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Maria Emilia Amarante Torres Lima: um resgate da memória da Análise do Discurso no Brasil

RESUMO

Este artigo tem como propósito realizar um resgate da trajetória intelectual de Maria Emilia Amarante Torres Lima. A obra dessa pesquisadora constitui um importante testemunho da história da Análise do Discurso de linha francesa, assim como do vínculo inicial dessa disciplina com a Psicologia Social. Em sua tese de doutoramento, orientada por Michel Pêcheux, Lima desenvolveu um estudo pioneiro sobre o fenômeno do populismo no Brasil a partir da análise da construção e funcionamento dos discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. No entanto, o trabalho dessa autora é pouco conhecido tanto dentro da Análise do Discurso, como da Psicologia. A fim de dar a ler essa memória, tomamos como aporte teórico-metodológico os estudos desenvolvidos por Jeanne Marie Gagnebin sobre memória e narração, em conjunto com os conceitos de arquivo e leitura-escritura elaborados por Michel Pêcheux.

PALAVRAS-CHAVE:
Memória; Análise do discurso; Psicologia social; Populismo

ABSTRACT

This paper has the purpose of rescuing the intellectual trajectory of Maria Emilia Amarante Torres Lima. The work of this researcher is an important testimony of the history of the Discourse Analysis of the French line, as well as the initial link of this discipline with Social Psychology. In her doctoral thesis, guided by Michel Pêcheux, Lima developed a pioneering study on the phenomenon of populism in Brazil from the analysis of the construction and operation of the speeches of May the 1st of Getúlio Vargas. However, this author’s work is little known both within Discourse Analysis and Psychology. In order to rescue this memory, we take as a theoretical-methodological contribution the studies developed by Jeanne Marie Gagnebin on memory and narration together with the concepts of archiving and reading-writing elaborated by Michel Pêcheux.

KEYWORDS:
Memory; Discourse analysis; Social psychology; Populism

Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo “tal como ele propriamente foi”. Significa apoderar-se de uma lembrança tal como ela cintila num instante de perigo.

Walter Benjamin

Introdução

O olhar que estabelecemos sobre a memória do passado depende de nossa relação com o momento presente. Nesse sentido, uma pergunta que não pode deixar de ser feita no processo de elaboração de um passado é: o que desejamos dar a ler? Muito antes do que é possível conhecer sobre algo, e as respectivas condições para isso, esse questionamento se faz necessário. Quando remetemos essa indagação ao campo das Humanidades – em especial, aos estudos que se ocupam em alguma dimensão com o trabalho de interpretação histórica –, é fundamental que o pesquisador faça essa pergunta não somente a si próprio, mas que a direcione também sobre as narrativas que se estabelecem numa dada área do conhecimento.

E uma vez que uma narrativa ganha proeminência na história e na memória de uma disciplina, ela tende a estabelecer os seus próprios recortes e montagens, seja por meio daqueles que estão inseridos na disciplina, seja por um enquadramento institucional que seleciona determinados nomes como vetores na composição de sua própria história. Alguns sujeitos se tornam personagens maiores e outros menores nesse processo. Alguns, no entanto, sequer entram para o enredo: são esquecidos, apagados, silenciados. Tudo para que a narrativa discorra sob uma aparente transparência no fio da discursividade que tece a ordem do dizer.

Mas a linguagem, assim como a história e a memória, também é constituída por elipses, falhas e lapsos que sempre nos deixam rastros de um discurso-outro, polissemia que escapa à regulação do dizer.

A história, que será dada a ler nas próximas páginas, situa-se numa dessas fissuras, nos entremeios de uma disciplina, a Análise do Discurso de linha francesa, que tem como um dos seus expoentes centrais o filósofo Michel Pêcheux. Para sermos mais precisos: a Análise do Discurso que evoca essa tradição no Brasil e que toma como ponto de partida os estudos desenvolvidos por Eni Orlandi, principal nome da área no país.

No entanto, Orlandi não foi a única a cruzar o Atlântico trazendo as ideias de Pêcheux. Paralelamente, um grupo de pesquisadores do Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais também travou contato com as ideias do filósofo. Mais que isso, eles estiveram em contato direto com Pêcheux, no início dos anos 1970PÊCHEUX, M. Sur la conjoncture théorique de la psychologie sociale. Bulletin de Psychologie, v. 23 (4-5), n. 281, p.290-297, 1970., no departamento em que ele trabalhava na Universidade Paris VII. Eram três os viajantes que, por mais de uma década, mantiveram contato com o círculo pecheutiano. Foram eles: Célio Garcia, Marília Novais Machado e Maria Emilia Amarante Torres Lima. Esta última viveu onze anos na França, onde tornou-se orientanda de Pêcheux e teve sua tese de doutoramento defendida em 1983. Posteriormente, a tese foi publicada em livro, no Brasil, pela editora da Universidade de Campinas, com o título A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas, em 1990. A produção acadêmica de Lima, nesse contexto, marca não só um importante momento do desenvolvimento das ideias na Análise do Discurso, mas também um dos estudos pioneiros sobre o fenômeno do populismo.

No jogo de forças das narrativas, todavia, esse percurso foi esquecido e uma memória, por consequência, silenciada na história da Análise do Discurso. As publicações que se ocupam em refazer o percurso histórico da área no Brasil (FERREIRA, 2003FERREIRA, M. C. L. O caráter singular da língua no discurso. Organon, Instituto de Letras/UFRGS, v. 17, n. 35, p.189-200, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11896/7318. Acesso em: 4 jul. 2019.
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; ORLANDI, 2003ORLANDI, E. A Análise de Discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil. In: Anais do I SEAD, 1, 2003, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003. p.1-18. Disponível em: anaisdosead.com.br/1SEAD/Conferencias/EniOrlandi.pdf . Acesso em: 4 jul. 2019.; MACHADO TEIXEIRA, 2014MACHADO TEIXEIRA, M. E. G. Sentidos do percurso da análise de discurso no Brasil na voz de pesquisadores da área. 2014. 219 fl. Tese (Doutorado em Linguística) – Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014. Disponível em: repositorio.unicamp. br/jspui/bitstream/REPOSIP/270862/1/MachadoTeixeira_MariaEunicedeGodoy_D.pdf . Acesso em: 28 fev. 2019.; BALDINI, ZOPPI-FONTANA, 2015; OLIVEIRA, NOGUEIRA, 2019) simplesmente não mencionam ou conferem pouca importância à obra de Lima e ao Setor de Psicologia Social. Nesse sentido, o presente texto pretende cumprir três funções: 1) um erro a corrigir: mostrar que os trabalhos em torno da obra de Pêcheux não se iniciam no Brasil unicamente a partir de Orlandi; 2) um esquecimento a reparar: a memória de Lima dentro da Análise do Discurso; 3) trazer uma nova perspectiva: a dissociação da Análise do Discurso pecheutiana de uma única narrativa histórica. Para isso, apresentaremos, a seguir, alguns dos pressupostos teórico-metodológicos que ajudarão a entrelaçar os fios da trama que será tecida em nosso estudo.

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Não é possível dizer tudo. O que desejamos contar, então?

A escrita da memória se vincula à construção da identidade e da história, visto que, no processo de produção de uma narração, memória e identidade estão imbricadas (GAGNEBIN, 1998GAGNEBIN, J. M. Verdade e memória do passado. Projeto História (PUCSP), São Paulo, v. 17, p.213-222, nov. 1998. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/11147/8178. Acesso em: 17 mai. 2019.
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). Ao narrar uma memória, temos por objeto uma lembrança. Nela, inscreve-se o rastro1 1 “[...] o rastro inscreve a lembrança de uma presença que não existe mais e que sempre corre o risco de se apagar definitivamente. Sua fragilidade essencial e intrínseca contraria assim o desejo de plenitude, de presença e de substancialidade que caracteriza a metafísica clássica” (GAGNEBIN, 1998, p.218). de uma presença que já não existe mais e que corre o risco de se apagar definitivamente, isto é, de não se fazer memória A reconstrução de um passado, portanto, faz-se por base na seleção dos rastros deixados por ele.

Ao narrarmos uma história, não estamos apenas descrevendo um passado, mas articulando-o com o presente. Por conseguinte, quem se põe diante do trabalho de escriturar a memória, defronta-se, segundo Gagnebin (1997GAGNEBIN, J. M. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 1997., p.47), com o que por um longo tempo foi o apanágio da razão: “Uma continuidade lisa e sem falhas, que remetia à identidade plena do sujeito e o desenrolar inelutável de um tempo homogêneo”. Essa compreensão não levava em consideração as nuances que envolvem o trabalho com a memória. Na elaboração de uma narrativa, há sempre um conjunto de outros dizeres que atravessam o processo de formação do que é dito, direcionando os modos como ela pode ser acessada e apreendida. Em outras palavras, ao compor o relato de uma memória, estamos atuando num processo de montagem, recorte e enquadramentos sobre o que será escrito. Selecionamos, portanto, a perspectiva e o conjunto de coisas a partir das quais queremos apresentar uma história.

Ao historiador – e ao analista do discurso, por que não? – cumpriria lutar contra o esquecimento e a denegação da memória. Em outros termos, combater uma vontade de anulação, de negação da história – não deixar calar, mais uma vez, as vozes dos mortos, dos vencidos pelo esquecimento2 2 “Ora, o passado é realmente passado ou, como diz Proust, perdido, ele não volta enquanto tal, mas só pode ressurgir, diferente de si mesmo e, no entanto, semelhante, abrindo um caminho inesperado nas camadas do esquecimento” (GAGNEBIN, 1997, p.102). (GAGNEBIN, 1997GAGNEBIN, J. M. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 1997.; 1998). Sob essa ótica, a autora nos convida a tomar uma posição: conservar a memória, resgatar o passado, lutar contra o esquecimento.

Ainda que de forma indireta, tal posicionamento nos conduz ao problema da verdade e memória de um passado. Uma vez que a autora parte do pressuposto de que a relação entre presente e passado é fundamentalmente uma relação histórica, ela defende que a verdade do passado remete a uma ética do presente. Gagnebin (1998GAGNEBIN, J. M. Verdade e memória do passado. Projeto História (PUCSP), São Paulo, v. 17, p.213-222, nov. 1998. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/11147/8178. Acesso em: 17 mai. 2019.
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, p.214) apreende o conceito de verdade como uma elaboração de sentido, seja ele inventado na liberdade da imaginação ou uma descoberta na ordenação do real: “a verdade do passado remete mais a uma ética da ação presente que a uma problemática da adequação (pretensamente científica) entre ‘palavras’ e ‘fatos’”. Ela afirma que a verdade histórica não é da ordem da verificação factual, empírica, mas que o conceito de verdade não se esgota nas significações que se inscrevem em procedimentos de adequação e verificação. O conceito de verdade deve abarcar o enraizamento e o pertencimento que antecedem a relação de um sujeito a objeto, o que, por seu turno, “é uma atitude radicalmente diferente do relativismo complacente, apático, dito pós-moderno, que, de fato, nada mais é que a imagem invertida e sem brilho de seu contrário, o positivismo dogmático” (GAGNEBIN, 1998GAGNEBIN, J. M. Verdade e memória do passado. Projeto História (PUCSP), São Paulo, v. 17, p.213-222, nov. 1998. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/11147/8178. Acesso em: 17 mai. 2019.
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, p.217). Em suma, essa argumentação resgata a dimensão ética do trabalho com a memória, mostrando-nos o teor histórico e político que marcam essa atividade.

Diante do que foi dito até aqui, é perceptível que a memória à qual nos referimos não é apreendida em seu sentido biológico, mas é da ordem do dizer e da história. A esse respeito, a asserção de Pêcheux sobre esse conceito nos parece ilustrativa:

[...] a memória se reporta não aos traços corticais dentro de um organismo, nem aos traços cicatriciais sobre este organismo, nem mesmo aos traços comportamentais depositados por ela no mundo exterior ao organismo, mas sim a um conjunto complexo, preexistente e exterior ao organismo, constituído por séries de tecidos de índices legíveis, constituindo um corpus sócio-histórico (PÊCHEUX, 2016bPÊCHEUX, M. Leitura e memória: projeto de pesquisa. In: ORLANDI, E. P. (org.). Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Pontes Editores, 2016b [1983], p.141-150. [1983]3 3 Maldidier (2003) nos conta que esse texto, um projeto de pesquisa, foi redigido em 1983, porém só foi publicado postumamente, em 1990. Consideraremos 1983 como data de referência. , p.142; grifos do autor).

Sob esse viés, a memória seria aquilo que estabelece a legibilidade de um acontecimento, isto é, condição de torná-lo compreensível. A memória não é concebida como um simples espaço acumulativo de eventos históricos, portadora de um sentido homogêneo, que ela teria por função transmitir, porém como “um espaço móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos e de retomadas, de conflitos de regularização... Um espaço de desdobramentos, réplicas, polêmicas e contra-discursos” (PÊCHEUX, 2010PÊCHEUX, M. Papel da memória. In: ACHARD, P. et al. (orgs.). Papel da memória. Campinas: Pontes Editores, 2010, p.49-69. (Publicado originalmente em 1983). [1983], p.56). Em outros termos, os modos de se dizer algo não estão desvinculados da historicidade e de posições ideológicas e discursivas, marcando os sentidos que palavras, expressões e proposições adquirem no processo de leitura-escritura da memória.

Assim, ao tomarmos a posição de quem narra uma memória, assumimos uma dupla condição: a daquele que se põe a escriturar uma memória de outrem, a fim de lhe dar voz, e a daquele que imprime seu próprio gesto de leitura na sua elaboração de uma memória. Para Pêcheux (1997 [1982]), esse trabalho sobre a memória é compreendido como a construção de um arquivo. O conceito de arquivo corresponde ao campo de documentos concernentes e acessíveis sobre uma determinada questão que é dada a ler, como, por exemplo, os discursos políticos, filosóficos, estéticos – ou mesmo as conversações do cotidiano. Paralelamente, o conceito também designa um procedimento investigativo composto de um conjunto de estratégias de descrição dos diferentes dizeres inscritos no campo dos arquivos submetidos a uma análise4 4 Não nos estenderemos na exposição da análise discursiva que é desenvolvida por Michel Pêcheux. Tendo em vista os propósitos deste texto, iremos nos deter nos pontos de aproximação entre as ideias de Pêcheux e de Gagnebin em torno da questão da memória. .

Nesse sentido, a construção do arquivo se dá sob o trabalho com a memória. Este movimento, para Pêcheux (1997), caracteriza-se como uma leitura-escritura do arquivo. Leitura e escritura, para o autor, são processos que se apresentam imbricados, justapostos, de influência recíproca. Leitura-escritura com hífen porque é uma leitura que está imediatamente se escriturando e, ao mesmo tempo, é uma escritura que não se separa da leitura que a contém. A escritura é um dado imediato da leitura e vice e versa. Leitura-escritura: não é apenas a soma de dois processos, mas um desdobramento dos gestos de leitura que compõem um arquivo, que formam sua memória. Isso implica, no nível dos conceitos e dos procedimentos, tomar partido “por este trabalho do pensamento em combate com sua própria memória, que caracteriza a leitura-escritura do arquivo, sob suas diferentes modalidades ideológicas e culturais, contra tudo o que tende hoje a apagar esse trabalho” (PÊCHEUX, 1997PÊCHEUX, M. et al. Apresentação da Análise Automática do Discurso (1982). In: GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997 [1982], p.253-282., p.63-64).

Arrematando o que foi dito nessa seção: no trabalho de leitura-escritura de construção de um arquivo, que forma o conjunto de rastros em que se inscreve uma lembrança, selecionamos e organizamos uma memória a fim de torná-la narrável. Passemos agora ao desenrolar da trama que desejamos dar a ler.

2

Primeiros rastros de uma jornada: do setor de Psicologia Social da UFMG à França

Na década de 1960, o Brasil vivia um dos mais sombrios e conturbados períodos de sua história política. Instalava-se, em 1964, a ditadura militar. O então governo outorgava, por si mesmo, o poder constituinte por meio de decretos-leis, os Atos Institucionais (AI). Dentre os vários AIs, o Ato Institucional Número Cinco (AI-5), editado em 19685 5 Como consequência do AI-5, o presidente da República adquiria poderes para: decretar o recesso tanto do Congresso Nacional como das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais; suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos; cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais; vetar as garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade; suspender o direito de habeas corpus para os casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular (CODATO, 2004). , vigorou por dez anos, marcando o momento de maior repressão política e centralização militar do poder do Estado. Isso corroborou, por sua vez, as táticas de repressão do regime – tortura, sequestro, cárcere, assassinatos, ocultação de cadáver, etc. – na perseguição de grupos dissidentes. Estenderam-se os números e nomes das pessoas desaparecidas. O direito à memória e à verdade foi negado, interditado. Numa palavra, “ferida que não cicatriza, o trauma, difícil, senão impossível narração” (GAGNEBIN, 2002GAGNEBIN, J. M. O rastro e a cicatriz: metáforas da memória. Pro-Posições (Unicamp), UNICAMP - Campinas, v. 13, n.3 (39), p.125-134, 2002. Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/2164/39-dossie-gagnebimjm.pdf. Acesso em: 15 jun. 2019.
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, p.125). A difícil produção de uma cicatriz, de uma memória. Guardemos essa imagem.

Em meio a circunstâncias tão adversas, surge, em 1964, o Setor de Psicologia Social6 6 “Entende-se como Setor, não o departamento de Psicologia Social da UFMG, e sim o grupo que, durante o período que permaneceu na Universidade, trouxe como característica, além do encontro acadêmico e afinidades teóricas, objetivos comuns, buscando novos caminhos de estudos e práticas da Psicologia Social” (ABREU, 2012, p.10). da Universidade Federal de Minas Gerais, liderado por Célio Garcia7 7 É nesse período que Garcia se torna professor de Psicologia Social no curso de Psicologia da UFMG, criado em 1962: “Ao relembrar o Setor de Psicologia Social da UFMG, o nome do Professor Célio Garcia é sempre referenciado. Além de fundador do grupo do Setor, esteve em sua liderança até o ano de 1973, quando se transferiu para o Departamento de Filosofia da UFMG” (ABREU, 2012, p.11). . O grupo reunia estudantes e profissionais oriundos da Psicologia e das Ciências Sociais. Em sua estadia em Paris, entre 1953 e 1960, Garcia se especializou em Psicologia Social, obtendo a Licence ès Lettres pela Universidade de Paris-Sorbonne; nessa mesma temporada, ele também conviveu com os fundadores da Association pour la Recherche et l’Intervention Psychosociologiques (CAMPOS, GARCIA, 2011CAMPOS, R. H. F.; GARCIA, C. Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – 1964. In: JACÓ-VILELA, A. M. (org.). Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: Imago; Brasília, DF: CFP, 2011, p.406-408.).

Em seu início, o ensino de Psicologia Social na UFMG embasava-se na linha da dinâmica de grupo e no desenvolvimento em relações humanas. Posteriormente, perfilou-se no grupo uma tendência às Ciências Sociais, resultado de um posicionamento crítico à Psicologia das Relações Humanas, que passou a ser entendida como “excessivamente conciliatória” (CAMPOS, GARCIA, 2011CAMPOS, R. H. F.; GARCIA, C. Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – 1964. In: JACÓ-VILELA, A. M. (org.). Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: Imago; Brasília, DF: CFP, 2011, p.406-408., p.406). Dado o contexto ditatorial em que se encontrava o país, o grupo tinha por ideal utilizar as Ciências Sociais como um vetor de transformação política e social8 8 “Os membros do setor se encontravam divididos entre as duas orientações da Psicologia Social daquele momento: a escola francesa e a escola norteamericana. Sem fazer uma escolha definitiva por nenhuma das duas, ambas eram analisadas criticamente. Isto criava condições para a criatividade e a invenção de dispositivos originais” (CAMPOS, GARCIA, 2011, p.406). .

Durante seus primeiros anos, o Setor manteve diversas parcerias internacionais das quais resultaram importantes intercâmbios:

Entre 1967 e 1975, o setor manteve, ainda sob sua liderança [Célio Garcia], um programa de cooperação acadêmica e científica financiado pelo Serviço Cultural da Embaixada da França no Brasil. Através desse programa, visitaram a UFMG em missão cultural os professores Max Pagès, André Lévy, Roger Lambert, Georges Lapassade, Pierre Fedida e Michel Foucault, os quatro primeiros especialistas na área da Psicologia Social (CAMPOS, GARCIA, 2011CAMPOS, R. H. F.; GARCIA, C. Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – 1964. In: JACÓ-VILELA, A. M. (org.). Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: Imago; Brasília, DF: CFP, 2011, p.406-408., p.406).

Dado esse fluxo de trocas intelectuais, o Setor passou a funcionar como um ponto de intersecção entre diversas áreas – Sociologia, História, Filosofia e Saúde –, proporcionando trocas de conhecimento, críticas e novas formas para pensar a atuação do psicólogo social (ABREU, 2012ABREU, M. A. Uma história do setor de psicologia social da UFMG: invenções, teorias e práticas, 2012, 139 fl. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.). Esse trânsito de ideias se tornou uma via de mão dupla. Em maio de 1968, inicia-se um convênio de cooperação científica e cultural com a França, viabilizado por Garcia por meio de contatos que ele estabeleceu com o grupo de sociólogos e psicólogos que fundaram a Association pour la Recherche et l’Intervention Psychosociologiques:

A cooperação foi financiada inicialmente pelo Serviço Cultural da Embaixada da França, sendo beneficiários os Departamentos de Psicologia e Filosofia da FAFICH/UFMG (1967-1975); nesse programa, estudaram na França, a partir de 1969, integrantes do setor: Rosa Maria Ferreira Nehmy, Regina Lúcia Goulart Botelho, Júlio Miranda Mourão, Maria Emilia Amarante Torres Lima, José Renato Campos do Amaral. Cada um destes bolsistas manteve sempre contatos estreitos com os que ficaram no Brasil, através de troca de bibliografia, de informações, de ideias, e da organização de encontros com professores franceses (MACHADO, 2004MACHADO, M. N. M. O Setor. In: BOMFIM, E. M. et al. (orgs.). Psicologia Social: memórias, saúde e trabalho. São João Del Rei: UFSJ: Programa de Pós-graduação da UFMG: ABRAPSO regional Minas, 2004, p.19-31., p.25).

A internacionalização foi experimentada de forma intensa e pioneira. Numa dessas viagens, um grupo do Setor, formado por Célio Garcia, Marília Novais Machado e Maria Emilia Amarante Torres Lima, teve um encontro com Michel Pêcheux9 9 Segundo nos conta Machado (2018, p.13), um contato inicial com Pêcheux foi feito cerca de dois anos antes: “A cada ano, Garcia passava uma temporada na França e, nessas ocasiões, se punha a par do que ocorria acadêmica e culturalmente na Europa. Em 1970 ele já havia contatado os dois Michel, Pêcheux e Foucault, que, um tanto sem se comunicarem diretamente, embora ex-discípulos de um mesmo mestre, estiveram no nascedouro da análise do discurso em 1969”. . Ele desenvolvia, na época, um ambicioso projeto teórico-metodológico que se tornaria conhecido como Análise do Discurso10 10 Além de Michel Pêcheux, outros dois importantes nomes que também estão no cerne dos debates teóricos que levaram ao surgimento da Análise do Discurso na França são o do linguista Jean Dubois e o do filósofo Michel Foucault. Linhas e tendências diferentes para a AD surgiram a partir desses autores, gerando abordagens diversas para a questão do discurso (MAZIÈRE, 2007). . Em 1972, ano do encontro, Pêcheux possuía um vínculo com a Psicologia Social de seu tempo, assumindo um posicionamento crítico em relação às diferentes linhas teóricas que a constituíam.

Em outubro de 1966, Pêcheux entra para o Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), ficando locado como pesquisador no Laboratório de Psicologia Social, dirigido por Robert Pagès (MALDIDIER, 2003MALDIDIER, D. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Campinas: Pontes, 2003.). A Psicologia Social funcionava como um espaço para a aplicação das teorizações que Pêcheux vinha trabalhando. Prova disso são dois de seus primeiros artigos: um, com o pseudônimo de Thomas Herbert, publicado em 1966, e outro com seu nome próprio, em 1969, ambos levantando críticas à Psicologia Social (HERBERT, 2016HERBERT, T. Reflexões sobre a situação teórica das ciências sociais e, especialmente, da psicologia social. In: ORLANDI, E. P. (org.). Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Pontes Editores, 2016 [1966], p.21-54. [1966]; PÊCHEUX, 1969). Pêcheux (1969) afirmava que a história da Psicologia Social era influenciada por determinações institucionais e ideológicas e que a disciplina se comportava como se não tivesse memória dessas determinações, repetindo indefinidamente o seu começo. Isso faria com que a Psicologia Social se convertesse na aplicação de uma técnica a serviço de uma ideologia das relações sociais. Em síntese, é demonstrada a vulnerabilidade da disciplina às ideologias (políticas, morais, religiosas e biológicas) de sua época. Nessas críticas, segundo Machado (2008)MACHADO, M. N. M. Análise do Discurso e Psicologia Social: um vínculo esquecido. Mnemosine v. 4, n. 2, p.20-37, 2008. Disponível em: www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemosine/article/view/146. Acesso em: 15 mar. 2019.
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, já se delineavam muitos dos elementos que viriam a compor a Análise do Discurso, dentre eles:

(a) seleção dos corpora a serem analisados, considerando a produção dos psicólogos sociais mais conceituados da área, na época; (b) leitura desses escritos nos moldes de uma escuta social; (c) formulação teórica relativa às regiões da animalidade e da sociabilidade que mantêm entre si relações de dominação, deixando lacunas teóricas que são preenchidas ideologicamente; (d) análise dos discursos presentes nos textos à luz dessas formulações teóricas; (e) demonstração, na linguagem e pela linguagem, das ideologias subjacentes (MACHADO, 2008MACHADO, M. N. M. Análise do Discurso e Psicologia Social: um vínculo esquecido. Mnemosine v. 4, n. 2, p.20-37, 2008. Disponível em: www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemosine/article/view/146. Acesso em: 15 mar. 2019.
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, p.34).

Este vínculo de Pêcheux com a Psicologia Social colaborou para o surgimento de um dispositivo para a análise das ideologias subjacentes, isto é, a Análise [Automática] do Discurso – relação frequentemente esquecida pelos analistas do discurso, como bem aponta Machado (2008)MACHADO, M. N. M. Análise do Discurso e Psicologia Social: um vínculo esquecido. Mnemosine v. 4, n. 2, p.20-37, 2008. Disponível em: www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemosine/article/view/146. Acesso em: 15 mar. 2019.
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. Notemos também que esses empreendimentos teóricos de Pêcheux ocorrem paralelamente aos primeiros anos do Setor de Psicologia Social da UFMG. Será justamente nesse período de efervescência intelectual que acontecerá o encontro desse grupo da UFMG com Pêcheux, em janeiro de 1972, como narra a própria Marília Machado:

Mas, como já estava bastante treinada para ser uma acadêmica empírica, a AAD me atraía. Isso não me evitou fazer uma má figura, em janeiro de 1972. Célio Garcia, Maria Emília Amarante Torres Lima e eu, na França, tivemos um encontro com Pêcheux, que quis saber o que pensávamos fazer, no Brasil, com a AD. Falei-lhe a respeito da pesquisa que iniciávamos. Dávamos a ela o nome de experimento. Queríamos apreender e comparar discursos de doentes mentais que, a nosso pedido, completariam sentenças. Pretendíamos controlar variáveis do tipo sexo, idade, escolaridade e religião, partindo da certeza de que os diagnósticos que rotulavam nossos sujeitos eram definitivos, corretos e evidentes. Para a análise, iríamos adotar “parte do método proposto por Michel Pêcheux, no livro Analyse automatique du discours” e teríamos como unidade de análise o enunciado “tal como definido por Pêcheux” (AMARAL, MACHADO, 1971, p.17). Compararíamos dois a dois todos os enunciados obtidos.

Como se vê, proposta permeada por uma formação científica experimental, já criticada na ocasião por Pêcheux, por uma crença no diagnóstico da psicopatologia da época e por uma perspectiva que se fechava à inovação representada pela AAD e simplificava a análise, limitando-a aos poucos recursos que tínhamos. De fato, nessa altura, o único computador que conhecíamos era um modelo 1130 que ocupava boa parte de um andar da Faculdade de Engenharia da UFMG e fazia bem menos que o mais simples dos microcomputadores de hoje. Dessa forma, imaginar fazermos uma análise automática verdadeira era algo distante. Pêcheux foi delicado, mas me permitiu ver a forma limitada e estreita segundo a qual pensávamos (MACHADO, 2018MACHADO, M. N. M. Análise do discurso: vivências, projetos, pesquisas. In: MACHADO, M. N. (org.). Práticas de análise do discurso. Belo Horizonte: Editora Artesã, 2018, p.11-37., p.14-15).

Apesar dos percalços iniciais relatados por Machado (2018)MACHADO, M. N. M. Análise do discurso: vivências, projetos, pesquisas. In: MACHADO, M. N. (org.). Práticas de análise do discurso. Belo Horizonte: Editora Artesã, 2018, p.11-37., firmou-se, a partir desse encontro, uma parceria entre o Setor de Psicologia da UFMG e o CNRS. Como fruto dessa colaboração, uma das pesquisadoras do Setor, Maria Emilia Amarante Torres Lima, foi enviada para França, como bolsista de um convênio entre a UFMG e o Serviço Cultural da Embaixada da França, para desenvolver sua tese de doutoramento sob a orientação de Pêcheux11 11 Não há registros que Pêcheux tenha orientado muitas teses de doutoramento. Além de Lima, encontramos o caso de Simone Bonnafous: “BONNAFOUS, Simone. Les motions du Congrès de Metz (1979) du Parti socialiste : processus discursifs et structures lexicales, thèse de 3e cycle, Sciences du langage, Université Paris X-Nanterre, 1980 (directeur : Michel Pêcheux)” (THIEBAULT, 1992 [1982], p.27). O site francês Id Ref - Identifiants et Référentiels pour l’enseignement supérieur et la recherche, que funciona como um coletor de dados de pesquisadores franceses – uma versão aproximada disso no Brasil seria o site Escavador – aponta que Pêcheux teve mais três orientandos de doutorado: Sergio Perez Cortes, com o trabalho Les conflits dans la formalisation en linguistique, defendido em 1981; Rolande Poullet-Hlacia, com o trabalho Politiques d’alphabétisation en Afrique francophone: étude d’un corpus de rapports de l’UNESCO (1974-1978) selon la méthode de l’analyse automatique du discours (A.A.D.), defendido em 1981; Laura Carrera Lugo, com o trabalho Analyse idéologico-politique de l’institution musée: éléments d’analyse du discours, defendido em 1983. Essas informações podem ser acessadas em: https://www.idref.fr/027062058.Paveau (2008) nos informa que a tese de doutorado de Jean-Jacques Courtine, Quelques problèmes théoriques et méthodologiques en analyse du discours, à propos du discours communiste adressé aux chrétiens, defendida em 1980, também foi orientada por Pêcheux. :

Em 1973, num convênio internacional, Célio Garcia trouxe Foucault ao Brasil. Nessa ocasião, o professor do Collège de France já havia definido a análise do discurso como uma descrição simultaneamente crítica e genealógica (FOUCAULT, 1971). Nesse mesmo ano, graças a Garcia e ao convênio com a embaixada francesa, Maria Emília obteve bolsa de estudo naquele país. Entre 1973 e 1984, ela permaneceu na França, onde teve Pêcheux como orientador de sua tese (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.) e diretor de pesquisa no grupo do CNRS. Durante esse tempo, ela manteve seus colegas do Setor de Psicologia Social, no Brasil, atualizados quanto ao desenvolvimento da AAD1, AAD2 e AAD3. Na medida em que apareciam, ela nos deu acesso a textos de Jean-Jacques Courtine, Michel Plon, Paul Henry, Jacqueline Léon, Régine Robin e a diversos de Michel Pêcheux (MACHADO, 2018MACHADO, M. N. M. Análise do discurso: vivências, projetos, pesquisas. In: MACHADO, M. N. (org.). Práticas de análise do discurso. Belo Horizonte: Editora Artesã, 2018, p.11-37., p.14-15).

Lima viveu por onze anos na França e acompanhou de dentro o desenvolvimento da Análise do Discurso, participando do grupo de pesquisadores que ajudaram a construir a área. Mais que isso: ela não só contribuiu para a teorização da Análise do Discurso através de sua pesquisa, assim como também fez um estudo até então inédito sobre o discurso populista no Brasil. No entanto, a sua inscrição na história dessa disciplina não aconteceu. O seu nome é uma presença ausente. É como se Lima não deixasse rastros. E rastros e cicatrizes, como bem nos lembra Gagnebin (2002)GAGNEBIN, J. M. O rastro e a cicatriz: metáforas da memória. Pro-Posições (Unicamp), UNICAMP - Campinas, v. 13, n.3 (39), p.125-134, 2002. Disponível em: https://www.fe.unicamp.br/pf-fe/publicacao/2164/39-dossie-gagnebimjm.pdf. Acesso em: 15 jun. 2019.
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, são metáforas para a memória. Decifrar rastros e recolher restos. É dessa operação que nos ocuparemos a partir de agora.

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Elaborando a memória do passado: descrição de uma trajetória intelectual

Maria Emilia Amarante Torres Lima nasceu em 16 de março de 1949, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Faleceu em 13 de fevereiro de 2019, na mesma cidade. Graduou-se em Ciências Sociais e obteve seu mestrado em Ciência Política, ambos pela UFMG. Em seu período na França, ela era professora da UFMG, em licença para doutorado, no início. Ficou mais tempo na França do que o tolerado pela UFMG, perdendo o seu vínculo com a instituição em 1983. De volta ao Brasil, em 1984, trabalhou alguns anos na Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP/UFMG), assessorando pesquisadores; por concurso, em 1997, retornou à UFMG como professora do departamento de Psicologia (LIMA, 2002aLIMA, M. E. A. T. Currículo do Sistema Lattes. [Brasília], 17 dez. 2002. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/8062049942183705.Acesso em: 21 fev. 2019.
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). Aposentou-se, em 2013, por motivos de saúde. Sua tese em Psicologia Social defendida na Universidade de Paris VII no ano de 1983 (La construction discursive du peuple brésilien dans le discours du Premier Mai de Getúlio Vargas), orientada por Pêcheux, foi editada no Brasil, em 1990, pela Editora da Unicamp – com a tradução para o português (A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas) feita pela própria autora (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.).

Em sua estadia na França, Lima trabalhou entre 1978 e 1979 na Association pour la Recherche et l’Intervention Psychosociologiques, ARIP (órgão com que Celio Garcia havia estabelecido contato anos antes) como secretária de redação. Também atuou na Université de Nancy II, em 1978, ministrando a disciplina de introdução à economia. De 1979 a 1980, trabalhou no Centre Culturel Latino Américain CETECLAM (LIMA, 2002aLIMA, M. E. A. T. Currículo do Sistema Lattes. [Brasília], 17 dez. 2002. Disponível em: http://lattes.cnpq.br/8062049942183705.Acesso em: 21 fev. 2019.
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).

Além de sua tese, Lima também publicou um artigo em que debate questões metodológicas da Análise do Discurso (LÉON, LIMA, 1979LÉON, J. LIMA, M. E. A. T. Études de certains aspects du fonctionnement de l'Analyse Automatique du Discours: Traitement des syntagmes nominaux en expressions figées et segmentation d'un corpus en séquences discursives autonomes. T. A. Informations, revue internationale du traitement automatique du langage, Paris, v. 20, n. 1, p.25-46, 1979. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-01143380. Acesso em: 16 jun. 2019.
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), outros dois textos em que retoma algumas das discussões desenvolvidas no seu doutoramento (LIMA, 1998LIMA, M. E. A. T. A questão do trabalho: do anarquismo ao populismo. In: GOULART, I. B. G.; SAMPAIO, J. R. (org.). Psicologia do trabalho e gestão: estudos contemporâneos. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998, p.105-125.; 1999LIMA, M. E. A. T. A nação e a noção de povo nos discursos de Getúlio Vargas. In: MARI, H. (org.). Fundamentos e dimensões da análise do discurso. Belo Horizonte: Carol Borges, 1999, p.445-452.) e um artigo introdutório à Análise do Discurso (LIMA, 2003LIMA, M. E. A. T. Análise do discurso e/ou análise do conteúdo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p.76-88, jun. 2003. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/vie. Acesso em: 25 fev. 2019.
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), em que aborda as diferenças da Análise do Discurso e da Análise de Conteúdo. Ela publicou um segundo livro, As caminhadas de Auguste de Saint-Hilaire pelo Brasil e Paraguai (LIMA, 2002bLIMA, M. E. A. T. As caminhadas de Auguste de Saint-Hilaire pelo Brasil e Paraguai. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.), resultante em grande parte de pesquisas que realizou nos anos em que viveu na França12 12 A autora possui alguns outros textos em sua produção acadêmica, como pode ser conferido em seu Currículo Lattes, mas que não guardam uma relação direta com a Análise do Discurso. . Ela também traduziu o livro de Dominique Maingueneau, Termos-chave da análise do discurso (MAINGUENEAU, 1998MAINGUENEAU, D. Termos-chave da análise do discurso. Belo Horizonte: UFMG, 1998.).

Embora a produção acadêmica de Lima não seja extensa, ela é significativa para entender as discussões que constituíram o campo da Análise do Discurso. Em seu primeiro artigo, publicado em parceria com a linguista Jacqueline Léon em 1979 (“Études de certains aspects du fonctionnement de l'Analyse Automatique du Discours: Traitement des syntagmes nominaux en expressions figées et segmentation d'un corpus en séquences discursives autonomes”)13 13 Em tradução livre: “Estudos de certos aspectos do funcionamento da Análise Automática do Discurso: Tratamento de substantivos em expressões fixas e segmentação de um corpus em sequências discursivas autônomas”. , é tratada a questão da segmentação do corpus, tema central para o projeto pecheutiano naquele período. Cabe fazer uma digressão à discussão metodológica em que se situa o artigo.

A Análise Automática do Discurso (doravante AAD69) era um dispositivo metodológico concebido como um conjunto de procedimentos informatizados articulado com uma teoria do discurso, tendo por propósito ser uma máquina de ler que arrancaria a questão da leitura do problema da subjetividade. Esse projeto, oriundo da tese de doutoramento14 14 Há certa lacuna de informação em torno da formação de Pêcheux. Henry (1997) afirma que a tese de Pêcheux foi em Psicologia Social, enquanto Maldidier (2003) apenas comenta que Pêcheux obteve agregação em Filosofia em 1963 na École Normale Supérieure e que o primeiro livro dele, Análise Automática do Discurso, publicado em 1969, seria fruto de sua tese de doutoramento. Uma lista de teses defendidas em 1968 na França, apresentada na Revue Française de Sociologie, publicada naquele mesmo ano, afirma que Pêcheux defendeu sua tese no curso de Letras: “Pécheux, Michel. Vers l’analyse automatique du discours. 3e cycle, Lettres, Paris, 13 novembre. Président du Jury: M. Culioli” (DU COLOMBIER, 1968, p.563). de Pêcheux, foi publicado em livro em 1969 e marca o início do que, após mais de uma década, firmou-se como uma disciplina acadêmica chamada Análise do Discurso. A construção da AAD69 inscreve-se no espaço do estruturalismo dos anos 1960 em torno da questão da ideologia, em particular, de como a ideologia atravessa e constitui os discursos15 15 O horizonte político e teórico implícito nesse método era duplo: o do materialismo histórico animado por Louis Althusser a partir de sua releitura de Marx e a psicanálise de Jacques Lacan. Prática científica e militância política naquele período tinham suas fronteiras borradas. Lembremos que a França ainda estava agitada pelos acontecimentos de Maio de 1968 e que as Ciências Humanas estavam sob a influência do estruturalismo. No campo social, os problemas ligados à desigualdade e discriminação cresciam na Europa ocidental. A condução burocrática do Estado por parte do bloco soviético já não sustentava mais a ideia de uma Internacional Comunista. Para Pêcheux, marxista ligado ao grupo de Louis Althusser, a questão política era central. Daí a sua teorização sobre a ideologia e filiação ao Partido Comunista Francês. . Esse apoio inicial no estruturalismo linguístico visava fornecer, “o meio ‘científico’ de deslocar o terreno das questões do domínio do quantitativo em direção ao qualitativo, da descrição estatística em direção a uma teoria quase algébrica das estruturas, rejeitando o ‘não importa que’ das leituras ‘literárias’” (PÊCHEUX et al, 1997 [1982], p.254).

O procedimento de tratamento do corpus na AAD69 possuía uma fase manual, que consistia em dividi-lo em unidades máximas de comparação dentro de um corpus, isto é, em Sequências Discursivas Autônomas (SDA). As SDA são um conjunto de segmentações extraídas a partir de recortes e enquadramentos feitos em uma superfície textual a fim de identificar os domínios semânticos que são mobilizados nas sequências para a produção do sentido (PÊCHEUX et al, 1997). As SDA têm como unidade mínima não-segmentável a frase. Ao selecionar uma SDA, quebrava-se a continuidade do fio discursivo a que ela estava vinculada, permitindo que ela fosse tratada pelo algoritmo como uma entidade independente – razão pela qual as sequências discursivas recebiam a adjetivação de autônomas. Esse processo de segmentação efetuava-se segundo critérios linguísticos: “os nexos interfrásticos (anáforas, elipses, conectores da junção), aos quais será necessário acrescentar, depois de um sério estudo linguístico, as questões de modalidade, aspecto, tempo, determinantes” (PÊCHEUX et al, 1997, p.258). As SDA eram definidas por sua unidade temática, respeitando os seguintes critérios para não-segmentação de uma sequência:

Seja uma frase i, se a frase j seguinte começa por um conector de junção (por exemplo “mas”), não se segmenta; há continuidade temática de i a j, e as frases i e j pertencem a mesma SDA.

Se a frase j contém uma anáfora cujo referente está contido na frase i (tipo anáfora simples: João... Ele), as frases i e j pertencem a mesma SDA, na medida em que a anáfora assegura uma unidade temática entre as frases i e j (PÊCHEUX et al, 1997, p.258).

Nesse texto, assinado por Michel Pêcheux, Jacqueline Léon, Simone Bonnafous e Jean-Marie Marandin, é feita uma menção ao artigo de Léon e Lima (1979) em relação à questão das anáforas:

Essa nova condição sobre a não-segmentação discursiva no caso da anáfora simples constitui uma retificação das proposições apresentadas no artigo de J. Leon e M. E. Torres-Lima, que não levavam em conta a definição da SDA enquanto unidade temática (PÊCHEUX et al, 1997, p.279).

Segundo os autores, Léon e Lima (1979) não tinham em vista a compreensão das SDA como uma unidade temática em que as anáforas estabelecem uma linha de continuidade com o já-dito que não permitiria aplicar a segmentação16 16 Essa questão da segmentação ou não das ligações anafóricas é retomada por Lima (1990) em sua tese. Ela irá defender que há situações em que a anáfora permite a segmentação – quando, por exemplo, o restabelecimento da anáfora fornece autonomia à frase sem que a referência ao já-dito se torne vaga. . É interessante destacar também nessa citação o uso do termo retificação. A crítica feita a Léon e Lima (1979) aparece como uma espécie de complementariedade ao que foi dito pelas autoras, o que é um indicativo do empreendimento coletivo que era conduzido por Pêcheux17 17 Lembremos que esse texto de Pêcheux, assinado em conjunto com seus colaboradores, marca uma importante fase de crítica e retificação. O texto faz a distinção entre o dispositivo AAD69 e a AAD80, este último marcaria uma nova fase do método. Não nos deteremos nas distinções entre os dois procedimentos, apenas assinalamos que eles possuem como linha de continuidade a (re)construção das trajetórias discursivas que constituem um corpus. . Os avanços e retificações na teorização e no dispositivo analítico eram um trabalho substancialmente feito em conjunto18 18 No resumo desse mesmo artigo, suprimido na tradução para o português, é apontado o que cada um dos autores desempenhou no texto: Pêcheux traçou a história do método da AAD69; Léon apresentou o método AAD69; Bonnafous apresentou resultados de uma pesquisa que ela então desenvolvia sobre o discurso socialista; Marandin apresentou alguns resultados e deficiências da AAD69 (PÊCHEUX et al, 1982). A retificação acerca do texto de Léon e Lima (1979) está contida na seção escrita por Léon. .

Em síntese, as autoras examinam, no artigo, as relações binárias que associam, por meio dos conectores enunciativos, os enunciados elementares que compõem um conjunto de SDA, assim como também analisam as classes de equivalência (domínios semânticos) presentes nas sequências pertencentes a um mesmo corpus. São exploradas, dessa forma, as categorias morfossintáticas dos enunciados e as relações de domínios semânticos neles presentes, marcando um dado trajeto discursivo. Além disso, também são apresentados os critérios de segmentação de um corpus em AAD69 (LÉON, LIMA, 1979LÉON, J. LIMA, M. E. A. T. Études de certains aspects du fonctionnement de l'Analyse Automatique du Discours: Traitement des syntagmes nominaux en expressions figées et segmentation d'un corpus en séquences discursives autonomes. T. A. Informations, revue internationale du traitement automatique du langage, Paris, v. 20, n. 1, p.25-46, 1979. Disponível em: https://halshs.archives-ouvertes.fr/halshs-01143380. Acesso em: 16 jun. 2019.
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). Esse mesmo texto também é indicado por Pêcheux (1981) numa bibliografia sobre a Análise do Discurso na França19 19 O texto em questão é Analyse de discours et informatique. Há uma tradução para o português (PÊCHEUX, 2016c [1981]), porém a seção de referências bibliográficas foi suprimida. .

Após o falecimento de Pêcheux, em 1983, e o esvaziamento do grupo que ele liderava, o seu nome e obra foram progressivamente deixados de lado, de forma que atualmente Pêcheux não é mais uma figura central no referencial analítico dos pesquisadores que fazem a Análise do Discurso na França. No entanto, a sua obra ainda constitui uma forte referência nos estudos sobre o discurso na América Latina, especialmente no Brasil20 20 A Análise do Discurso inspirada em Pêcheux é bastante difundida no Brasil, especialmente nos cursos de Linguística, Letras e Ciências da Linguagem. Apesar disso, a discussão metodológica da dimensão automática (informatizada) da análise não se desenvolveu no país, mas tomou contornos mais próximos da Linguística. Os principais centros que congregam pesquisadores, eventos e publicações relacionadas à disciplina são a UNESP de Araraquara, a UNICAMP (Campinas) e a UFRGS em Porto Alegre (MACHADO, 2008). (FERREIRA, 2003FERREIRA, M. C. L. O caráter singular da língua no discurso. Organon, Instituto de Letras/UFRGS, v. 17, n. 35, p.189-200, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11896/7318. Acesso em: 4 jul. 2019.
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).

A tradição que se estabeleceu em nosso país toma como ponto de partida os estudos desenvolvidos por Eni Orlandi. Ela nos conta que seu primeiro contato com a obra de Pêcheux se deu no final dos anos 1960, quando estava em uma temporada de estudos na França (ORLANDI, 2006ORLANDI, E. [entrevista cedida à] SCHERER, A. E. História das ideias x História de vida. Entrevista com Eni Orlandi. Fragmentum, Universidade Federal de Santa Maria, v. 7, p.11-51, 2006. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/fragmentum/article/view/6349/3855. Acesso em: 5 jun. 2019.
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). Em 1977, aparece a sua primeira publicação em Análise do Discurso e, em 1983, o seu primeiro livro (A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso), que reúne vários artigos embasados nos trabalhos de Pêcheux (ORLANDI, 1983ORLANDI, E. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 1983.). Orlandi se tornaria, a partir disso, a iniciadora e principal difusora da Análise do Discurso no Brasil, sendo responsável também pela tradução, e coordenação das traduções, para o português dos textos de Pêcheux em sua quase totalidade. Além disso, a autora foi uma figura central na institucionalização da Análise do Discurso como disciplina acadêmica no país, formando gerações de pesquisadores.

Nesse contexto, a narrativa sobre a história da Análise do Discurso no Brasil firma-se a partir dos estudos desenvolvidos por Orlandi. Nos recortes e montagens que se estabeleceram na construção dessa disciplina, a obra de Lima e a relação do Setor de Psicologia Social da UFMG com Pêcheux não entraram para esse enredo. Os balanços sobre a área feitos por Ferreira (2003)FERREIRA, M. C. L. O caráter singular da língua no discurso. Organon, Instituto de Letras/UFRGS, v. 17, n. 35, p.189-200, 2003. Disponível em: https://periodicos.ufsm.br/letras/article/view/11896/7318. Acesso em: 4 jul. 2019.
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e Orlandi (2003)ORLANDI, E. A Análise de Discurso em suas diferentes tradições intelectuais: o Brasil. In: Anais do I SEAD, 1, 2003, Porto Alegre. Anais... Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2003. p.1-18. Disponível em: anaisdosead.com.br/1SEAD/Conferencias/EniOrlandi.pdf . Acesso em: 4 jul. 2019. não fazem menção ao caso de Lima. Na tese de doutorado de Teixeira Machado (2014) sobre o percurso da Análise do Discurso no Brasil também não é feita referência ao caso. Nem mesmo no instigante conjunto de entrevistas organizadas por Oliveira e Nogueira (2019), que reúne depoimentos de importantes pesquisadores que trabalharam direta ou indiretamente com Pêcheux, a história de Lima é mencionada. Encontramos apenas em um artigo de Baldini e Zoppi-Fontana (2015)BALDINI, L. J. S.; ZOPPI-FONTANA, M. G. A Análise do Discurso no Brasil. Décalages, v. 1, n. 4, p.1-20, 2015. Disponível: https://scholar.oxy.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1082&context=decalages. Acesso em: 15 abr. 2019.
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uma breve alusão à Lima, em uma nota de rodapé:

Vale lembrar, aqui, os trabalhos, na década de 70, de Carlos Henrique Escobar, e de Célio Garcia, cuja aluna, Maria Emilia Amarante Torres Lima, foi em 1973 fazer um doutorado com Michel Pêcheux. Por diversas razões, tais autores, no entanto, não conduziram a Análise de Discurso a uma institucionalização e a uma disciplinarização consistentes, nem foram responsáveis pela formação de pesquisadores que atuassem de forma relevante na área de Análise de Discurso (BALDINI, ZOPPI-FONTANA, 2015, p.4).

Como se vê, a referência a Lima é posta em menor escala21 21 O caso de Carlos Henrique Escobar é bem documentado e explorado na tese de doutorado de Kogawa (2012). Escobar traduziu um dos artigos de Pêcheux em 1972. Além disso, escreveu livros e artigos com temáticas paralelas às de Pêcheux. Outro autor que também desenvolveu pesquisas tendo os trabalhos de Pêcheux em seu horizonte teórico – que não é citado por Baldini e Zoppi-Fontana (2015) – foi Haquira Osakabe. Em 1975, após um período na França, ele defende sua tese de doutorado em Linguística, na UNICAMP, tendo como uma das bases a AAD. A tese foi publicada em livro pela Kairos, em 1979, com o título Argumentação e discurso político (OSAKABE, 1979). O autor também teve como corpus os discursos de Getúlio Vargas, tal como na tese de Lima (1990). Osakabe (1979) introduz a perspectiva integradora da política com a argumentação, sendo um dos primeiros pesquisadores a utilizar os trabalhos de Perelman e de Pêcheux no Brasil. Junto com Carlos Vogt, Carlos Franchi e Rodolfo Ilari, no início dos anos 1970, Osakabe fez parte de um grupo de professores da UNICAMP que passou uma temporada na França para formação acadêmica. O grupo, ao retornar para Campinas, estabeleceu as bases do Departamento de Linguística que, ao lado da Economia e das Ciências Sociais, compunham a área de Humanidades da UNICAMP, alocada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, o embrião que faria surgir, em 1977, o Instituto de Estudos de Linguagem, o IEL. Esse grupo foi responsável por introduzir os estudos da Linguística contemporânea nas universidades brasileiras, além de formarem o primeiro departamento de Linguística criado no Brasil (LEVY, 2006). . É verdade que ela não participou do processo de institucionalização da área no país – por se encontrar na França até 1984 e ter perdido o vínculo de professora com a UFMG. No entanto, não se pode compreender a partir disso o porquê de sua obra e trajetória intelectual não serem apresentadas na história da disciplina. Inclusive, torna-se difícil entender outras duas coisas: o fato de sua tese ter sido publicada por intermédio da própria Eni Orlandi22 22 A esse respeito, Lima relata o seguinte: “Em um encontro com Eni Orlandi, em agosto de 1989, falamos sobre Análise do Discurso e, particularmente, sobre os trabalhos de Michel Pêcheux. Foi-me então apresentada a possibilidade de meu trabalho de tese de 3.º ciclo, dirigido por Michel Pêcheux, ser traduzido para publicação” (LIMA, 1990, p.9). (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.), no mesmo ano em que duas das mais importantes obras de Pêcheux (Por uma Análise Automática do Discurso23 23 Esse livro e outros textos de Pêcheux foram reunidos e publicados no Brasil com o título Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux (GADET, HAK, 1990). e Discurso: estrutura ou Acontecimento) foram lançadas no Brasil; e o motivo de Pêcheux citá-la em pelo menos três artigos (PÊCHEUX, 1981PÊCHEUX, M. Analyse de discours et informatique. In: Actes du Congrès international informatique et sciences humaines, 1981, Liège. Anais... Liège: L.A.S.L.A. - Université de Liège, 1981, p.699-707. Disponível em: web.philo.ulg.ac.be/lasla/wp-content/uploads/sites/7/2019/02/64.pdf . Acesso em: 25 mar. 2019.; 1982PÊCHEUX, M. et al. Présentation de l'analyse automatique du discours (AAD69): théories, procédures, résultats, perspectives. Mots, n. 4, p.95-129, mar. 1982. Disponível em: https://www.persee.fr/docAsPDF/mots_0243-6450_1982_num_4_1_1053.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.
https://www.persee.fr/docAsPDF/mots_0243...
; 2016a [1983]).

É na crítica ao populismo que Pêcheux faz menção ao trabalho de tese de Lima. Ao analisar o que chama de metafísica marxista ortodoxa do realismo de classe, que permeava a esquerda de seu tempo, Pêcheux (2016a) mostra como o uso do populismo na prática política demonstrou ser algo desastroso e nocivo para os movimentos populares e de trabalhadores, tomando como exemplo o caso do stalinismo, que constituiu uma forma de populismo de Estado. Ele argumenta que essa metafísica não levava em consideração o caráter contraditório e ambíguo das lutas de deslocamento ideológico presentes nos mais diferentes movimentos populares. Os objetos dessas lutas seriam paradoxais “sob o nome de Povo, direito, trabalho, gênero, vida, ciência, natureza, paz, liberdade...” (PÊCHEUX, 2016aPÊCHEUX, M. Ideologia – aprisionamento ou campo paradoxal? In: ORLANDI, E. P. (org.). Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Pontes Editores, 2016a [1983], p.107-119., p.115), funcionando “em relações de forças móveis, em mudanças confusas, que levam a concordâncias e oposições extremamente instáveis” (PÊCHEUX, 2016aPÊCHEUX, M. Ideologia – aprisionamento ou campo paradoxal? In: ORLANDI, E. P. (org.). Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Pontes Editores, 2016a [1983], p.107-119., p.116). Ele irá citar como exemplo dessas relações ambíguas a política desenvolvida por Getúlio Vargas no Brasil:

Essa “Liberdade” de deixar a movimentação das massas, do povo agir por conta própria – isto é, deixar todas as tentativas às comunidades, cujos mecanismos paradoxais Faye analisou – não foi fomentada pela eliminação histórica de determinadas correntes (p.ex: o anarquismo) da orientação estratégica da movimentação dos trabalhadores? Ganhos posteriores históricos do Anarquismo por meio da forma política do populismo de estado pode ser bem observado no período de Vargas, no Brasil. Nesse período a posição do pai (Provedor e educador) fica relacionada ao maior benfeitor da nação e povo (Aqui eu me apoio nos trabalhos de M. E. Torres-Lima) (PÊCHEUX, 2016aPÊCHEUX, M. Ideologia – aprisionamento ou campo paradoxal? In: ORLANDI, E. P. (org.). Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Textos escolhidos por Eni Puccinelli Orlandi. Campinas: Pontes Editores, 2016a [1983], p.107-119., p.116).

É na análise dos efeitos políticos do populismo e o seu funcionamento discursivo que encontraremos o grande ponto de interlocução teórica e política entre os dois pesquisadores: Pêcheux, em sua crítica ao socialismo existente, e Lima, em sua análise da construção discursiva do termo “povo” nos discursos de Getúlio Vargas. Em suma, é nessa confluência em que se situa o estudo elaborado por Lima em seu doutoramento – que passaremos, na próxima seção, a apresentar.

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A construção discursiva do povo brasileiro: linhas de continuidade e rupturas na Análise do Discurso

Em sua tese, publicada em livro no Brasil, Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. analisa o funcionamento dos discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas e como, por meio deles, Vargas elaborou uma noção particular de povo. O trabalho se divide em três capítulos, além da introdução, conclusão e anexos: primeiro, é feita uma apresentação dos elementos históricos referentes ao movimento operário e ao populismo brasileiro; em seguida, é apresentado o conjunto dos discursos de 1º de maio de Vargas, divididos em suas duas épocas de governo; por último, são mostrados os elementos que se encontram implicados e construídos quando Vargas emprega o termo “povo” nesses discursos.

O material discursivo sobre o qual a autora se debruçou é composto por onze discursos proferidos por Vargas: sete na condição de ditador, durante o Estado Novo (1938-1944), e quatro como presidente eleito (1951-1954). Esses discursos serviram para a composição do corpus de análise, sendo ele segmentado em Sequências Discursivas Autônomas:

Tínhamos no início a intensão de submeter nosso corpus ao dispositivo de Análise do Discurso AAD69. [...] o questionamento ao dispositivo AAD69 teve como consequência para nós o abandono de um tratamento sistemático de nosso material discursivo. Dado que já tínhamos preparado este material em conformidade com as exigências do método AAD69, nós o apresentamos sob a forma de Sequências Discursivas Autônomas (SDAs) (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.11).

Para compreendermos melhor essa citação, é preciso relembrar que, para o pesquisador em Análise do Discurso, o trabalho analítico possuía as seguintes etapas: “segmentação em SDA, análise sintática e análise automática. A base do trabalho é, então, constituída pela lista de domínios (e hiperdomínios) que correspondem a cada corpus, bem como pelas relações de dependência que ligam os diferentes domínios” (PÊCHEUX et al, 1997, p.267). Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. rompe com a abordagem tradicional do método AAD69. Ela mantém o uso das segmentações e de parte da análise sintática (as relações anafóricas e os encadeamentos interfrásticos), porém não trabalha com a dimensão automática (informatizada) do método.

A problemática dos encadeamentos interfrásticos é fundamental na análise desenvolvida por Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.. São eles, em conjunto com as anáforas, que fornecem o encadeamento dos discursos, produzindo o fio contínuo do que é dito (o fio discursivo) em conjunto com outros elementos linguísticos (pressuposição, anaforização, conectores, etc.) e extralinguísticos (as condições sócio-históricas de produção de um discurso). Nesse sentido, o trabalho consiste em “pinçar o fio discursivo e os operadores de encadeamento discursivos” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.21). Esse método de análise se ancora na compreensão do discurso como “um espaço de reformulações, de encadeamentos, de dispersões, de repetições, de desconexões” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.21). Em razão disso, o fio discursivo não é tido como algo linear, porém como resultado do entrelaçamento de vários pedaços de fios, formando um discurso. Esses fios podem ser introduzidos em diferentes momentos – sendo também interrompidos e relançados – num enunciado e “podem ser ‘pinçados’ na localização das anáforas, da elipse, da repetição léxica, dos operadores de encadeamento entre as frases – conectores e subordinações –, dos deslocamentos de palavras e mesmo na ausência de marcas explícitas de conexões24 24 Dada a vinculação teórica da Análise do Discurso ao materialismo histórico, “o discurso representa no interior do funcionamento da língua efeitos da luta ideológica e, inversamente, ele manifesta a existência da materialidade linguística no interior da ideologia” (LIMA, 1990, p.22). Em outros termos, todo processo discursivo pertence ao campo da luta ideológica e política de classes. )” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.21). Os pontos de referência da análise discursiva das sequências serão os estudos de Oswald Ducrot sobre pressuposição, as análises de Pêcheux sobre as orações relativas apositivas e restritivas, e a teoria das operações enunciativas de Antoine Culioli (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.).

Se esse reajuste remove parte do dispositivo analítico da AAD69, por outro lado, permitiu à autora empreender uma análise histórica das condições que possibilitaram a emergência do discurso populista de Vargas. O outro do discurso de Vargas (os trabalhadores) é representado numa relação imaginária. Dito de outra forma, no processo de elaboração do discurso, é trabalhada a imagem que ele atribui a si e ao outro, assim como a imagem que ele faz de seu próprio lugar e do lugar do outro – mas sem que jamais saibamos como esse outro trabalhava essas relações. Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. ocupa-se em entender como essa relação imaginária funciona para o próprio Vargas e produz os sentidos de sua prática política.

Algumas palavras marcam um importante polo no discurso varguista: nação/povo/trabalhadores. Elas, que estavam presentes na prática política do movimento anarquista e operário, são rememoradas e retrabalhadas por meio do populismo, intercruzando-se e se enredando com tal intensidade que as noções de nação e de povo não são mais distinguíveis no dizer de Vargas. A autora analisa como essas forças (ideológicas) são mobilizadas nesses discursos, procurando “ouvir o que é expressamente dito e o que não é dito, no interior do que é dito” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.23). Para isso, ela estuda o período histórico que precede o populismo no Brasil, colocando-o em relação com o movimento operário brasileiro.

O movimento operário que se forma no Brasil entre o final do século XIX e início do século XX era anarquista em sua origem - o Partido Comunista só surgiria em 1922 -, sendo “uma resistência à exploração capitalista e a um Estado fortemente repressivo por não ser um Estado forte” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.29). No entanto, os modelos de lutas operárias trazidos pelos anarquistas, imigrantes de origem europeia, nem sempre eram compreendidos pelos camponeses que chegavam às cidades: “para eles, viver na cidade era uma grande conquista e o patrão aparecia sobretudo como um protetor (um novo coronel da cidade)” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.29), estando a ideologia dominante do meio rural brasileiro, o coronelismo e o paternalismo, arraigada na formação social do trabalhador. Isso se tornou um grande entrave para o anarquismo:

Eles “sonhavam” em destruir o Estado e “construir um outro mundo” uma sociedade perfeita [...] Apesar disso, ou por causa disso, esta recusa do reformismo dará lugar ao movimento “revolucionário” de 1930, e produzirá progressivamente o efeito político do “populismo”: “o bom pastor” que os anarquistas temiam tanto no seio do movimento operário não será mais o ‘doutor’, mas aquele que se apresentará mais tarde como o “pai dos pobres”, o “pai do povo”, GETÚLIO VARGAS. Vargas preencherá o lugar de “redentor do povo brasileiro” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.30; grifos da autora).

Para a autora, vários sentidos se entrelaçam no termo populismo: fenômeno político; ação política; regime político; política partidária; líderes populistas – ou mesmo o contexto no qual este efeito político se produziu (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.). No caso brasileiro, o populismo está ligado às massas urbanas, mobilizadas pela industrialização ou expulsas pelo setor agrário, com o desenvolvimento econômico da década de 193025 25 A autora ressalta, apesar disso, que as condições materiais e ideológicas do populismo já se encontravam presentes antes desse período. . Esse período irá marcar a participação controlada das massas no processo político: estrutura sindical urbana controlada. Em síntese, o populismo exprime o surgimento das classes populares no centro do desenvolvimento urbano e industrial do período e a demanda de certos grupos políticos de incorporar as massas ao jogo político.

Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. tomará como norte para a sua análise a tese do cientista político Francisco Weffort, que afirma que o traço marcante do populismo é a personalização do poder, associando uma imagem, meio real e mística, de que a soberania do Estado se realiza no governante sobre a sociedade, sendo a participação das massas populares urbanas a única fonte de legitimidade para o próprio Estado. Essa relação ambígua entre amor ao povo e às funções governamentais encontrará, para a autora, o seu ponto de manifestação paradigmático em Vargas.

Com o fracasso da Aliança Nacional Libertadora, liderada por Prestes em 1935, e o medo gerado pelo Plano Cohen em 1937 – um suposto plano de invasão comunista ao Brasil, que anos depois se revelaria falso –, Vargas encontrará o pretexto para o golpe de Estado. Com o apoio das Forças Armadas, da extrema-direita integralista e partes dos tenentes que o haviam apoiado na revolução de 1930, Vargas instala, em 10 de novembro de 1937, a ditadura do Estado Novo, que duraria até 1945, ano em que ele seria deposto. Vargas retornaria em 1951, dessa vez eleito pelas massas, assumindo uma nova roupagem:

Vargas se tornará cada vez mais progressista e até mesmo revolucionário; ele quer a independência econômica do Brasil contra o capitalismo externo, opõe-se ao partido do estrangeiro que constitui a burguesia industrial “não-nacional”, diretamente ligada ao imperialismo americano (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.68).

Essa política, no entanto, não encontrou vida longa. No fim de seu mandato, os problemas econômicos e políticos do país se tornaram mais agudos. Várias forças políticas se revoltaram contra Vargas. Com o apoio cada vez mais reduzido, o seu afastamento se torna mais uma vez eminente: “Vargas fará disso uma questão pessoal a ponto de aí pôr em jogo a sua vida, e de perdê-la...” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.69).

Será justamente nessa figura ambígua e enigmática de Getúlio Vargas que o populismo encontraria o seu momento paradigmático nas comemorações de 1º de maio. Antes que a data fosse transformada pelo Estado populista em dia de festa, ela marcava um dia de luta do trabalho contra o capital. Vargas, no entanto, transformaria essa significação. Em 1938, ele irá se dirigir pela primeira vez nessa data aos trabalhadores. O 1º de maio será retomado como dia de comemoração da cooperação entre as classes sociais com o Estado, numa celebração oficial da colaboração entre o trabalho e o capital. Tendo em vista o valor simbólico da data, Vargas introduz uma relação nova do Estado com os bons trabalhadores. Vargas, pedagogicamente, ensina como os trabalhadores devem conduzir suas lutas: no interior do aparelho de Estado, sendo a revolução algo indesejado. Irá explicar também o que é um trabalhador, o que é o trabalhador brasileiro e que ambos são um só. O Estado exerce uma função tutelar sobre os trabalhadores, sendo ele (o Estado ou Vargas?) quem garante a conquista dos direitos, numa fórmula: “o que eu dei a vocês, foram vocês que conquistaram...” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.82). Eis aí a ambiguidade do discurso varguista: ele não permite que os trabalhadores façam as suas próprias reivindicações, nem se organizem fora do Estado. O populismo varguista, nesse contexto, pode ser sintetizado pela ação tutelar do Estado e pela colaboração entre empregados e empregadores26 26 E talvez este seja o parágrafo mais lapidar da autora sobre como populismo de Vargas se entranhou em nossa formação social: “Tendo constituído ‘o povo brasileiro’ como ‘uma massa’, negando à classe operária sua existência fora dele mesmo ou do Estado, Vargas só a tornou politicamente ‘fraca’; e esta fraqueza da classe operária será decisiva para a sequência da história brasileira” (LIMA, 1990, p.114). .

Tendo já percorrido o trajeto discursivo de Vargas, a autora irá abordar os extratos em que o termo “povo” aparece. Será o discurso de 1938 que ocupará uma posição importante nessa análise, pois ele é o ponto introdutório da mise-en-scène do encontro de Vargas (o Estado) com os trabalhadores (o povo). Curiosamente, esse será o único discurso de 1º de maio em que o termo “povo” não aparece de forma explícita. É justamente nesse discurso que também se encontra o léxico sob o qual Vargas elaboraria a sua noção de povo. São os seguintes termos que tecem a trama: trabalho; trabalhador; colaboração, operário; país; Brasil; Lei do salário mínimo; classes sociais/classes; empregados e empregadores; aspiração; reajustamento (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.). Uma SDA que funciona como elo da unidade léxica que intercruza direta e indiretamente esses termos é a seguinte: “É preciso a colaboração de uns e outros no esforço espontâneo e no trabalho comum em bem (da harmonia entre empregados e empregadores), da cooperação e do congraçamento de todas as classes sociais” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.119).

Nos discursos que correspondem ao período do Estado Novo, Vargas constrói o (seu) povo, ao passo que nos discursos de seu retorno na década de 1950 construirá o povo brasileiro falando ao povo do povo (brasileiro) (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.). Povo esse que ele criou e que fez existir nele mesmo. Em outros termos, a existência do próprio povo brasileiro é precedida pela argumentação estatal, sendo inconcebível para Vargas um povo fora dele: “A ideia de que possa existir um outro organizador do povo brasileiro era evidentemente insuportável para Vargas; ela é mesmo seu impensável...” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.180).

Em síntese, será por meio do populismo desenvolvido por Vargas que diferentes linhas de continuidade dessa forma de governo irão se inscrever na história política brasileira, não só nos dois governos subsequentes a Vargas27 27 “No caso extremo, poderíamos dizer que o populismo se estruturou em torno de uma ‘relação imaginária’ entre o Estado e as massas populares (e em particular ‘os trabalhadores’, quer dizer, antes de tudo, ‘os operários’); Vargas I (o ‘pai nutriente’), Vargas II (o ‘pai pedagogo’); Kubitschek (‘o irmão dos trabalhadores’) e Goulart (‘o filho de Vargas’, e por conseguinte Vargas III)” (LIMA, 1990, p.182). (Juscelino Kubitschek e João Goulart), mas também encontrará linhas de continuidade retórica na ditadura militar e no lulismo – o que não apaga, por sua vez, as grandes diferenças entre esses regimes políticos (AVELAR, 2019AVELAR, I. A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo. Estado de S. Paulo, Estado da Arte, São Paulo, 07 abr. 2019. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/a-hiperbole-e-o-brasil-grande-do-varguismo-ao-lulismo/. Acesso em: 16 jul. 2019.
https://cultura.estadao.com.br/blogs/est...
). Nesses regimes, defende Avelar (2019)AVELAR, I. A hipérbole e o Brasil grande, do varguismo ao lulismo. Estado de S. Paulo, Estado da Arte, São Paulo, 07 abr. 2019. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/blogs/estado-da-arte/a-hiperbole-e-o-brasil-grande-do-varguismo-ao-lulismo/. Acesso em: 16 jul. 2019.
https://cultura.estadao.com.br/blogs/est...
, mobilizou-se a hipérbole do Brasil Grande. Fundem-se, nessa imagem, as noções de nação e de povo, de forma que é na grandeza do Brasil que se expressa a grandeza de seu povo. Vargas marcaria, portanto, o início de uma prática discursiva que encontraria a reprodução de seus efeitos políticos por décadas. O trabalho de Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., nesse sentido, ajuda-nos a compreender algumas das linhas de continuidade e ruptura que atravessam a construção discursiva da política brasileira.

Considerações finais: uma lembrança que cintila num instante de perigo

Em nossa pesquisa, promovemos um resgate da trajetória intelectual de Maria Emilia Amarante Torres Lima. Como já dito em outro momento nesse texto, ao narrarmos uma memória, não estamos simplesmente descrevendo um passado, mas articulando-o ao presente. O nosso trabalho, portanto, não trata simplesmente de devolver uma memória à Análise do Discurso, porém de permitir que ela se inscreva e signifique nessa história.

Em 2019, ano em que este texto é redigido, comemoram-se os cinquenta anos da publicação da Análise Automática do Discurso de Michel Pêcheux. Não seria também o momento de revisitar como se deu a elaboração da narrativa dessa disciplina no Brasil? Outra pergunta que fica a ser respondida é por que a obra de Lima segue no esquecimento na Análise do Discurso. O rastro que se inscreve nessa lembrança cintila num instante de perigo: no momento em que se mantém o silenciamento dessa importante trajetória acadêmica, perpetua-se uma indigência da memória.

Dizer que a Análise do Discurso tem uma história que antecede o seu movimento de institucionalização não consiste em pôr abaixo o edifício teórico sobre o qual ela foi construída, mas em mostrar que ela é, em sua gênese, um empreendimento fundamentalmente indisciplinar. Espaço de movimentação teórica. E é justamente nesse sentido que o trabalho de Lima constitui um marco. E não só isso. Ela também convida que nos percamos nas águas do discurso, a entrar na aventura de pescar os seus significados e funcionamento:

É assim o discurso: ambíguo, traiçoeiro, fiel, com falhas, cheio de enigmas, procuramos nele um sentido coerente ou não, queremos desvendar seu segredo, “compreendê-lo”, apreendê-lo, torná-lo presa de nosso intelecto. Mas o discurso se esvai, toma seu curso, e parece que nossos recursos se tornam impotentes diante de sua soberania. Fazer o quê? Que tal, ao invés de dominá-lo, competir com sua imponência, navegarmos nessas águas significantes, interromper, romper seu curso, acompanhar seu movimento, como pesquisadores sempre em movimento? (LIMA, 2003LIMA, M. E. A. T. Análise do discurso e/ou análise do conteúdo. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 9, n. 13, p.76-88, jun. 2003. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/vie. Acesso em: 25 fev. 2019.
http://periodicos.pucminas.br/index.php/...
, p.87).

Deixar-se mergulhar no discurso, brincar com as palavras e a política que se formam na espuma de suas águas, resgatar histórias e memórias que vêm no balanço de suas ondas. Não seria isso uma metáfora para o movimento de leitura-escritura do analista do discurso?

  • 1
    “[...] o rastro inscreve a lembrança de uma presença que não existe mais e que sempre corre o risco de se apagar definitivamente. Sua fragilidade essencial e intrínseca contraria assim o desejo de plenitude, de presença e de substancialidade que caracteriza a metafísica clássica” (GAGNEBIN, 1998GAGNEBIN, J. M. Verdade e memória do passado. Projeto História (PUCSP), São Paulo, v. 17, p.213-222, nov. 1998. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/revph/article/view/11147/8178. Acesso em: 17 mai. 2019.
    https://revistas.pucsp.br/revph/article/...
    , p.218).
  • 2
    “Ora, o passado é realmente passado ou, como diz Proust, perdido, ele não volta enquanto tal, mas só pode ressurgir, diferente de si mesmo e, no entanto, semelhante, abrindo um caminho inesperado nas camadas do esquecimento” (GAGNEBIN, 1997GAGNEBIN, J. M. Sete aulas sobre linguagem, memória e história. Rio de Janeiro: Imago, 1997., p.102).
  • 3
    Maldidier (2003)MALDIDIER, D. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Campinas: Pontes, 2003. nos conta que esse texto, um projeto de pesquisa, foi redigido em 1983, porém só foi publicado postumamente, em 1990. Consideraremos 1983 como data de referência.
  • 4
    Não nos estenderemos na exposição da análise discursiva que é desenvolvida por Michel Pêcheux. Tendo em vista os propósitos deste texto, iremos nos deter nos pontos de aproximação entre as ideias de Pêcheux e de Gagnebin em torno da questão da memória.
  • 5
    Como consequência do AI-5, o presidente da República adquiria poderes para: decretar o recesso tanto do Congresso Nacional como das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais; suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos; cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais; vetar as garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade; suspender o direito de habeas corpus para os casos de crimes políticos contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular (CODATO, 2004CODATO, A. N. O golpe de 1964 e o regime de 1968: aspectos conjunturais e variáveis históricas. História: Questões & Debates, Curitiba, n. 40, p.11-36, 2004. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/historia/article/view/2735/2272. Acesso em: 2 jun. 2019.
    https://revistas.ufpr.br/historia/articl...
    ).
  • 6
    “Entende-se como Setor, não o departamento de Psicologia Social da UFMG, e sim o grupo que, durante o período que permaneceu na Universidade, trouxe como característica, além do encontro acadêmico e afinidades teóricas, objetivos comuns, buscando novos caminhos de estudos e práticas da Psicologia Social” (ABREU, 2012ABREU, M. A. Uma história do setor de psicologia social da UFMG: invenções, teorias e práticas, 2012, 139 fl. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012., p.10).
  • 7
    É nesse período que Garcia se torna professor de Psicologia Social no curso de Psicologia da UFMG, criado em 1962: “Ao relembrar o Setor de Psicologia Social da UFMG, o nome do Professor Célio Garcia é sempre referenciado. Além de fundador do grupo do Setor, esteve em sua liderança até o ano de 1973, quando se transferiu para o Departamento de Filosofia da UFMG” (ABREU, 2012ABREU, M. A. Uma história do setor de psicologia social da UFMG: invenções, teorias e práticas, 2012, 139 fl. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Instituto de Psicologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012., p.11).
  • 8
    “Os membros do setor se encontravam divididos entre as duas orientações da Psicologia Social daquele momento: a escola francesa e a escola norteamericana. Sem fazer uma escolha definitiva por nenhuma das duas, ambas eram analisadas criticamente. Isto criava condições para a criatividade e a invenção de dispositivos originais” (CAMPOS, GARCIA, 2011CAMPOS, R. H. F.; GARCIA, C. Setor de Psicologia Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – 1964. In: JACÓ-VILELA, A. M. (org.). Dicionário histórico de instituições de psicologia no Brasil. Rio de Janeiro: Imago; Brasília, DF: CFP, 2011, p.406-408., p.406).
  • 9
    Segundo nos conta Machado (2018MACHADO, M. N. M. Análise do discurso: vivências, projetos, pesquisas. In: MACHADO, M. N. (org.). Práticas de análise do discurso. Belo Horizonte: Editora Artesã, 2018, p.11-37., p.13), um contato inicial com Pêcheux foi feito cerca de dois anos antes: “A cada ano, Garcia passava uma temporada na França e, nessas ocasiões, se punha a par do que ocorria acadêmica e culturalmente na Europa. Em 1970 ele já havia contatado os dois Michel, Pêcheux e Foucault, que, um tanto sem se comunicarem diretamente, embora ex-discípulos de um mesmo mestre, estiveram no nascedouro da análise do discurso em 1969”.
  • 10
    Além de Michel Pêcheux, outros dois importantes nomes que também estão no cerne dos debates teóricos que levaram ao surgimento da Análise do Discurso na França são o do linguista Jean Dubois e o do filósofo Michel Foucault. Linhas e tendências diferentes para a AD surgiram a partir desses autores, gerando abordagens diversas para a questão do discurso (MAZIÈRE, 2007MAZIÈRE, F. A análise do discurso: história e práticas. São Paulo: Parábola Editorial, 2007.).
  • 11
    Não há registros que Pêcheux tenha orientado muitas teses de doutoramento. Além de Lima, encontramos o caso de Simone Bonnafous: “BONNAFOUS, Simone. Les motions du Congrès de Metz (1979) du Parti socialiste : processus discursifs et structures lexicales, thèse de 3e cycle, Sciences du langage, Université Paris X-Nanterre, 1980 (directeur : Michel Pêcheux)” (THIEBAULT, 1992THIEBAULT, C. Ouvrages analysés. Mots, n. 30, p.24-38, mar. 1992 [1982]. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/mots_0243-6450_1992_ind_30_1_1669. Acesso em: 1 jul. 2019.
    https://www.persee.fr/doc/mots_0243-6450...
    [1982], p.27). O site francês Id Ref - Identifiants et Référentiels pour l’enseignement supérieur et la recherche, que funciona como um coletor de dados de pesquisadores franceses – uma versão aproximada disso no Brasil seria o site Escavador – aponta que Pêcheux teve mais três orientandos de doutorado: Sergio Perez Cortes, com o trabalho Les conflits dans la formalisation en linguistique, defendido em 1981; Rolande Poullet-Hlacia, com o trabalho Politiques d’alphabétisation en Afrique francophone: étude d’un corpus de rapports de l’UNESCO (1974-1978) selon la méthode de l’analyse automatique du discours (A.A.D.), defendido em 1981; Laura Carrera Lugo, com o trabalho Analyse idéologico-politique de l’institution musée: éléments d’analyse du discours, defendido em 1983. Essas informações podem ser acessadas em: https://www.idref.fr/027062058.Paveau (2008)PAVEAU, M-A. O redemoinho de palavras. Análise do Discurso, inconsciente, real alteridade. Matraga, Rio de Janeiro, v.15, n.22, p.13-p.32, jan./jun. 2008. Disponível em:https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/article/view/27905/19977.Acesso em: 30 jul. 2020.
    https://www.e-publicacoes.uerj.br/index....
    nos informa que a tese de doutorado de Jean-Jacques Courtine, Quelques problèmes théoriques et méthodologiques en analyse du discours, à propos du discours communiste adressé aux chrétiens, defendida em 1980, também foi orientada por Pêcheux.
  • 12
    A autora possui alguns outros textos em sua produção acadêmica, como pode ser conferido em seu Currículo Lattes, mas que não guardam uma relação direta com a Análise do Discurso.
  • 13
    Em tradução livre: “Estudos de certos aspectos do funcionamento da Análise Automática do Discurso: Tratamento de substantivos em expressões fixas e segmentação de um corpus em sequências discursivas autônomas”.
  • 14
    Há certa lacuna de informação em torno da formação de Pêcheux. Henry (1997)HENRY, P. Os fundamentos teóricos da análise automática do discurso de Michel Pêcheux. In: GADET, F; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da UNICAMP, 1997, p.13-38. afirma que a tese de Pêcheux foi em Psicologia Social, enquanto Maldidier (2003)MALDIDIER, D. A inquietação do discurso: (re)ler Michel Pêcheux hoje. Campinas: Pontes, 2003. apenas comenta que Pêcheux obteve agregação em Filosofia em 1963 na École Normale Supérieure e que o primeiro livro dele, Análise Automática do Discurso, publicado em 1969, seria fruto de sua tese de doutoramento. Uma lista de teses defendidas em 1968 na França, apresentada na Revue Française de Sociologie, publicada naquele mesmo ano, afirma que Pêcheux defendeu sua tese no curso de Letras: “Pécheux, Michel. Vers l’analyse automatique du discours. 3e cycle, Lettres, Paris, 13 novembre. Président du Jury: M. Culioli” (DU COLOMBIER, 1968DU COLOMBIER, M. Choix de thèses en sciences sociales (1er janvier-30 novembre 1968). Revue Française de Sociologie, n. 9-4. p.563, 1968. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/rfsoc_0035-2969_1968_num_9_4_1443. Acesso em: 01 jul. 2019.
    https://www.persee.fr/doc/rfsoc_0035-296...
    , p.563).
  • 15
    O horizonte político e teórico implícito nesse método era duplo: o do materialismo histórico animado por Louis Althusser a partir de sua releitura de Marx e a psicanálise de Jacques Lacan. Prática científica e militância política naquele período tinham suas fronteiras borradas. Lembremos que a França ainda estava agitada pelos acontecimentos de Maio de 1968 e que as Ciências Humanas estavam sob a influência do estruturalismo. No campo social, os problemas ligados à desigualdade e discriminação cresciam na Europa ocidental. A condução burocrática do Estado por parte do bloco soviético já não sustentava mais a ideia de uma Internacional Comunista. Para Pêcheux, marxista ligado ao grupo de Louis Althusser, a questão política era central. Daí a sua teorização sobre a ideologia e filiação ao Partido Comunista Francês.
  • 16
    Essa questão da segmentação ou não das ligações anafóricas é retomada por Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990. em sua tese. Ela irá defender que há situações em que a anáfora permite a segmentação – quando, por exemplo, o restabelecimento da anáfora fornece autonomia à frase sem que a referência ao já-dito se torne vaga.
  • 17
    Lembremos que esse texto de Pêcheux, assinado em conjunto com seus colaboradores, marca uma importante fase de crítica e retificação. O texto faz a distinção entre o dispositivo AAD69 e a AAD80, este último marcaria uma nova fase do método. Não nos deteremos nas distinções entre os dois procedimentos, apenas assinalamos que eles possuem como linha de continuidade a (re)construção das trajetórias discursivas que constituem um corpus.
  • 18
    No resumo desse mesmo artigo, suprimido na tradução para o português, é apontado o que cada um dos autores desempenhou no texto: Pêcheux traçou a história do método da AAD69; Léon apresentou o método AAD69; Bonnafous apresentou resultados de uma pesquisa que ela então desenvolvia sobre o discurso socialista; Marandin apresentou alguns resultados e deficiências da AAD69 (PÊCHEUX et al, 1982PÊCHEUX, M. et al. Présentation de l'analyse automatique du discours (AAD69): théories, procédures, résultats, perspectives. Mots, n. 4, p.95-129, mar. 1982. Disponível em: https://www.persee.fr/docAsPDF/mots_0243-6450_1982_num_4_1_1053.pdf. Acesso em: 25 jun. 2019.
    https://www.persee.fr/docAsPDF/mots_0243...
    ). A retificação acerca do texto de Léon e Lima (1979) está contida na seção escrita por Léon.
  • 19
    O texto em questão é Analyse de discours et informatique. Há uma tradução para o português (PÊCHEUX, 2016cPÊCHEUX, M. Análise de Discurso e Informática. In: ORLANDI, E. P. (org.). Análise de Discurso: Michel Pêcheux. Campinas: Pontes, 2016c [1981], p.275-282. [1981]), porém a seção de referências bibliográficas foi suprimida.
  • 20
    A Análise do Discurso inspirada em Pêcheux é bastante difundida no Brasil, especialmente nos cursos de Linguística, Letras e Ciências da Linguagem. Apesar disso, a discussão metodológica da dimensão automática (informatizada) da análise não se desenvolveu no país, mas tomou contornos mais próximos da Linguística. Os principais centros que congregam pesquisadores, eventos e publicações relacionadas à disciplina são a UNESP de Araraquara, a UNICAMP (Campinas) e a UFRGS em Porto Alegre (MACHADO, 2008MACHADO, M. N. M. Análise do Discurso e Psicologia Social: um vínculo esquecido. Mnemosine v. 4, n. 2, p.20-37, 2008. Disponível em: www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemosine/article/view/146. Acesso em: 15 mar. 2019.
    www.mnemosine.com.br/ojs/index.php/mnemo...
    ).
  • 21
    O caso de Carlos Henrique Escobar é bem documentado e explorado na tese de doutorado de Kogawa (2012)KOGAWA, J. M. M. Por uma arqueologia da Análise do Discurso no Brasil, 2012, 209 f. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Araraquara, 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/100084/kogawa_jmm_dr_arafcl.pdf?sequence=1. Acesso em: 03 jul. 2019.
    https://repositorio.unesp.br/bitstream/h...
    . Escobar traduziu um dos artigos de Pêcheux em 1972. Além disso, escreveu livros e artigos com temáticas paralelas às de Pêcheux. Outro autor que também desenvolveu pesquisas tendo os trabalhos de Pêcheux em seu horizonte teórico – que não é citado por Baldini e Zoppi-Fontana (2015)BALDINI, L. J. S.; ZOPPI-FONTANA, M. G. A Análise do Discurso no Brasil. Décalages, v. 1, n. 4, p.1-20, 2015. Disponível: https://scholar.oxy.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1082&context=decalages. Acesso em: 15 abr. 2019.
    https://scholar.oxy.edu/cgi/viewcontent....
    – foi Haquira Osakabe. Em 1975, após um período na França, ele defende sua tese de doutorado em Linguística, na UNICAMP, tendo como uma das bases a AAD. A tese foi publicada em livro pela Kairos, em 1979, com o título Argumentação e discurso político (OSAKABE, 1979OSAKABE, H. Argumentação e discurso político. Kairos: São Paulo, 1979.). O autor também teve como corpus os discursos de Getúlio Vargas, tal como na tese de Lima (1990)LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.. Osakabe (1979)OSAKABE, H. Argumentação e discurso político. Kairos: São Paulo, 1979. introduz a perspectiva integradora da política com a argumentação, sendo um dos primeiros pesquisadores a utilizar os trabalhos de Perelman e de Pêcheux no Brasil. Junto com Carlos Vogt, Carlos Franchi e Rodolfo Ilari, no início dos anos 1970, Osakabe fez parte de um grupo de professores da UNICAMP que passou uma temporada na França para formação acadêmica. O grupo, ao retornar para Campinas, estabeleceu as bases do Departamento de Linguística que, ao lado da Economia e das Ciências Sociais, compunham a área de Humanidades da UNICAMP, alocada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, o embrião que faria surgir, em 1977, o Instituto de Estudos de Linguagem, o IEL. Esse grupo foi responsável por introduzir os estudos da Linguística contemporânea nas universidades brasileiras, além de formarem o primeiro departamento de Linguística criado no Brasil (LEVY, 2006LEVY, C. Onde a linguagem é o eixo da pesquisa. Jornal da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas, p.5, 8 mai. 2006. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/ju322pg05.pdf . Acesso em: 1 jun. 2020.
    https://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_h...
    ).
  • 22
    A esse respeito, Lima relata o seguinte: “Em um encontro com Eni Orlandi, em agosto de 1989, falamos sobre Análise do Discurso e, particularmente, sobre os trabalhos de Michel Pêcheux. Foi-me então apresentada a possibilidade de meu trabalho de tese de 3.º ciclo, dirigido por Michel Pêcheux, ser traduzido para publicação” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.9).
  • 23
    Esse livro e outros textos de Pêcheux foram reunidos e publicados no Brasil com o título Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux (GADET, HAK, 1990GADET, F.; HAK, T. (orgs.). Por uma análise automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990.).
  • 24
    Dada a vinculação teórica da Análise do Discurso ao materialismo histórico, “o discurso representa no interior do funcionamento da língua efeitos da luta ideológica e, inversamente, ele manifesta a existência da materialidade linguística no interior da ideologia” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.22). Em outros termos, todo processo discursivo pertence ao campo da luta ideológica e política de classes.
  • 25
    A autora ressalta, apesar disso, que as condições materiais e ideológicas do populismo já se encontravam presentes antes desse período.
  • 26
    E talvez este seja o parágrafo mais lapidar da autora sobre como populismo de Vargas se entranhou em nossa formação social: “Tendo constituído ‘o povo brasileiro’ como ‘uma massa’, negando à classe operária sua existência fora dele mesmo ou do Estado, Vargas só a tornou politicamente ‘fraca’; e esta fraqueza da classe operária será decisiva para a sequência da história brasileira” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.114).
  • 27
    “No caso extremo, poderíamos dizer que o populismo se estruturou em torno de uma ‘relação imaginária’ entre o Estado e as massas populares (e em particular ‘os trabalhadores’, quer dizer, antes de tudo, ‘os operários’); Vargas I (o ‘pai nutriente’), Vargas II (o ‘pai pedagogo’); Kubitschek (‘o irmão dos trabalhadores’) e Goulart (‘o filho de Vargas’, e por conseguinte Vargas III)” (LIMA, 1990LIMA, M. E. A. T. A construção discursiva do povo brasileiro: os discursos de 1º de maio de Getúlio Vargas. Campinas: Editora da UNICAMP, 1990., p.182).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2021
  • Data do Fascículo
    July/Sept. 2021

Histórico

  • Recebido
    05 Maio 2020
  • Aceito
    28 Abr 2021
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