em relação a 2017) apresenta os menores impactos ambientais para as categorias de impacto avaliadas. Além disso, os resultados apontam quatro categorias como as mais relevantes: “Depleção abiótica (combustíveis fósseis)”, “Aquecimento Global”, “Toxicidade Humana” e “Acidificação”.

Para as categorias “Depleção abiótica (combustíveis fósseis)” e “Aquecimento Global”, a redução gradativa dos impactos resulta principalmente da diminuição do consumo de diesel utilizado na operação do aterro. A redução dos impactos para as categorias “Toxicidade Humana” e “Acidificação”, possui relação com o aumento dos índices de reciclagem dos RCC, visto que as emissões de poluentes atmosféricos da extração e produção dos agregados naturais são evitadas.

Desta forma, os resultados obtidos indicam a eficácia do uso de instrumentos fiscais para a melhoria do desempenho ambiental de sistemas municipais de gerenciamento de RCC.

No entanto, é importante ressaltar que o aumento ou a adoção de taxas diferenciadas (menores para os RCC classe A isentos de impurezas e maiores para os RCC classe A misturados com outros tipos de resíduos), deve ser acompanhado de programas de comunicação e conscientização dos munícipes e, dos entes privados responsáveis pela geração, coleta, transporte e destinação destes resíduos. Além disso, recomenda-se a aplicação conjunta dos instrumentos de comando e controle, a fim de evitar a ocorrência de disposições irregulares.

Agradecimentos

A primeira autora agradece à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pela bolsa concedida durante o doutorado (Processo nº 37-P-4907/2018).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2018
  • Aceito
    25 Ago 2020
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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