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A PERCEPÇÃO SOCIOECONÔMICA DOS ATINGIDOS PELAS USINAS HIDRELÉTRICAS DO RIO ARAGUARI/AP, AMAZÔNIA ORIENTAL

Resumo

A implantação de uma hidrelétrica comumente envolve conflitos, entre os povos tradicionais e os empreendimentos hidrelétricos. O objetivo da pesquisa foi analisar as percepções dos moradores da sede municipal de Ferreira Gomes sobre os impactos sociais e econômicos de três hidrelétricas (Coaracy Nunes, Ferreira Gomes e Cachoeira Caldeirão) instaladas no rio Araguari, Amapá. Os dados foram obtidos mediante aplicação de formulário semiestruturado, cujo tamanho da amostra foi calculado usando o ‘Teorema do Limite Central’, que posteriormente foram tabulados em planilhas eletrônicas e analisados. A pesquisa revelou que as hidrelétricas estabeleceram novas dinâmicas sociais e econômicas no cotidiano da população atingida, em sua maioria de forma negativa e afetaram direta e indiretamente a qualidade de vida, saúde, renda, custo de vida e segurança da população local.

Palavras-chave:
Impactos sociais; Conflitos sociais; Dinâmicas socioeconômicas; População tradicional; Empreendimentos hidrelétricos

Abstract

The establishment of a hydroelectric power plant commonly involves conflict between the local traditional people and the hydroelectric enterprises. The research aims to analyse the perceptions of residents of the municipality of Ferreira Gomes about the social and economic impacts of three hydroelectric dams (Coaracy Nunes, Ferreira Gomes and Cachoeira Caldeirão) installed on the Araguari River, Amapá. The data was obtained through submitting the locals to a semi-structured form, whose sample was calculated utilizing the “Central Limit Theorem’, which later was charted and analysed. The research has shown that the dams established new social and economic dynamics in the affected populace’s daily life, mostly negative ones, which hit directly and indirectly the quality of life, health, income, cost of living and security of the local people.

Keywords:
Social impacts; Social conflicts; Social-economic dynamics; Traditional people; Hydroelectric enterprises

Resumen

La implantación de una central hidroeléctrica suele conllevar conflictos entre los pueblos tradicionales y las empresas hidroeléctricas. El objetivo de esta investigación es analizar las percepciones de los residentes del centro municipal de Ferreira Gomes sobre los impactos sociales y económicos de tres plantas hidroeléctricas (Coaracy Nunes, Ferreira Gomes y Cachoeira Caldeirão) instaladas en el río Araguari, Amapá. Los datos se obtuvieron mediante la aplicación de un cuestionario semiestructurado, cuyo tamaño de muestra ha sido calculado mediante el ‘Teorema del Límite Central’, que posteriormente fueron tabulados en hojas de cálculo electrónicas y analizados. La investigación reveló que las presas han establecido una nueva dinámica social y económica en la vida cotidiana de la población afectada, en su mayoría de forma negativa, afectando directa e indirectamente a la calidad de vida, la salud, los ingresos, el costo de vida y la seguridad de la población local.

Palabras-Clave:
Impactos sociales; Conflictos sociales; Dinámicas socioeconómicas; Población tradicional; Emprendimientos hidroeléctricos

Introdução

O setor elétrico brasileiro considera atrativo o potencial hidrelétrico pouco explorado na Amazônia, por sua economicidade e seu caráter renovável, com vistas à expansão do setor para atender as demandas de energia elétrica no país. No entanto, a implantação das grandes obras de infraestrutura como as Usinas Hidrelétricas (UHE) provocam significativos impactos socioambientais, tais como o alagamento dessas áreas e a consequente perda de biodiversidade local, transformações territoriais, deslocamento compulsório da população atingida pelos empreendimentos hidrelétricos, apropriação de terras indígenas e unidades de conservação (BERMANN, 2008______. Crise ambiental e as energias renováveis. Ciência e Cultura, v. 60, n. 3, p. 20-29, set. 2008.; CRUZ, 2017CRUZ, G. R. Impactos socioambientais e econômicos da Usina Hidrelétrica de Marabá-PA (2014-2016) na comunidade da Ilha de São Vicente - TO. 2017. 162 f. Dissertação (Mestrado em Sociedade e Fronteiras) - Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Roraima, Boa Vista, 2017.).

Historicamente na Amazônia as UHE são instaladas em espaços sociais inicialmente concebidos pelas e para populações ribeirinhas produzirem suas formas de subsistência, principalmente por meio da pesca e da agricultura. Os projetos hidrelétricos ocupam espaços de reprodução social/cultural de proprietários e não-proprietários de terras e originam os conflitos socioambientais, cuja essência para uns será a apropriação do território como forma de mercadoria específica para geração de energia hidrelétrica; e, para outros, o uso social, de reprodução sociocultural como meio de vida. Os conflitos com grupos nativos, moradores tradicionais, pescadores, barranqueiros e oleiros das várzeas aluviais, geram perdas testemunhais e históricas das localidades (BERMANN, 2007BERMANN, C. Impasses e controvérsias da hidreletricidade. Estudos Avançados, v. 21, n. 59, p. 139-153, abr. 2007.; BORGES; SILVA, 2011BORGES, R. S.; SILVA; V. P. Usinas Hidrelétricas no Brasil: a relação de afetividades dos atingidos com os lugares inundados pelos reservatórios. Caminhos de Geografia, v. 12, n. 40, p. 222-231, dez. 2011.).

Compreender esses conflitos com base na percepção da população atingida por barragem é importante. Por meio da percepção é possível identificar e dimensionar os danos ambientais, sociais e econômicos provocados por barragens, além de auxiliar na tomada de decisões e na elaboração de medidas mitigadoras que amenize os impactos (PEIXER, 1993PEIXER, Z. I. Utopias de progresso: ações e dilemas na localidade de Itá frente a uma hidrelétrica. 1993. 131 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política.) - Departamento de Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993.; BORGES; SILVA, 2011BORGES, R. S.; SILVA; V. P. Usinas Hidrelétricas no Brasil: a relação de afetividades dos atingidos com os lugares inundados pelos reservatórios. Caminhos de Geografia, v. 12, n. 40, p. 222-231, dez. 2011.; CRUZ, 2017CRUZ, G. R. Impactos socioambientais e econômicos da Usina Hidrelétrica de Marabá-PA (2014-2016) na comunidade da Ilha de São Vicente - TO. 2017. 162 f. Dissertação (Mestrado em Sociedade e Fronteiras) - Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Roraima, Boa Vista, 2017.).

A percepção da população sobre os impactos gerados por empreendimentos hidrelétricos pode ter diferentes segmentos, tanto perspectivas positivas, quanto negativas. Cada segmento atribui significados específicos à barragem e seus impactos, por outro lado, o indivíduo não possui uma percepção única e homogênea sobre a barragem e suas consequências. Portanto, a percepção formada é múltipla, construída individual e coletivamente, levando em consideração aspectos históricos, culturais, universo simbólico e organização sócio-política local. A construção da percepção de uma determinada população ou grupo sobre uma hidrelétrica é um fator importante para se compreender seu próprio posicionamento político em relação ao empreendimento, seja postura de defesa da obra ou de negação (PEIXER, 1993PEIXER, Z. I. Utopias de progresso: ações e dilemas na localidade de Itá frente a uma hidrelétrica. 1993. 131 f. Dissertação (Mestrado em Sociologia Política.) - Departamento de Sociologia Política, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1993.).

Nesse contexto, este estudo objetivou analisar a percepção da população urbana de Ferreira Gomes sobre os impactos sociais, econômicos e ambientais causados pela instalação e funcionamento das UHE Ferreira Gomes, Coaracy Nunes e Cachoeira Caldeirão, localizadas no médio curso do rio Araguari, no estado do Amapá.

A problemática desta pesquisa é: como a percepção da população da área urbana do município de Ferreira Gomes se modificou após a instalação das hidrelétricas no médio rio Araguari?

Metodologia

Área de estudo

A área de estudo desta pesquisa é a sede do município de Ferreira Gomes no estado do Amapá, Brasil (Figura 1), sendo localizada a jusante das UHE Ferreira Gomes, Coaracy Nunes e Cachoeira Caldeirão. De acordo com a análise dos estudos de Silva et al. (2016SILVA, C. N. da; LIMA, R. Â. P. de; SILVA, J. M. P. da. Uso do território e impactos das construções de hidroelétricas na bacia do rio Araguari (Amapá - Brasil). PRACS: Revista Eletrônica de Humanidades do Curso de Ciências Sociais da UNIFAP, Macapá, v. 9, n. 2, p. 123-140, jul./dez. 2016. DOI: http://dx.doi.org/10.18468/pracs.2016v9n2. p123-140.
http://dx.doi.org/10.18468/pracs.2016v9n...
), Santos et al. (2017SANTOS, E. S. dos; CUNHA, A. C. da; CUNHA, H. F. A. Usina hidrelétrica na Amazônia e impactos socioeconômicos sobre os pescadores do município de Ferreira Gomes-Amapá. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 197-214, out./dez. 2017.) e Corrêa (2018CORRÊA, K. M. A. A formação do complexo hidrelétrico no rio Araguari: Impactos no ordenamento territorial de Ferreira Gomes, Amapá. 2018. 129 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) - Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2018.) é a população mais afetada pelos impactos gerados por esses empreendimentos hidrelét ricos no rio Araguari.

Figura 1
Mapa de localização da área de estudo

O município de Ferreira Gomes se situa entre os seguintes limites geográficos: ao norte, os municípios de Pracuúba e Tartarugalzinho; a leste, os municípios de Cutias e Macapá; a sudoeste, o município de Porto Grande; e a noroeste, o município de Serra do Navio. Sua área territorial é de 4.973,85 km², com a população estimada, para o ano de 2021, de 8.151 habitantes (IBGE, 2021). As três UHE em estudo se encontram dentro do território do município de Ferreira Gomes e na bacia hidrográfica do rio Araguari, que é a maior e exclusiva do estado do Amapá/Brasil, com 42.700km² de área de drenagem (BÁRBARA et al. 2010BÁRBARA, V. F; CUNHA, A. C; RODRIGUES, A. S. L, SIQUEIRA, E. Q. Monitoramento sazonal da qualidade da água do rio Araguari - AP. Revista Biociências, v. 16, n. 1, p. 57-72, 2010.; CUNHA et al., 2011CUNHA, A. C; BRITO, D. C; CUNHA, H. F. A.; SCHULZ, H. E. Dam Effect on Stream Reaeration Evaluated with QUAL2kw Model: Case Study of the Araguari River, Amazon Region, Amapá State/Brazil. In: BILLIBIO, C., HENSEL, O., SELBACH, J. (Eds.), Sustainable Water Management in the Tropics and Subtropics -And Case Studies in Brazil. Fundação Universidade Federal do Pampa, Jaguarão/RS, v. 2, p. 697, 2011.).

A Usina Hidrelétrica Coaracy Nunes (UHECN), conhecida também como Usina do Paredão, foi a primeira hidrelétrica instalada na Amazônia brasileira, iniciando sua construção em meados da década de 1950 e operando a partir de 1976. Na época não havia a exigência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e nem do Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA) (FARIA, 2006FARIA, A. M. M. Hidroelétricas amazônicas: fontes energéticas apropriadas para o Desenvolvimento Regional? Papers do NAEA: Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), Universidade Federal do Pará, Belém, n. 190, p.3-41, 2006.). Atualmente possui 78 MW de potência instalada.

A Usina Hidrelétrica Ferreira Gomes (UHEFG) se encontra próxima a área urbana do município de Ferreira Gomes/AP e tangente à ponte Tancredo Neves na BR-156 - principal via de interligação do Amapá. Esta hidrelétrica opera a fio d’água, o que significa que toda a água que o rio traz passa pelo vertedouro ou pelas turbinas e segue seu trajeto rio abaixo; dessa maneira não é necessário a formação de grandes reservatórios e há um menor armazenamento de água. A sua potência instalada total é de 252 MW, possui um reservatório de 17,72 km², sendo que 6,5 km² é o leito natural do rio Araguari e mais de 10 km² são de áreas que foram alagadas (ECOTUMUCUMAQUE, 2009). O início das obras ocorreu em 2010 e entrou em operação no ano de 2015.

A Usina Hidrelétrica Cachoeira Caldeirão (UHECC) se encontra à montante da UHE Coaracy Nunes, possui potência instalada de 219 MW, com um reservatório de 47,99 km² e opera a fio d’água. Iniciou suas obras em setembro de 2013 e entrou em operação comercial em agosto de 2016, executando integralmente o seu potencial energético.

Coleta de dados

A coleta dos dados, cuja finalidade foi a obtenção de informações que permitiram analisar a percepção dos moradores da área urbana do município de Ferreira Gomes, no estado do Amapá, a partir da construção e funcionamento das UHECN, UHEFG e UHECC, seguiu os seguintes passos metodológicos: pesquisa bibliográfica e documental, com o objetivo de encontrar acervo literário (artigos científicos e livros) e documentos (dados oficiais, EIA, RIMA, Plano Diretor Participativo do município de Ferreira Gomes, fotos e jornais), que possibilitaram fundamentar as problemáticas deste estudo; pesquisa de campo com observação in loco da referida área de estudo e coleta de informações por meio de formulário semiestruturado.

O formulário foi dividido em duas partes, uma para traçar o perfil dos colaboradores e a outra o objeto central desta pesquisa, questões sobre os aspectos socioeconômicos do município de Ferreira Gomes. Os dados solicitados aos colaboradores para delinear o perfil foram: sexo de nascimento, idade, bairro, naturalidade (cidade e estado), tempo de residência no município em estudo, profissão (autônomo, serviços gerais, área da educação, área de construção civil, área da saúde e outros), grau de escolaridade, renda familiar mensal, quantidade de pessoas que residem no mesmo domicílio e quantidade de pessoas que contribuem com a renda familiar. Quanto à segunda parte do formulário, foi solicitado as opiniões dos colaboradores em relação a influência das instalações das UHEFG e UHECC no âmbito socioeconômico do município (descritos na Tabela, nos resultados e discussão), organizado em três opções: ‘aumentou’, ‘diminuiu’ e ‘continua igual’.

A aplicação do formulário semiestruturado foi realizada em janeiro de 2021, no perímetro urbano do município de Ferreira Gomes. O município conta atualmente com sete bairros oficiais, sendo eles: Centro, Matadouro, Montanha, Ameixal, Portelinha, Triângulo da Vitória e Vila Mosqueiro (Figura 2). A pesquisa contemplou todos os bairros da sede do município.

Figura 2
Mapa dos bairros da sede municipal de Ferreira Gomes - AP.

Seleção dos colaboradores

Para delimitar o número de colaboradores objetivando que a pesquisa apresente relevância estatística foi necessário a aplicação do ‘Teorema do Limite Central’, utilizando o cálculo de tamanho da amostra. Pois, quando o tamanho amostral é suficientemente grande, a distribuição da média é uma distribuição aproximadamente normal, sendo pertinente aos interesses do presente estudo (SOARES et al., 2019SOARES, D. J. M.; SOARES, T. E. A.; EMILIANO, P. C. Uma aplicação do teorema central do limite. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v. 5, n. 12, p. 32165-32173, dec. 2019. DOI: https://doi.org/10.34117/bjdv5n12-293
https://doi.org/10.34117/bjdv5n12-293...
). Neste sentido, utilizou-se a seguinte fórmula:

n = z 2 × p ( 1 p ) e 2 1 + ( z 2 × p ( 1 p ) e 2 × N )

Onde:

n = tamanho da amostra;

N = tamanho do universo;

e = margem de erro (porcentagem no formato decimal);

z = desvio do valor médio que é aceito para alcançar o nível de confiança desejado;

p = proporção que se espera encontrar.

O cálculo do tamanho amostral foi realizado segundo os seguintes critérios: adotou-se o número da população total do perímetro urbano de Ferreira Gomes estimada no ano de 2020, segundo o IBGE (2020), que eram 7.967 pessoas; e desse total 72% da população do município habitavam na área urbana, considerando os dados do censo de 2010 (o último censo realizado no município). Então o N (tamanho do universo) é de 5.736 pessoas, que é a quantidade de pessoas que residem na área urbana de Ferreira Gomes e o objeto central desta pesquisa.

Adotou-se neste estudo um intervalo de confiança de 95% com margem de erro de 10%. O grau ou intervalo de confiança é uma estimativa de que há uma maior probabilidade da porcentagem da população em estudo, no caso a amostra, que representa o número real da população de origem, dando maior segurança quanto ao resultado do objeto de estudo, enquanto, a margem de erro determina a estimativa máxima de erro dos resultados de uma pesquisa (DOWNING; CLARK, 2011DOWNING, D.; CLARK, J. Estatística Aplicada. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.; GREENLAND et al., 2016GREENLAND, S., SENN, S. J., ROTHMAN, K. J. et al. Statistical tests, P values, confidence intervals, and power: a guide to misinterpretations. Eur J. Epidemiol., v. 31, n. 4, p. 337-350, apr. 2016. DOI: https://doi.org/10.1007/s10654-016-0149-3
https://doi.org/10.1007/s10654-016-0149-...
).

O tamanho da amostra apontado como satisfatório após o cálculo realizado foi de 95 colaboradores. Para ser considerado colaborador, o participante deveria ser morador da sede municipal de Ferreira Gomes, maior de 18 anos e com tempo de residência no município superior a cinco anos, que permite a análise dos acontecimentos nos âmbitos sociais e econômicos durante a construção das UHEFG e UHECC até os dias atuais por meio da percepção dos moradores. Foi aplicado apenas um formulário semiestruturado por residência, para evitar uma possível interferência nas informações ou repetição delas.

Análise dos dados

Os dados coletados foram tabulados e organizados em planilhas eletrônicas (Microsoft Excel) e categorizados para análises estatísticas com o objetivo de preparar os dados obtidos para posterior análise descritiva dos resultados. Os dados tratados são uma representação em porcentagem do universo amostral de 95 colaboradores.

Aspectos éticos

A pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), a qual foi aprovada e registrada sob o código CAAE: 40799520.0.0000.0003/UNIFAP, seguindo as exigências da Resolução nº 510, de 6 e 7 de abril de 2016; e possui a anuência dos colaboradores para participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados e Discussão

Nesta pesquisa, o perfil da maioria dos colaboradores se constitui pela baixa escolaridade (até o ensino médio completo), baixa renda familiar e tempo de residência superior a 10 anos no município de Ferreira Gomes, o que significa que eles acompanharam a evolução do município e os acontecimentos decorrentes da instalação das UHEFG e UHECC no rio Araguari. A faixa etária com maior participação no estudo foi de 31 a 50 anos (58,95%). Grande parte dos colaboradores (42,10%) são autônomos: donos de casa, aposentados, vendedores, pescadores, microempresários, agricultores e comerciantes.

A distribuição espacial mostra, segundo a pesquisa em campo, uma maior concentração de participantes nos bairros Centro, Montanha, Matadouro e Ameixal. Os bairros mais próximos ao rio Araguari (Figura 2) são os mais antigos, onde se iniciou a ocupação da sede do município de Ferreira Gomes. Brito e Almeida (2017BRITO, E. P. de; ALMEIDA, M. G. de. No itinerário dos expulsos pela UHE estreito. Território dos sujeitos ribeirinhos no rio Tocantins. Revista de Geografia, Recife, v. 34, n. 3, 2017.) explicam que a tendência de crescimento populacional em cidades ribeirinhas é partir da margem do rio, seguindo a regiões mais afastadas. Portanto, os resultados são condizentes com a realidade local, e como se observa na Figura 3, houve um aumento considerável de ocupação da área urbana de Ferreira Gomes após a implantação das UHE Ferreira Gomes e Cachoeira Caldeirão.

Figura 3
Mapa do crescimento da área urbana de Ferreira Gomes durante e após a construção das UHE Ferreira Gomes e Cachoeira Caldeirão

Ainda analisando a Figura 3, nota-se a paisagem do rio Araguari e a sede municipal de Ferreira Gomes no início da construção da UHECC e a fase final da construção da UHEFG, em 2013FERREIRA GOMES. Plano Diretor Participativo do Município de Ferreira Gomes. Diagnóstico das Condicionantes, Deficiências e Potencialidades Municipais Propostas e Ações. Ferreira Gomes: Ferreira Gomes Energia, Estado do Amapá, 2013.; e depois, em 2020, o cenário atual: alagamento de áreas como consequência da formação dos reservatórios e operação das três hidrelétricas em conjunto, UHECN, UHEFG e UHECC; crescimento urbano e surgimento de novos bairros na zona periférica, como a Portelinha e o Triângulo da Vitória. Além disto, observa-se que os terrenos propensos a inundação inclui parte dos bairros que se encontram à margem do rio Araguari, demonstrando que desastres ambientais são exemplos de perigos que a população local está sujeita por viver próximo às hidrelétricas.

A cidade de Ferreira Gomes se tornou de certa forma uma extensão do canteiro de obras das UHEFG e UHECC. As obras ocorreram nos anos de 2010-2014 e 2013-2016, respectivamente, e neste período a sede do município recebeu a maior parte do fluxo migratório de trabalhadores. As dinâmicas sociais foram alteradas em decorrência desse fluxo, constituindo um evidente inchaço populacional na região, desencadeando ao longo dos anos seguintes as consequências da ocupação desordenada não previstas no Plano Diretor Participativo do município de Ferreira Gomes (FERREIRA GOMES, 2013FERREIRA GOMES. Plano Diretor Participativo do Município de Ferreira Gomes. Diagnóstico das Condicionantes, Deficiências e Potencialidades Municipais Propostas e Ações. Ferreira Gomes: Ferreira Gomes Energia, Estado do Amapá, 2013.).

O estudo de Massoli (2014MASSOLI, E. C.; BORGES, F. Q. Análise das externalidades geradas pela Usina Hidrelétrica de Estreito (MA) e o processo de desenvolvimento. Desenvolvimento em questão, v. 12, n. 28, p. 251-278, 2014.) atribui aspectos negativos acerca do cenário evidenciado na construção da UHE de Estreito, como aumento populacional, de criminalidade e de prostituição, além de abandono de famílias e degradação ambiental, com o deslocamento de vários animais para outras regiões ou morte deles. O autor diz que o município em questão passa por problemas de ordem pública, uma vez que não se preparou com a construção de áreas urbanizadas para receber o reassentamento coletivo da população migratória, tampouco com questões de segurança pública e controle do monitoramento e gerenciamento ambiental. Tal cenário se assemelha ao que ocorreu no município de Ferreira Gomes, com a transformação do espaço urbano e do quadro social.

A Tabela a seguir apresenta resultados acerca da percepção dos moradores da sede de Ferreira Gomes sobre os aspectos socioeconômicos após a construção das UHEFG e UHECC. A discussão foi base para entendimento sobre possíveis mudanças no cotidiano da população atingida, relacionados a qualidade de vida, saúde, alimentação, lazer, segurança pública e o setor imobiliário no meio urbano do município de Ferreira Gomes.

Tabela
Aspectos socioeconômicos

A percepção dos colaboradores aponta diminuição da oferta de produtos agrícolas regionais (55,79%) e de produtos pesqueiros regionais (86,32%) (Tabela, itens 1 e 2), a percepção negativa relacionado a oferta de tais produtos é consequência direta da implantação das UHE. A literatura mostra que a inundação de áreas agrícolas utilizadas para agricultura familiar e de pequenos produtores rurais e o declínio dos estoques da ictiofauna e episódios de mortandade de peixes estão entre os primeiros impactos da barragem (MENESTRINO; PARENTE, 2011MENESTRINO, E.; PARENTE, T. G. O estudo das territorialidades dos povos tradicionais impactados pelos Empreendimentos Hidrelétricos no Tocantins. Brazilian Geographical Journal: Geosciences and Humanities research medium, Uberlândia, v. 2, n. 1, p. 1-19, jan./jun. 2011.; ROCHA, 2014ROCHA, H. J. da. O controle do espaço-tempo nos processos de instalação de hidrelétricas. Tempo Social - Revista de sociologia da USP, v. 26, n. 1, p. 259-280, jun. 2014.; CARVALHO et al., 2020CARVALHO, K. M. de; SANTOS, M. E. P. dos; CABRAL SILVA, J. A.; AZEVEDO, R. E. A.; CARVALHO DOS SANTOS, V. de L. Rio abaixo, rio acima: o pescador, o rio e os riscos no baixo São Francisco. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 23, 2020.).

O estudo de Lopes e Brito (2021LOPES, M. S.; BRITO, D. M. C. Impactos socioambientais ocasionados por hidrelétrica no Vale do Jari, Amapá, Brasil: percepções comunitárias. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 24, 2021. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422asoc20190068r3vu2021L2AO
http://dx.doi.org/10.1590/1809-4422asoc2...
) aborda os impactos da instalação da Hidrelétrica de Santo Antônio do Jari sobre comunidades ribeirinhas do sul do Amapá, os resultados revelaram diminuição de áreas agricultáveis causados principalmente pelo alagamento decorrente do enchimento do reservatório. Os moradores do vale do Jari relatam dificuldades de acesso a produtos agrícolas e consequentemente há insegurança alimentar causada pela nova realidade local.

Os impactos sobre os produtos agrícolas ocorrem principalmente pelos baixos valores indenizatórios pelas propriedades e benfeitorias inundadas, pois as negociações dependem da capacidade de mobilização social e negociação com o empreendedor. Em contrapartida, há a supervalorização das terras nas imediações da obra, dificultando a aquisição de um local com características semelhantes à situação anterior e consequentemente dificuldade para exercer novamente as atividades agrícolas (PAZ, 2006PAZ, L. R. L. da. Hidrelétricas e Terras Indígenas na Amazônia: Desenvolvimento Sustentável? 2006. 232 f. Tese (Doutorado em Ciências em Planejamento Energético) - COPPE, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.; ROCHA, 2014ROCHA, H. J. da. O controle do espaço-tempo nos processos de instalação de hidrelétricas. Tempo Social - Revista de sociologia da USP, v. 26, n. 1, p. 259-280, jun. 2014.).

Acerca da diminuição de produtos pesqueiros, o tema é amplamente debatido na literatura, devido a modificação dos ambientes aquáticos, afetando diretamente a produção pesqueira, na qualidade e quantidade de peixes para venda. Segundo Miranda et al. (2013MIRANDA, J. C.; FERREIRA, C. G. W.; ANDRADE, D.C. Estrutura da comunidade de peixes na área de influência direta da Pequena Central Hidrelétrica Braço, RJ/SP. HOLOS, vol. 5, p. 293-304, 2013.) é esperado que o impacto decorrente de represamentos promova alterações na riqueza e abundância de espécies, em função da nova configuração do ambiente a partir da formação do reservatório e possível diminuição do fluxo da água em determinados trechos do rio.

O estudo de Santos et al. (2017SANTOS, E. S. dos; CUNHA, A. C. da; CUNHA, H. F. A. Usina hidrelétrica na Amazônia e impactos socioeconômicos sobre os pescadores do município de Ferreira Gomes-Amapá. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 20, n. 4, p. 197-214, out./dez. 2017.) teve como objetivo analisar comunidades de pescadores atingidas antes e após o enchimento do reservatório da UHEFG. Os principais resultados do estudo apontaram que houve uma adaptação socioeconômica forçada e severa, com a diminuição drástica da renda mensal, aumento dos custos da produção pesqueira, além de prejuízos na venda do peixe, que se tornou frequentemente relacionado a um ambiente potencialmente contaminado, devido as alterações das características físico-química da água do rio Araguari e os constantes episódios de mortes de peixes.

Assim, também aconteceu com os pescadores das proximidades da UHE Peixe Angical, no estado de Tocantins, como relata o estudo de Souza et al. (2016SOUZA, M. F.; MARQUES, E. E.; MIRANDA, E. B.; ARAUJO, A. F. Do rio Tocantins a Hidrelétrica de Peixe Angical: os peixes e as pescarias na memória dos pescadores. Revista Interface, n. 12, p. 119-134, dez. 2016.), além da atividade pesqueira, houve aumento do trabalho autônomo, muito em função da falta de competitividade quando inseridos no mercado formal pela baixa capacitação técnica e escolaridade. O cenário apresentado neste estudo corrobora com os resultados encontrados em Silva e Paula (2018SILVA, L. P.; BARBOSA, J. P.; SILVA, G. A. Análise exploratória de dados da qualidade da água de poços amazonas na cidade de Macapá, Amapá, Brasil. Águas Subterrâneas, v. 32, n. 1, p. 43-51, 2018. DOI: https://doi.org/10.14295/ras.v32i1.28941
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), na visão dos pescadores de Ponta de Abunã, a disponibilidade de pescado reduziu consideravelmente após o início da construção da UHE Jirau, no rio Madeira, no estado de Rondônia.

Com relação à sede do município de Ferreira Gomes, a percepção dos colaboradores é que houve piora na qualidade da água para consumo doméstico (68,42%) (Tabela, item 3). O abastecimento de água na área urbana de Ferreira Gomes é realizado por meio de poços amazonas1 1 - Os poços escavados do tipo amazonas para captação de água subterrânea são caracterizados por possuírem, geralmente, um diâmetro superior a 0,5 m, com profundidades bastante variadas de um metro a dezenas de metros, dependendo diretamente da litificação da formação geológica (VASCONCELOS, 2017). e distribuição pela rede pública, cujas instalações são antigas e estão desgastadas e com qualidade do tratamento comprometida, o que contribui para o aparecimento de doenças de veiculação hídrica e para a elevada taxa de mortalidade infantil, além de gerar desconforto para a população, que é obrigada a conseguir água em fontes distantes e de qualidade duvidosa (FERREIRA GOMES, 2013FERREIRA GOMES. Plano Diretor Participativo do Município de Ferreira Gomes. Diagnóstico das Condicionantes, Deficiências e Potencialidades Municipais Propostas e Ações. Ferreira Gomes: Ferreira Gomes Energia, Estado do Amapá, 2013.; CORRÊA, 2018CORRÊA, K. M. A. A formação do complexo hidrelétrico no rio Araguari: Impactos no ordenamento territorial de Ferreira Gomes, Amapá. 2018. 129 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) - Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2018.). A captação de água para distribuição é feita no rio Araguari, e como o tratamento se encontra deficitário, assim, a percepção sobre a qualidade da água do rio implica diretamente na percepção da água consumida pela população local.

Os estudos mais recentes relacionados a água do rio Araguari, dentro da área de influência das UHE, admitem que a água analisada apresenta parâmetros físicos, químicos e microbiológicos em não conformidade com a norma ambiental vigente, a Resolução nº 357, de 2005, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que dispõe sobre a classificação dos corpos de água e diretrizes ambientais para o seu enquadramento (SILVA, 2015SILVA, G. C. X. da. Alterações da qualidade da água durante enchimento de reservatório Pós-Fragmentação do Escoamento Livre. 2015. 151 f. Dissertação (Mestrado em Biodiversidade Tropical) - Programa de Pós-graduação em Biodiversidade Tropical, Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2015.; FAÇANHA, 2019FAÇANHA, E. B. Avaliação físico-química da qualidade de águas de reservatório de usinas hidrelétricas na Amazônia oriental. 2019. 48 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Ambientais) - Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais, Fundação Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2019.). As alterações nos parâmetros analisados apontam os impactos causados pelos empreendimentos hidrelétricos à água do rio Araguari, em trechos próximos a área urbana de Ferreira Gomes.

Diante deste cenário, o estudo de Malcher et al. (2020MALCHER, J. A. S.; BRITO, D. C.; CARVALHO, T. P.; SANTOS, J. O.; PENHA, E. C. M.; GUEDES, J. N.; CUNHA, A. C. Qualidade da água para abastecimento público em municípios com menos de 50 mil habitantes na Amazônia. Revista Ibero Americana de Ciências Ambientais, v. 11, n. 7, p. 284-304, 2020. DOI: http://doi.org/10.6008/CBPC2179-6858.2020.007.0025
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), abordou o abastecimento público de água no estado do Amapá, inclusive com dados sobre localidades influenciadas pela instalação da UHE de Santo Antônio do Jari, os resultados apresentados revelam que as amostras de água coletadas no rio Jari e que são distribuídas às cidades próximas apresentaram desconformidade com os padrões de qualidade exigidas na legislação sanitária vigente no país, portanto, trazendo risco aos usuários.

Não há estudos relacionados a qualidade da água para consumo humano na cidade de Ferreira Gomes. Neste sentido, a população receosa pela má qualidade do tratamento da água busca alternativas de abastecimento, como os poços amazonas. Entretanto, estas alternativas apresentam ainda mais riscos pelo alto grau de contaminação fecal proveniente de ineficácia do saneamento básico no município (SILVA et al., 2018SILVA, L. P.; BARBOSA, J. P.; SILVA, G. A. Análise exploratória de dados da qualidade da água de poços amazonas na cidade de Macapá, Amapá, Brasil. Águas Subterrâneas, v. 32, n. 1, p. 43-51, 2018. DOI: https://doi.org/10.14295/ras.v32i1.28941
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; GROTT et al., 2018GROTT, S. L.; FAÇANHA, E. B.; FURTADO, R. N.; CUNHA, H. F. A.; CUNHA, A. C. Variação espaço-sazonal de parâmetros da qualidade da água subterrânea usada em consumo humano em Macapá, Amapá, Brasil. Eng. Sanit. Ambient., Rio de Janeiro, v. 23, n. 4, p. 645-654, 2018. DOI:https://doi.org/10.1590/s1413-41522018162018
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).

No estudo de Lauthartte et al. (2016LAUTHARTTE, L. C.; HOLANDA, I. B.B.; LUZ, C.C.; MUSSY, M. H.; PANSINI, S.; MANZATTO, A.G.; YAMASHITA, M.; BASTOS, W.R. Avaliação da qualidade da água subterrânea para consumo humano: estudo de caso no Distrito de Jaci-Paraná, Porto Velho-RO. Águas subterrâneas, v. 30, n. 2, p. 246-260, 2016.) foi realizada uma avaliação da qualidade das águas subterrâneas do Distrito de Jaci-Paraná, Rondônia, área de influência direta da UHE de Santo Antônio, os resultados apontam elevada taxa de contaminação por coliformes e parâmetros em não conformidade com a legislação sanitária nacional.

Em relação à saúde pública, a percepção da população atingida pelas usinas no médio rio Araguari é de crescimento no número de casos de doenças de veiculação hídrica ocasionados diretamente pela construção das UHE. O resultado apresentado evidencia que 60% dos colaboradores entendem que houve significante aumento no número de casos; para 35,79% não houve mudança e os números de casos continuam iguais, e uma pequena parcela (4,21%) aponta para a diminuição nas ocorrências de doenças de veiculação hídrica no município (Tabela, item 4).

Couto (1999COUTO, R. C. S. Saúde e projetos de desenvolvimento na Amazônia. Novos Cadernos NAEA, v. 2, n. 2, dez. 1999.) afirma que na fase de construção do projeto hidrelétrico há intervenção ambiental de grande magnitude, e nesta etapa é possível evidenciar um aumento da incidência de doenças de alto risco transmitidas por vetores, como: febre amarela, leishmanioses, filarioses e malária; por veiculação hídrica e relacionadas a migração. Mas, na fase de operação é que há maior proliferação destas doenças.

As condições ecológicas da Amazônia facilitam a introdução e a proliferação dessas doenças, como: rica bacia hidrográfica, elevadas pluviosidade e umidade. Reiterando, o estudo de Moreno et al. (2019) realizado ao longo da rodovia Perimetral Norte (BR-210), no Amapá, em trecho de cerca de 150 km, que conecta os municípios de Ferreira Gomes, Porto Grande, Serra do Navio e Pedra Branca do Amapari, onde o autor analisou dados de área indígena, assentamentos e garimpos, afirma que os surtos de malária e de leishmaniose na região não podem ser desvinculados espacial e temporalmente dos eventos envolvendo desmatamento, mineração e implantação de UHE.

A qualidade dos balneários na região (Tabela, item 5) segundo os colaboradores diminuiu (50,53%), e isto pode ser influenciado principalmente por dois fatores: a mudança da qualidade da água do rio e da beleza cênica. A alteração dos ambientes aquáticos pode afetar a economia local, não só do ponto de vista da venda de pesca, mas também do turismo, que é uma característica forte presente no município e que faz parte da fonte de renda de muitos munícipes da sede de Ferreira Gomes.

O estudo de Roscoche e Vallerius (2014ROSCOCHE, L. F.; VALLERIUS, D. M. Os impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte nos atrativos turísticos da região do Xingu (Amazônia - Pará - Brasil). Revista Eletrônica de Administração e Turismo, v. 5, n. 3, p. 414-430, jul./dez. 2014.) sobre os impactos da UHE de Belo Monte nos atrativos turísticos da região do Xingu, mostra que a barragem causou o desaparecimento de ilhas e praias que ficavam próximas as cidades de Altamira, não podendo mais ser utilizada por turistas ou pela população local. Segundo os autores, perde-se assim, não só a beleza cênica do Rio Xingu e de suas praias como potencial de atrativo turístico, como também, se extingue uma das principais formas de lazer.

O crescimento de atividades comerciais na área urbana de Ferreira Gomes é apontado por 48,42% dos colaboradores (Tabela, item 6). A percepção de aumento não é contundente, pois, em contrapartida, 31,58% acreditam na diminuição das atividades comerciais e para 20% esta situação não foi alterada. As percepções divididas dos colaboradores podem apontar confusão do entendimento do que seria uma atividade comercial. Observando as informações contidas neste estudo, pode-se então, traçar algumas hipóteses: 1) Os colaboradores podem associar atividades comerciais com setor varejista, venda de roupas, supermercados e pequenas lojas onde é perceptível o aumento em relação ao período anterior a construção das hidrelétricas; 2) Parte da população associa a venda de pescados, produtos agrícolas, laticínios e outros advindos de feiras ao ar livre como atividade comercial, acompanhando os resultados deste estudo que apontam diminuição destes produtos; e 3) A população tem uma visão distinta de atividade comercial, a altercação entre crescimento e queda pode estar associado a diferentes setores da economia local e seus resultados após o término da implantação das UHE.

Infere-se relevantes aspectos sociais nos resultados obtidos, os itens 7, 8, 9 e 10 da Tabela que expõem informações sobre a mudança no modo de vida da população atingida. Para 89,47% dos colaboradores houve aumento no custo da energia elétrica (Tabela, item 7), o que causa estranheza pelos colaboradores e a percepção de que a população local, que convive com os impactos e prejuízos causados pela construção das UHE, não se beneficia diretamente da produção de energia no município. No estudo de Ribeiro e Moret (2014RIBEIRO, A. M.; MORET, A. de S. A construção da hidrelétrica de Santo Antônio e os impactos na sociedade e no ambiente. Interfaces Científicas - Humanas e Sociais, Aracaju, v. 2, n. 3, p. 81-92, jun. 2014.), constatou-se aumento nos valores de energia para os moradores do entorno da UHE Santo Antônio em Porto Velho/RO, ou seja, o panorama apresentado não é uma realidade isolada do município de Ferreira Gomes.

Em decorrência do aumento do custo de energia, a percepção dos colaboradores é de que o custo de vida aumentou (80%) após a implantação das UHE (Tabela, item 8), o estudo não especifica os fatores que influenciam neste aumento, mas é notório que custo de vida e de energia elétrica estão correlacionados. A energia elétrica é um importante custo dentro de diversos processos produtivos e o aumento da tarifa elétrica acarreta alteração no preço final de produtos (WERNKE, 2018WERNKE, R. Análise de custos e preços de venda: ênfase em aplicações e casos nacionais. 2ª. ed., São Paulo: Saraiva Uni, 2018.).

O aumento do custo de vida após as obras de UHE é constatado nos estudos de Roscoche (2012ROSCOCHE, L. F. Funcionários públicos federais de Altamira desejam sair do município. In: Jorge - Jornal de Geografia, v. 2, n. 13, 2012.) e Oliveira (2013OLIVEIRA, A. da C. Consequências do neodesenvolvimentismo brasileiro para as políticas públicas de crianças e adolescentes: reflexões sobre a implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. R. Pol. Públ., São Luís, v. 17, n. 2, p. 289 - 302, jul./dez. 2013.) em Altamira/PA, onde os autores mostram que houve aumento generalizado do preço dos aluguéis e dos produtos alimentícios, em decorrência do crescimento populacional e, por consequência, o aumento no custo de vida de modo geral.

Na percepção da população atingida as oportunidades de emprego diminuíram (Tabela, item 9), os resultados apontam que 74,74% dos colaboradores expuseram este ponto de vista. A percepção geral é de que a diminuição nas oportunidades acontece em paralelo a conclusão das obras de instalação das UHE. Estudos como o de Balieiro (2018BALIEIRO, M. H. A questão das hidrelétricas - desmistificando inverdades propagadas no ensino de geografia. Ciência Geográfica, Bauru, v. 22, n. 1, jan./dez. 2018.) e Maldaner et al. (2019MALDANER, K. L. S.; LIMA, A. M. T. de; AKAMA, A.; MARQUES, E. E. A avaliação ambiental integrada e os cenários socioeconômicos de municípios impactados pelas Usinas Hidrelétricas Peixe Angical e São Salvador no rio Tocantins. RBCIAMB, n. 52, p. 119-134, jun. 2019. DOI: 10.5327/Z2176-947820190094
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) salientam que as obras que necessitam de quantidades exorbitantes de mão de obra tendem a deixar uma massa de desempregados após sua conclusão, já que as oportunidades de trabalho geradas no período de implantação das UHE geralmente são inferiores ao número de pessoas que se aglomeram em busca de trabalho no início das obras.

A percepção é de que o mercado formal no município desacelerou após o término das obras. Um impacto previsto, segundo a literatura, é a taxa alta de desemprego e baixa quantidade de novas vagas, que induzem parte significativa da população a procurarem o mercado informal. Os resultados do estudo de Maldaner et al. (2019MALDANER, K. L. S.; LIMA, A. M. T. de; AKAMA, A.; MARQUES, E. E. A avaliação ambiental integrada e os cenários socioeconômicos de municípios impactados pelas Usinas Hidrelétricas Peixe Angical e São Salvador no rio Tocantins. RBCIAMB, n. 52, p. 119-134, jun. 2019. DOI: 10.5327/Z2176-947820190094
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), nos municípios da área de influência das UHE Peixe Angical e São Salvador, indicam o saldo de emprego declinante, afirmando que o efeito positivo de geração de empregos foi apenas a curto prazo, com quantidade limitada de vagas e, especificamente, durante as obras ocasionando um déficit impactante nos municípios sede dos empreendimentos hidrelétricos.

Quanto à criminalidade (Tabela, item 10), 78,95% dos colaboradores acreditam que aumentou os índices no município de Ferreira Gomes, em especial furtos. Esta percepção tem a ver com o aumento do preço de gêneros alimentícios, higiene e energia elétrica que reflete negativamente no custo de vida, que, somado ao crescente aumento populacional gera consequências, como: o avanço da criminalidade, pouca oportunidade no mercado formal, desemprego e transformação na dinâmica e constituição da área urbana do município - surgimento de novos bairros, normalmente afastados do centro.

Os EIA de hidrelétricas, em muitos casos, não aborda a violência e criminalidade como impacto socioambiental e nem direciona medidas mitigadoras para solução do problema. Entretanto, há possibilidade de agravamento da violência e da criminalidade como consequências óbvias da desorganização social inevitavelmente produzida pela implantação de projetos dessa magnitude, devido ao grande fluxo de pessoas que se deslocaram de outras regiões para trabalhar na obra (REIS; SOUZA, 2016SOUZA, M. F.; MARQUES, E. E.; MIRANDA, E. B.; ARAUJO, A. F. Do rio Tocantins a Hidrelétrica de Peixe Angical: os peixes e as pescarias na memória dos pescadores. Revista Interface, n. 12, p. 119-134, dez. 2016.).

Ainda segundo Reis e Souza (2016SOUZA, M. F.; MARQUES, E. E.; MIRANDA, E. B.; ARAUJO, A. F. Do rio Tocantins a Hidrelétrica de Peixe Angical: os peixes e as pescarias na memória dos pescadores. Revista Interface, n. 12, p. 119-134, dez. 2016.), os resultados apontaram o crescimento no número de ocorrências nos municípios mais diretamente afetados pela UHE Belo Monte em virtude da nova dinâmica populacional ocasionada pela sua construção, tendo aumento significativo de crimes como: ameaças, homicídios, tráfico de drogas, estupros e mortes no trânsito. Corroborando com o exposto, o estudo de Herrera e Moreira (2015HERRERA, J. A.; MOREIRA, P. Espacialidade do medo e insegurança pública: Ensaio sobre os efeitos da UHE Belo Monte na cidade de Altamira no Pará. Revista Políticas Públicas & Cidades, v. 3, n. 2, p. 48-63, mai./ago. 2015.) aprofunda ainda mais o debate acerca da violência na região de implantação da UHE Belo Monte e apresenta dados acerca do crescimento da criminalidade, segundo os autores o aumento da violência é causa substancial, mas não única, para a expansão do medo, e para a reprodução de espacialidades que cristalizam a ideia de insegurança pública.

Conforme dados concedidos pela Polícia Militar do Estado do Amapá, por meio da Diretoria de Operações, houve um aumento significativo de ocorrências no município de Ferreira Gomes nos anos de 2013FERREIRA GOMES. Plano Diretor Participativo do Município de Ferreira Gomes. Diagnóstico das Condicionantes, Deficiências e Potencialidades Municipais Propostas e Ações. Ferreira Gomes: Ferreira Gomes Energia, Estado do Amapá, 2013. a 2015, especialmente lesões corporais, ameaça, desordem/perturbação do trabalho ou do sossego alheio, agressão, infrações de trânsito, furto e prisão em flagrante. Tal informação espelha a consequência do aumento populacional durante o período das obras da UHEFG, em que a massa trabalhadora do empreendimento habitou no município.

O deslocamento de trabalhadores para as obras é um dos primeiros impactos durante a implantação de uma UHE, a priori as regiões atingidas não apresentam infraestrutura adequada para suportar o número de empregados, gerando diversos problemas sociais (ROSCOCHE; VALLERIUS, 2014ROSCOCHE, L. F.; VALLERIUS, D. M. Os impactos da Usina Hidrelétrica de Belo Monte nos atrativos turísticos da região do Xingu (Amazônia - Pará - Brasil). Revista Eletrônica de Administração e Turismo, v. 5, n. 3, p. 414-430, jul./dez. 2014.). Para absorver a massa de trabalhadores a área urbana cresce, o setor da construção civil é alavancado pela demanda recorrente do fenômeno descrito, entretanto, após o término das obras ocorre o fenômeno inverso, os trabalhadores retornam para seus locais de origem.

Segundo Silva et al. (2020SILVA, E. dos S.; FERREIRA, J. F. de C.; TOSTES; J. A. A implantação de empreendimentos hidrelétricos no médio Araguari e a nova configuração urbana de Ferreira Gomes-AP, na Amazônia brasileira. Geosul, Florianópolis, v. 35, n. 75, p. 376-396, mai./ago. 2020. DOI: http://doi.org/10.5007/1982-5153.2020v35n75p376
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) a dinâmica populacional de Ferreira Gomes se modificou durante a construção das UHE, tendo apresentado aumento populacional considerável no período de suas construções, o aumento é atribuído principalmente pelos empregos gerados durante a construção dos empreendimentos e pela população migrante em busca de oportunidades advindas do aporte econômico na região. Diante do cenário apresentado, os resultados obtidos mostram aumento na oferta de imóveis, segundo 69,47% dos colaboradores (Tabela, item 11). É comumente encontrada na área urbana de Ferreira Gomes, imóveis em estado de abandono ou com placas de ‘vende-se’ e ‘aluga-se’ (Figura 4), este cenário é reflexo direto da diminuição no número de trabalhadores nas hidrelétricas.

Condição semelhante ocorreu em Altamira, com a construção da UHE de Belo Monte, segundo Fleury e Almeida (2013FLEURY, L. C.; ALMEIDA, J. A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte: conflito ambiental e o dilema do desenvolvimento. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 4, p. 141-158, out./dez. 2013.) houve intensa especulação imobiliária - deflagrada mediante uma súbita elevação dos custos de terreno e aluguel em Altamira - uma das mais significativas consequências da liberação da obra (há muitos relatos de valores de aluguel que subiram até cinco vezes).

Figura 4
Fotos de imóveis à venda, para alugar e abandonados em Ferreira Gomes-AP

Em paralelo, observou-se aumento na quantidade de pousadas ou hotéis, para 45,26% dos colaboradores (Tabela, item 12), é reflexo do crescimento do setor hoteleiro durante as obras das UHE, com objetivo de atender aos trabalhadores. Atualmente, os hotéis e pousadas se mantiveram em funcionamento, mas em um novo cenário, dando maior ênfase ao turismo na região, pois Ferreira Gomes sempre atraiu turistas em busca de lazer e descanso.

Diante do quadro apresentado sobre as mudanças ocorridas na vida dos munícipes de Ferreira Gomes, a população atingida demonstrou descontentamento em relação a sua qualidade de vida (Tabela, item 13), para 31,58% dos colaboradores a qualidade de vida piorou, enquanto para 48,42% continuou igual, dessa maneira, as obras das hidrelétricas não mudaram o panorama da população atingida ao ponto de que estes tivessem uma percepção positiva sobre o empreendimento e seus benefícios à população. Fleury e Almeida (2013FLEURY, L. C.; ALMEIDA, J. A construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte: conflito ambiental e o dilema do desenvolvimento. Ambiente & Sociedade, São Paulo, v. 16, n. 4, p. 141-158, out./dez. 2013.) afirmam que por mais que o desenvolvimento e a modernidade sejam vistos como premissas de melhoria na qualidade vida, nem todos se beneficiam do processo.

Embora haja inúmeras definições de qualidade de vida, não existe uma que seja amplamente aceita. No entanto, o que se nota é que não inclui apenas fatores relacionados à saúde, como bem-estar físico, funcional, emocional e mental, mas também, a outros elementos importantes da vida das pessoas como trabalho, família, amigos e outras circunstâncias do cotidiano, sempre considerando que a percepção individual de cada um que se pretende investigar é primordial (GILL; FEISNTEIN, 1994GILL, T. M.; FEINSTEIN, A. R. A critical appraisal of the quality of quality-of-life measurements. Journal of the American Medical Association, Chicago, v. 272, n. 8, p. 619-626, 1994.; PEREIRA et al., 2012PEREIRA, E. F.; TEIXEIRA, C. S.; SANTOS, A. Qualidade de vida: abordagens, conceitos e avaliação. Rev. Bras. Educ. Fís. Esporte, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 241-250, abr./jun. 2012.). Portanto, a percepção de piora na qualidade de vida pelos colaboradores provém da insegurança pelo aumento da criminalidade, aumento de incidência de doenças, diminuição nas oportunidades de emprego e aumento no custo de vida, que impacta na qualidade da alimentação, moradia, conforto e bem-estar.

Em face do exposto, pode-se afirmar que as hidrelétricas alteraram a dinâmica socioeconômica dos munícipes de Ferreira Gomes. Durante as obras, principalmente da UHEFG, aumentou consideravelmente o número de ocorrências policiais, abalando a segurança pública neste período. Após as obras, as pessoas que dependiam da pesca, da agricultura e do turismo para sobreviver tiveram que buscar alternativas de trabalho para complementar a renda, as oportunidades de emprego diminuíram, o custo de vida (alimentação, energia elétrica, moradia e impostos, por exemplo) aumentou. Enfim, apesar desses acontecimentos estarem atrelados aos empreendimentos hidrelétricos, não há medidas mitigadoras e nem indenizações que possam reparar os danos sociais e econômicos da população atingida.

Considerações

As análises sobre as informações descritas pela percepção da população da área urbana de Ferreira Gomes revelaram que a operação simultânea das UHECN, UHEFG e UHECC estabeleceu novas dinâmicas sociais, econômicas e ambientais e ocasionou impactos complexos no cotidiano da população atingida, em sua maioria de forma negativa, confirmando a principal hipótese estabelecida neste estudo.

A partir dos resultados do presente estudo, observa-se que houve crescimento desenfreado da população na área urbana de Ferreira Gomes advinda da migração de mão de obra para construção dos empreendimentos. E a pressão causada pelo fenômeno migratório na infraestrutura da cidade, diante da nova dinâmica social, contribuiu para o crescimento dos setores de hotelaria e de construção civil. Bem como, houve o aparecimento de novos bairros não planejados pelo poder público e sem estrutura de saneamento adequado, com consequência direta na saúde e segurança dessa população.

Na situação dos pequenos pecuaristas, produtores agrícolas e pescadores, deveria ocorrer o monitoramento constante destes após a instalação dos empreendimentos, independentemente do pagamento de indenizações ou quaisquer ações compensatórias realizadas. O monitoramento se justifica pelo risco social advindo da mudança de paradigmas, modo de vida e cultura atreladas às atividades econômicas desenvolvidas no município.

De modo geral, a percepção da população atingida é de que a implantação dos empreendimentos hidrelétricos no rio Araguari não impactou positivamente, ao ponto de contribuir para a melhoria da realidade local, visto os impactos causados nos âmbitos sociais e econômicos. Em resumo, a percepção dos atingidos nos mostra que o desenvolvimento tem um preço a ser pago, caro para os envolvidos diretamente, mas que se passa despercebido pela sociedade em geral, por vezes excluída e vedada de todo o processo.

Desta maneira, o presente estudo evidencia a necessidade de diálogo da sociedade sobre o papel do poder público em relação aos atingidos por empreendimentos hidrelétricos, os atingidos direta e indiretamente, pois se observa que de alguma forma todos têm seu modo de vida modificado e em muitos casos estes são negligenciados por quem deveria protegê-los e ampará-los. Além disto, também amplia a discussão sobre o processo de implantação de UHE na Amazônia e a forma como são idealizadas, a maneira como são realizadas as negociações entre governantes e empresas, e a ineficácia ou ausência de medidas mitigadoras e compensatórias que amenizem os impactos, em que na maioria dos casos quem mais sai perdendo e arca com as consequências é a população local.

Agradecimentos

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e ao Departamento de Pós-Graduação da Universidade Federal do Amapá pelo apoio financeiro.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    08 Dez 2021
  • Aceito
    24 Dez 2022
ANPPAS - Revista Ambiente e Sociedade Anppas / Revista Ambiente e Sociedade - São Paulo - SP - Brazil
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