Resumos
Professores e estudantes fazem severas críticas aos cursos de Medicina. Elas envolvem de simples atividades laboratoriais aos cuidados dos pacientes. O trabalho tem como objetivo discutir a qualidade vigente na formação médica e apresentar alternativas metodológicas à educação na área correspondente. Tomou-se como referência rankings nacionais e internacionais, exames de avaliação de desempenho e de competências médicas estadual, nacional e internacional. Na análise dos dados estatísticos utilizou-se de informações consideradas como as mais relevantes da bibliografia disponível. A expansão dos cursos de Medicina, o consequente aumento da oferta de vagas, as interfaces de políticas públicas e as Instituições de Ensino Superior mereceram destaque, assim como a oferta de novas metodologias de ensino disponíveis, como o Problem Based Learning (PBL). A formação do futuro médico, vista no atual contexto sociocultural do país, aponta para necessidade de mudanças no processo da graduação em Medicina.
Palavras-chave: Formação médica; Qualidade da educação médica; Rankings Acadêmicos; Problem Based Learning (PBL)
Teachers and students make severe criticisms of medical courses. They range from simple laboratory activities to patient care. This paper aims to discuss the quality of training and present methodological alternatives to medical education. National and international rankings, national and international performance appraisals and medical competences were taken as reference. In the analysis of statistical data, the most relevant information from the available bibliography was taken as reference. The expansion of medical courses, the consequent increase in vacancies, public policy interfaces and Higher Education Institutions deserve to be highlighted, as well as the offer of new teaching methodologies available, highlighting the Problem Based Learning (PBL). The formationofthe future doctor, seen in the current sociocultural context of the country, points to the need for changes in the medical graduation process.
Key words: Medical training; Quality of medical education; Academic Rankings; Problem Based Learning (PBL)
Introdução
Nós não estamos bem. É preciso aceitar isto!
A preocupação com a formação médica envolve importantes desafios, tanto ao longo do processo formativo, como no sentido de sua aplicabilidade no exercício da profissão médica. A importância de um sistema de avaliação da qualidade da formação se faz absolutamente necessário, uma vez que o crescimento vertiginoso do número de Instituições de Ensino Superior, que oferecem cursos de medicina no país, tem demonstrado uma sequência de resultados negativos ao longo dos últimos anos no Exame do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP).
O CREMESP é uma entidade que fiscaliza, apura e julga irregularidades contra médicos no Estado se São Paulo, também é responsável por registro de diplomas e títulos de especialidades médicas, além disso, desde 2005, organiza e coordena uma avaliação anual para avaliar a formação médica dos alunos. Neste Exame são aferidos os conteúdos básicos de áreas consideradas essenciais na Medicina. Em 2018, na 14ª edição do Exame aplicado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP, 2018) constatou que dos 3.174 inscritos, 61,8% (1.961) tiveram média de acerto superior a 60% do conteúdo apresentado. Cabe enfatizar que, segundo Luna Filho (2015), o exame é composto de questões fáceis ou medianas em sua maioria. Depois de um longo período seguido de altos índices de reprovação, o Exame de 2017 em relação a 2016, teve uma substancial melhora no desempenho dos novos médicos, pois os índices de aprovação foram 46% maiores que os 43,6% registrados em 2016.
Os dados apresentados no Quadro 1, mostram perceptível melhora a partir de 2017, depois de sucessivos anos de resultados negativos, apesar de leve queda de 2,8% em 2018, continua acima dos 60% de aprovados.
Entretanto, se analisarmos o histórico, período de 14 anos, mais de 24 mil formandos do curso de medicina participaram do Exame do CREMESP, desse total, quase metade, foram reprovados (48,8%), um número representativo e muito preocupante, fato que aponta para sérias deficiências existentes no ensino médico do Estado de São Paulo. Segundo o CREMESP (2016), esse cenário pode ser ainda mais grave em nível nacional, considerando-se o caráter opcional do Exame, bem como, os resultados do último ciclo de avaliação do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE).
Cabe ressaltar que em anos anteriores, as IES privadas tiveram percentual de reprovação muito maior que as IES de caráter público. Na opinião de Luna Filho (2015), então presidente do CREMESP, publicada pelo Jornal Folha de São Paulo, das 42 escolas de medicina, existentes à época, no Estado de São Paulo, 30 participaram do Exame, sendo que as 20 piores colocações ficaram com Instituições de Ensino Superior de Medicina (IESM) privadas que cobravam mensalidades entre R$ 8.000,00 e R$ 9.000,00, mas sem a contrapartida de formação adequada àqueles que investiram no sonho de ser médico. Isso é inquietante, porque esses egressos assistirão pacientes em prontos-socorros e pronto atendimentos. Ainda, segundo a reportagem, em 2015, houve um curso cujos alunos não ultrapassaram 13% de acertos.
[...] O exame do CREMESP deixa escancarado que é inadequada a maneira como o governo avalia as escolas de medicina. A título de exemplo, a já citada escola médica que teve apenas 13% de aprovação na presente edição da prova do Conselho possui resultado satisfatório no Enade, o exame que o Ministério de Educação (MEC) usa para avaliação. Evidentemente há pouca disposição de mudança em boa parte das escolas médicas privadas. Elas, aliás, não esboçam interesse em serem avaliadas, pois isso significaria mais investimento no corpo docente, em laboratórios e biblioteca médica. Hoje, mais de 80% dos cursos privados do Estado de São Paulo não têm hospital-escola. (LUNA FILHO, 2015, p.1-2).
Apesar da sensível melhora nos resultados do CREMESP nos últimos anos, ainda preocupa o número elevado de reprovação, principalmente, nas IES privadas. “Em comparação ao Exame de 2017, a aprovação entre os egressos das instituições privadas reduziu de 56,8% para 53,5%. Já entre os cursos de Medicina públicos, 81% dos alunos foram aprovados em 2018, superando os resultados de 2017, com 79,7%” (CREMESP, 2018, p. 2).
A melhora dos resultados no Exame, “pode estar relacionada à importância que a prova vem ganhando no Estado de São Paulo nos últimos anos”. A participação no Exame começou a contar como critério para importantes programas de Residência Médica, concurso público e, ainda, para contratação de médicos no setor privado, desde 2015. O Exame “é uma importante ferramenta para que os recém-formados testem seu conhecimento, para que as escolas possam ter parâmetros de desempenho por áreas, e, também, para garantir uma Medicina de qualidade para a população assistida” (CREMESP, 2018, p. 1).
Um fator preocupante é que muitos dos recém-formados demonstraram não saber interpretar exames para diagnosticar e administrar a conduta terapêutica adequada a casos médicos básicos e problemas de saúde frequentes (CREMESP, 2018). A seguir, alguns exemplos de questões com altos índices de erro:
86% erraram a abordagem inicial para atendimento a paciente vítima de acidente de trânsito; 69% não souberam as diretrizes para aferição da pressão arterial; 68% não acertaram a conduta para paciente com infarto no miocárdio; 65% erraram o quadro laboratorial do diabetes mellitus descompensado; 59% não informaram corretamente o período de transmissão da gripe; 44% não souberam identificar o agente causador e um dos principais transmissores da Doença de Chagas. (CREMESP, 2018, p. 4).
As resistências à obrigatoriedade do Exame vêm diminuindo (CREMESP, 2018). Em sua 14ª edição, contou novamente com uma pergunta que pedia opinião sobre sua obrigatoriedade, que os recém-formados preenchem ao fazer a inscrição. Entre os inscritos, 85,3% responderam que acreditam que o Exame deveria ser obrigatório para recém-formados. Indicador interessante, pois o processo de verificação da aprendizagem já é adotado em vários países como exigência para o exercício da função.
Rodrigues Higueras (2013) afirma que nos Estados Unidos, o exame United States Medical Licensing Examination (USMLE) e, no Canadá, o exame Medical Council of Canada Qualifying Examination (MCCQE) são exames obrigatórios. A obrigatoriedade desses exames visa verificar as competências necessárias dos recém-formados, avaliando-se a aptidão ao exercício da profissão. O Quadro a seguir apresenta pontos em comum dos respectivos exames.
O que difere os exames nos três países é sua obrigatoriedade. Independentemente do nível de dificuldade, ambos avaliam competências básicas essenciais para o exercício da profissão. Zeferino e Passeri (2007, p. 41) afirmam que, “habilidade para se comunicar com pacientes, continua sendo a mais importante e eficaz ferramenta diagnóstica e terapêutica num caso clínico”.
A sequência de resultados negativos no CREMESP não impediu que o Ministério da Educação (MEC) anunciasse, em 2015, a abertura de 2.290 vagas distribuídas em 36 novos cursos de medicina em IESM privadas (BRASIL, 2015a).
O Programa Mais Médicos
A expansão de vagas integra o Programa Mais Médicos (PMM). Ele é parte de um esforço do Governo Federal, apoiado por estados e municípios, para a melhoria do atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Além de levar mais médicos para regiões onde há escassez ou ausência desses profissionais, o programa prevê, ainda, mais investimentos para construção, reforma e ampliação de Unidades Básicas de Saúde (UBS), além de novas vagas de graduação, e residência médica para qualificar a formação desses profissionais (BRASIL, 2018b).
Apesar do esforço de ampliação do PMM, cidades fora do eixo sul/sudeste, não conseguem atrair profissionais por fatores de ordem sócio-político-econômica. Um dos fatores é o mapa da violência que, de acordo com o Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados (IPEA) que analisa dados do Ministério da Saúde, verificou-se que das 30 cidades com maior taxa de homicídios e mortes violentas, 22 estão na região Norte e Nordeste. Já, entre as 30 mais pacíficas, 24 na região Sul/Sudeste (BRASIL, 2017). Além da violência, o fator distância dos grandes centros, também influencia na baixa procura. O PMM criado em 2013, previa o preenchimento de vagas nas periferias das grandes cidades e de municípios do interior do país.
Destarte, o lançamento desse Programa suscitou debates acalorados, com discursos polêmicos e controversos observados nas entidades de classe da sociedade civil, nas escolas médicas, no âmbito das organizações e conselhos que congregam gestores das instituições públicas de saúde, entre outros, configurando-se, assim, como um dos temas que evidenciam os conflitos que perpassam o debate político atual na área de saúde no Brasil. (SILVA et al., 2018, p. 492).
Apesar de todas as críticas emergidas nos últimos meses, dada a questões de ordem politico-ideológicas, Mourão Netto et al. (2018, p. 2) afirmam que “o PMM não representa a primeira iniciativa governamental no intuito de sanar a problemática da escassez e má distribuição de médicos; no entanto, parece ter sido a mais bem-sucedida”. Ainda, de acordo com os autores a má distribuição de médicos é um problema enfrentado em vários países, realidade que os obrigam a procurar estratégias para ampliar a cobertura dos serviços nas áreas mais vulneráveis.
Esses profissionais estão mal distribuídos no território nacional. A quantidade de médicos é insuficiente para atender a demanda de postos de trabalho no SUS, assim como sua desigual distribuição, todas as escolas médicas do país formaram no período 2005-2015 apenas 65% da demanda de médicos, período em que o mercado de trabalho abriu 143 mil novas vagas, mas as IESM formaram apenas 93 mil médicos. Um déficit acumulado de 50 mil médicos (BRASIL, 2015b).
Um dos objetivos do PMM é desenvolver a questão da educação médica no país, a expansão da graduação e da residência médica são aspectos que envolvem a participação do estudante em seu processo de formação, haja vista deficiências apontadas no Quadro 1, identificou-se que raros são os autores (BOWLER, 2008; DENTON; HEMMER, 2010; SCHIELDS, 2011), que deixam de abordar o significado da participação do estudante em atividades práticas hospitalares de preferência nos hospitais-escola ao longo da graduação. O conjunto e a complexidade de situações disponibilizadas ao estudante quando posto à beira do leito, lidando diretamente com pacientes portadores das mais diferentes enfermidades tem valor inestimável para seu desempenho como médico (ZEFERINO; PASSERI, 2007).
Se por um lado, não há dúvidas quanto à importância das relações estudante-hospital, por outro, não é possível ignorar o cenário reinante na maioria dos hospitais-escola do país nesta segunda década dos anos 2000. Se em algumas regiões, temos hospitais exemplares, noutro extremo, o caos está instalado (BRASIL, 2017). O que esperar frente a este quadro senão futuros médicos, cujo perfil ocupará, em sua grande maioria, extremos de um continuum que cobre da insensibilidade ao comprometimento confuso no dia-a-dia de trabalho junto aos pacientes? Neste cenário, percebe-se a necessidade de melhorar as condições de trabalho nas regiões menos assistidas, além, é claro, de melhorar a qualidade do ensino nas IESM, papel que o PMM vinha cumprindo no Brasil com relativo êxito nos últimos anos, principalmente, por conta da parceria firmada com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS) que “estabeleceu cooperação com o governo Cubano, que disponibilizou médicos com experiência e formação para atuação na Atenção Básica, funcionários de carreira do Ministério da Saúde Pública de Cuba e que já haviam atuado em missões internacionais” (BRASIL, 2015b, p. 45).
No início de novembro de 2012, o Programa contava com a participação de 16.150 médicos, 51,6% dos quais eram cubanos. Destes, 301 atuavam em aldeias indígenas. 1.600 municípios brasileiros tinham as vagas ocupadas apenas por cubanos, o estado de São Paulo contava com o maior número, 1.394, enquanto, Roraima contava com o menor número, 66 médicos cubanos (CANCIAN, 2018).
Com o fim da parceria Brasil-Cuba, 8.394 médicos cubanos deixaram o país e cerca de 24 milhões de brasileiros ficaram sem assistência médica, pelo menos temporariamente. Aquilo que parecia fácil a princípio, isto é, a substituição desses médicos por outros, formados no Brasil, revelou-se difícil tarefa. Em fins de dezembro/2018, esgotados os prazos de várias chamadas, o PMM abre vagas para médicos brasileiros formados no exterior, independentemente da validação de seus diplomas, exigência sempre vigente para o exercício da profissão no Brasil. A solução do problema, isto é, o preenchimento de vagas se revela mais difícil do que poderia parecer a princípio. O fim da primeira quinzena de janeiro de 2019 se aproxima e ainda há 1.462 vagas não preenchidas no PMM. A maioria das vagas, 85% do total, está nas regiões Norte e Nordeste, onde o cenário apresenta-se com maior gravidade, principalmente em áreas remotas, distantes dos grandes centros urbanos. A título de exemplo: a UBS Massacará, distante 35 quilômetros da sede do município, chão de terra árida, povoada somente por mandacarus e cajueiros (ESTARQUE, 2018).
Seria muita ingenuidade esperar que um jovem médico, cuja família terá investido o equivalente a mais de 12 salários mínimos por mês, apenas em mensalidades durante seis anos, aceitasse atuar nessa UBS ou em outras semelhantes. Essa renda mensal familiar, embora dependendo de outros dados não disponíveis - como escolaridade dos pais, por exemplo - nos sugere tratar de estudantes pertencentes à classe média alta.
A opção dos médicos pelo eixo Sul/Sudeste pode ser explicada, além de outros fatores, pela maior segurança ali encontrada. O mapa da violência do IPEA indica, a propósito, que das 30 cidades com maior taxa de homicídios e mortes violentas, 22 estão no Norte e Nordeste. Já, entre as 30 mais pacíficas, 24 estão no Sul/Sudeste (BRASIL, 2017).
A formação e distribuição geográfica dos médicos no Brasil, no entanto, vai muito além do PMM e deve ser examinada num amplo contexto socioeconômico e cultural, já sugerido na introdução deste trabalho. As considerações anteriores e as questões que continuam em aberto, não nos isentam de questionar sobre determinados aspectos vigentes na maioria dos cursos de formação desses profissionais e de apontar para um leque de opões em sua formação. É o que nos propomos a fazer no tópico a seguir.
O estudante e as práticas hospitalares: questão primordial na formação médica
Raros são os autores que deixam de abordar o significado da participação do estudante em atividades práticas hospitalares - de preferência nos hospitais-escola ao longo da graduação. O conjunto e a complexidade de situações disponibilizadas ao estudante quando posto à beira do leito, lidando diretamente com pacientes portadores das mais diferentes enfermidades tem valor inestimável para seu desempenho como médico (BOWLER, 2008; DENTON; HEMMER, 2010; SCHIELDS, 2011).
Se por um lado, não há dúvidas quanto à importância das relações estudante-hospital, por outro lado, não é possível ignorar o cenário reinante na maioria dos hospitais-escola do Brasil nesta segunda década dos anos 2000. Temos hospitais exemplares, mas também casos em que o caos está instalado. Daí o risco da formação de profissionais com comprometimento confuso no dia a dia de trabalho junto aos seus pacientes.
Até o final século XX, em quase duzentos anos de história de ensino médico no Brasil, havia106 cursos de Medicina, 50 administrados pela iniciativa privada e 56, por instituições públicas. Da virada do século até Dezembro/2018, os cursos tiveram um crescimento impressionante. O número de escolas privadas passou de 50 para 194, enquanto no mesmo período, as unidades de gestão pública subiram de 56 para 141, O Gráfico 1 apresenta essa evolução apontando para prováveis interesses econômicos. Os cursos abertos nas últimas décadas, em sua maioria, são geridos pela iniciativa privada. Essa expansão, como não poderia deixar de acontecer, não solucionou a ausência de médicos nos locais desassistidos e sequer melhorou a qualidade dos formados, conforme apresentado no Quadro 1.
Dados levantados junto aos Portais e-MEC (BRASIL, 2018a) e Escolas Médicas do Brasil (2019) colaboram para retratar o problema do crescimento desordenado nas últimas décadas, impactando diretamente na qualidade, fator que afeta o sistema formador de futuros médicos. O Portal e-MEC (BRASIL, 2018a) contém a base de dados oficial de informações relativas às IES e cursos de graduação do Sistema Federal de Ensino. Os dados guardam conformidade com atos das instituições e cursos de educação superior, editados com base nos processos regulatórios competentes (BRASIL, 2007).
Não é possível descartar o significado do ambiente externo no exercício da prática médica (THISTLEHWAITE, 2003; SPENCER, 2003). Os estudantes devem estar conscientes sobre as diferenças entre atuar numa cidade extremamente violenta, como Altamira/PA, apontada como a mais violenta do país além de quatro capitais que constam entre as dez mais violentas do mundo e desenvolver a profissão numa das cidades consideradas como as mais pacíficas (BRASIL, 2017). Embora não conste do currículo de medicina, é importante que os estudantes ampliem seus horizontes em termos socioculturais.
Ensino de medicina: tendências mundiais
Ampliando o horizonte do presente estudo para além de nossas fronteiras, fez-se um levantamento das universidades de classe mundial, comparando-as com base nos dados dos rankings acadêmicos internacionais, com destaque para os três principais: Quacquarelli Symonds World University Ranking (QS, 2018), Times Higher Education World University Rankings (THE, 2018) e Academic Ranking of World Universities (ARWU, 2018).
De acordo com esses rankings, das 50 primeiras IESM consideradas de classe mundial, mais de 50% concentram-se nos Estados Unidos e Reino Unido; as demais encontram-se em países europeus, asiáticos e na Austrália. Nenhuma universidade da África e da América Latina figuram neste cenário.
É pouco provável que nossos alunos estejam cursando Medicina numa das “Universidades de classe mundial”, pois poucas IESM brasileiras constam dos referidos rankings. Apenas três universidades brasileiras, nenhuma privada, constam no QS (2018) e apenas uma IESM privada figura no THE (2018), a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). O ARWU (2018) considera, para fins de divulgação, apenas 500 primeiras universidades. Apenas seis universidades brasileiras.
Evidentemente, um percentual muito pequeno dos alunos de medicina está cursando as dez primeiras faculdades constantes do Ranking da Folha de São Paulo (RUF, 2018). Das universidades consideradas nas dez primeiras posições do RUF, constam do ranking QS (2018), apenas três brasileiras, enquanto, oito universidades constam do ranking THE (2018) e seis ocupam esse espaço no ranking ARWU (2018), mudando apenas de posições. O Quadro 4 mostra a comparação das faculdades de medicina no Brasil nas dez primeiras posições no RUF em relação as melhores universidades brasileiras nos rankings internacionais.
É importante considerar que o RUF (2018) definiu sua metodologia baseada nos rankings internacionais adaptada ao contexto brasileiro, considerando 5 indicadores: Pesquisa Científica; Qualidade do Ensino; Mercado de Trabalho; Internacionalização e Inovação. Os dados são coletados em bases como: INEP-MEC, Web of Science (Thomsom Reuters), SciELO, INPI, FAPs, CNPq, CAPES e duas pesquisas Datafolha realizadas anualmente. No caso do ranking de curso, o RUF utiliza-se de dois componentes, ensino (64%) e mercado (36%).
Outro mecanismo de avaliação e ranqueamento é a lista classificatória gerada pelo Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) que avalia o rendimento dos concluintes dos cursos de graduação, em relação aos conteúdos programáticos, habilidades e competências adquiridas em sua formação. O Exame é obrigatório e a situação de regularidade do estudante no Exame deve constar em seu histórico escolar. A primeira aplicação do ENADE ocorreu em 2004 e a periodicidade máxima da avaliação é trienal para cada área do conhecimento.
Os resultados do Conceito Preliminar de Cursos (CPC), divulgado pelo MEC em 2016, lança a preocupação com a qualidade do ensino de medicina e, consequentemente, com a formação dos médicos brasileiros, fator que impacta diretamente a sociedade. Os resultados são de 2016 e estão disponíveis no Portal do MEC/INEP . Conjuntamente com o ENADE, foram publicados os resultados do CPC, que avalia os cursos, e o Índice Geral de Curso (IGC) que classificam as instituições de ensino. Na avaliação de 177 cursos de medicina, 17 foram considerados insatisfatórios uma vez que obtiveram CPC 2, numa escala que vai de 1 a 5. O CPC é um indicador que combina diversas variáveis: desempenho dos estudantes no ENADE, Indicador da Diferença entre Desempenhos Observado e Esperado (IDD), corpo docente, infraestrutura, recursos didático-pedagógicos, entre outros aspectos relacionados às condições de oferta dos cursos. Preocupante não é apenas o número de IESM que obtiveram notas entre 1 e 2, mas o fato de apenas uma IESM ter alcançado pontuação máxima (nota 5) para ser considerada de excelência.
Tais resultados evidenciam considerável número de IESM em atividade sem condições plenas de funcionamento, em termos de instalações e de conteúdo pedagógico, incluindo aí questões ligadas a qualidade dos docentes. Infelizmente, esse cenário prejudica diretamente, a população que fica à mercê de profissionais com formação questionável.
Devemos ser críticos em relação aos rankings. Mas, nada impede que indaguemos sobre o porquê de determinadas instituições estarem no topo das melhores do mundo e do País e outras, praticamente reprovadas.
Uma chamada de atenção se faz necessária para fins de reflexão. Se a universidade em que atuamos não se encontra numa posição de destaque como as de nossos colegas de Harvard, Stanford, Cambridge, Johns Hopkins e Oxford e, em se tratando do Brasil, USP, UNICAMP, UFMG, UFRGS e UFRJ, nossos alunos precisarão mais de nós, professores. O curso de Medicina, devido sua relevância social e status continua sendo, ao lado dos tradicionais: Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) e Instituto Militar de Engenharia (IME), o mais concorrido do país, apresentando os mais elevados índices, na relação candidato/vaga, em seus vestibulares.
Apesar da forte concorrência para ingresso, não podemos fugir da realidade: nossas IESM precisam melhorar. Basta remeter aos resultados das provas do CREMESP (2018). Independentemente desses resultados e de condições já expostas, devemos tomar alguma providência, por mínima que seja para alterar esse quadro. Seus efeitos provavelmente serão de pequeno alcance, mas valerá à pena. Focando no tripé em que se apoia a Universidade Moderna - ensino, pesquisa e extensão - com dedicação, entusiasmo e, principalmente, paixão, não só estaremos melhorando nossas IESM, como ampliando o espaço do qual dispomos em nosso dia-a-dia junto aos estudantes.
Pozzebom (2014) em Relatório de Pesquisa elaborado a partir da palavra dos integradores curriculares e gestores do curso de graduação da PUC-Campinas, afirma que temos uma série de desafios a enfrentar e não podemos ignorá-los, pois
Nas reformas, sempre nos preocupamos com a integração. Porém, o curso de medicina ainda tem um modelo compartimentalizado, que ainda traz em si algumas características flexerianas, voltado para a doença e não ao ser humano [...] embarcamos na concepção flexeriana, hospitalocêntrica”. (POZZEBOM, 2014, p. 34-35).
Segundo Pozzebom (2014) nas últimas décadas embarcamos num modelo voltado para o homem. Mas isto requer outro professor em relação ao novo perfil de alunos...
[...] Lidamos com a geração Y que não tem limites, frágeis para enfrentar situações de frustrações, querem respostas imediatas. O despreparo é bilateral: nosso, que não estamos preparados para lidar com as novas gerações e deles, despreparados para enfrentar a nova realidade de uma universidade, cuja metodologia é totalmente diferente do que viram até agora, inclusive no paternalismo comum aos cursinhos.
[...] A excelência do trabalho do professor junto aos alunos resulta de seu engajamento no curso e na Instituição. Que não seja um trabalho a mais.
[...] Tem grande peso no trabalho docente, as raízes da universidade, sua tradição dentro do ambiente geral da Universidade Brasileira,
[...] Há uma distorção que aparece no final do curso, por conta de um evento que é único nos cursos superiores: um novo vestibular, que é a residência médica. A partir do último ano, existe a concorrência desleal dos cursinhos preparatórios para residência e, o aluno não se concentra nem no curso, nem no cursinho.
Mas, por que mudar?
Mudar porque,
os médicos recém-egressos das escolas de medicina tornam-se técnico-equipamentos dependentes e fazem e veem maravilhas com as máquinas e nada sabem a respeito do homem [...]. A prepotência do médico pode provocar muitos danos à saúde daqueles que trata. Expressões do tipo ‘meu jeito de operar é este, e pronto’, ‘esta é a minha conduta e não vou mudá-la por nada’ etc., denotam uma vaidade rasteira, perniciosa e anticientífica que simplesmente deve ser proscrita da conduta médica. A soberba é própria dos néscios. O bom médico deve estar sempre disposto a mudar em favor do melhor para seus pacientes. Médicos com egos muito inflados são uma ameaça para os enfermos que assistem. (MOURA, 2015, p. 1).
Mudar porque na área da educação médica temos vários desafios a serem vencidos; rápida reciclagem dos conhecimentos científicos obrigando o médico a continuar se atualizando; somente 5% a 6% dos trabalhos científicos publicados em milhares de periódicos ao redor do mundo são de boa qualidade (preparar estudante para selecionar o joio do trigo; inclusão ou não, no currículo, de mais de 50 especialidades registrados no Conselho Federal de Medicina, seis anos de curso médico seriam suficientes?); formação de médico generalista que cuida integralmente do ser humano, crítico, reflexivo e outras características referidas nas Diretrizes Curriculares Nacionais de Medicina (DCNM) (BRASIL, 2014).
As DCNM apresentam competências necessárias a todas as áreas da saúde com o objetivo de formar profissionais que compreendam a integridade dos cuidados demandados pela população frente às novas tecnologias e ao desenvolvimento do SUS (BRASIL, 2014).
Mudar porque, segundo Tsuji (2010), as repercussões da pedagogia tradicional em nível individual são: hábito de tomar notas e memorizar; passividade do estudante e falta de atitude crítica; profundo “respeito” quanto às fontes, sejam elas professores ou textos; distância entre teoria e prática; tendência ao racionalismo radical; preferência pela especulação teórica e falta de “problematização” da realidade. O estudante educado na pedagogia tradicional tende a ser um profissional autoritário e individualista como foram seus professores. Repete o modelo da relação professor-aluno na vida profissional. Não é este o perfil do médico que a população deseja.
Mudar porque, depois das barreiras de vestibulares concorridos, vem os primeiros semestres onde disciplinas básicas, bioquímica, histologia, anatomia, fisiologia, neurofisiologia, por exemplo, não “conversam” com as que virão mais tarde - imunologia, neurologia, psiquiatria, parasitologia - e nem mesmo com as disciplinas em desenvolvimento no mesmo semestre. Em outras palavras, não há integração vertical nem horizontal, embora pareça impossível o desenvolvimento curricular por meio de disciplinas isoladas, compartimentadas.
Esta falta de integração envolve uma série de fatores, como ausência de planejamento anual e semestral que contemplam a participação de todo corpo docente, acomodação dos professores e, principalmente, a própria visão segmentada de cultura por parte dos professores, que no dia a dia, não veem o que se passa na ciência, na política, na economia, na sua própria área de conhecimento, de modo integrado. Claro, isto se dá com docentes de todos os cursos.
Tendências nas universidades de classe mundial: metodologias ativas em medicina
Bianco (2010), em seu artigo - Medicina em Harvard - faz a seguinte afirmação, “onze mil docentes e 500 alunos”. Assim é a Escola Médica de Harvard, onde saber a matéria é apenas um dos seis critérios para passar de ano. Apesar de ter lecionado e coordenado cursos na Faculdade de Medicina da Santa Casa, em São Paulo e da USP durante 15 anos, a experiência didática na Faculdade de Medicina de Harvard, surpreendeu o professor,
O formato dos cursos varia muito, mas, de uma forma geral, as atividades começam às 8 horas da manhã com uma ou duas aulas magistrais para toda a turma. [...] Em seguida, após breve intervalo, os alunos se dividem em grupos de 12 para conversar e discutir durante uma hora e meia sobre a(s) aula(s) daquele dia sempre em salas pequenas e sob a monitoração e um docente. A composição desse grupo é balanceada de acordo com sexo, raça e origem dos alunos. A orientação da faculdade é que os monitores falem o menos possível; devem fazer perguntas de tempos em tempos no sentido apenas de orientar a discussão e evitar o caos ou perda de tempo. [...] A avaliação dos alunos é coisa do outro mundo. Seis critérios são levados em consideração: presença, pontualidade, apresentação, relacionamento com os colegas, iniciativa para falar e liderar; e, finalmente, conhecimento específico sobre a matéria ministrada. [...] ninguém falta à aula (Mesmo porque os alunos estão pagando cerca de US$ 50 mil por ano) [...] Nunca vi ninguém tirar nota baixa ou repetir o curso. (BIANCO, 2010, p. 1-2).
Nossos cursos precisam envolver os alunos de maneira ativa em suas aulas. As IESM, ainda não conseguem explorar seus espaços de diversidades. Nesse formato tradicional de ensino, os alunos perdem interesse, sentem-se desvinculados do processo de ensino e aprendizagem. De acordo com as DCNM (BRASIL, 2014), o curso, deve ter um projeto pedagógico construído coletivamente centrado no aluno, sujeito da aprendizagem, apoiado no professor/facilitador/mediador desse processo.
Historicamente, a formação dos profissionais de saúde tem sido pautada no uso de metodologias conservadoras (ou tradicionais), sob forte influência do mecanicismo de inspiração cartesiana-newtoniana, fragmentado e reducionista. Separou-se o corpo da mente, a razão do sentimento, a ciência da ética, compartimentalizando-se, consequentemente, o conhecimento em campos altamente especializados, em busca da eficiência técnica. [...] Nesse sentido, o processo ensino-aprendizagem, igualmente contaminado, tem se restringido, muitas vezes, à reprodução do conhecimento, no qual o docente assume um papel de transmissor de conteúdos, ao passo que, ao discente, cabe a retenção e repetição dos mesmos - em uma atitude passiva e receptiva (ou reprodutora) - tornando-se mero expectador, sem a necessária crítica e reflexão. Ao contrário, a passagem da consciência ingênua para a consciência crítica requer a curiosidade criativa, indagadora e sempre insatisfeita de um sujeito ativo, que reconhece a realidade como mutável. (MITRE, 2008, p. 2134).
Ao comentar sobre as metodologias ativas, Mitre (2008), as metodologias ativas estão alicerçadas na teoria da autonomia, explícita em Paulo Freire. A educação, nos dias atuais, deve pressupor um discente capaz de desenvolver essa autonomia em seu processo de formação.
A ruptura com o modelo tradicional que implica a passividade do estudante pode ser alcançada mediante o desenvolvimento de conteúdos a partir de situações-problemas. Alunos e professores, juntos, saem dos muros da universidade e aprendem com a realidade concreta. [...] Aumentam as chances de se estimular nos alunos uma postura de cidadãos mais conscientes, críticos e comprometidos com o seu meio. (BERBEL, 1995, p. 14).
Mas, é necessário avaliar sobre a possibilidade de sermos mais arrojados, e fazer parte do grupo que já se encontra imerso no Problem Based Learning (PBL) ou ABP (Aprendizagem Baseada em Problemas).
Al Wadani e Khan (2014) apontam para o PBL como metodologia ativa que, na educação médica envolve estudantes que trabalham em cenários de "vida real", sendo o processo facilitado por um tutor. Os currículos PBL estão sendo adotados por várias universidades do mundo, com a premissa de que os alunos precisam ser direcionados para tendências de autoaprendizagem ativas.
Ampliando a compreensão de como o PBL se configura nas universidades de classe mundial, buscou-se constatar se essas instituições adotam a metodologia PBL em seus currículos. Após levantamento em seus websites, verificou-se que das 10 primeiras de cada ranking (16 ao todo), apenas duas não adotam a metodologia PBL em seus programas curriculares. A seguir, informações consideradas relevantes sobre o PBL e referências de seus principais autores.
Segundo Gomes et al. (2009), o modelo pedagógico norteado pelo PBL busca fornecer ao estudante condições de desenvolver habilidades técnicas, cognitivas e atitudinais aplicáveis tanto para o cuidado dos pacientes, quanto para a manutenção da postura de estudar para aprender pelo resto da vida profissional.
Donner e Bickley (1993), nos proporciona um histórico do PBL desde sua introdução na Universidade McMaster, em Toronto, 1969, até a sua adoção por Harvard, primeiro como modalidade alternativa e mais tarde como modelo padrão, constituindo um marco na história desta modalidade na educação americana. Os objetivos do PBL - proporcionar a busca de soluções para novos problemas, capacitar o desenvolvimento de habilidades colaborativas também podem ser acessadas junto ao mesmo autor: Donner e Bickley (1993).
Barrows (1996, p. 5-6) explicita “alguns aspectos relevantes para o PBL: aprendizado centrado no estudante; realizado em pequenos grupos; tutores orientam mais do que ensinam; um problema constitui a base para o foco de pesquisa do grupo, estimulando a aprendizagem”.
A contribuição das atividades de tutoria para a construção do conhecimento cognitivo, são explicitadas por Cezar et al. (2010). Os autores dão ênfase aos procedimentos de tutoria complementados por atividades realizadas em laboratórios especializados. Nestes, um professor-instrutor é encarregado de conduzir os processos pedagógicos que muito contribuirão para a prática profissional, sempre vinculada aos problemas propostos e estudados.
Merece destaque ainda o desenvolvimento do PBL em Stanford (2017), com notável envolvimento dos alunos no processo de resolução de problemas: pensar sobre como encontrar possíveis soluções; foco no desenvolvimento da habilidade de pensar de forma crítica, criativa e produtiva sobre um problema e habilidades para o trabalho em equipe.
Em síntese, o PBL como um passo lógico no desenvolvimento de habilidades para sintetizar e integrar conceitos fundamentais em medicina clínica. Chang (2008).
Em Harvard, as sessões PBL consistem na apresentação de problemas e discussão em pequenos grupos, seguida de discussão em grande grupo. [...] O benefício mais importante da discussão reside no incentivo da análise crítica de uma variedade de ideias e posições. Os alunos têm permissão para discutir não só as respostas "corretas", como têm, também, uma oportunidade para desafiar conscientemente as respostas "corretas" promovendo uma compreensão mais profunda do tópico em questão. (CHANG, 2008, p. 2).
Numa revisão dos efeitos do PBL nas escolas de medicina sobre a atuação de médicos após a graduação, Koh et al. (2008) mostraram efeitos claramente positivos sobre competências sociais e cognitivas.
Cabe destacar que o PBL está entre as principais alternativas pedagógicas propostas para atender às necessidades da formação médica no cenário atual. A Faculdade de Medicina de Marília/SP (FAMEMA), em 1997 e a Universidade Estadual de Londrina/PR (UEL), em 1998, foram pioneiras na introdução do PBL no Brasil (SIMAS; VASCONCELOS, 2010).
Considerações finais
O presente estudo foi pautado no processo de formação de Médicos no Brasil, a partir da análise dos resultados do exame do CREMESP, modelo de avaliação opcional, não obrigatório, constatando alto índice de reprovação. O caráter não obrigatório do exame remete a um horizonte preocupante.
Para subsidiar um entendimento sobre a importância do ato de avaliar, foram analisados comparativamente os exames: CREMESP, USMLE (norte-americano) e MCCQE (canadense). Excetuando a não obrigatoriedade do exame no Brasil, ambos avaliam competências básicas, consideradas essenciais ao exercício da profissão.
Apesar de uma sequência de resultados negativos, o MEC, anunciou a abertura de novos cursos para atender ao “Programa Mais Médicos” (BRASIL, 2015a), sem antes corrigir os rumos do ensino de medicina, fato que tem sido objeto de críticas. Por que um curso tão concorrido, que exige alunos bem preparados, considerando-se a ampla concorrência registrada nos vestibulares, não continua com o mesmo nível de exigência após seu ingresso?
O estudo remeteu à necessidade de se efetuar um levantamento da evolução dos cursos de medicina no país por meio de busca avançada no Portal e-MEC. Os dados permitiram confirmar o crescimento desenfreado das IESM, as quais mais que triplicaram nos últimos 30 anos.
Para analisar e avaliar a qualidade dos cursos de medicina buscou-se informações sobre as universidades de classe mundial, que encabeçam os rankings internacionais (QS, THE e ARWU) e as comparamos com as melhores do ranking nacional (RUF). Apesar de nenhuma IESM brasileira figurar entre as 100 melhores do mundo, identificamos que as melhores, no ranking nacional, estão presentes nos rankings internacionais, evidenciando certa homogeneidade em relação aos padrões de qualidade avaliados, muito embora, com indicadores diferentes entre si. Apesar das críticas aos rankings, eles têm sido importantes referenciais de qualidade, pois levam em consideração critérios relevantes como: Pesquisa Científica; Qualidade do Ensino; Mercado de Trabalho, Internacionalização e Inovação.
A análise dos resultados do último ciclo avaliativo dos cursos de medicina brasileiros gerou indicações não muito favoráveis: dos 177 cursos avaliados, 17 foram considerados insatisfatórios, tendo obtido CPC 2, numa escala que vai de 1 a 5.
Conclui-se que é preciso promover alterações no processo de formação médica: a) mudar os procedimentos didáticos, ultrapassando a simples transmissão de conhecimentos, atingindo-se a produção do conhecimento; b) professores e estudantes manterem-se em constante atualização; c) mudar a postura e a forma de ensino apregoada pela pedagogia tradicional, utilizando-se de um amplo leque de opões hoje disponíveis aos docentes da educação superior; d) ter presente que os profissionais da saúde não devem ser reféns dos equipamentos médico-tecnológicos e sim mais e mais humanizados uma vez que sempre estarão atuando junto a PESSOAS, seres humanos como eles; e) se não for possível promover a mudança em nível desejável, no mínimo abordar os conteúdos de suas disciplinas de modo integrado: i) com as disciplinas oferecidas num mesmo período letivo; ii) com disciplinas já oferecidas e com aquelas que serão cursadas em períodos posteriores. Em outros termos, desenvolvendo integração vertical e horizontal das disciplinas.
Todas essas possibilidades de mudanças abrem caminho para uma metodologia diferenciada, apontada neste estudo como tendências para o ensino médico. Destaca-se entre elas, o PBL, considerado pelos autores citados, uma metodologia privilegiada, já amplamente utilizada e avaliada em cursos de medicina nas principais universidades de classe mundial. Entretanto, é preciso ter presente que em todo processo de mudança são inevitáveis as resistências que mexem na zona de conforto, de não pouco, daqueles cujo envolvimento é necessário. Evidentemente, no processo de transição para uma metodologia inovadora, ajustes deverão ser realizados.
Para encerrar nada melhor do que reproduzir as palavras de Kalil Filho (2018, p. 108-109): “Para oferecer saúde digna a todos, é tempo de unir classe médica, governo, universidades e entidades”.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
9 Dez 2019 -
Data do Fascículo
Sep-Nov 2019
Histórico
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Recebido
21 Jan 2019 -
Aceito
09 Nov 2019