EDITORIAL
Análise da verbo-visualidade: contribuições para os estudos do discurso
Dedicado a Iurii Pavlovich Medviédev (1937-2013)
A leitura e análise da verbo-visualidade, ou seja, dos enunciados cuja característica principal é combinar diferentes linguagens, diferentes planos de expressão, constitui, sem dúvida, um desafio para linguistas e analistas de discurso. Se em várias áreas do conhecimento o estudo da imagem, e mesmo sua articulação com o verbal, tem uma longa tradição, na diversidade teórica da linguística e das análises do discurso, o verbal tem sido o principal objeto de estudo, quando não o único. Como assumir, também como objeto de estudos, essa nova realidade contemporânea que se manifesta nas ruas, na escola, nos diferentes meios de comunicação, em praticamente todas as esferas da atividade humana? Como descrever, analisar e interpretar, com o mesmo rigor teórico e metodológico conquistado para o verbal, enunciados em que o oral e/ou o escrito constituem um dos elementos no jogo de construção do sentido e de seus efeitos?
Considerando essa realidade teórica e prática, Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso lançou, para seu volume 8, número 2, que agora está sendo publicado, o tema Análise da verbo-visualidade: contribuições para os estudos do discurso. O periódico assumiu que diferentes tendências de análise do discurso passaram a incorporar a relação verbo-visual, que caracteriza produções advindas de diferentes campos e esferas de atividades, como um de seus objetos de reflexão. Assumiu ainda que, sem se confundir com a Estética ou com as propostas da Semiótica e da Semiologia, as diferentes ADs perseguem/incorporam os estudos da verbo-visualidade com o mesmo rigor com o qual enfrentam os discursos constituídos unicamente pelo plano verbal, quer oral ou escrito.
A resposta à chamada foi além das expectativas, contando com um grande número de trabalhos, dos quais foram selecionados doze, pelo sistema de avaliação por pares. Em conjunto e individualmente, contribuem de forma significativa para o dimensionamento, leitura e análise do discurso verbo-visual, tanto da perspectiva de sua presença na sociedade contemporânea, quanto da possibilidade de constituir-se como objeto de pesquisa dos estudos da linguagem, em seu viés linguístico, enunciativo e discursivo. Como se verá, este número de Bakhtiniana (8/2) certamente constitui uma referência para a área no sentido de abranger diferentes perspectivas da análise do discurso, incluindo a bakhtiniana, seu diálogo com outras tendências, e o que é muito importante para a pluralidade teórica, outras abordagens que, mesmo não estando em diálogo com a bakhtiniana, demonstram o estado da arte dos estudos da verbo-visualidade nas pesquisas discursivas. Além disso, os artigos oferecem um panorama dessas investigações no amplo espaço acadêmico nacional, com artigos vindos, como sempre, de instituições superiores do Norte ao Sul do país: UFPE e UPE (PE), UFF (RJ), UNESP, USP, PUC, UPM e UFSCar (SP), UFPR (PR), FURB (SC), FURG e UCPel (RGS).
E que pesquisas ganham destaque nesse panorama?
Há as que se interessaram em demonstrar de que maneira a verbo-visualidade está presente e deve ser considerada da perspectiva do ensino/aprendizagem. Nesse sentido, ao menos dois artigos demonstram essa realidade: Abordagem da imagem em um livro didático voltado para a alfabetização: perspectivas de letramento visual e Protocolos teatrais verbo-visuais: produção de sentidos para a prática teatral universitária. Ambos localizam, em diferentes objetos, a verbo-visualidade constitutiva de discursos do ensino/aprendizagem e, especialmente, o desafio a pesquisadores e professores por ela representado.
Há aquelas em que os artigos resultantes exercitam a possibilidade prática de análise e interpretação do visual e/ou do verbo-visual pela perspectiva do discurso e enfrentam a questão teórica e metodológica, sob diferentes enfoques, demonstrando a consistência do objeto e a possibilidade de incorporá-lo aos estudos do discurso. Esse é o caso de Olhar e ler: verbo-visualidade em perspectiva dialógica, A análise do discurso diante de estranhos espelhos: visualidade e (inter)discursividade na pintura, Intertextualidade verbo-visual: como os textos multissemióticos dialogam?, A arquitetônica de Luna Clara e Apolo Onze: uma reflexão metalinguística.
Outras pesquisas produzem trabalhos em que a questão teórica e metodológica aparece claramente discutida, mas com a função primordial de explicitar especificidades da verbo-visualidade constitutiva de determinados corpora e, consequentemente, desse reconhecimento para uma abordagem enunciativa e discursiva consistente. Assim estão constituídos Reflexões acerca da análise dialógica dos discursos verbo-visuais: um caso de humor na política brasileira, O discurso verbo-visual na Língua Brasileira de Sinais Libras, A verbo-visualidade a serviço da patemização em livros ilustrados, Linguagem verbal e não verbal na malha discursiva, Verbo-visualidade no gênero jornalístico televisivo: leituras para a construção de estratégias de interpretação da língua de sinais.
Ainda há um dos artigos em que a predominância da discussão teórica, embora com menções ao verbo-visual, recai num diálogo, por vezes polêmico, entre o pensamento bakhtiniano e a semiótica da cultura. Trata-se de Vieses do círculo intelectual bakhtiniano e da escola semiótica da cultura.
Além dos artigos, como acontece nos demais números, duas obras de interesse para os estudos da linguagem estão resenhadas: uma brasileira, Texto ou discurso? , organizada por Brait e Souza-e-Silva e resenhada por Luci Banks-Leite, e uma francesa, Petit traité de la bêtise contemporaine: suivi de comment (re)devenir inteligente, assinada por Marília Amorim e resenhada por Valdir do Nascimento Flores.
Neste número, também uma notícia bastante triste: a morte de Iurii Pavlovich Medviédev, intelectual russo, filho de um dos membros do círculo intelectual de Bakhtin, Pavel Medviédev. Craig Brandist, diretor do Bakhtin Centre/Sheffield, assina o obituário. Considerando que Iuri Medviédev era, dentre outras coisas, ligado ao cinema, este número é dedicado a ele.
Beth Brait e Maria Helena Cruz Pistori
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
17 Dez 2013 -
Data do Fascículo
Dez 2013