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“O amor é o que o amor faz” - histórias de representatividade e pertencimento em Amor de cabelo, de Matthew A. Cherry

RESUMO

Este texto reflete sobre a representatividade do cabelo crespo como elemento de pertencimento racial na literatura infantil, ancorando-se no livro Amor de cabelo, do diretor, produtor e escritor negro norte-americano Matthew A. Cherry. Para tanto, investiga como as imagens da ilustradora Vashti Harrison, também uma norte-americana negra, comungam com o texto para expressarem uma visão da pessoa negra e de seu núcleo familiar sem os estereótipos usuais. Cotejando a noção de amor de bell hooks, esta análise empreende uma leitura que vagueia tanto pelos aspectos temáticos como estruturais da narrativa, tendo como hipótese de que o livro, sem fazer alusão direta, é um contradiscurso ao racismo que se origina no período da escravização, cujos efeitos podem ser sentidos até hoje. Do ponto de vista teórico, além de hooks, fundamenta esta leitura uma rede conceitual norteada pelos estudos de Eliane Debus, Grada Kilomba e Nilma Lina Gomes.

PALAVRAS-CHAVE:
Literatura infantil; Cabelo crespo; Autoria negra; Ilustração

ABSTRACT

This text reflects on the representativeness of the kinky hair (or afro-textured hair) as an element of racial belonging in children’s literature, based on the book Hair Love, by the African American director, producer, and writer Matthew A. Cherry. To do so, it investigates how the illustrations by Vashti Harrison, also an African American, align with the text to express a vision of black individuals and of their family without usual stereotypes. Drawing on bell hooks’ notion of love, this analysis undertakes a reading that runs through both thematic and structural aspects of the narrative, hypothesizing that the book, without making direct allusions, serves as a counter-discourse to the racism that originated during slavery, the effects of which can still be felt today. From a theoretical perspective, in addition to hooks, this reading is grounded on a conceptual framework guided by the studies of Eliane Debus, Grada Kilomba and Nilma Lina Gomes.

KEYWORDS:
Children’s literature; Kinky hair; Black authorship; Illustration

Meu cabelo é bem crespinho,
uso black e uso cachos. Às vezes,
meu pai faz um carinho e a mão fica
presa, parecendo um embaraço.
Mas não é. É um convite pra fazer
um denguidacho. Denguidacho
é um carinho mais demorado na
cabeça, nos meus cachos.
Lázaro Ramos (grifo do autor)

Cabeleira que leva as tristezas pra bem longe.
bell hooks

Cabelos e corpo negro

As cenas de violência se reproduzem muitas vezes. No texto Políticas do cabelo, em Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano (2019), de Grada Kilomba, o cabelo da pessoa negra é visto pelo branco como um “sinal repulsivo” que gera reações das mais adversas; desde o gesto de pegá-lo para sentir sua textura até perguntar como se lava, uma espécie de curiosidade mórbida, de estranhamento, resulta em constrangimentos e atrocidades que violam o corpo negro. E por que essas cenas não cessam de se repetir? Para Kilomba, a resposta está na história; é uma herança do passado escravocrata:

Mais do que a cor de pele, o cabelo tornou-se a mais poderosa marca de servidão durante o período de escravização. Uma vez escravizadas/os, a cor da pele de africanas/os passou a ser tolerada pelos senhores brancos, mas o cabelo não, que acabou se tornando um símbolo de “primitividade”, desordem, inferioridade e não civilizado (Kilomba, 2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 127; grifos da autora).

Até que ponto a visão do navio negreiro, com seus escravizados e escravizadas que tinham os cabelos cortados antes ou pouco depois do navio atracar, se reproduz no corpo-memória da pessoa negra como parte do processo de segregação racial? Essa é uma questão que diz respeito também aos modos como a arte e a literatura exibem as suas imagens que acabam por moldar o nosso olhar tanto em relação ao passado quanto ao presente.

A escritora e jornalista Bianca Santana, em Quando me descobri negra (2023SANTANA, Bianca. Quando me descobri negra. Ilustrações Mateu Velasco. São Paulo: Fósforo, 2023.), no capítulo O racismo nosso de cada dia escancarado no meu cabelo, narra a dificuldade que teve, por longos anos, para “ganha[r] confiança em soltar o cabelo, bem armado” (2023, p. 34). Não se trata de uma dificuldade entre outras. Relaciona-se à história da escravização, evocada por Kilomba, e seus efeitos até aos dias de hoje. O desejo de segregação impõe ao corpo negro sempre uma posição de menor valor, associando-o a narrativas de subordinação. O cabelo, nesse contexto, é visto como a parte indomável; logo, tem sido continuamente manipulado. No verbete Cabelos e identidade negra, do Dicionário escolar afro-brasileiro (2015), Nei Lopes expõe que “o cabelo crespo de africanos e descendentes é o principal elemento definidor de sua origem. Por isso, no Brasil e nas Américas, nas tentativas de fugir a essa marca, por imposição do padrão branco de beleza, quase sempre se empregaram expedientes como o de raspar ou alisar os cabelos” (2015, p. 36).

Daí porque em alguns países, diante de discursos racistas, sexistas e machistas, políticas de (auto)afirmação da negritude se conjugaram em torno do cabelo. As imagens das mulheres e homens, com seus cabelos volumosos e encarapinhados1 1 Expressão usada por Nei Lopes no verbete “Cabelos e identidade negra”, do Dicionário escolar afro-brasileiro (2015, p. 36). , do movimento Black Power norte-americano, no final dos anos 1960 e início dos anos 1970, talvez sejam as mais potentes a alicerçarem o contradiscurso de diversos movimentos negros que, a partir daí, atuaram para a mudança de mentalidades. No texto “Alisando o nosso cabelo”, a ativista e escritora norte-americana bell hooks afirma o seguinte: “Foi nesse momento em que os penteados afros, principalmente o black, entraram na moda como um símbolo de resistência cultural à opressão racista e fora considerado uma celebração da condição de negro(a)” (2008, on-line). O cabelo solto, crescendo “para cima”, denota, assim, uma rebelião cuja força advém do fato de incorporar-se a um discurso de conscientização racial, demarcando o caráter identitário de pertencimento a um grupo social e cultural.

A soltura dos fios naturais, entretanto, não é o único modo de fazer política com o cabelo. Kilomba afirma que “Dreadlocks, rasta, cabelos crespos ou ‘black’ e penteados africanos transmitem uma mensagem política de fortalecimento racial e um protesto contra a opressão racial. Eles são políticos e moldam as posições de mulheres negras em relação a ‘raça’, gênero e beleza” (2019, p. 127). Toda uma história visual, por exemplo, é contada através dos diferentes penteados que fazem parte da cultura do continente africano, distinguindo etnias, classes, localidades. Literalmente, mulheres carregam em suas cabeças uma prática milenar que continua viva. Segundo Nilma Lino Gomes, a partir dos estudos de Sylvia A. Boone sobre a cultura Mende de Serra Leoa, “[...] uma cabeça grande e com muito cabelo eram qualidades que as mulheres africanas queriam ter. [...] Ele [o cabelo] deveria ser limpo, asseado e penteado com um determinado estilo, geralmente um desenho específico de trança, conforme a tradição de cada grupo étnico” (2003, p. 82). Ainda segundo a autora do livro Sem perder a raiz: corpo e cabelo como símbolos da identidade negra (2020), no texto “Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural?”, “[o] corpo evidencia diferentes padrões estéticos e percepções de mundo. Pinturas corporais, penteados, maquiagem adquirem, dentro de grupos culturais específicos, sentidos distintos para quem os adota e significados diferenciados de uma cultura para outra” (2002, p. 42). Embora hoje a origem de muitas dessas práticas tenha se perdido, os rastros de filiação à cultura negra são inquestionáveis, a ponto de gerar debates acerca da apropriação cultural a cada vez que pessoas brancas se apossam desses símbolos.

Todos esses pontos estão e não estão no livro Amor de cabelo (2020), do diretor, produtor e escritor negro norte-americano Matthew A. Cherry. Ao contar a história de um dia na vida de uma menina que deseja fazer um penteado em seu cabelo crespo para uma ocasião especial, sem tratar no plano do discurso dos antagonismos que margeiam esse cabelo, o autor subverte qualquer sinal de negatividade. A ausência de problematização na representatividade da criança negra, aqui, é marca de insurgência contra o racismo que parte de sua comunidade de leitores mirins precisa confrontar cotidianamente. É impressionante como o deslocamento de questões tão complexas se dá pela ausência da crítica expressa, o que, em última instância, barra a didatização, mas não a reflexão. Antes de vermos como isso se dá, trataremos de alguns postulados que configuram e reconfiguram os cabelos da pessoa negra na literatura infantil.

1 Cabelos e corpo negro na literatura infantil (com um pouco da escola)

Uma das razões da singeleza das imagens de Amor de cabelo chamar a atenção advém do fato de ainda serem pouco usuais, sendo mais comum o mundo visível confinar a pessoa negra na condição de açoitada, marcada por ferros ou mutilada. A representação de dada cultura como coisa de negro, por vezes, está a serviço do gozo visual pelo exótico - imagens de homens na capoeira, mulheres vestidas de baianas, trançados de cabelo são exemplos correntes. O caráter contestatório do corpo negro é invisibilizado para sustentar discursos racistas que colocam a cor da pele e o tipo do nariz, da boca e do cabelo da pessoa negra como diferentes. E uma “diferença”, como sustenta Kilomba ao tratar do cabelo, “[...] usada como uma marca para a invasão” (2019KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019., p. 121).

Daí porque a relação com o corpo, entre os povos negros, especialmente o cabelo, resulta em experiências complexas, que vão desde a rejeição ao cabelo natural à aceitação e consequente compreensão de que a celebração do corpo é também “[...] uma luta libertadora que libera a mente e o coração” (hooks, 2008, on-line). Para bell hooks, esse rito de passagem estava diretamente associado à relação que ela tinha com o seu cabelo: “[a] verdadeira liberação do meu cabelo veio quando parei de tentar controlar em qualquer estado e o aceitei como era. Só há poucos anos é que deixei de me preocupar com o quê os outros possam dizer sobre o meu cabelo” (2008, on-line). Na perspectiva ficcional, hooks materializa essa condição ao publicar o livro Meu crespo é de rainha (2018). O texto verbal e o visual funcionam como um convite à ressignificação do cabelo crespo, “[...] como também nos possibilita olhar para a ancestralidade, pois, ao pensarmos em cabelo crespo de rainha, impossível não lembrarmos das grandes rainhas africanas e suas relações com o cabelo como símbolo de poder e pertencimento” (Carvalho, 2019CARVALHO, Iago Vilaça de; NASCIMENTO, Brenda Iolanda Silva do; ALMEIDA, Stella; COSTA, Fernanda Antunes Gomes da. Caminhos decolonais possíveis no ensino de ciências das séries iniciais: um diálogo com a obra Meu crespo é de rainha. ACTIO: Docência em Ciências, Curitiba, v. 4, n. 3, pp. 553-571, set./dez. 2019. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/actio/article/view/10532. Acesso em: 20 out. 2023.
https://periodicos.utfpr.edu.br/actio/ar...
, p. 564).

Em um texto de 1978, intitulado “Preconceito de cor: diversas formas, um mesmo objetivo”, Kabengele Munanga afirma que a discriminação foi construída pelo sujeito branco em prol da legitimidade da sua supremacia (1978, p. 146). Para afirmar a sua superioridade, desconstruiu-se a imagem do outro; nesse caso, a do sujeito negro. Em contrapartida, na tentativa de se desvencilhar da condição de inferioridade a que foi submetido, o negro “[...] projeta sua salvação numa ideologia de branqueamento” (Munanga, 1978, p. 146). Um exemplo dessa ideologia é citado pelo antropólogo e professor brasileiro-congolês:

A mulher negra continua a usar peruca e alisar o cabelo para se parecer com a branca, que é o ponto de referência de beleza humana. Em países onde a autoridade pública conseguiu banir a peruca, resiste de cá e de lá o creme cosmético e o pente de alisar, especialmente fabricados para os cabelos das mulheres negras (Munanga, 1978MUNANGA, Kabengele. Preconceito de cor: diversas formas, um mesmo objetivo. Estados Unidos, África e Brasil. Revista de Antropologia, vol. 21, 2.ª parte, pp. 145-153, 1978. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/131553/127861. Acesso em: 19 out. 2023.
https://www.revistas.usp.br/ra/article/v...
, p. 149).

Essa consequência do colonialismo, a que Munanga chamou de “alienação”, é uma das perversidades do racismo, ou, como expresso por Stuart Hall ao se denominar como “homem negro jamaicano”, era um modo de fazer com que “[...] experimentássemos a nós mesmos como ‘outros’” (1996, p. 70; grifos do autor), sendo que, para ele, nos casos extremos, “[a] expropriação íntima da identidade cultural deforma e leva à invalidez” (1996, p. 70).

A expropriação da história da pessoa negra, difundida sob o signo da violência da escravização, tem início ainda na infância. No livro Quem tem medo do feminismo negro (2018), Djamila Ribeiro faz o seguinte depoimento: “[...] todo dia eu tinha que ouvir piadas envolvendo meu cabelo e a cor da minha pele. [...] Quando aparecia a figura de uma mulher escravizada na cartilha ou no livro, sabia que viriam comentários como ‘olha a mãe da Djamila aí’” (Ribeiro, 2018, p. 7-8). Gomes também chama a atenção para a reiteração dos estereótipos direcionados à criança negra no espaço da escola:

Na escola também se encontra a exigência de “arrumar o cabelo”, o que não é novidade para a família negra. Mas essa exigência, muitas vezes, chega até essa família com um sentido muito diferente daquele atribuído pelas mães ao cuidarem dos seus filhos e filhas. Em alguns momentos, o cuidado dessas mães não consegue evitar que, mesmo apresentando-se bem penteada e arrumada, a criança negra deixe de ser alvo das piadas e apelidos pejorativos no ambiente escolar (Gomes, 2002GOMES, Nilma Lino. Trajetórias escolares, corpo negro e cabelo crespo: reprodução de estereótipos ou ressignificação cultural? Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 21, pp. 40-51, 2002 (set./out./nov./dez.). Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbedu/a/D7N3t6rSxDjmrxrHf5nTC7r/?format=pdf⟨=pt. Acesso em: 13 out. 2023.
https://www.scielo.br/j/rbedu/a/D7N3t6rS...
, p. 45; grifo da autora).

A reiteração desse sequestro da beleza negra se projeta também em livros de literatura destinados às crianças. Durante muito tempo, não se viam personagens negras na literatura infantil e quando apareciam eram representadas de maneira negativa e em condição de vulnerabilidade. Ou eram crianças de rua que passavam todo tipo de privação, produzindo o apiedamento; ou eram a representação da docilidade servil, demarcando um papel de subserviência; ou eram personagens que espelhavam a máxima do preconceito ao serem postas como negras de alma branca (Debus, 2017DEBUS, Eliane. A temática da cultura africana e afro-brasileira na literatura para crianças e jovens. São Paulo: Cortez, 2017., p. 30). Essas agressões faziam parte do processo de construção da invisibilidade do sujeito negro. Na chamada literatura infantil clássica, formada principalmente pelos contos de fadas de origem nórdica, as princesas são tão brancas como a neve, e os príncipes, moços loiros de olhos azuis. Também na animação a história se repete. Somente em 2009, os Estúdios Disney criaram uma história com uma princesa negra, embora ainda se reforçassem estereótipos do imaginário branco referente à pessoa negra. De todo modo, Tiana, personagem de A princesa e o sapo, marcou a representatividade afro-americana, e o filme foi aclamado pela crítica e pelo público. Em 2023, a Disney lançou uma versão de A pequena sereia, em live-action, sendo Ariel uma princesa negra. E mais uma vez, em vez de se fazer a contação de histórias ligadas à cultura negra, afro-diaspórica, optou-se por encarnar a negritude na branquitude.

Entretanto, no que diz respeito à literatura infantil, em diversos países, e esse é o caso do Brasil e dos Estados Unidos (EUA), há mudanças substanciais, apesar do intenso debate que questiona desde a validade à complexidade dessa literatura, isso porque, de um lado, está o adulto no processo de produção e, do outro, a criança como destinatária, o que pode resultar no silenciamento de sua voz. Discute-se também sobre o conceito, o valor estético-literário, a articulação (ou não) entre as linguagens verbal e visual, como também se pergunta sobre o papel dos mediadores de leitura e do mercado editorial.

Até mesmo a definição de literatura infantil é complexa. Peter Hunt, no livro Crítica, teoria e literatura infantil (2010HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Tradução Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2010.), destaca o seguinte:

Definir literatura infantil pode parecer uma demarcação de território, mas apenas na medida em que o objeto necessita alguma delimitação para ser manejável. No entanto, a despeito da instabilidade da infância, o livro para criança pode ser definido em termos do leitor implícito. A partir de uma leitura cuidadosa, ficará claro a quem o livro se destina: quer o livro esteja totalmente do lado da criança, quer favoreça o desenvolvimento dela ou a tenha como alvo direto (Hunt, 2010HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Tradução Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2010., p. 100).

Ainda para Hunt, uma parcela significativa da crítica literária tende a analisar essa literatura como sendo menor justamente em razão desse público. Um ponto importante está no fato de que, na sua origem, aspectos didáticos, pedagógicos e moralizantes se sobrepuseram ao literário, tratando os aspectos estéticos de modo secundário. Já outra parcela da crítica literária - e desse segmento fazem parte tanto especialistas da área como autores e ilustradores - tem dado um passo adiante com o objetivo de analisar a literatura infantil a partir das especificidades das linguagens verbal e visual, da elaboração do projeto gráfico, conciliando a perspectiva temática aos modos de dizer que constituem a linguagem dos escritores.

Para Eliane Debus, a “literatura infantil e juvenil, como produção cultural que tem seu foco na linguagem, obedece a critérios esteticamente literários” (2017, p. 28), o que nem sempre se traduz nos modos de leitura, que continuam a dar mais ênfase aos aspectos pedagógicos. De acordo com essa estudiosa, o “texto literário partilha com os leitores, independente da idade, valores de natureza social, cultural, histórica e/ou ideológica, por ser uma realização da cultura e estar integrado num processo comunicativo” (2017, p. 29), porém o faz de modo indireto, estipulando negociações com os múltiplos sentidos do tecido ficcional. Celso Sisto, escritor e ilustrador de livros infantis e juvenis, ao tratar desse tema, alude para o conceito de “lugar desviante” (2005, p. 12), sendo esse um “território aberto” (2005, p. 121), pois diz respeito ao poético, “[...] ao modo como a obra se relaciona com a realidade”, como se dirige ao leitor e como determinado texto se relaciona com outros textos (2005, p. 121). É ponto pacífico, nessas reflexões, que a literatura infantil conjuga o plano estético e o temático, apesar da tendência de, na leitura, se privilegiar o segundo; como as outras artes, participa da circunscrição do real no seu campo ficcional. Nas palavras de Sisto, “[d]ito de outra forma, os elementos textuais se referem à literariedade (o que é o literário do texto?), à intenção (quem fala na obra?), à representação (sobre o que a obra fala?), à recepção (para quem a obra fala?)” (Sisto, 2005, p. 121).

O papel da ilustração não é uma questão menor nesse debate, pois analisar um livro de literatura infantil envolve também olhar cuidadosamente para a disposição das imagens; se há aproximação, complementariedade, simbiose ou ruído entre texto verbal e texto visual. Para Cristina Biazetto, ilustradora e escritora de livros destinados às crianças, “[a] ilustração não referencia somente espaços do texto: ela reflete um universo e um modo de ver particular do ilustrador, que imprime em seu trabalho o seu conhecimento e sua experiência” (2008, p. 75). Quanto à recepção, vale a máxima do renomado autor e ilustrador brasileiro Rui de Oliveira: “Acredito que uma das funções primordiais da ilustração é criar a memória afetiva e feliz da criança” (2008, p. 44).

No meio dessas contendas, a publicação de livros escritos por autoras e autores negros aumentou a presença de crianças negras na condição de protagonistas, em livros que tratam de assuntos como o empoderamento de sua cultura e o reconhecimento da ancestralidade. Além disso, tem havido o reposicionamento de personagens reais que haviam sido banidas dos registros oficiais da História.

Nas duas primeiras décadas deste século XXI, apareceram no mercado editorial livros que se constituem em “novas práticas culturais”, para usar a célebre expressão de Hall (1996HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. Tradução Regina Helena Froes e Leonardo Froes. Revista do patrimônio histórico e artístico nacional, Brasília, n. 24, pp. 68-75, 1996. Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat24.pdf. Acesso em: 20 out. 2023.
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), que, em vez de resgatar uma identidade, a escava, em um movimento incessante de elaboração de novas identidades. Participam desse movimento de “escavação”, de “produção”, entre tantos outros títulos, livros como Meu crespo é de rainha (2018), de bell hooks, Sulwe (2019), de Lupita Nyong’o, e Amor de cabelo (2020), de Matthew A. Cherry, todos de autores norte-americanos; Chico Juba (2011), de Gustavo Gaivota, O cabelo de Lelê (2012), de Valéria Belém, e O black power de Akim (2020), de Kiusam de Oliveira, de autores brasileiros. Esses livros têm em comum o fato de serem protagonizados por crianças negras cujas narrativas afirmam a sua identidade racial no modo como usam os seus cabelos. Resguardadas as especificidades de cada narrativa, há um mote que as une, a saber, as discussões sobre o cabelo crespo, a ponto de humanizá-lo, como ocorre em Amor de cabelo.

2 O livro Amor de cabelo (acompanhado de alguns outros)

Hair love, traduzido para o português como Amor de cabelo, é o livro de estreia do escritor norte-americano Matthew A. Cherry, mais conhecido no cenário artístico como diretor, produtor e editor de cinema. O livro foi publicado em maio de 2019 nos Estados Unidos e, logo em seguida, teve a sua versão lançada em forma de animação2 2 Produzido pela Sony Pictures Animation, o curta de animação Hair love tem 6 minutos e 47 segundos de duração e estreou em 14 de agosto de 2019, nos EUA. O filme foi disponibilizado pela produtora no YouTube e à época dessa disponibilização passava de 19 milhões de visualizações. Hair love está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kNw8V_Fkw28. Acesso em: 18 out. 2023. . Dirigido por Cherry e Bruce W. Smith, foi vencedor do Oscar de melhor curta-metragem de animação, em 2020. Amor de cabelo narra a história de Zuri, uma garotinha negra que tem cabelos com vida própria e que recebe a ajuda do pai para lidar com eles por se tratar de uma ocasião especial. A ilustração assinala, de imediato, que não se trata de explicitar mal-estar acerca de seu cabelo, nem mesmo de maneira alusiva. A segurança, a firmeza, a alegria de Zuri advêm da proteção representada primeiro pela figura paterna e, após, pela materna. Não à toa tudo se passa em ambientes da casa, onde as cores contrastantes convivem com as de tons pastéis, indicando ao mesmo tempo força e harmonia.

A história contada na animação tem mais fatos do que a do livro, contudo algumas questões as aproximam, a saber, a representatividade da família negra, o vínculo entre pai e filha e o protagonismo dos cabelos crespos de Zuri. No caso do livro, uma das escolhas mais acertadas de Cherry foi dar voz à Zuri. A narradora-personagem conta a sua história em primeira pessoa. Essa perspectiva, diferentemente da narração em terceira pessoa, cria, segundo Cuti no livro Literatura negro-brasileira (2010CUTI (Luiz Silva). Literatura negro-brasileira. São Paulo: Selo Negro, 2010.), “uma ilusão de testemunho” que, ao ressaltar a verossimilhança, gera empatia. Para ele, “[d]essa maneira, a literatura negro-brasileira surge para os leitores como uma singular oportunidade de reflexão relativa às suas convicções e fantasias pessoais” (2010, p. 87) - reflexão e também quebra do silenciamento imposto à pessoa negra. Esse traço estrutural do livro se torna ainda mais representativo se considerarmos que a opção por narrativas na perspectiva da primeira pessoa é menos usual na literatura infantil. Na verdade, começaram a aparecer com o advento do reconhecimento da infância como uma fase diferente da vida adulta. Se a criança tem a sua imagem social alterada, isso quer dizer que pode ter também o seu “lugar de fala”, fazendo uma breve alusão à expressão que também é título do livro de Djamila Ribeiro (2019RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.), ainda que esse “lugar de fala” esteja mediado pela voz do adulto que concebe o que é dito, ficcionalmente, pela voz da criança.

A identificação propiciada pela narração em primeira pessoa estende-se ao que é dito pela narradora-protagonista, o que, no jogo da fantasia próprio da leitura nessa idade, tende a tornar-se uma referência para a criança: “Meu nome é Zuri, e tenho cabelos com vida própria. Eles se torcem, se enrolam, se viram e reviram de todas as formas” (Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p). Iniciar pela nomeação não é um indicador qualquer; é já um sinal de reconhecimento do protagonismo, que se reforçará no decorrer da história, em que a “vida própria” dos cabelos estará sempre condicionada à vontade da sua dona, cujas expressões de descontentamento a cada vez que os penteados não saem como esperado são a tônica da história. De acordo com o Dicionário de nomes próprios (on-line), o nome “[...] Zuri tem origem a partir da língua suaíli, uma das línguas oficiais de alguns países africanos como o Quênia, a Tanzânia e a Uganda”3 3 Disponível em: https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/zuri/. Acesso em: 23 out. 2023. . Carrega, assim, a herança da história de seus antepassados. Além disso, Zuri também significa “menina bonita”. A junção dos sentidos de ancestralidade e beleza percorre a narrativa nos diversos penteados apresentados, de tal modo que cada um é representativo de uma memória coletiva de pertencimento.

A história contada por Zuri acontece em um dia ao mesmo tempo corriqueiro e especial em sua vida, e o final da narrativa explicará a razão. Todos os movimentos da narradora, desde que acorda até ao momento do encontro tão ansiado, giram em torno do desejo que ela tem de fazer um penteado diferente no seu cabelo. E dessa saga participa o pai, pois é ele quem cuida da filha na ausência da figura feminina que, em boa parte da narrativa, está como uma ausência presumida. De acordo com Stephanie Borges, em resenha na revista Quatro cinco um, e a partir da entrevista de Cherry ao jornal The New York Times, a proposta era mostrar “[...] a imagem de um pai negro que participa da criação da filha” (2020, on-line). Na maioria das vezes, não é essa visão que a sociedade tem desses pais; ao contrário, as imagens consagradas do homem negro - englobadas nas figuras do malandro, do bandido, do sedutor, do traficante, do trabalhador braçal etc. - usurparam a figura do pai, posto como aquele que abandona.

Na capa do livro, pai e filha ocupam a maior parte desse espaço, indiciando, visualmente, que a história é sobre eles; mais do que isso, a história é sobre o que os une, a saber, o amor. Algo, aliás, um tanto quanto inusual na literatura infantil, se considerarmos que é mais comum livros que tematizam a relação entre mãe e filha. Um exemplo disso é o livro Sulwe (2019), da atriz e produtora de cinema Lupita Nyong’o. Nessa narrativa, Sulwe, uma menina que “nasceu com a pele cor da meia-noite” (Nyong’o, 2019, s/p), está em crise porque “[e]la não se parecia com ninguém da família” (Nyong’o, 2019, s/p). Segundo a menina, “[a] mamãe tinha a cor da aurora, o papai tinha a cor do crepúsculo e Mich, irmã, tinha a pele da cor do meio-dia” (Nyong’o, 2019, s/p). É para a mãe que Sulwe fala da dor de não se parecer com as pessoas de sua família. O processo de autoaceitação da menina passa pela relação de amor que existe entre ela e sua mãe. Em determinado momento da narrativa, a mãe fala para ela: “- O brilho não está na sua pele, meu amor. Você é o brilho [...] Quanto à beleza: você é linda! [...] - Bem, você é linda aos meus olhos. Mas não pode depender da sua aparência para que se sinta bonita, meu amor. A real beleza vem da sua mente e do seu coração” (Nyong’o, 2019, s/p). As palavras da mãe de Sulwe desencadeiam nela o desejo da autodescoberta a ponto de compreender que “[o] mundo era o seu lugar! Escura e bela, forte e cheia de brilho” (Nyong’o, 2019, s/p).

Um livro da literatura infantil brasileira que também tematiza o cuidado que a mãe tem pela filha é Menina bonita do laço de fita (2009), de Ana Maria Machado. Esse livro, publicado em 1986, é considerado um clássico, tendo sido um dos primeiros a ter uma menina negra como protagonista. Atualmente, quase 40 anos depois da sua publicação, alguns estudiosos têm apontado problemas, a começar pelo uso dos termos “pretinha” e “mulata” e o fato de a coelha, caracterizada como “pretinha” na linguagem verbal, aparecer retratada pela cor marrom na ilustração. Contudo destacamos o fato de ser um livro que apresenta a relação de amor entre mãe e filha. O texto verbal assegura essa condição quando o narrador afirma que “[...] a mãe gostava de fazer trancinhas no cabelo dela [da filha] e enfeitar com laço de fita colorida” (Machado, 2009, s/p).

A ilustração, feita por Claudius Ceccon para o livro Menina bonita do laço de fita, por possuir sintaxe e semântica próprias, expande a imagem do cuidado, do amor e do afeto. A mãe, ao trançar os cabelos da filha, reafirma um gesto próprio de sua cultura e, desde cedo, mostra-lhe a importância de valorizar seus traços de pertencimento étnico-raciais e, por consequência, a sua história. Mais do que isso, cria-se uma ambiência afetiva pela maneira como texto verbal e texto visual são colocados na página, quase que um tocando no outro. “Muitas vezes, o texto está imerso nas imagens, numa combinação espacial única, de forma que sua leitura acontece simultaneamente à leitura da imagem. São linguagens complementares que dialogam não só, entre si, como também com o leitor, simultaneamente” (Fittipaldi, 2008FITTIPALDI, Ciça. O que é uma imagem narrativa? In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. pp. 93-121., p. 117). Sulwe, Menina bonita do laço de fita e Amor de cabelo inserem-se nessa proposta aventada por Ciça Fittipaldi.

Na capa do livro Amor de cabelo, o amor incondicional está expresso na troca de olhares entre Zuri e seu pai. O fato de a menina estar nos seus ombros diz muito sobre passarem juntos pelas adversidades. É como se ele dissesse: “eu vou te carregar em todos os momentos da sua vida”. Ou seja, as escolhas feitas pela ilustradora Vashti Harrison materializam o amor que está no título. E isso tem relevância, pois o primeiro contato com um livro, geralmente, se dá pela capa. Em Era uma vez uma capa: história ilustrada da literatura infantil (2008), o autor Alan Powers traça o percurso que tornou a capa parte essencial do que está no miolo do livro, antecipando os prazeres da leitura. Sophie Van der Linden, em Para ler o livro ilustrado (2011LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. Tradução Dorothée Bruchard. São Paulo: Cosac Naify, 2011.), também destaca essa característica, chamando a atenção para o fato de que o pacto de leitura se estabelece desde aí; pela capa, pode-se antever o estilo da ilustração, projetar o tipo de discurso e até mesmo o gênero. É como se momentos importantes da história já estivessem ali inscritos por meio de uma “prolepse visual”. Por exemplo, a imagem da menina e de seu pai, colocada em primeiro plano, é um convite para se pensar na aventura (ou nas aventuras) que será vivenciada pelos dois. E seja o que for, a atmosfera amena criada pela paleta de cores em tom pastel, que ocupa a outra parte da capa e percorre o livro, anuncia a leveza, o lúdico, o sonho.

O título do livro, e principalmente a tradução para o português, também constrói uma atmosfera de afetividade. Em inglês, o título Hair love significa “amor pelo cabelo”. Caso tivesse sido traduzido literalmente, a imagem seria reduzida a uma expressão corrente, o que também empobreceria a expressão em inglês. Hair love remete à memória de hair care, cuja tradução, entre outras possibilidades, é “cuidado com o cabelo”. E esse cuidado é, decerto, o que a pequena Zuri apresenta. Além disso, a tradução de Hair love por Amor de cabelo acrescenta outro sentido ao título. A opção pela preposição “de” em vez de “pelo” faz com que haja uma torção, um desvio, na gramática, causando estranheza, algo próprio da literatura. Em “amor de cabelo”, o termo “cabelo” funciona como agente da ação e a expressão “de cabelo”, como adjunto adnominal. Algo semelhante ocorre na expressão “amor de mãe” em que “mãe” é agente/sujeito da ação. Contudo, “mãe” é um ser animado, ou seja, tem vida própria. A priori, “cabelo” não tem vida, mas, em algumas partes da história, Zuri refere-se a ele como se tivesse. Em razão da força expressiva das escolhas linguísticas, o cabelo ganha vida. O protagonismo, portanto, não é somente de Zuri, mas também do seu cabelo. Esse modo de olhar para o texto funciona como uma leitura a contrapelo, pois é um convite à desconstrução de estereótipos racistas atribuídos ao cabelo crespo. Nesse caso, quando o cabelo de Zuri se empodera, eleva também a subjetividade da menina, como expresso nas seguintes passagens: “Com uma trança nagô e miçangas, eu sou uma princesa”, “E quando estou com dois puffs poderosos, fico nas nuvens, como uma super-heroína” (Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p).

Se o cabelo de Zuri é empoderado, ou, encantado, como é típico do universo literário infantil, as metáforas “Adoro que meu cabelo seja tão eu” e “Meu cabelo é mamãe, papai e eu” (Chery, 2020, s/p), respectivamente, no início e no desfecho da história, celebram o seu pertencimento e autoidentificação e, ao mesmo tempo, intensificam os laços de amor entre as pessoas que formam essa família. O tema do amor, tão presente nessa narrativa, é, assim, uma política de afirmação da identidade negra, de uma certa identidade forjada na contramão da atribuída, geralmente, a essa comunidade. A nosso ver, não se trata apenas da filiação a um topos comum à literatura infantil, que tem no cuidado da criança um leitmotiv. Trata-se de um contradiscurso que atinge a constituição do patriarcado como modelo familiar responsável pela dominação masculina a que são submetidas mulheres e crianças. bell hooks (2021) atenta para a importância de se perceber como essa organização familiar é um impeditivo para o amor; e rompê-la inauguraria outros modos de entendimento de como o amor (ou a sua ausência) nos afeta e à nossa noção de comunidade.

O estar à vontade na própria pele, aqui, é conduzido como uma tarefa que pertence a toda a família, diante da adversidade. Cuidar do cabelo, como está explícito na animação e aludido no livro, era tarefa da mãe, cuja ausência poderia restringir as possibilidades de embelezamento do cabelo, caso não houvesse uma identidade fortemente constituída que inspira os experimentos feitos com a ajuda do pai. Porém, não é só isso. O fim da narrativa reforça o caráter simbólico do cuidado com o cabelo que une a família, já que a mãe volta para casa depois de um tratamento de saúde, como quem precisa ser acolhida. O lenço amarelo na sua cabeça indicia, apenas pela linguagem visual, que estava fora para fazer um tratamento quimioterápico e, em vista disso, seus cabelos teriam caído. Nessa chave de leitura, a metáfora “Meu cabelo é mamãe, papai e eu. É amor de cabelo!” (Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p) ganha contornos mais expressivos, pois reitera que a família está unida novamente pelo amor e, do ponto de vista do universo mágico, pela força e pelo poder do cabelo de Zuri que falta na mãe.

Ao se estender metaforicamente ao corpo da mãe, no final, o cabelo cria uma ambiência mágica, já prevista no início - “Meu cabelo faz até mágicas” (Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p) -, e, ao mesmo tempo, catártica. Nesse universo do “faz de conta”, a relação de Zuri com o seu cabelo sugere um rito de passagem. No enredo dos contos de fadas, há sempre obstáculos a serem superados para que a heroína e/ou o herói sejam contemplados com algum prêmio e, finalmente, vivam felizes para sempre. Contos como Cinderela (Perrault, 2015PERRAULT, Charles. Contos da mamãe gansa ou histórias do tempo antigo: Charles Perrault. Tradução Leonardo Fróes. Ilustrações Milimbo. Posfácio Michel Tournier. São Paulo: Cosac Naify, 2015.), A bela adormecida (Perrault, 2015) e Chapeuzinho vermelho (Perrault, 2015) têm em comum personagens femininas que são premiadas após superarem obstáculos interpostos por antagonistas ou pelo destino. Do mesmo modo, o rito de passagem nas mais diversas culturas é uma celebração por alguma mudança ocorrida, podendo também estar relacionado ao processo de autoaceitação.

No livro As tranças de Bintou (2005), da escritora franco-senegalesa Sylviane A. Diouf, o rito de passagem está relacionado com a idade das meninas e manifesta-se no modo como os cabelos são arrumados. Como em Amor de cabelo, a personagem criança também é dona de sua própria voz e assim se apresenta: “Meu nome é Bintou e meu sonho é ter tranças. Meu cabelo é curto e crespo. Meu cabelo é bobo e sem graça. Tudo o que tenho são quatro birotes na cabeça” (Diouf, 2005, s/p). De acordo com o que Bintou conta, em sua cultura as tranças não são apropriadas para meninas de sua idade. É preciso ter maturidade para ter o cabelo trançado, pois, segundo a sua avó, houve um tempo em que uma garota ficou muito vaidosa e egoísta porque usava trança. As mães passaram, então, a proibi-las nessa idade. Nesse caso, o trançado está relacionado ao rito de passagem, ou seja, indica que a menina cresceu e está pronta para enfrentar a vida. Subvertendo-se a lógica de que um final feliz para Bintou seria premiá-la com as tão sonhadas tranças, o empoderamento ocorre pela escuta de uma pessoa mais velha, a partir da relação de afeto entre a protagonista e a avó Soukeye. O rito de passagem, nesse caso, dá-se não pela substituição de birotes por tranças, mas pelo modo como a menina se vê a partir da sabedoria que obtém dos conselhos da avó. Por isso, ao final da narrativa, o discurso muda: “Eu sou Bintou. Meu cabelo é negro e brilhante. Meu cabelo é macio e bonito. Eu sou a menina dos pássaros no cabelo. O sol me segue, e eu estou feliz” (Diouf, 2005, s/p).

Entretanto, o rito de passagem de Zuri é diferente do de Bintou, embora ambos estejam relacionados ao modo como as duas meninas se relacionam com os seus cabelos. Enquanto para Bintou advém do desejo de crescer, para Zuri significa a reafirmação do “amor pela negritude”, para usar uma expressão de hooks (2019), expressa na tessitura das relações familiares em que o cuidado de si e do outro é a tônica. Segundo Stephanie Borges, no texto “Cabelos com vida própria”, “[...] é um gesto que pode ser lido a partir da alegria do reencontro e do desejo de agradar, de uma tentativa de demonstrar que ela e o pai cuidaram bem um do outro enquanto estavam só os dois” (2020, on-line).

É uma saga para Zuri e para seu pai deixar os cabelos adornados como ela deseja. Primeiro, porque, como ela diz no começo da história, tem “cabelos com vida própria” (Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p), daí precisa da colaboração deles. Ademais, logo fica explícito que não era o pai quem cuidava dos seus penteados. Isso era tarefa da mãe. Nesse caso, simbolicamente, fazer com que os cabelos estejam lindos é, tanto para o pai como para a filha, um processo de aprendizagem, não no sentido de autoaceitação, mas, sim, de autocuidado e de trabalho de cuidado feito pela pessoa que, geralmente, não o faz, sendo as mães que, culturalmente, têm essa obrigação.

É nesse contexto que o pai de Zuri se propõe a participar da grande aventura para que a menina esteja linda. E estar linda, na visão de Zuri, é ter o cabelo adornado em forma de “Moicano afro” e usar a “capa de super-heroína” (Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p). Embora, em princípio, o pai acredite que a tarefa “[v]ai ser mamão com açúcar” (Cherry, 2020, s/p), o moicano afro exige muito dele. Na animação, as dificuldades são potencializadas pela metáfora do ringue de boxe. O pai de Zuri é um boxeador, e o seu adversário é o cabelo dela, que, humanizado, ganha contornos de uma fera, em uma cena que provoca medo.

Além das imagens do cabelo crespo, bastante volumoso, várias vezes reproduzidas, pela ordem os cabelos surgem com trança nagô e miçangas, com dois puffs, cacheados, com três puffs, tranças, novamente com dois puffs, black power, com um gorro vermelho na cabeça e, por fim, moicano afro. Os vários penteados, feitos pelo pai, apesar de serem representativos, não alegram a menina em razão de haver uma referência a ser executada desde o início, daí o tutorial no tablet para auxiliar o pai. A felicidade é ter um cabelo que seja uma herança ancestral, afirmação de pertencimento. Nas suas palavras:

Papai passou o creme,
Penteou, dividiu e enrolou.
Ele acertou em cheio.
Moicano afro!
Lindo, lindo e muito divertido.
Rocky também gostou!
(Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p).

O pai faz seis tipos diferentes de penteados em Zuri, contando com o moicano afro. No começo da narrativa, a menina se sente uma princesa quando está com “trança nagô e miçangas” (Cherry, 2020CHERRY, Matthew A. Amor de cabelo. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Vashti Harrison. 1. ed. Rio de Janeiro: Galerinha Record, 2020., s/p); o pai de Zuri é retratado pela ilustração com locs, duas grandes referências de resistência cultural. A diversidade de tipos de cabelo crespo é carregada de sentidos. Cada modo de arrumá-lo não comunica apenas o cuidado, pois o que se eleva é a história que subjaz a esses fios, às suas tramas como traço identitário. O moicano afro escolhido por Zuri carrega tanto traços da história do povo indígena, já que o moicano em si tem origem entre povos indígenas norte-americanos que não se deixaram controlar pelo sujeito branco, como a história do povo africano que o adaptou para a sua cultura. Símbolo de luta e de resistência de um povo, ao ser escolhido por Zuri para um dia muito especial de sua vida, passa a contar a história de sua resiliência, tanto pelo que ela já passou como pelo que está por vir.

Em contraposição à presença do cabelo crespo, está a sua ausência legitimada na cabeça da mãe, pois ela os perdeu temporariamente. Essa perda pode ser lida na perspectiva do apagamento de alguns de seus traços identitários, agora, não mais pelos gestos de uma sociedade racista, mas em consequência de uma doença. Seja como for, perder o cabelo é também perder parte de sua história e de seu poder, restituídos simbolicamente pela filha que, sem se desgarrar de sua individualidade (“Adoro que meu cabelo seja tão eu”), se compromete com a partilha (“Meu cabelo é mamãe, papai e eu”).

Após reafirmar (sim, reafirmar, porque já está posto no título do livro que se trata de “cabelo de rainha”) as qualidades do cabelo - “cabelo lindo e de cheiro doce”, “macio como algodão, cheio de chamego” (hooks, 2018, s/p) -, o narrador do livro Meu crespo é de rainha (2018), de bell hooks, afirma: “Cabeleira que leva as tristezas pra bem longe” (hooks, 2018, s/p), o que assinala, e por isso escolhemos esse dizer como epígrafe deste texto, a relação de poder e transformação que tem sido encenada nos livros infantis. Essa potência também está na outra epígrafe, retirada do Caderno sem rimas da Maria (2021), de Lázaro Ramos. Na voz do eu lírico criança, os cachos assumem foros de liberdade. Aqui também o gesto de cuidado vem do pai, cuja mão fica presa no penteado black power para fazer o “denguidacho”, um carinho mais demorado, próprio desse tipo de cabelo.

A mobilização dos sentidos, proporcionada pelos livros citados e outros que se inscrevem nessa chave de leitura, é orientada pela expressividade do texto e das ilustrações. Em Amor de cabelo, o autor e a ilustradora destacam a representatividade das personagens por meio dos mais diversos signos. Do ponto de vista do signo verbal, as frases são curtas e os períodos, predominantemente marcados pela ordem direta, próprios do discurso da criança. Há também traços de oralidade (“Tipo assim”, “Vai ser mamão com açúcar”, “O primeiro penteado foi um grande NEM PENSAR”, “Ai”) e a presença de onomatopeias (“Shh”, “CRACK”, “Tcharan”, “CLICK”). Também, como é próprio da literatura infantil, os adjetivos percorrem todo o texto (“lindos”, “orgulhosa”, “ansiosa”, “grande”, “pequenininho”, “cansado”, “especial”, “perfeito” e “lindo”). Já os traços lúdicos do texto verbal estão na escolha das figuras de linguagem e desse cenário participam metáforas (“Eu sou uma princesa”, “Adoro que meu cabelo seja tão eu”, “Meu cabelo é mamãe, papai e eu”), comparações (“como uma super-heroína”), antítese (“De grande, meu cabelo ficou bem pequenininho”) e personificação (“Meu cabelo faz até mágica”).

O dinamismo da linguagem advém das construções frasais breves, que se apoiam na oralidade e nas onomatopeias. Os adjetivos são quase todos marcados pelo campo semântico da positividade, e o jogo verbal oriundo das figuras de linguagem. Nessa perspectiva, a escolha de Cherry faz com que as palavras sejam, por si sós, uma ode à beleza.

O livro Amor de cabelo prima pela simplicidade da linguagem verbal e pela positividade no campo semântico, e a ilustração suplementa esses traços. Caracterizada como ilustração digital em que se usam brushes digitais (pincéis) para criar texturas sensoriais, tem traços de proximidade com as imagens visuais presentes na animação, Hair love. Por isso mesmo, o caráter lúdico, que pode ser visto no exagero ao retratar o cabelo de Zuri e no humor presente na cena em que o elástico escapa do cabelo de Zuri e acerta o olho do pai, lembra o espaço hiperbólico e dinâmico da animação.

A mobilização da imagem está diretamente relacionada ao olhar de quem a observa. Segundo a escritora e ilustradora Cristina Biazzeto, “[o] ato de ver é muito mais do que uma função fisiológica do nosso olho; envolve um processo dinâmico e característico da consciência humana” (2008, p. 75). Ainda para essa estudiosa,

[é] complexo o ato de perceber uma imagem, pois o processo depende tanto de atributos intrínsecos a ela (intensidade, tamanho, contraste, novidade, repetição e movimento), quanto de fatores extrínsecos a ela e pertinentes ao leitor (atenção, expectativa, experiência e memória) (Biazetto, 2008BIAZETTO, Cristina. As cores na ilustração do livro infantil e juvenil. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. pp. 75-91., p. 76).

Na ilustração de Amor de cabelo, a cor, “uma das partes fundamentais da estrutura de uma imagem” (Biazetto, 2008BIAZETTO, Cristina. As cores na ilustração do livro infantil e juvenil. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. pp. 75-91., p. 77), é o elemento visual que conjuga tanto os signos da literatura infantil mais clássica como os dessa nova literatura de temática identitária. A predominância do tom pastel em vez de cores mais saturadas, com tonalidades marcadas pela leveza e não pela intensidade, parece traçar, de modo sutil, as mudanças pelas quais passa o campo literário infantil, pegando elementos tanto de uma linguagem como de outra. Não há ruptura com a associação da cor rosa à menina, mas tampouco é um rosa bebê, com sua simbologia corrente da delicadeza, o que seria um contrassenso, pois a personalidade de Zuri é forte e decidida. Em boa parte das imagens, predomina o rosa violáceo, mais próximo do rosa-choque, presente tanto nas páginas sem imagem como agregadas às cores vermelha, laranja, verde - as cores pan-africanas, que simbolizam a união dos povos do continente africano.

Mesmo quando aparece uma cor que tende à saturação, como é o caso do vermelho (observável, por exemplo, no gorro que o pai coloca em Zuri), o apelo visual esmaecido produz uma quebra na referência aludida anteriormente. O lilás e o rosa, recorrentes no círculo cromático, retomam o mundo da fantasia de Zuri, logo, falam também de sua subjetividade. A cor rosa está ligada às emoções e aos afetos, enquanto a cor lilás está associada à introspecção e ao medo, sendo que tanto uma como outra fazem referência ao universo mágico dos contos maravilhosos.

Por outro lado, a ilustração explicita e suplementa a descrição do cabelo na linguagem verbal. O tom terroso quente para a cor da pele da menina e dos seus pais revela em seu esplendor a negritude da família, mesclando-se com outras cores na ambientação da casa, como um signo de que se trata de um lar, na acepção dada por hooks - “aquele lugar na cabeça e no coração onde nos recuperamos no amor” (2019, p. 61), tão essencial para as vidas negras. Por ser um tom terroso esmaecido, cria-se uma harmonia entre a paleta do círculo cromático e, por extensão, reelabora os tons quentes frequentemente usados para representar os ambientes e paisagens das pessoas negras.

A expressão “o amor é o que o amor faz” também é de hooks, no livro Tudo sobre o amor: novas perspectivas (2021), em uma síntese perfeita do seu significado. Quem tiver lido esse livro e Amor de cabelo, não se surpreenderá com as relações feitas. Por linguagens muito distintas, os dois livros concebem o amor da mesma maneira; como uma ética de vida que abrange os sentidos do cuidado.

As “surpreendências” dos temas fraturantes

Poderíamos dizer que Amor de cabelo é um livro para todas as infâncias, fazendo um trocadilho com a expressão todas as idades. Ao tratar de um dilema particular de Zuri, Matthew A. Cherry e Vashti Harrison apresentam, pela palavra e pela imagem, a importância da beleza, seja transfigurada em um bonito penteado, seja materializada em forma de cuidado e de amor, por si e pelo outro. Gestos assim fazem com que a literatura infantil promova a autoestima, o gosto pela diversidade e, como destaca Bartolomeu Campos de Queirós, as “surpreendências do cotidiano” (2008QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Leitura, um diálogo subjetivo. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. pp. 169-174., p. 173).

Atualmente, muitos autores, ao escreverem para as infâncias, tratam dos chamados “temas fraturantes”, ou seja, temas considerados sensíveis para as crianças, tais como doença, morte, luto, suicídio, racismo, preconceito, entre outros. Os artistas que realizam um trabalho elaborado, em que a qualidade estética se faz presente, envolvem esses temas em torno de personagens bem construídas, afastando-se de estereótipos, e apresentam “[...] possibilidades de interpretações nas entrelinhas, nos vazios da história” (Sisto, 2008, p. 133). Esse é um modo de permitir que a criança entre no texto, como também de acordar “[...] a infância que mora em todo adulto” (Queirós, 2008QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Leitura, um diálogo subjetivo. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. pp. 169-174., p. 171).

O modo como Cherry e Harrison, no livro, e Cherry e Smith, no curta-metragem de animação, tecem, por assim dizer, os fios de Amor de cabelo e Hair love resultou em objetos artísticos compostos por múltiplas camadas. Buscamos identificar, sobretudo no livro, essas camadas nas quais a representatividade do cabelo crespo, quando tematizada na arte sob o signo do embelezamento, funciona como um ato catártico. Dito de outro modo, a beleza tem poder de cura e a “[c]abeleira [...] leva as tristezas pra bem longe” (hooks, 2018, s/p). Se considerarmos que Matthew A. Cherry, Vashti Harrison e Nina Rizzi, respectivamente, autor, ilustradora e tradutora, são pessoas negras, o livro demarca o pertencimento étnico-racial por reverberar esse protagonismo no processo de criação literária. Legitima-se, portanto, a presença de narrativas que criam condições para que a vida e o viver de pessoas negras sejam ressignificados.

Agradecimentos

Pela tradução do texto para a língua inglesa, agradecemos à Aline Gaspar Pereira; pelas contribuições acerca dos sentidos do título do livro, agradecemos ao Josias Kippert e à Marisa Fernandes; pelas contribuições acerca da ilustração do livro, agradecemos ao Cleidson Freitas Felisberto.

REFERÊNCIAS

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  • BELÉM, Valéria. O cabelo de Lelê. Ilustrações Adriana Mendonça. São Paulo: IBEP, 2012.
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  • HOOKS, bell. Meu crespo é de rainha. Tradução Nina Rizzi. Ilustrações Chris Raschka. São Paulo: Boitatá, 2018.
  • HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. Tradução Stephanie Borges. São Paulo: Elefante, 2019.
  • HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Tradução Stephanie Borges. Prefácio à edição brasileira Silvane Silva. São Paulo: Efefante, 2021.
  • HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Tradução Cid Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
  • KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.
  • LINDEN, Sophie Van der. Para ler o livro ilustrado. Tradução Dorothée Bruchard. São Paulo: Cosac Naify, 2011.
  • LOPES, Nei. Dicionário escolar afro-brasileiro. 2. ed. São Paulo: Selo Negro, 2015.
  • MACHADO, Ana Maria. Menina bonita do laço de fita. Ilustrações Claudius. São Paulo: Ática, 2009.
  • MUNANGA, Kabengele. Preconceito de cor: diversas formas, um mesmo objetivo. Estados Unidos, África e Brasil. Revista de Antropologia, vol. 21, 2.ª parte, pp. 145-153, 1978. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/131553/127861 Acesso em: 19 out. 2023.
    » https://www.revistas.usp.br/ra/article/view/131553/127861
  • NYONG’O, Lupita. Sulwe. Tradução Rane Souza. Ilustrações Vashti Harrison. Rio de Janeiro: Rocco, 2019.
  • OLIVEIRA, Kiusam. O black power de Akin. Ilustrações Rodrigo Andrade. São Paulo: Cultura, 2020.
  • OLIVEIRA, Rui de. Breve histórico da ilustração no livro infantil e juvenil. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. pp. 13-47.
  • PERRAULT, Charles. Contos da mamãe gansa ou histórias do tempo antigo: Charles Perrault. Tradução Leonardo Fróes. Ilustrações Milimbo. Posfácio Michel Tournier. São Paulo: Cosac Naify, 2015.
  • POWERS, Alan. Era uma vez uma capa. Tradução Otacílio Nunes. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
  • QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Leitura, um diálogo subjetivo. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a palavra o ilustrador. São Paulo: DCL, 2008. pp. 169-174.
  • RAMOS, Lázaro. Caderno sem rima da Maria. Ilustrações Maurício Negro. Rio de Janeiro: Pallas, 2018.
  • RIBEIRO, Djamila. Lugar de fala. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen, 2019.
  • SANTANA, Bianca. Quando me descobri negra. Ilustrações Mateu Velasco. São Paulo: Fósforo, 2023.
  • SISTO, Celso. A pretexto de se escrever, publicar e ler bons textos. In: OLIVEIRA, Ieda de. O que é qualidade em literatura infantil e juvenil: com a palavra o escritor. 1. ed. São Paulo: DCL, 2005. pp. 119-134.
  • ZURI. In: Dicionário de nomes próprios. Disponível em: https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/zuri/. Acesso em: 23 out. 2023.
    » https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/zuri
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    Expressão usada por Nei Lopes no verbete “Cabelos e identidade negra”, do Dicionário escolar afro-brasileiro (2015, p. 36).
  • 2
    Produzido pela Sony Pictures Animation, o curta de animação Hair love tem 6 minutos e 47 segundos de duração e estreou em 14 de agosto de 2019, nos EUA. O filme foi disponibilizado pela produtora no YouTube e à época dessa disponibilização passava de 19 milhões de visualizações. Hair love está disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kNw8V_Fkw28. Acesso em: 18 out. 2023.
  • 3
    Disponível em: https://www.dicionariodenomesproprios.com.br/zuri/. Acesso em: 23 out. 2023.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O artigo está muito bem redigido e fundamentado. O assunto é socialmente relevante e urgente, o texto emociona o leitor. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    04 Dez 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O tema discutido no trabalho é de suma relevância social e acadêmica, pois analisa de forma excelente a arte produzida na diáspora africana e como ela está concatenada com a nossa ancestralidade. O artigo apresenta triangulações de obras de artistas negras/os importantes para nossa geração, talvez para muitas pessoas, e como esses trabalhos têm impacto profundo não somente nas questões identitárias da pessoa negra, mas também no legado intelectual e estético que nos deixam. O artigo está bem construído e apresenta temática bem delimitada e discutida com arcabouço teórico robusto. A fundamentação teórica sustentou em grande parte os argumentos trazidos pela autora, todavia há momentos (pouquíssimos) no texto em que mais parágrafos analíticos poderiam ser usados na sustentação. Isso não tira o mérito e profundidade da discussão apresentada, porém daria mais elementos para a reflexão do público-leitor. Há duas observações sobre grafia e fonte e uma que eu considero mais importante que é sobre o termo dreadlock. A comunidade negra angófona já rechaça esse termo, que é uma expressão racista. O parecer é pela aprovação, ficando a critério da autoria acatar as sugestões. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    03 Abr 2024

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    10 Nov 2023
  • Aceito
    22 Maio 2024
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