Open-access Saúde mental e pandemia da Covid-19: estudo com discentes do ensino superior

Salud mental y pandemia covid-19: estudio con estudiantes de educación superior

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a percepção acerca do estado de ansiedade e da incidência de transtornos mentais comuns em discentes de ensino superior de instituições pública e particular, na situação de pandemia pelo coronavírus Covid-19 (infecção respiratória aguda causada pelo coronavírus SARS-CoV-2). Para isso, utilizou-se como método a aplicação de um formulário online com levantamento de perfil dos respondentes, questões referentes às percepções dos estudantes acerca do estado de ansiedade e a aplicação do instrumento Self Reporting Questionnaire (SRQ-20). Os resultados apresentam quadros acentuados e críticos quanto à saúde mental da amostra. A percepção acerca do estado de ansiedade foi identificada em 86% dos discentes da instituição pública e 81% dos discentes da instituição particular. Do mesmo modo, a incidência de transtornos mentais comuns foi identificada em 67% dos discentes da instituição pública e 63% dos discentes da instituição particular.

Palavras-chave: ensino superior; saúde mental; pandemia

Resumen

Este artículo tiene como objetivo analizar la percepción acerca del estado de ansiedad y de la incidencia de transtornos mentales comunes en los discentes de enseñanza superior de las instituciones públicas y particulares, en la situación de pandemia de pelo coronavírus Covid-19 (infección respiratoria aguda causada por el coronavírus SARS). -CoV-2). Para utilizarlo como método de aplicación de un formulario en línea con levantamiento del perfil de los encuestados, se realizan preguntas sobre las percepciones de los estudiantes sobre el estado de ansiedad y la aplicación del instrumento Self Reporting Questionnaire (SRQ-20). Los resultados presentan cuadros acentuados y críticos en cuanto a salud mental da muestra. La percepción acerca del estado de ansiedad se identificó en el 86% de los discentes de la institución pública y en el 81% de los discentes de la institución particular. Del mismo modo, una incidencia de transtornos mentales comunes se identificó en el 67% de los discentes de la institución pública y el 63% de los discentes de la institución particular.

Palavras clave ensino superior; salud mental; pandemia

Abstract

This article aims to analyze the perception of the state of anxiety and the incidence of common mental disorders in higher education students of public and private institutions, in the situation of the coronavirus pandemic Covid-19 (acute respiratory infection caused by the coronavirus SARS -CoV-2). For this purpose, the method used is the application of an online form with profile survey of the respondents, questões referring to the perceptions of the students regarding the state of anxiety and the application of the instrument Self Reporting Questionnaire (SRQ-20). The results show accentuated and critical tables as to how much mental health it shows. The perception of the state of anxiety was identified in 86% of students of public institutions and 81% of students of private institutions. Likewise, the incidence of common mental disorders was identified in 67% of students from public institutions and 63% of students from private institutions.

Keywords higher education; mental health; pandemic.

1 Introdução

No dia 26 de fevereiro de 2020, o Brasil confirmou o primeiro caso de Covid-19 na cidade de São Paulo, uma doença infecciosa causada pelo novo coronavírus (SarsCoV-2). Por meio do histórico de viagens autodeclaradas e análises genéticas, chegouse à conclusão de que a primeira infecção foi adquirida através da importação do vírus do norte da Itália (Jesus et al., 2020). A partir da rápida aceleração de contaminação da população mundial pelo vírus, em março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou situação de pandemia.

Em diversos países, medidas emergenciais de segurança foram tomadas como forma de conter a disseminação do coronavírus, que, embora apresentasse sintomas semelhantes aos de resfriados comuns, passou a ocasionar hospitalizações e mortes frequentes. Investimentos públicos em hospitais de campanha, medicamentos protocolares, equipamentos e medidas não farmacológicas de combate à doença, como uso de máscaras faciais e álcool gel para higienização, tornaram-se obrigatórias naquele momento.

O isolamento social em casos suspeitos, confirmados, portadores sem sintomas e contactantes de casos confirmados, em ambiente familiar ou hospitalar, se tornou uma medida de proteção por distanciamento indicada (Bittencourt, 2020). No entanto, com o avanço ainda maior da doença, foi necessária a aplicação administrativa de quarentenas e medidas mais restritivas nos centros urbanos. Confinamentos visaram reduzir a circulação da população por meio da manutenção apenas de serviços classificados como essenciais para a subsistência.

Em dezembro de 2020, algumas vacinas receberam autorização para uso emergencial. No entanto, inicialmente, não foram suficientes para conter a propagação do vírus com grande força. Com isso, no mesmo ano, a Covid-19 emergiu rapidamente como a terceira maior causa de mortalidade no mundo e a segunda em 2021. Quase 13 milhões de vidas foram perdidas durante esse período (OPAS, 2024). Até junho de 2024, o “Painel Coronavírus”, plataforma associada ao Ministério da Saúde para monitoramento dos casos, apresentava mais de 40 milhões de casos confirmados e mais de 700 mil mortes (Brasil, 2024). De acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde, a Covid-19 eliminou uma década de progresso na expectativa de vida global (OPAS, 2024).

Para além das implicações nos setores social, econômico e político, a pandemia também afetou diretamente a educação em seus diversos níveis. Pela impossibilidade de comparecer a escolas e faculdades, instituições e docentes tiveram que se organizar de forma abrupta para oferecer aulas a distância. Ao mesmo tempo, os estudantes também se depararam com novas formas de ensino e aprendizado mediadas por tecnologias da informação, questão que veio a ser problematizada pela falta de acesso a recursos eletrônicos e/ou internet por parte do público, considerando a desigualdade social do país (Stevanim, 2020).

Antes mesmo do início da pandemia, estudos já apontavam para a relação entre a vida acadêmica e o desenvolvimento de transtornos mentais em estudantes universitários (Carleto et al., 2018; Conceição et al., 2019; Leão et al., 2018). Pressões relacionadas aos custos dos estudos, aproveitamento escolar, relacionamento com professores e colegas e incertezas quanto ao futuro profissional mostraram-se fatores presentes no cotidiano dos estudantes brasileiros (Graner; Cerqueira, 2019).

Recentemente, pesquisas têm apontado a relação entre o fator social e emocional da pandemia e suas implicações para a educação. Isso porque o distanciamento social proporcionado pela pandemia pode ser vivenciado como uma experiência de sofrimento mental, em decorrência da separação dos familiares e sentimentos que envolvem processos de luto, perda de liberdade, solidão, tédio, incertezas quanto ao futuro e outros aspectos relacionados ao possível adoecimento (Zwielewski et al., 2020).

O estudo de Rodrigues et al. (2020) aponta que os impactos da pandemia de Covid-19 em universitários do curso de medicina estavam relacionados à presença de transtornos psiquiátricos, como depressão, ansiedade e estresse pós-traumático. Outras pesquisas científicas (Gundim et al., 2021; Morales; Lopez, 2020), também demonstraram a interferência da pandemia na vida acadêmica de universitários, com efeitos negativos à saúde mental.

A partir de tais evidências, este artigo tem como objetivo analisar a percepção acerca do estado de ansiedade e da incidência de transtornos mentais comuns em discentes de ensino superior de instituições pública e particular, na situação de pandemia do novo coronavírus Covid-19. Para isso, utilizou-se como método a aplicação de um formulário online com levantamento de perfil dos respondentes, questões referentes às percepções dos estudantes acerca do estado de ansiedade e a aplicação do instrumento Self Reporting Questionnaire (SRQ-20).

2 Material e Métodos

Por meio de e-mail institucional e redes de comunicação por mensagem instantânea, os estudantes de duas Instituições de Ensino Superior (IES), uma pública e outra privada, foram convidados a participar voluntariamente do estudo. Este consistia na aplicação de um formulário online a ser respondido individualmente.

O formulário online continha, na respectiva ordem, os objetivos e orientações da pesquisa presentes no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), questionário referente ao perfil populacional (em função do gênero declarado, instituição de ensino superior, curso, semestre matriculado e condições domiciliares e de vida), perguntas sobre a percepção do sujeito acerca do estado de ansiedade na situação de pandemia e questões referentes ao instrumento SRQ-20. Após leitura e concordância com o TCLE, cada um dos indivíduos recebeu cópia do documento no e-mail cadastrado no formulário.

2.1 Percepção acerca do estado de ansiedade

As perguntas contidas no formulário online sobre a percepção do estudante acerca do estado de ansiedade no momento de pandemia foram descritas como: “Você percebe algum tipo de alteração no estado de ansiedade na situação de pandemia?” e “Quanto esse estado de ansiedade interfere nas suas atividades acadêmicas?” A primeira questão apresentou respostas do tipo dicotômica (sim/não) e a segunda, resposta do tipo Likert de 4 pontos (não interfere, interfere, interfere pouco e interfere muito).

2.2 SRQ-20

O formulário online também continha 20 questões próprias do instrumento SRQ-20, questionário autoaplicável para rastreamento de transtornos mentais comuns (não-psicóticos), como sofrimentos de natureza psicossomática, ansiosa e depressiva. Estudos demonstram que a validade do questionário para a população brasileira apresenta sensibilidade de 83% e especificidade de 80% (Gonçalves; Stein; Kapczinski, 2008), de modo a ser amplamente utilizado em pesquisas com populações diversas, incluindo estudantes universitários (Silva; Cerqueira; Lima, 2014).

As 20 questões presentes no instrumento apresentavam opções de respostas dicotômicas do tipo sim/não. Em sua avaliação, cada resposta “sim” recebe 1 ponto, sendo que o total de pontuação pode variar de 0 a 20. Na soma dos pontos, 0 a 6 indicam ausência de sofrimento mental, e pontuações entre 7 e 20 indicam a presença de transtornos mentais comuns e necessidade de auxílio especializado.

Em virtude da faixa de pontuação do SRQ-20 ser ampla, variando de 7 a 20, elaboraram-se faixas de agravamento do quadro de sofrimento mental em função da pontuação obtida pelos participantes. Desta forma, a pontuação de 7 a 20 foi dividida em três faixas, sendo considerado: pontuações de 7 a 10 classificadas como faixa de sofrimento leve, pontuações de 11 a 15 classificadas como sofrimento moderado e pontuações de 16 a 20 receberam a classificação de sofrimento severo.

2.3 Procedimento de análise de dados

A partir das respostas obtidas no formulário online, elaborou-se um banco de dados em planilha Excel. Nesta planilha, foi criada uma variável para identificação das IES, privada e pública, participantes da pesquisa. Os dados foram registrados inicialmente em formato alfabético e posteriormente codificados em escala numérica para facilitar as análises estatísticas. O banco do Excel foi transferido para o programa SPSS versão 15.0, que possibilitou a obtenção rápida das tabelas descritivas e a elaboração, a partir de variáveis existentes, de variáveis explicativas, tais como área do curso, momento do curso, SRQ-20 - faixas de agravamento.

Também foram realizadas análises estatísticas descritivas e inferenciais para a comparação entre as médias amostrais (teste-t de Student) entre dois grupos (gênero, IES) ou mais grupos (teste ANOVA) para as variáveis momento do curso e área do curso. Por fim, realizou-se análises de correção de Pearson produto-momento para compreender possíveis relações entre variáveis de interesse como: gênero, raça, curso, semestre, quantidade de pessoas no domicílio, uso de medicamento psiquiátrico, acompanhamento médico ou terapêutico, sempre em relação aos resultados do SRQ-20.

As análises descritivas e comparativas foram apresentadas em função do perfil populacional, considerando o gênero declarado, instituição de ensino superior, curso e semestre matriculado. Também em relação às duas questões que abordavam a percepção do indivíduo acerca do estado de ansiedade na situação de pandemia e análises descritivas quanto aos resultados do SRQ-20, os quais foram apresentados pela pontuação total e por faixas de agravamento - leve, moderado e severo -, sempre em função de uma variável, quer seja: gênero, IES, momento do curso e área do curso.

2.4 Parecer ético

A pesquisa contou com parecer ético do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), por meio do protocolo CAEE: 36878820.9.0000.5404.

3 Resultados

3.1 População

Participaram da pesquisa 459 estudantes de 15 cursos de graduação, matriculados entre o 1º e 10º semestre, de duas IES, sendo uma pública e outra particular, localizadas no interior de São Paulo.

Do total de participantes, 69,7% (N=320) compunham a amostra da IES pública e 30,3% (N=139) eram estudantes da IES particular. Quanto à instituição pública, 56% (N=180) se declararam do gênero feminino, 42% (N=135) gênero masculino, 1% (N= 3) não binários e 1% (N=2) preferiram não dizer. Quanto à instituição privada, 76% (N=286) se declararam do gênero feminino, 24% (N=168) do gênero masculino, zero não binário e zero preferiu não dizer.

Os cursos de graduação frequentados pelos discentes de ambas IES foram classificados em áreas da saúde, exatas e humanas, sendo que os cursos de Exatas compunham as graduações em Engenharia de Manufatura, Engenharia de Produção, Engenharia Civil e Engenharia Mecânica; na área de Humanas, os cursos de graduação em Administração, Administração Pública, Direito, Ciências Contábeis e Recursos Humanos; na área da Saúde, os cursos de Ciências do Esporte, Nutrição, Psicologia, Fisioterapia e Enfermagem.

Do total de alunos de ambas as instituições, a maior participação esteve centrada em discentes dos cursos de Humanas (N=169) e Saúde (N=169), em detrimento dos discentes matriculados em cursos de exatas (N=121). A Tabela 1 apresenta a distribuição dos participantes por tipo de IES, área do curso, curso, em porcentagem e número real.

Tabela 1
Distribuição dos participantes em função da área do curso, curso e tipo de IES

A amostra também foi analisada em função do semestre que o aluno estava cursando no momento da pesquisa. Houve a participação de estudantes matriculados em quase todos os semestres dos cursos. Para a análise, os semestres, que variaram de 1 a 10, dependendo do curso, foram agrupados em função do momento do curso, sendo considerados estudantes ingressantes (do 1º ao 3º semestre), estudantes intermediários (do 4º ao 7º semestre) e, ainda, estudantes concluintes (do 8º ao 10º semestre).

Do total da amostra, somando-se os alunos das instituições pública e privada, em função do momento do curso, 29% representavam estudantes ingressantes, 39% estudantes intermediários e 31% concluintes. A tabela 2 apresenta a distribuição amostral em função do tipo de IES, momento do curso e área de formação.

Tabela 2
Distribuição amostral em função do tipo de IES, área de formação e momento do curso

Considerou-se relevante analisar a amostra em função do gênero por área do curso e tipo de IES. É possível observar, conforme dados da Tabela 3, que, do total da amostra, o gênero feminino apresenta maior inserção nos cursos classificados nas áreas da Saúde (78%) e Humanas (63%), embora seja notada expressiva participação das mulheres nos cursos das áreas de Exatas (40%), em relação ao total de indivíduos respondentes do gênero masculino.

Tabela 3
Distribuição de estudantes por gênero entre as áreas do curso e tipo de IES

Os estudantes do gênero masculino também estão presentes nos cursos das áreas de Saúde (21%) e Humanas (36%), embora em um percentual menor quando comparado aos estudantes do gênero feminino. Do total de participantes do gênero masculino existiu forte expressão na área de Exatas (60%).

Em função da pouca participação de estudantes que se declararam do gênero binário e não declarado (0% a 1%). Para efeito estatístico, amostras muito pequenas não atendem os critérios de distribuição de normalidade da amostra, premissa essencial para sustentar o uso de estatística paramétrica. Assim, todas as próximas análises descritivas e estatísticas serão apresentadas considerando os gêneros feminino e masculino.

3.2 Percepção acerca do estado de ansiedade

O questionário referente ao bloco de perguntas sobre saúde mental investigou a percepção dos participantes acerca da percepção em relação ao estado de ansiedade na situação de pandemia pelo novo coronavírus (Covid-19).

Da amostra total (referente aos 459 participantes da pesquisa), 85% (N=390) informaram perceber algum grau de alteração em seu estado de ansiedade. Na análise desta questão em função da IES, 86,6% dos discentes da instituição pública se consideraram mais ansiosos no momento da pandemia, em relação aos 81,3% dos discentes dos estudantes da IES particular.

Quando questionado sobre o quanto o atual estado de ansiedade tem interferido em suas atividades acadêmicas, 10,5% (N=48) da amostra total informou não sentir interferência em suas atividades acadêmicas; 30,3% (N=139) indicaram sentir alguma interferência; 19% (N=87) indicaram que sentem pouca interferência e 40,3% (N=185) relataram que sentem muita interferência. Quando esta questão foi analisada em função do tipo de IES e área do curso, os dados revelam percepções diferentes entre os estudantes em função da área do curso. A tabela 4 apresenta esta análise.

Tabela 4
Distribuição da frequência quanto à interferência da ansiedade nas atividades acadêmicas em função da IES e área do curso

Os dados organizados na Tabela 4 permitem afirmar que 44% dos estudantes da IES pública, das áreas de Exatas, Humanas e da Saúde, perceberam que a ansiedade tem interferido muito em suas atividades acadêmicas, 16% declararam que interfere pouco e 32% que interfere minimamente. Já 31% dos estudantes da IES particular perceberam que a ansiedade tem interferido muito em suas atividades acadêmicas, 25% declararam que interfere pouco e 26% que interfere minimamente.

3.3 Transtornos mentais comuns pelo SRQ-20

Sobre o rastreio de transtornos mentais comuns a partir do SRQ-20, observouse que, da amostra total de respondentes, 34% (N=157) dos estudantes apresentaram pontuações entre 0 e 6. A maior parte da amostra, 66% (N=302) apresentou pontuação entre 7 e 20, indicando a presença de sintomas físicos e emocionais compatíveis com quadro de sofrimento mental. Em relação ao tipo de IES, a distribuição da amostra se manteve equivalente.

Foi observado que, do total de estudantes da IES pública 33% (N=105) apresentaram condições de saúde mental adequadas, conforme escore do SRQ-20 (pontuação menor que 7). Percentual semelhante foi observada na amostra da IES particular, sendo que 37% da amostra (N=52) apresentaram boas condições de saúde mental. Sendo assim, 67% (N=215) dos estudantes da IES pública e 63% (N=87) dos estudantes da IES particular apresentaram sintomas que indicam quadro de sofrimento mental.

Realizou-se o teste t de Student para verificar se havia diferença estatisticamente significativa entre as médias do SRQ-20 na comparação da amostra de estudantes das duas IES. O teste revelou que a IES pública obteve média de 8,92, dp = 4,9 no SRQ-20, e a IES particular obteve média de 8,72, dp = 5,4. O teste-t independente mostrou que não há diferença estatisticamente significativa entre os estudantes das duas IES.

O resultado do SRQ-20 também foi analisado em relação ao momento do curso. Essa variável foi criada a partir da distribuição dos semestres letivos em relação ao momento do curso (ingressantes, intermediários e concluintes). Cada um desses grupos apresentou médias acima de 7 pontos, indicando a presença de sinais de adoecimento mental.

Foi realizada uma análise estatística do resultado total do SRQ-20 em relação ao momento do curso para saber se há diferença significativa entre as médias dos três grupos (momento do curso). O grupo de estudantes ingressantes apresentou média de 9,64 e desvio padrão de 5,3; os estudantes intermediários (M=8,4; dp = 4,9) e os concluintes com média de 8,71 e desvio-padrão de 4,9. O teste ANOVA não evidenciou diferenças estatisticamente significativas entre as médias dos estudantes analisados em função do momento do curso. Esse resultado permite inferir que o nível de adoecimento mental é semelhante em todos os semestres letivos.

De acordo com o instrumento SRQ-20, quanto maior a pontuação obtida, maior o número de sintomas apresentados pelo indivíduo. Isto é, quanto maior o valor obtido no SRQ-20, mais intenso ou mais sintomático é o sofrimento mental percebido pela pessoa. A tabela 5 apresenta as pontuações obtidas pelos estudantes no SRQ-20 de acordo com as faixas de agravamento de sofrimento - leve, moderado e severa -, separadas em função do tipo de IES e gênero.

Tabela 5
Distribuição da amostra em função das faixas de agravamento do RSQ-20, tipo de IES e gênero

Considerando pontuações de 11 a 20, que compreendem as faixas de agravamento moderado e severo, nota-se que 41% (N=132) dos participantes da IES pública e 40% (N=56) dos participantes da IES particular atingiram essa faixa de pontos, indicando haver um percentual elevado de estudantes apresentando muitos sintomas psicossomáticos, ansiosos e depressivos. Em função do gênero, nota-se uma maior frequência do gênero masculino (N=72) na IES pública sem sintomas de sofrimento mental, com visível redução de frequência nas faixas de maior agravamento.

O teste-t de Student (t(452) = 6,8; p < 0,001) indicou haver diferenças estatisticamente significativas entre os estudantes em função do gênero em relação às faixas de agravamento do SRQ-20. A média (M=2,40; dp = 0,9) do gênero feminino é significativamente maior do que a média (M = 1,76; dp = 0,9) do gênero masculino, indicando que, embora ambos os gêneros apresentem sintomas de sofrimento mental, o gênero feminino apresenta um maior conjunto de sintomas psicossomáticos.

Por último, também foram realizadas algumas análises de correlação de Pearson entre algumas variáveis contidas no questionário de levantamento de perfil populacional e o SRQ-20. As análises de correlação têm por objetivo verificar se as variáveis envolvidas na análise estão relacionadas, o que pode ser verificada pelo padrão de mudança dos valores de uma das variáveis em função da mudança dos valores da outra variável (Dancey; Reidy, 2006). Essa relação é analisada em função da intensidade (índice de correlação) e significância (probabilidade de ocorrência de erro amostral). Foram encontradas correlações fracas e negativas entre as variáveis gênero e SRQ-20, sendo (r = - 0,320; p>0,001) na IES pública e (r = - 0,237; p>0,001) na IES particular. Esse resultado pode indicar que a variável gênero, embora tenha apresentado correlações fracas e moderadas, é significativa na análise do adoecimento mental, sendo mais evidente a diferença entre gêneros na IES pública.

4 Discussão

De maneira geral, os principais resultados da pesquisa apontaram que, quanto à percepção acerca do estado de ansiedade, do total de respondentes, 85% afirmaram ter percebido alteração no estado de ansiedade em relação à pandemia. Em relação à instituição pública, 86% perceberam alteração no estado de ansiedade nessa condição, e 81,3% dos discentes da instituição de ensino privada perceberam algum grau de alteração no estado de ansiedade nessa condição.

Sobre o atual estado de ansiedade e sua interferência nas atividades acadêmicas, do total de respondentes, 40% apontaram sentir muita interferência, 19% pouca interferência, 30% alguma interferência e 10% não sentem interferência. Quanto à divisão dessa classificação em função do tipo de instituição (privada ou pública), 44% dos discentes da IES pública e 31% dos discentes da instituição privada afirmaram que o estado atual de ansiedade tem muita interferência nas atividades acadêmicas.

Em relação ao SRQ-20 e à incidência de transtornos mentais comuns, do total de participantes da pesquisa, 66% apresentaram incidência de sofrimento psíquico. Quanto à instituição de ensino pública, 67% dos alunos apresentaram incidência de sofrimento psíquico, e 63% dos alunos da instituição privada apresentaram incidência de sofrimento psíquico. Esses totais indicam que mais de 2/3 da amostra participante da pesquisa apresentou a presença de transtornos mentais comuns de natureza psicótica, ansiosa e depressiva.

Em termos comparativos, 81% dos alunos de IES particular perceberam alteração em seu estado de ansiedade na situação de pandemia, em relação a 86% dos discentes da instituição pública. Já a incidência de transtornos mentais comuns corresponde à 67% nos discentes da instituição públicas e 63% nos discentes da instituição particular. Percebe-se que os resultados entre as IES se apresentaram similares e quantitativamente significativos.

Tais resultados vão ao encontro de estudos sobre a saúde mental de universitários (Maia; Dias, 2020) e das populações em geral (Wang et al., 2020; Weiss; Murdoch, 2020) sobre o efeito psicológico da pandemia do Covid-19. Estudos com universitários brasileiros revelaram que as causas para o comprometimento da saúde mental em relação à pandemia estavam associadas à mudança de rotina, alterações do sono, desânimo para realizar atividades, falta do ambiente acadêmico e dos colegas, questões relacionadas ao produtivismo, receio pelos familiares do grupo de risco, dentre outros (Coelho et al., 2020). Outros relatos sobre os impactos negativos do período associamse ao excesso de atividades acadêmicas, interferências externas variadas, conexão com a internet, difícil adaptação a tecnologias e ambiente inadequado para os estudos (Pereira et al., 2020).

O ponto negativo mais apontado pelos estudantes foi excesso de atividades acadêmicas (71%). Os demais pontos negativos foram as interferências externas (55,3%); conexão à internet (48,4%); ter de atender aos prazos de entrega das atividades (42,7%); difícil adaptação às tecnologias (16,9%); e ambiente inadequado para os estudos.

Estudos internacionais também demonstram aproximação nos resultados associados à pandemia e seus impactos na saúde mental de universitários. Laranjeira e Querido (2022), em uma pesquisa com estudantes portugueses, apontaram que, em uma população de 1522 alunos, 35,7%, apresentaram prevalência significativa de sintomas de estresse, 36,2% de ansiedade e 28,5% de depressão no momento da pandemia de Covid-19.

Já em um recorte de gênero, a pesquisa aqui apresentada destacou que as faixas de agravamento de transtornos mentais comuns em relação ao gênero feminino se apresentam significativamente maiores do que a média de faixas de agravamento no gênero masculino. Em relação a esse aspecto, pesquisas apontam que as mulheres apresentam maior incidência de transtornos mentais e maior vulnerabilidade (Araújo; Pinho; Almeida, 2005). Sugere-se que discentes do gênero feminino revelaram maior incidência de transtornos mentais comuns pelo agravo da crise social e econômica provocados pela pandemia e em razão do acúmulo de atividades delegadas às mulheres, índices de violência doméstica e outros (Loyola, 2020).

Por outro lado, um estudo realizado na Universidade de Mizoram, Índia, durante o período de lockdown do Covid-19, revelou que a maioria dos participantes deram mais atenção à saúde mental e bem-estar psicológico, gastando mais tempo relaxando, descansando e se exercitando após o início da pandemia (Mishra; Kumar, 2023). As pesquisadoras apontam que esses efeitos positivos na saúde mental e no bem-estar psicológico podem ter ajudado os participantes a se adaptarem a outros impactos negativos na saúde mental, incluindo o aumento da pressão e do estresse característicos do período.

De modo geral, pesquisas reforçam a necessidade de ampliação de discussões e estudos sobre o tema, a fim de que se possam desenvolver estratégias de apoio à saúde mental de universitários em novos cenários críticos para a saúde, como novas pandemias (Laranjeira; Querido, 2022). Para isso, torna-se necessário melhorar a qualidade de vida e a saúde mental dos estudantes do ensino superior, incluindo estratégias a nível individual e institucional (García et al., 2022).

5 Conclusão

Os resultados deste estudo revelam que, majoritariamente, os discentes de instituições de ensino superior públicas (86%) e privadas (81,3%) perceberam alterações em seu estado de ansiedade em decorrência da situação de pandemia. Assim também apresentaram incidência de transtornos mentais comuns, com sintomas de natureza psicossomática, ansiosa e depressiva, quantitativamente de forma similar e significativa.

Por compor análises e descrições estritamente quantitativas, não se pode afirmar que as alterações nos estados de ansiedade e a incidência de transtornos mentais comuns se devam exclusivamente à pandemia. Outros fatores podem ter influenciado a escolha das respostas da amostra.

No entanto, entende-se que os resultados desta pesquisa podem contribuir para um maior conhecimento da realidade quanto à saúde mental de estudantes do ensino superior de instituições de ensino particulares e públicas na situação de pandemia do novo coronavírus, de modo que tal retrato atente para a importância do desenvolvimento de políticas educacionais e de saúde voltadas ao público universitário.

Por se tratar de um estudo estritamente quantitativo e dentro de suas limitações, considera-se a necessidade de pesquisas complementares de cunho qualitativo e longitudinais, ao longo do tempo e após o período de pandemia, para possível comparativo. Assim, espera-se que novos estudos possam ser realizados a fim de ampliar discussões e práticas para o avanço na temática.

Referências

  • Editores de Seção:
    Milena Pavan Serafim; andré Pires | Editora de Layout: Silmara Pereira da Silva Martins

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Out 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2022
  • Aceito
    20 Jun 2024
  • Revisado
    18 Jul 2024
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Publicação da Rede de Avaliação Institucional da Educação Superior (RAIES), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e da Universidade de Sorocaba (UNISO). Rodovia Raposo Tavares, km. 92,5, CEP 18023-000 Sorocaba - São Paulo, Fone: (55 15) 2101-7016 , Fax : (55 15) 2101-7112 - Sorocaba - SP - Brazil
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