Open-access A literatura e a formação do português brasileiro: uma metaficção historiográfica dos contatos linguísticos

RESUMO

Os estudos e as discussões sobre os contatos entre povos e línguas que se deram no Brasil têm sido frequentemente objeto de estudo da Linguística, principalmente da Sociolinguística de Contato, e da História. Entretanto, tomando os textos literários como possibilidade de entrever o passado, ainda que sob os olhares da ficção, a literatura tem muito a contribuir com a forma de se ver o passado, tendo em vista principalmente as metaficções historiográficas que se interessam por lacunas da Historiografia oficial, (re)apresentando acontecimentos e/ou fatos históricos, mas sob o olhar de personagens que foram marginalizados. Considerando isso, este artigo propõem uma análise do romance Um defeito de cor, da autora mineira Ana Maria Gonçalves (2021), a fim de ilustrar como a escrita literária pode contribuir para o entendimento das formas de interações que moldaram a sociedade brasileira, dando origem ao “Brasil” e, especialmente, ao “português brasileiro”.

PALAVRAS-CHAVE: História; Metaficção; (Socio)Linguística

ABSTRACT

Studies and discussions about the contacts between peoples and languages in Brazil have often been the subject of study in linguistics, especially Contact sociolinguistics, and History. However, by taking literary texts as a way of glimpsing the past, albeit through the eyes of fiction, literature has a lot to contribute to how we see the past, especially because of historiographic metafiction that is interested in gaps in official historiography, (re)presenting historical events and/or facts, but through the eyes of characters who have been marginalized. Bearing this in mind, this article proposes an analysis of the novel Um defeito de cor, by the author from Minas Gerais, Ana Maria Gonçalves (2021), to illustrate how literary writing can contribute to understanding the forms of interaction that have shaped Brazilian society, giving rise to “Brazil” and, especially, to “Brazilian Portuguese.”

KEYWORDS: History; Metafiction; (Socio)Linguistic

Introdução

As relações entre literatura e história ora são próximas ora são distantes, mas nunca deixam de ser estabelecidas, considerando, principalmente, a compreensão de que ambas constroem discursos a partir de um dado acontecimento histórico. Dessa forma, como pontua Linda Hutcheon, em Poética do Pós-Modernismo (1991), é preciso pensar que a intersecção entre o discurso literário e o discurso histórico está na narrativização de um “acontecimento histórico”, transformando-o em um “fato histórico”, que pode se transformar em uma “verdade histórica”, se compreendermos essa como um discurso de uma parte dominante da sociedade que faz da sua realidade, carregada de sua visão ideológica de mundo, uma “única verdade”.

Considerando essa perspectiva discursiva das narrativas literárias e históricas, neste trabalho, propomos uma retomada da discussão feita em Por uma metaficção historiográfica dos contatos linguísticos na formação do português do Brasil, de Jacson Baldoino Silva (2023a)1, sobre a literatura como um recurso metaficcional historiográfico que possibilita uma aproximação às interações (socio)linguísticas durante os intensos períodos de contatos linguísticos ocorridos no Brasil. As discussões em torno dessa temática têm se dado, predominantemente, no âmbito da História e da Linguística - principalmente da Sociolinguística (de Contato) -, entretanto, a perspectiva excêntrica das narrativas metaficcionais historiográficas possibilita que personagens excluídos ou marginalizados nos textos literários e na historiografia oficial tomem lugar (Hutcheon, 1991) e, como as moiras na mitologia grega, teçam uma nova “vida” para a história de uma sociedade.

Assim, o propósito deste artigo é desdobrar a teoria da metaficção historiográfica proposta por Hutcheon (1991) com base nas abordagens das teorias (socio)linguísticas, particularmente de Rosa Virgínia Mattos e Silva (2004), Dante Lucchesi (2009, 2017, 2019). Com isso, objetivamos explorar a viabilidade de uma metaficção historiográfica sobre os contatos linguísticos destacando como as narrativas literárias podem ser empregadas para criar representações verossímeis das interações linguísticas e “povolísticas”2 ocorridas no Brasil ao longo de quase quatro séculos, após o deslocamento forçado de africanos para as terras brasileiras pelos portugueses.

Essa verossimilhança é evidenciada em diversos romances contemporâneos, como Água de barrela, de Eliana Alves Cruz (2018) - que narra o percurso geracional de uma família afrodescendente no Brasil ao longo de 300 anos, tendo início no rapto na África -, Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves (2021) - que apresenta a história de uma africana desde o sequestro no continente africano às suas andanças pelo Brasil do século XIX - e Viva o povo brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro (2007), que narra 4 séculos da história da Bahia, com uma narrativa que mistura memória e ficção e que conta com a presença de inúmeros personagens excêntricos da historiografia oficial. Como indica Margarida Petter (2020), os termos africano e línguas africanas precisam ser usados com cuidado, pois escondem uma diversidade de significações e se propõem a ser uma designação genérica; dito isso, nós os usaremos conscientes da multiplicidade de povos e línguas que recobrem.

Dessa forma, tendo em vista os limites deste texto, bem como a discussão já iniciada em Silva (2023a), tencionamos uma análise literária do romance de Ana Maria Gonçalves (2021), publicado em 2006 e que já está na sua 26ª edição, por considerar as verossímeis construções narrativas das interações (socio)linguísticas do Brasil do século XIX, possivelmente entre os anos de 1822 e 1878. Como indica Ana Maria Vieira Silva (2012, 2014), o romance é tecido por meio da escrita de memórias e, em razão disso, a exatidão das datas de início e fim da narrativa é de difícil determinação. Essa imprecisão das datas é também, como aponta Hutcheon (1991), um recurso da própria escrita formal da metaficção historiográfica, que “[...] incorpora os dados, mas raramente os assimila” (Hutcheon, 1991, p. 152), ou seja, o material historiográfico está ali, mas se converte em substância própria da narrativa, sendo quase que um elemento secundário, indicando o paradoxo da “realidade” do passado, pois este só é, de fato, acessível textualmente.

Contudo, no romance, algumas inferências são possíveis, como, por exemplo, o ano do rapto da narradora no continente africano, pois Kehinde faz menção à sua primeira menstruação com “quase doze anos” (Gonçalves, 2021, p. 136) e diz estar no Brasil há 4 anos. Se consideramos o ano de 1822, última referência cronológica que a narradora fez antes disso, inferiremos o ano de 1818 como o período do sequestro em África e a viagem forçada para o Brasil, pois Kehinde foi traficada quanto tinha 7 anos de idade e contava com 11 anos na sua primeira menstruação.

Um defeito de cor (Gonçalves, 2021) apresenta a narrativa de uma mulher negra ao longo dos seus 63 anos de vida, dos quais 12 foram vividos em situação de escravização, pois conseguiu, em situações um pouco suspeitas, sua carta de alforria “com vinte anos incompletos” (Gonçalves, 2021, p. 372). Ana Maria Gonçalves (2021), no Prólogo e na Bibliografia, apresenta a dupla face do romance: ficção e realidade. A linha tênue da narrativa entre esses polos é consequência do encontro com fontes historiográficas - uma pilha de papéis escritos em um português antigo -, e da dificuldade em lê-las em razão das suas condições, o que leva a autora a preencher as lacunas da história. Ana Maria Gonçalves (2021), no Prólogo, apresenta os critérios de organização do material encontrado:

Nunca é demais lembrar que tinham desaparecido ou estavam ilegíveis algumas folhas do original, e que nem sempre foi possível entender tudo que estava escrito. Optei por deixar algumas palavras ou expressões em iorubá, língua que acabou sendo falada por muitos escravos, mesmo não sendo a língua nativa deles. Neste caso, coloquei a tradução ou a explicação no rodapé. O texto original também é bastante corrido, escrito por quem desejava acompanhar a velocidade do pensamento, sem pontuação e quebra de linhas ou parágrafos. Para facilitar a leitura, tomei a liberdade de pontuá-lo, dividi-lo em capítulos e, dentro de cada capítulo, em assuntos. Espero que Kehinde aprove o meu trabalho e que eu não tenha inventado nada fora de propósito. Acho que não, pois muitas vezes, durante a transcrição, e principalmente durante a escrita do que não conseguia entender, eu a senti soprando palavras no meu ouvido (Gonçalves, 2021, p. 17 [Prólogo]).

A descrição da autora sobre a organização se aproxima muito do tratamento de dados diacrônicos de escrita no âmbito da Linguística, principalmente da Linguística Histórica stricto sensu (Mattos e Silva, 2004; Paixão De Sousa, 2006). Esse encontro com fontes inéditas exemplifica a constante busca dos linguistas pelas raízes do português, principalmente do português popular brasileiro. O texto “escrito em um português antigo, as letras minúsculas e muito bem desenhadas” (Gonçalves, 2021, p. 15) e a escrita em cima de uma superfície porosa, o que comprometeu a leitura também, indicam as condições de escrita e produção do documento, tão antigo que “nem parecia escrito na nossa língua” (Gonçalves, 2021, p. 15); dados sócio-históricos relevantes quando se trabalha com documentos escritos antigos.

Portanto, o encontro com a pilha de papéis descontrói a generalização de que, no período escravocrata, negros e mulheres, enquanto personagens à margem da História e da ficção, não sabiam ler e escrever, indicando que é necessário insistir em prospecções em arquivos institucionais e privados, considerando a diversidade de fontes históricas disponíveis, bem como pesquisar em acervos menos óbvios para poder identificar informações valiosas sobre a história das mulheres e dos negros, bem como de outros personagens minorizados ao longo da historiografia oficial3.

Contudo, como próprio de uma ficção, a autora indica que precisou, diante do contexto e com base no material estudado, por isso uma Bibliografia ao final, inventar alguns elementos para dar uma sequência lógica à narrativa. No entanto, a descrição do encontro com uma pilha de papel de “mais ou menos 30 ou 35 centímetros de altura” (Gonçalves, 2021, p. 15) - da altura de uma régua escolar na vertical - e a apresentação dos critérios de organização utilizados pela autora criam uma ideia de “verdade” dentro do próprio texto, no sentido de que o acontecimento histórico, ainda que documentado, pode não ser tão “verdadeiro” no texto literário, pois a preocupação deste é mais estética que ética.

A verossimilhança (Hutcheon, 1991; Silva, 2012, 2014; Silva, 2023a) do romance de Gonçalves (2021) é reforçada pelo uso, quase que predominante, da primeira pessoa do singular (eu) ao longo de todo o texto, pois a escrita dos papéis originais aproxima-se do gênero carta pessoal, fornecendo ao leitor uma experiência singular de compreensão das experiências da captura, tráfico e escravização da narradora. Na perspectiva da metaficção historiográfica, o uso do eu indica uma desmarginalização do texto literário, através do embate com a História, em termos não apenas temáticos, mas também formais (Hutcheon, 1991).

Silva (2023a), considerando a proximidade com o gênero carta pessoal, propõe que a narrativa de quase mil páginas seja dividida em duas grandes partes, sendo a primeira quando a narradora escreve cartas para si, como se fossem um diário (Gonçalves, 2021, p. 19-404), e uma outra parte que se constitui de cartas para o filho “perdido”, assemelhando-se a um testamento emocional (Gonçalves, 2021, p. 404-947). Portanto, as memórias de Kehinde permitem que a unicidade da historiografia oficial seja questionada, trazendo para o centro a multiplicidade de vozes daqueles que foram silenciados por ela, gerando, como é próprio da metaficção historiográfica, uma dispersão da(s) verdade(s) históricas (Hutcheon, 1991).

Considerando isso, depois dessa introdução, discutimos os encontros entre os discursos historiográficos e ficcionais, situando a metaficção historiográfica na linha tênue que os separa. Em seguida, abordamos a proposta da metaficção historiográfica dos contatos linguísticos, propondo uma análise da obra de Gonçalves (2021) a partir das teorias (socio)linguísticas. Por fim, nas considerações finais, reenfatizamos a viabilidade das narrativas metaficcionais historiográficas como um meio verossímil de analisar os contatos linguísticos e “povolísticos” ocorridos no Brasil durante o período colonial, uma vez que as verdades(s) trazidas por elas podem ajudar a entrever a face indígena e negra na formação do Brasil.

1 Os discursos da história e da ficção

Porém, a que se refere a própria linguagem da metaficção historiográfica? A um mundo de história ou a um mundo de ficção?

Linda Hutcheon

A linha tênue entre a escrita da História e a da ficção é percebida quando novas fontes são descobertas e outras verdades veem à tona, demonstrando que a relação entre elas pode ser pacífica e/ou conflituosa (Hutcheon, 1991; Silva; Souza, 2020). No romance de Gonçalves (2021), o paradoxo entre essas escritas fica nítido quando, no prólogo, a autora, que se diz organizadora, pontua como estabeleceu o material encontrado, mas que algo do texto também foi soprado por Kehinde aos seus ouvidos, quando os papéis não a deixavam ler o escrito. Portanto, na organização do texto encontrado, Ana Maria Gonçalves (2021) estabeleceu uma ordem histórica para, logo em seguida, subvertê-la por meio de uma fragmentação ao indicar que a divisão em parágrafos, quebra de linhas e divisão em capítulos e assuntos, bem como a colocação da pontuação são dela, além do preenchimento das lacunas narrativas; ou seja, como é próprio de uma metaficção historiográfica (Hutcheon, 1991), estabelece-se uma ordem, mas depois indica-se a sua fragilidade, colocando em evidência a sua construção discursiva. No entanto:

Essa auto-reflexividade não enfraquece, mas, ao contrário, fortalece e se volta para o nível direto de envolvimento e referência históricos do texto (cf. Bradbury 1983, 159). Como ocorre com muitos romances pós-modernos, essa provisoriedade e essa incerteza (e também a construção voluntária e declarada do sentido) não ‘lançam dúvidas sobre a sua seriedade’ (Butler 1980, 131), e sim definem a nova seriedade pós-moderna que reconhece os limites e os poderes do ‘relato’ ou da escrita do passado - recente ou remoto (Hutcheon, 1991, p. 155).

Assim, a narrativa de Um defeito de cor (Gonçalves, 2021) coloca em xeque a certeza dos “acontecimentos históricos”, demonstrando que esses só se transformaram em “fatos históricos” em razão da forma como a narrativização da História foi feita. Em outras palavras, a metaficção historiográfica do romance de Gonçalves (2021) demonstra que é necessário lidar com o problema do status das evidências e dos documentos, pois há questões subjetivas, referenciais e ideológicas subjacentes a elas (Hutcheon, 1991).

Dessa forma, a crítica à veracidade dos fatos presente nos textos metaficcionais historiográficos tem uma dupla função, uma vez que estabelece o seu referente com a realidade - sendo esse “o principal vínculo do texto com o ‘mundo’, um vínculo que reconhece sua identidade como constructo” (Hutcheon, 1991, p. 158) - e o questiona, possibilitando entender que o “real” da História foi construído por meio de um condicionamento da forma de conhecê-lo (Hutcheon, 1991).

Essa dupla função da metaficção historiográfica permite ao leitor questionar os discursos históricos, e consequentemente suas verdades únicas, mas também o faz duvidar dos discursos literários, pois sabe que o “real” ali é uma invenção. Se na literatura o real é ficcional, na História o real é uma construção, entendida como um recorte limitado de um determinado acontecimento, que se transformou, pelo discurso, em um fato, demonstrando que a representação do passado é permeada por implicações ideológicas (Hutcheon, 1991). Portanto, a metaficção historiográfica ressalta “a natureza discursiva de todas as referências - [sejam elas] literárias e [/ou] historiográficas” (Hutcheon, 1991, p. 158).

A construção narrativa de Um defeito de cor (Gonçalves, 2021) demonstra a realidade discursiva do conhecimento, principalmente pelo seu caráter contínuo, mas veloz, das rememorações de um passado, o que, de certa forma, gera uma instabilidade na forma de conhecê-lo. A narrativa de Gonçalves (2021) é rápida e, como próprio de memórias, nem sempre tão contínua, por exemplo, em 10 páginas - em um romance de quase mil -, acontecem inúmeros fatos: a narradora é colocada, “na rua, como escrava de ganho, a quase mil e setecentos réis por semana” (Gonçalves, 2021, p. 241), passa por dificuldades para se estabelecer, encontra um local - a casa de um padre - onde pode cozinhar seus cookies e outro onde dormiria, e consegue seus “três primeiros fregueses fixos” (Gonçalves, 2021, p. 251).

Kehinde comenta que, se contado pelos anos, a narrativa não era muito tempo - prova disso é que ela passou apenas 12 anos escravizada -, mas, “levando-se em conta os acontecimentos” (Gonçalves, 2021, p. 375), parecia muito tempo. Apesar de rápida, a narradora é muito detalhista no que conta, porque (a autora ou a narradora?) se preocupa em dar um tom de veracidade aos acontecimentos passados, o que faz a história se tornar extensa. Ela descreve as paredes descascadas de um sobrado “que um dia já tinham sido pintadas de verde, [assim como] a fachada, contínua com os sobrados vizinhos, diferenciada apenas por duas longas rachaduras de cima a baixo” (Gonçalves, 2021, p. 257); além disso, há descrições dos próprios personagens - que se aproximam do realismo psicológico (Moisés, 2001, 2016) -, como a da governanta dos ingleses, Miss Margareth, que “era uma mulher de idade não muito bem definida [...] [e] uma coisa que chamava a atenção nela era a economia de gestos, de palavras e de expressões” (Gonçalves, 2021, p. 241).

As descrições da narradora - que fazem as cenas se tornarem plásticas, visíveis - se aproximam daquelas feitas pelos romances do Realismo, que se interessava em descrever e criticar o espaço real, fazendo com que sua narrativa se estabelecesse, assim, por meio de uma verossimilhança externa com o real (Moisés, 2001, 2016; Sant’Anna, 2012). As descrições detalhistas dos espaços em Um defeito de cor (Gonçalves, 2021) aproximam-se daquelas que aparecem em O ateneu, de Raul Pompeia (1996), e em O cortiço, de Aluísio de Azevedo (1997):

O sinhô José Carlos perguntou se havia pouco tempo que eu tinha tomado banho e se nunca mesmo tinha me deitado com homem. As duas respostas foram sim, num balançar de cabeça, e então ele mandou que eu tirasse a roupa enquanto observava. Além do cômodo onde ele estava trabalhando, um escritório com uma secretária, um armário com algumas pilhas de papel amarelado e outros objetos, e muitas coisas jogadas pelos cantos, a casa ainda tinha um quarto, onde ele mandou que eu entrasse. Caixas e mais caixas subiam pelas paredes, iluminadas por um lampião que pendia do teto, a única claridade em todo aquele ambiente, já que não era possível ver uma única janela, talvez coberta por aquela quinquilharia toda. No chão havia uma esteira grande coberta com uma colcha incrivelmente branca para aquele lugar, limpa, bonita, sobre a qual ele me mandou deitar (Gonçalves, 2021, p. 168).

Ao longo das 947 páginas do romance, encontramos narrativas detalhistas desse tipo. Seguindo a teoria de Hutcheon (1991), podemos afirmar que, ainda que o detalhe seja algo insignificante na metaficção historiográfica - uma vez que os detalhes históricos podem ser deliberadamente falsificados -, ele é usado como um meio de se obter uma possível veracidade histórica. Isso evidencia os diferentes papéis do escritor e do historiador, pois enquanto um tem o compromisso com a verdade, o outro, com a arte e as verdades existentes, narrando não aquilo que aconteceu propriamente, mas o que poderia ter acontecido (Hutcheon, 1991; Silva; Souza, 2020). Os detalhes, na narrativa, portanto, funcionam como esse referente de um real que aponta para uma verdade narrativizada.

Além da constante descrição e da referência a lugares de São Salvador - que estabelece ainda mais seu vínculo com o espaço real no qual se passa a narrativa -, como a Vila de Itaparica, o Corredor da Vitória, o Rio Vermelho e regiões mais distantes do centro da cidade como Candeias e Cachoeira, há personagens históricos que aparecem também, como Zeferina, a mulher que governava o Quilombo Urubu, que foi objeto de pesquisa de mestrado de Viviane Carla Bandeira Santos (2019); a presença de uma mulher como chefe de um quilombo problematiza as narrativas em torno de Zumbi dos Palmares, o principal negro narrado pela historiografia oficial. Outro personagem histórico que aparece, mas que não é nomeado, é o filho da narradora, que é o grande elo entre a dupla face do romance - realidade e ficção. Enquanto organizadora, Gonçalves (2021) indica ao leitor que aquilo que tem em mãos “talvez seja a história da mãe deste homem respeitado e admirado pelas maiores inteligências de sua época, como Rui Barbosa, Raul Pompeia e Silvio Romero. Mas [que] também pode não ser” (Gonçalves, 2021, p. 17[Prólogo]).

O filho não nomeado da narradora pode ser o escritor brasileiro Luiz Gama, uma vez que o nome cristão de Kehinde era Luísa Gama, sobrenome que herdou do senhor que a comprou - José Carlos de Almeida Carvalho Gama. Comentando isso, Silva (2012, 2014) indica que a narrativa em questão cria uma verossimilhança histórica, pois a narradora tem como referência a mãe de Luiz Gama, uma personagem marginalizada pela historiografia oficial. Ela ainda indica que Luísa Gama foi construída por meio de uma intensa pesquisa documental de Ana Maria Gonçalves (2021) - como indica a autora ao colocar uma Bibliografia ao final -, criando, como comenta também Silva (2023a), uma significação estável para a narração.

Aqui, duas observações se fazem necessárias, sendo a primeira o fato de o nome cristão da narradora só ser mencionado neste ponto da discussão. Essa foi uma opção nossa, uma vez que, se trabalhamos com a desmarginalização dos personagens relegados aos guetos da historiografia oficial, não poderíamos, como pontua Silva (2023a), chamar a narradora por um nome que lhe foi imposto e a partir do qual não se reconhecia, pois dizia que “para os brancos fiquei sendo Luísa, Luísa Gama, mas sempre me considerei Kehinde. O nome que a minha mãe e a minha avó me deram e que era reconhecido pelos voduns [...]” (Gonçalves, 2021, p. 73). A segunda observação se refere às diferenças de grafia do nome da mãe de Luiz Gama, pois, como indicam Ana Maria Vieira Silva (2012, 2014) e Silva (2023a), na historiografia oficial ela aparece como Luiza e, no romance, o nome aparece grafado como Luísa; o que pode ter sido uma estratégia de Ana Maria Gonçalves para questionar a narrativa da historiografia oficial.

Contudo, o batismo do Banjakô, primeiro filho da narradora, como José Gama indica que os filhos delas receberam o sobrenome cristão do senhor que a comprou, reforçando a verossimilhança histórica da narrativa (Silva, 2012, 2014) e o elo entre Luísa Gama e Luiz Gama, apesar das diferenças gráficas no nome daquela. No entanto, a oscilação da grafia indica também o fato de que “a metaficção historiográfica não consegue deixar de lidar com o problema do status de seus ‘fatos’ e da natureza de suas evidências, seus documentos” (Hutcheon, 1991, p. 161), por isso, na narrativa, estabelece-se um dado histórico para depois indicar a sua fragilidade.

Gonçalves (2021) dialoga também com personagens de outras metaficções historiográficas, como o Barão de Pipapuama, que era proprietário do Engenho da Armação de Bom Jesus na Vila de Itaparica, e o seu funcionário Amleto Ferreira, que também estão presentes na narrativa de João Ubaldo Ribeiro:

- Como disse que te chama?

- Amleto Ferreira, para servir ao monsenhor.

- É nome cristão? Amleto, nunca ouvi.

- Tem origem numa lenda inglesa, segundo sei, num poema ou tragédia inglesa.

- Numa tragédia inglesa, num poema? Temos aqui coisa, então, temos coisa! A Inglaterra é excessivamente benévola para com os poetas e as artes frívolas. Se também tivesse músicos, estaria perdida. Então teus pais são leitores de livros profanos ingleses, é assim? Que livros são esses?

- Não sei bem, monsenhor, o meu pai é inglês.

- O teu pai é inglês? Mas temos coisa, temos mesmo coisa! Mas és pardo, não és? [...] E onde está esse teu pai inglês, que faz ele?

- Vive na Inglaterra, não temos noticia há muitos anos.

- Na companhia da senhora tua mãe, naturalmente. Diz-me lá.

- Não, monsenhor, minha mãe vive cá na Bahia, com a graça de Deus, e é professora das primeiras letras.

- Sem dúvida. É liberta. [...] (Ribeiro, 2007, p. 61)

O diálogo de Amleto Ferreira com o Barão de Piapuma, Perilo Ambrósio, que terá seu engenho descrito um pouco mais à frente na narrativa do baiano, é questionado pela narrativa de Gonçalves (2021). Em Ribeiro (2007), Amleto Ferreira afirma ser filho de ingleses, no entanto, os personagens de Um defeito de cor (Gonçalves, 2021) questionam a sua origem, pois não sabiam a veracidade da procedência inglesa dele, mas sabiam que ele “usava de mil artimanhas para parecer mais claro. Dormia com o cabelo untado de babosa e preso com touca, e toda manhã passava horas no toucado, disfarçando as origens africanas” (Gonçalves, 2021, p. 339). A referência às origens africanas do personagem coloca em xeque a sua parte de origem inglesa, já questionada ao apresentar a mãe dele como “uma pobre coitada, uma preta forra que ele fazia de tudo para manter escondida” (Gonçalves, 2021, p. 338), e não como professora de primeiras letras (Ribeiro, 2007).

Assim, percebemos que a escrita literária dialoga com a historiografia oficial por meio de diversas maneiras, desde a presença de uma verossimilhança histórica que cria uma significação estável (Silva, 2012, 2014; Silva, 2023a) a uma construção detalhista que funciona como uma espécie de referente com o mundo real, mas que ao mesmo tempo indica a sua fragilidade por meio da possibilidade de falsificação (Hutcheon, 1991) - como acontece em Gonçalves (2021) quando a autora afirma que algo foi soprado aos seus ouvidos pela narradora.

Em suma, a narrativa de Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves (2021), desafia a dicotomia entre história e ficção ao evidenciar a fluidez e, por vezes, a conflituosidade na relação entre ambas. A obra metaficcional historiográfica revela a complexidade na construção da narrativa histórica, destacando sua natureza discursiva e subjetiva. A autora estabelece uma ordem aparente na organização do texto, apenas para subvertê-la posteriormente, evidenciando a fragilidade inerente à construção discursiva. Portanto, o romance de Gonçalves (2021) demonstra a importância do questionamento tanto dos discursos literários quando dos históricos, evidenciando a importância de se reconhecer a natureza construída e condicionada dos “fatos históricos”.

2 A perspectiva da metaficção historiográfica dos contatos linguísticos

A dinâmica partida da sociedade brasileira que Dante Lucchesi (2009, 2015) tem chamado de polarização sociolinguística precisa ser analisada da dinâmica social à situação linguística, pois foram as diversas realidades de formação do Brasil que permitiram que aqui se formasse uma sociedade plural, e que, como pontuam Mônica Maria Guimarães Savedra, Beatriz Christino, Karen Pupp Spinassé e Silvana Silva de Farias Araujo (2021) - diferentemente do que pensam - permanece multilíngue. Segundo Carlos Alberto Faraco (2019), o mito do Brasil como um país monolíngue precisa ser desfeito, pois impossibilita que nos entendamos com um território multilíngue e multicultural e dificulta a compreensão da heterogeneidade do português brasileiro desde a sua história, passando pela sua polarização, até as suas configurações atuais.

Comentando o multilinguismo em terras brasileiras, Mattos e Silva (2004) diferencia duas fases na formação do português: multilinguismo generalizado e multilinguismo localizado. Segundo a autora, a primeira fase é característica dos primeiros anos de colonização do Brasil, quando se podiam encontrar diversas línguas sendo faladas em uma mesma região, sendo elas de origem indígena e africana, predominantemente. Com o passar dos anos, em razão de um percurso etnocida e glotocida, assistimos ao Brasil perder sua diversidade étnica e linguística; entretanto, alguns povos e línguas resistiram em determinadas localidades, possibilitando um multilinguismo localizado.

Esse multilinguismo localizado, em Mattos e Silva (2004), faz referência, principalmente, às tribos indígenas e aos quilombos que, por estarem afastados dos grandes centros da colônia, conseguiam conservar uma língua nativa, das quais restam apenas vestígios do que conhecemos hoje como línguas secretas ou variedades alteradas do português, pois são elas que guardam as marcas do contato da língua do colonizador com a do colonizado: o português afro-brasileiro, em Helvécia, no interior da Bahia, estudado por Carlotta Ferreira (1984) e Dante Luchesi, Alan Baxter e Ilza Ribeiro (2009); a língua secreta do quilombo Cafundó, em São Paulo, pesquisada por Carlos Vogt e Peter Fry (1996); e do quilombo Tabatinga, em Minas Gerais, investigada por Sônia Queiroz (1998).

Contudo, pela narrativa se desenrolar predominantemente na cidade de Salvador, Gonçalves (2021) chama a atenção para aquilo que podemos definir como um multilinguismo localizado - o uso de iorubá por alguns africanos escravizados da cidade:

Pretos enormes, como eu pouco tinha visto antes, transportavam tudo sobre os ombros, sozinhos ou aos pares, ou até mais que aos pares, dependendo do tamanho e do peso do objeto carregado. Estariam nus se não fosse um pedaço de pano que cobria apenas a região do membro, com os corpos suados brilhando ao sol, fortes e com músculos que dançavam sob a pele fazendo movimentos muito parecidos, como se tivessem ensaiado. Quando passavam uns pelos outros, eles se cumprimentavam, como em África, e ouvi alguns dizendo Oku ji ni o [espero que vos tenhais levantado bem] (Gonçalves, 2021, p. 66).

Também foi em iorubá que a narradora, ao chegar em terras baianas, foi interrogada sobre seu nome de batismo - ainda que não tivesse sido batizada. Isso demonstra que, ao falarmos em um multilinguismo localizado na sócio-história do português brasileiro, devemos pensar também na realidade de formação das cidades, pois a língua do colonizador, sem saber, pode ter convivido com as línguas dos escravizados. Discutindo o processo de escravização de africanos no Brasil, Emilio Bonvini (2008) ressalta que, no Estado da Bahia, se concentraram muitos falantes de língua iorubá e coloca essa língua, junto com o quimbundo, como uma das principais línguas africanas que influenciou o português que aqui se formou. No mesmo sentido, descrevendo as histórias de contato ocorridas no Brasil, Lucchesi (2009) indica que o iorubá foi usado em Salvador como língua franca, sendo popularmente conhecida como nagô.

Se a língua iorubá, em um determinado contexto, conseguiu resistir de alguma forma ao colonizador, isso não aconteceu com outras línguas africanas, uma vez que, como pontua Jefferson Evaristo (2021), houve um linguicídio africano em terras brasileiras. Esse se deu pela concepção de que as línguas vindas com os negros nos navios eram usadas para feitiçaria e logo os africanos foram ensinados que não deveriam usar “língua de preto”:

Ela começou a conversar comigo em português e eu respondia em iorubá, não me lembro exatamente o que, mas acho que devo ter entendido. Não era difícil entender o português, eu apenas ainda não conseguia falar. Enquanto comia, com gosto e fome, ela me olhava com pena e carinho, e quando devolvi o copo vazio, falou em iorubá que eu tinha que aprender logo o português, pois o sinhô José Carlos não permitia que se falassem línguas de pretos em suas terras, e que qualquer coisa de que eu precisasse era para falar com ela que se chama Esméria (Gonçalves, 2021, p. 74).

A narração da chegada de Kehinde ao Brasil demonstra que alguns dos africanos já chegaram em nossas terras, de certa forma, familiarizados com a língua portuguesa, por isso a narradora faz menção a “entender o português” (Gonçalves, 2021, p. 74). Essa realidade pode se dar pelo fato de que “os brancos de Uidá não eram apenas viajantes; a maioria morava na cidade ou nas vizinhanças e tinham bastante dinheiro” (Gonçalves, 2021, p. 34). Brancos que residiam no país e “comerciantes que vendiam gente” (Gonçalves, 2021, p. 33) são os indícios da presença dos colonizadores portugueses em África, particularmente na cidade costeira de Uidá - atual Benim, na África -, indicando que os portugueses “não conseguiram penetrar no interior do reino, ficando dependentes dos chefes das aldeias, reis e mercadores africanos para obter as mercadorias interioranas, como o ouro, o marfim, o âmbar e os escravos”, como ressalta Talita Teixeira dos Santos (2010, p. 2).

Segundo Santos (2010, p. 8), a relação comercial entre Portugal e o atual Benim se deu, entre outros motivos, pelo comércio de pessoas para a escravização predominantemente entre os séculos XV e XVII, sendo que, mesmo depois da proibição, o tráfico continuou em número de centenas de negociados por ano. Aparentemente, Gonçalves (2021) faz menção a esse tráfico pós-proibição ao relatar sobre o batismo dos negros ainda na África, considerando que, como comentam Erika Melek Delgado, Telma Gonçalves Santos e Nina Maria de Meira Borba (2022), o batismo foi uma estratégia usada pelos traficantes no Brasil para burlar as proibições internacionais de tráfico de negros:

Foi então que ficamos sabendo o motivo da demora do embarque dos homens, pois os brancos tinham batizados todos eles com nomes que chamavam de nomes cristão, nomes de brancos, e àquele homem da perna machucada, de acordo com um outro que estava logo atrás dele na fila, tinham dado o nome de João. Soubemos que o padre que fez os batizados tinha chegado atrasado, depois do embarque das mulheres. Os guardas colocaram os homens em fila e, um por um, tiveram que dizer o nome africano, o que podia ser revelado é claro, e o lugar onde tinham nascido, que eram anotados em um livro onde também acrescentavam o nome de branco. Era esse nome que eles tinham que falar para o padre, que então jogava água sobre suas cabeças e pronunciava algumas palavras que ninguém entendia (Gonçalves, 2021, p. 49-50).

A sutil narrativa de Gonçalves (2021) sobre a presença dos portugueses na África, como própria de uma metaficção historiográfica (Hutcheon, 1991), coloca os colonizadores como coadjuvantes e demonstra que a língua portuguesa foi transplantada para o Brasil não somente por meio do europeu, mas que ela veio também com os próprios africanos - personagens, durante muito tempo, excêntricos na história do transplante do português para o Brasil - que trabalhavam como “pretos carregadores [e] que, mais cedo ou mais tarde, [...] virariam carneiros no estrangeiro [...] os pretos que iam para o estrangeiro se transformavam em carneiro [...]” (Gonçalves, 2021, p. 34).

Lucchesi (2009) indica isso ao comentar que os africanos tiveram contato desde cedo com o português e o próprio Silva Neto (1963) indica que os negros já chegaram ao Brasil falando alguma espécie de crioulo português, pois a língua dos portugueses serviu como língua geral nas costas africanas entre os séculos XV e XVII; e a África, juntamente com a Ásia, foi o primeiro império colonial de Portugal (Faraco, 2019). Stella Maris Bortoni-Ricardo (2021) e Margarita Petter (2020) pontuam que os africanos chegados ao Brasil eram classificados em ladinos ou boçais conforme seu domínio do crioulo português falado na costa africana. Entretanto, Castro (1990) ressalta que o número de africanos que falavam português era pequeno em relação ao total de negros traficados.

No entanto, mesmo com esse contato com o português antes de chegar às terras brasileiras, não podemos deixar de pensar em uma “aquisição precária [da língua] e de sua nativização mestiça” (Lucchesi, 2009, p. 42)4. Portanto, precisamos considerar que, no que diz respeito à aquisição do português pelos africanos, existem duas sócio-histórias, sendo uma que corresponde ao tráfico de adultos que, em razão de já terem passado pelo período crítico de aquisição, adquiririam a língua portuguesa de uma maneira defectiva - como defendem Dante Lucchesi e Alan Baxter (2009) e Jacson Baldoino Silva e Araujo (2023) - e outra que diz respeito ao tráfico de crianças, como a narradora de Gonçalves (2021), que estavam sendo expostas à língua em um período no qual a sua gramática mental estava sensível à aquisição de outra língua, ou seja, durante o período crítico de aquisição.

Essa facilidade de aquisição das crianças traficadas é demonstrada pela narradora quando, nos primeiros dias no Brasil, já entendia o português, ainda que tivesse alguma dificuldade para falar:

Depois do almoço, os senhores foram se deitar um pouco e eu fui para o lugar onde estivera durante a manhã, como se não tivesse saído de lá. [...] E foi assim durante quatro ou cinco dias, enquanto à noite, e até que fosse necessário, as pretas da casa me ensinavam português, como também o Tico e o Hilário [duas crianças também cativas], com quem eu brincava de vez em quando. Eu já entendia quase tudo o que falavam e não foi muito difícil começar a falar também. Não tive a menor dificuldade em me comunicar com a sinhazinha quando ela finalmente conversou comigo, mostrando uma boneca e dois vestidos, um amarelo e outro branco, e perguntando qual deles eu preferia (Gonçalves, 2021, p. 79).

A narradora fala, enquanto criança, sobre a sua facilidade em adquirir o português, mas é preciso também considerar o contexto no qual ela está inserida. Como apontam Dante Lucchesi (2019) e Hildo Honório do Couto (1996, 1998), entre os fatores para uma não crioulização do português no Brasil está a inserção do africano na estrutura social do país. Em outras palavras, os negros no Brasil não foram todos isolados em plantações, estão muitos inseridos em outros trabalhos, principalmente o da casa grande - como a nossa narradora -, que permitiam um acesso melhor à língua portuguesa do colonizador. Esse contato com o branco foi superior à porcentagem estipulada para que pudesse haver crioulização, que, segundo Lucchesi (2019), era de, no máximo, 20% da população dominante. No mesmo sentido, mas considerando questões sociais, Katia Mytilineou de Queiroz Mattoso (2016) ressalta que não se pode colocar todos os africanos escravizados em um grupo homogêneo, pois, pelas condições sociais às quais eram submetidos, não se pode colocar “[...] no mesmo grupo social o africano curvado sobre a terra do pesado solo das regiões de cana-de-açúcar e o mestiço, vaqueiro [...]” (Mattoso, 2016, p. 33).

Da mesma forma, o africano que estava trabalhando na casa grande e que dormia na senzala pequena, separado dos demais negros, não pode ser colocado no mesmo grupo daqueles que iam para as plantações de cana-de-açúcar ou para a fundição de carne de baleia; esses dois grupos socias de negros aparecem na narrativa de Gonçalves (2021) e a narradora, em momentos distintos, pertenceu a ambos - demonstrando a mobilidade social do negro no Brasil Colônia. Contudo, enquanto havia uma preocupação com a apresentação física e com o aprendizado do português com os negros da senzala pequena, porque serviam à casa grande, os escravos da senzala grande eram submetidos a um trabalho de “quase dezesseis horas” (Gonçalves, 2021, p 117), sem nenhuma preocupação direta com a aquisição do português, uma vez que bastava obedecer às ordens.

Portanto, seguindo Dante Lucchesi e Dina Callou (2020), é necessário se pensar em cenários sociolinguísticos diferentes na formação do português brasileiro, tanto em sua perspectiva macrossocial, como propõem os autores - i) ocupação dos colonos; ii) sociedades de plantação; iii) sociedades de minério -, como de forma microssocial, situando os negros dentro das sociedades onde estão inseridos com relação ao maior ou menor acesso à língua do colonizador. Esses cenários podem ser visualizados nas narrativas com base em uma metaficção historiográfica, pois apresentam a História sob outra(s) perspectivas.

Considerações finais

As intersecções e os diálogos promovidos neste artigo demonstraram a proximidade e distanciamento entre o discurso literário e o discurso histórico, apontando que a proposta de uma metaficção historiográfica dos contatos linguísticos dialoga diretamente com os estudos sócio-históricos da formação do português brasileiro (Mattos e Silva, 2004; Lucchesi, 2009, 2017; Callou; Lucchesi, 2020; Silva, 2023), pois traz para o centro da discussão a figura do africano que, juntamente com os indígenas, participaram da formação social e linguística do país, mas que durante muito tempo foram marginalizados, buscando o fenômeno da mudança apenas na própria dinâmica interna, comparando o português falado no Brasil com a variedade europeia.

Dessa forma, na construção de narrativas diferentes sobre um mesmo “acontecimento histórico”, colocando em evidência que esse só se torna “fato histórico” por meio do discurso, a metaficção historiográfica e os estudos sobre a sócio-história do português brasileiro demonstram que “há muitas histórias por reconstruir sobre as faces indígena e negra do Brasil” (Mattos e Silva, 2004, p. 20). Essas diferentes histórias problematizam a veracidade dos documentos, indicando que a narrativa, seja ela histórica ou ficcional, é permeada de questões subjetivas e ideológicas e dependerá do referencial que a orienta (Hutcheon, 1991).

É a partir de metaficções historiográficas como a de Gonçalves (2021) que podemos construir outras narrativas sobre a transplantação da língua portuguesa para o Brasil, bem como sobre sua expansão aqui, uma vez que os colonizadores são colocados como personagens secundários na narrativa. Em outras palavras, as verdades emergentes nessa história, ainda que a partir de uma verossimilhança (Silva, 2012, 2014; Silva, 2023a), podem também funcionar como um recurso metodológico para o ensino de História, de Literatura e de (Socio)Linguística nos cursos de graduação (Silva, 2023a).

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  • Atualmente, a pesquisa recebe financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia e é desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguístico da Universidade Estadual de Feira de Santana.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo
    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres
    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    A proposta é uma possibilidade de interdisciplinaridade da pesquisa de mestrado (Silva, 2023b) e doutorado (Silva, em andamento) do autor, que atualmente está sendo orientado pelas professoras doutoras Silvana Silva Farias de Araújo e Huda da Silva Santiago, e com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
  • 2
    Como definimos em pesquisas anteriores (Silva, 2023a, 2023b), esse neologismo se refere ao deslocamento forçado de povos - no plural - africanos para o Brasil e os consequentes contatos entre eles nesse território.
  • 3
    Alguns projetos, no âmbito da sócio-história linguística, têm disponibilizado algumas coleções documentais desses grupos, como os projetos Mulheres na América Portuguesa - M.A.P. (Universidade de São Paulo, 2024) e o “Corpus” Eletrônico de Documentos Históricos do Sertão - CE-DOHS (Universidade Estadual de Feira de Santana, 2024). Além deles, o pesquisador Klebson Oliveira (2006), em sua tese de doutorado, disponibiliza a edição de 290 atas escritas por africanos e afrodescendentes na Bahia, no século XIX, pertencentes ao acervo da Sociedade Protetora dos Desvalidos; e Santiago (2019), também na sua tese de doutorado, apresentou a edição de 131 cartas escritas por mãos inábeis de sertanejos durante o século XX.
  • 4
    Dante Lucchesi e Dina Callou (2020) apontam que também os indígenas experimentaram uma aquisição imperfeita do português, que foi marcada por fortes “[...] influências do substrato indígena, gerando, em São Paulo, por exemplo, o antecedente histórico do que viria a ser denominado modernamente dialeto caipira” (Lucchesi; Callou, 2020, p. 165).

Parecer I

Sobre o autor do parecerSCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O texto é bem escrito, tem proposta pertinente, autoral e parcialmente inédita; as referências são suficientes e a teoria é bem explorada. Esses elementos justificariam a aprovação e publicação do texto. A discussão do artigo mostra as aproximações entre o discurso literário e o histórico, passando por um entrelaçamento interessante entre metaficção literária e historiográfica, estudos literários e históricos, linguística e sociolinguística. A articulação entre as áreas e saberes se dá de maneira eficiente, aproximando os campos do saber e fazendo-os como que um único em prol de uma construção metodológica perfeitamente justificada. Some-se, ainda, o fato de a análise estar "no timing" do momento, com o livro Um defeito de cor sendo amplamente discutido e referenciado na mídia. Por esses motivos, indico a aprovação do texto (com algumas correções a serem feitas conforme arquivo em anexo). CORREÇÕES OBRIGATÓRIAS [Revisado]

  • recomendação: revisão

Histórico

  • Parecer recebido em
    23 Mar 2024

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Set 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    18 Mar 2024
  • Aceito
    30 Jul 2024
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