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Editorial

Editorial

Dentre as principais tendências que se verificam na esfera da educação superior brasileira nestes últimos anos se incluem: notável expansão do sistema e da matrícula estudantil; grande diversificação de modalidades institucionais; fragmentação do sistema; crise do financiamento público; heterogeneidade dos graus de qualidade; persistente desigualdade (em que pese o esforço pela democratização do conhecimento, ainda limitado a alguns programas e práticas); flexibilização dos meios e aumento do controle dos resultados por parte do Estado, sobretudo, através de avaliação e regulação de acordo com critérios de organismos nacionais e supranacionais; transnacionalização; massiva participação do setor privado na oferta de cursos predominantemente orientados a satisfazer as demandas do mercado. A educação superior está sendo instituída como instância decisiva do progresso da atual sociedade econômica global e de base tecnológica. A disciplina econômica de amplitude mundial impõe às instituições educativas a obediência aos códigos do sistema produtivo. O conhecimento e suas aplicações devem propiciar o desenvolvimento das competências e habilidades adequadas ao fortalecimento das empresas e ao sucesso individual. Coerente com a tendência economicista que se espalha por todo o mundo e devido a que os conhecimentos, especialmente os de base tecnológica, se tornaram a matéria prima da acumulação capitalista neoliberal, ocorre nas últimas décadas uma expansão crescente e acelerada da privatização na forma de empresas educativas com manifesto objetivo de lucro e uma invasão da mentalidade e de práticas de quase-mercado em instituições públicas. Respeitadas as honrosas e conhecidas exceções, as IES privadas brasileiras criadas nas últimas duas décadas, em sua maioria, se dedicam quase exclusivamente ao ensino; absorvem matrículas em áreas demandadas pelo mercado e oferecem cursos ajustados aos perfis profissionais. Seguindo uma racionalidade mais mercantil que propriamente fundada em valores acadêmico-educativos, ressalvadas bem-vindas exceções, as novas IES privadas não apresentam processos e resultados com a qualidade científica, pertinência e relevância social que contribuam efetivamente com a construção e a consolidação de sociedades justas, democráticas e avançadas econômica, política e culturalmente. A educação superior essencialmente instrumentalizada como função da competitividade econômica vem contribuindo, assim, para aumentar a hegemonia da ideologia privatista, o domínio do econômico sobre o político e do interesse individual sobre o valor social ou do individualismo possessivo sobre a cidadania pública. Velhos termos, conceitos e práticas agora adquirem uma nova semântica transplantada da racionalidade empresarial e se impõem como indicadores de qualidade da educação superior: conhecimento útil, lucro, empregabilidade, competências, habilidades, competitividade, eficiência, eficácia gerencial, planejamento estratégico, inovação, empreendedorismo etc. Esse cenário da educação superior submissa à economia vem gerando muitas discussões e trabalhos nos meios acadêmicos. Já há uma consistente literatura tratando dos vários graus e diferentes faces da mercantilização da educação superior. Esta 57ª edição de Avaliação contribui com esse debate. O primeiro artigo, de autoria de Milena Pavan Serafim, apresenta as características gerais dos debates sobre o processo de mercantilização da educação superior nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina. Segundo a autora, esse processo foi aprofundado e acelerado pela "nova fase do capitalismo" e influenciado pelas mudanças ideológicas ligadas à ascensão do neoliberalismo. O segundo artigo, de José Carlos Rothen e Gladys Beatriz Barreyro, apresenta um estudo sobre a produção acadêmica publicada pelos membros da RAIES na revista Avaliação no período 1996-2002, buscando reconstruir o "regime de verdade" (Foucault), isto é, o conjunto de procedimentos regulados para a produção, a repartição, a circulação e o funcionamento dos enunciados. Concluem os autores: "a rede elaborou e instituiu um discurso sobre a existência de uma concepção de avaliação: institucional, formativa, participativa, desenvolvendo os seus fundamentos e elaborando uma teoria dessa visão da avaliação. Essa concepção foi colocada como alternativa e contraposição ao Exame Nacional de Cursos, instaurando uma dicotomia entre duas visões de avaliação: a da avaliação institucional formativa/emancipatória e a de desempenho/resultados." Nina Eleonor Vizcarra Herles, Edwin Guido Boza Condorena e Elisabete Monteiro de Aguiar Pereira, com base na análise documental e da literatura da área, abordam a não-neutralidade da avaliação da qualidade e, entre outras coisas, exploram algumas dimensões do conceito de qualidade e modelos de referência utilizados nas avaliações na Argentina, Colômbia e Brasil. Concluem que a ênfase conceitual em alguma dimensão da qualidade, o propósito de maior interesse do avaliador, demandas endógenas e exógenas à IES, ao programa ou ao sistema contribuem para a não-neutralidade da avaliação da qualidade. Glauber de Castro Barbosa, Fátima de Souza Freire e Vicente Lima Crisóstomo analisam possíveis relações entre indicadores de gestão e desempenho discente. Para tanto, pesquisaram uma amostra de 52 IFES no período de 2006 a 2008. Segundo os autores, alguns indicadores de gestão parecem ser capazes de influenciar o desempenho discente. Apontam como exemplo o custo por estudante que, no estudo, apresentou um efeito positivo sobre o desempenho dos alunos. O artigo de M&aa cute;rcio José Pereira de Camargo e Luiz Percival Leme Britto apresenta resultado de pesquisa sobre os motivos da presença da disciplina de Língua Portuguesa no âmbito da Educação Superior em diferentes carreiras, principalmente no caso daquelas que não guardam relação direta com a área da linguagem. Identificaram três vertentes quanto às concepções de linguagem e de formação acadêmica subjacentes aos programas de ensino: a) a primeira, de perspectiva reparadora ou supletiva, carrega uma noção normativa de língua e privilegia o ensino da língua formal; b) a segunda, de viés pragmático e perfil tecnicista, tem a presunção de que o ensino instrumentalizaria os estudantes para o exercício da profissão; c) a terceira, de caráter discursivo-textual, com perfil formativo-acadêmico, valoriza o discurso acadêmico e o desenvolvimento intelectual. As três, contudo, mantêm a perspectiva de que o domínio da escrita é condição da aprendizagem de outros conhecimentos. Cristiane Aparecida dos Santos Baggi e Doraci Alves Lopes analisam a produção teórica que aborda a evasão e a sua relação com a avaliação a partir da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) entre 2008-2009. Concluem que a relação entre evasão e avaliação ainda é pouco estudada, sendo mais restrita ainda que a reflexão sobre a evasão no ensino superior. Amilton Barreto de Bem, Edgar Augusto Lanzer, Elmo Tambosi Filho, Otávio Próspero Sanchez e Plínio Bernardi Junior relatam os resultados de um estudo sobre as propriedades de confiabilidade e validade de instrumento de avaliação da docência da Universidade do Sul de Santa Catarina, utilizando técnicas de análise fatorial exploratória e confirmatória. O artigo de Érica Ferreira Marques busca mostrar o quanto a aplicação de uma ferramenta de avaliação tipo "teste" em um ambiente virtual pode contribuir como apoio ao ensino presencial do estudo de ferramentas estatísticas multivariadas para os alunos de graduação em Administração da FEARP/USP, segundo a opinião destes matriculados na disciplina Estatística Aplicada à Administração II. De acordo com a autora, este estudo mostrou a importância do uso dessa ferramenta de avaliação como apoio ao ensino presencial e a sua contribuição para o processo de ensino-aprendizagem. Luciana Lozza de Moraes Marchiori, Juliana Jandre Melo e Wilma Jandre Melo tratam da importância da atenção no ensino/aprendizagem na universidade em conexão com as novas tecnologias, propondo o aprimoramento do desempenho do professor universitário em relação a estas tecnologias, visando à melhoria da atenção do aluno no ensino superior. Marisa Aparecida Santos Pereira, Carolina Nunes Pegoraro, Ilda Basso, Maria Auxiliadora de Castilho e Thiago Mace-do Silvestre relatam os resultados da avaliação somativa do Projeto Pedagógico Syllabus, implantado no início de 2008, nos cursos de graduação oferecidos pela Universidade Sagrado Coração (USC-Bauru). Compararam o desempenho no ENADE de uma amostragem de estudantes da USC com estudantes de cursos similares em outras IES e concluíram que a metodologia Syllabus tem apresentado um impacto positivo na aprendizagem dos universitários. Carlos H. Wörner discute a questão do prestígio no meio acadêmico e as dificuldades metodológicas de medi-lo. Analisa os indicadores utilizados no sistema competitivo de ingresso dos estudantes nas universidades chilenas e propõe aperfeiçoamentos. Boa leitura.

José Dias Sobrinho - editor

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Jul 2011
Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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