Open-access Novos passos em direção à ciência aberta

A comunicação discursiva é um tema constante na obra bakhtiniana, quer o diálogo entre sujeitos, entre discursos, entre textos, em diferentes espaços e diferentes épocas. Vivendo em um momento de grandes transformações sociais – I Grande Guerra (II Guerra, apenas Bakhtin), a queda do czarismo, a Revolução de 1917, a criação da União Soviética, mudança de líderes e concepções de governo e marxismos, para citar apenas os eventos maiores –, os membros do Círculo tinham consciência do dinamismo da comunicação humana, tanto na comunicação cotidiana quanto nas diferentes esferas ideológicas e, especificamente, na científica. Entre outros exemplos, isso se expressa no modo como Bakhtin trata de aspectos da noção de gêneros do discurso. Diz ele: “O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. (...) É precisamente por isso que tem a capacidade de assegurar a unidade e a continuidade desse desenvolvimento” (2008, p.121; itálicos no original).

A unidade e a continuidade são também aspectos das publicações na esfera da comunicação científica; elas devem ser dinâmicas, assim como sua forma de expressão. Há não muito tempo vimos a transformação dos periódicos impressos em publicações on line, o que abarca praticamente toda a publicação científica contemporânea. Mudança no suporte, que reverbera outras mudanças na sociedade. Ainda que algumas revistas continuem imprimindo seus números, a presença na web tornou-se essencial para a difusão do conhecimento.

Bakhtiniana já nasceu on line. Há exatamente um ano a revista aderia aos procedimentos da ciência aberta. No Editorial do número 17.1 (p.2-15, 2022), o periódico apresentou as primeiras alterações no processo editorial que passava a adotar. Dentre eles, destaque para o Formulário de Conformidade com a Ciência Aberta, que passava a ser requerido de cada autor, informando se o trabalho era um preprint e se estava depositado em um servidor de preprint1; se os dados da pesquisa estavam disponíveis e onde se encontravam; se os autores concordavam em interagir com os pareceristas, e se concordavam com a publicação dos pareceres de seu artigo. Do outro lado, ao emitir pareceres, os pareceristas também passaram a responder se poderiam interagir com os autores, e se concordavam em ter seus pareceres publicados. Durante este ano, pois, a revista publicou pareceres identificados, e pudemos observar como tal prática enriqueceu o diálogo entre pesquisadores, dentre os quais os próprios leitores dos artigos.

Chegou o momento agora de dar mais um passo em direção à ciência aberta. Instada pelo Scielo, Bakhtiniana passa a realizar a publicação dos artigos aprovados em ahead of print. Dessa forma, ocorre uma aceleração no processo de comunicação das pesquisas, logo disponibilizadas para leitura e citação. O quadro abaixo ilustra com clareza o fluxo editorial do artigo submetido ao periódico:

Como mostra a Figura 1, os artigos serão publicados na medida de sua aprovação e editoração. A citação desses artigos em ahead of print (AOP) porém, tem uma característica própria, pois os textos, que posteriormente constituirão um número do periódico, quando publicados de modo avulso, não terão a paginação definiva, que aparecerá apenas na publicação posterior no volume completo. A referência bibliográfica dos artigos ahead of print (AOP) não contém os dados relativos a volume, número, paginação e data de publicação. Somente o ano de publicação é mencionado.

Figura 1
Fluxo de publicação em AOP.

Bakhtiniana continuará adotando a periodicidade clássica, com volume e números que fecham a cada trimestre: quatro números por ano, respeitando as seções de cada submissão. Essa publicação avançada (em AOP) permitirá aos pesquisadores em geral antecipar um produtivo diálogo acadêmico, na medida em que cada texto corresponde a uma resposta a dado problema, e “toda resposta gera uma nova pergunta” (BAKHTIN, 2017, p.76). Este novo número, que já incorpora textos publicados em ahead of print, deve mostrar ao leitor como o periódico acadêmico, assim como os gêneros discursivos, “vive do presente, mas sempre recorda o seu passado”, é “novo e velho ao mesmo tempo” (BAKHTIN, 2008, p.121).

Apresentemos os artigos. Neste número (18.1), três textos nos chegam por meio de Sandra Madureira (PUC-SP) e Anna Smirnova (PUC-SP), que se dedicaram a reunir um grupo de pesquisadores que trabalham a língua russa em suas variadas interfaces. Dois deles foram os primeiros artigos que Bakhtiniana publicou em ahead of print. O primeiro é assinado por Olesya Kisselev (Universidade do Texas, EUA), e se intitula “Pesquisa com corpora de aprendizes de russo: estado da arte e apelo à ação”. Trata-se de uma pesquisa importante, que responde à necessidade de entender a dinâmica da aprendizagem do russo como segunda língua e língua de herança, com instrumentos da linguística de corpus. O artigo seguinte - “Discourse Diversity Database (3D) para pesquisa em linguística clínica: projeto, construção e análise” - é um trabalho que tem em vista a pesquisa na linguística clínica, e é assinado por Mariya Khudyakova; Natalia Antonova e outros pesquisadores de importantes universidades russas (em Moscou e Nizhny Novgorod dentre outras), aliando estudos da linguística aos da área da saúde. O trabalho apresenta o recurso de Discourse Diversity Database (3D) para o estudo de falantes de russo com transtornos do espectro da esquizofrenia e indivíduos neurológica e mentalmente saudáveis.

“Retratos sociais e de fala como método para estudar os falantes da herança russa: emigrantes russos idosos em Harbin e seus descendentes” é uma terceira contribuição advinda ao periódico por meio das pesquisadoras da PUC-SP, Sandra Madureira e Anna Smirnova. Sua autora, Elena A. Oglezneva (Universidade Estatal de Tomsk, Rússia) trata de uma questão decorrente da diáspora russa na China, no final do século XIX, na cidade de Harbin: descreve os falantes de herança russa naquela cidade do Nordeste chinês, capital da província de Heilongjiang, fazendo uso do método do retrato social e de fala das identidades dos falantes de herança. Segundo ela, um método com possibilidade de aplicação à língua de emigrantes em diferentes países, revelando processos únicos e universais dessas falas.

O artigo seguinte, “A heterodiscursividade em narrativas fantásticas da tradição oral”, de Nádia Barros Araújo (UNICAP), de modo distinto, aponta as diferentes vozes sociais encontradas em narrativas da tradição oral, refletindo e refratando crenças, diferenças sociais, machismo e questões morais. A análise das narrativas fundamenta-se em conceitos bakhtinianos, permitindo à autora reconhecer diálogos entre as vozes do narrador, dos contadores tradicionais e das personagens com as vozes sociais, orientadas por axiologias, posições e centros valorativos de ordem social, cultural e histórica.

A seguir, Deribaldo Santos (UECE) assina “Jackson do Pandeiro: anotações sobre o cotidiano na obra do Rei do Ritmo”. No texto, o autor apresenta reflexões acerca do músico paraibano, recortando algumas de suas canções para demonstrar a importância do cotidiano na obra do cantor. O texto cresce em importância no campo musical e cultural brasileiro na medida em que o autor soube explorar o potencial poético da obra do artista e destacar aspectos relevantes de sua expressão estética. Ana Lúcia Macedo Novroth (UPM), em “Da polarização ao esquecimento: um breve estudo dos cronotopos de Incidente em Antares, de Erico Verissimo”, busca verificar alguns dos cronotopos que organizam a narrativa no romance de Verissimo. O foco da autora dirige-se especialmente às questões da polarização e do esquecimento. A análise pretende ainda compreender possíveis semelhanças entre visões de mundo de 50 anos atrás e a contemporaneidade, em particular no que se refere aos cronotopos do esquecimento e do engano relacionados hoje à fake news.

Fecha o número a resenha de mais uma tradução da obra bakhtiniana. Dessa vez, trata-se do livro Problemas da obra de Dostoiévski, traduzido por Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo, publicado neste ano pela Editora 34. A obra foi publicada em 1929 e, posteriormente, reescrita e ampliada por Mikhail Bakhtin para publicação em 1963, com o título Problemas da poética de Dostoiévski. Até agora, só a conhecíamos por meio de sua tradução para o italiano. Paulo Rogério Stella (UFAL) assina a resenha, apresentando-nos uma leitura crítica, minuciosa e atenta do novo texto, e levando-nos a observá-la com os olhos do pesquisador e especialista que é.

Como podem observar os leitores, Bakhtiniana continua a avançar no caminho da ciência aberta, agora com a publicação dos artigos em ahead of print. O compromisso com o rigor científico, compartilhamento e transparência na pesquisa, procedimentos editoriais e sua divulgação continua, com a potencialidade de maior interação entre pesquisadores. Por isso, convidamos todos – leitores, autores e colaboradores - a responder ativamente a esses textos, saboreando e incluindo em suas pesquisas este conjunto. Como podem ver os leitores, trata-se de um número que congrega quatro pesquisadores brasileiros de diferentes universidades brasileiras (UECE - CE, UNICAP - PE, UPM – SP, UFAL - AL), e 15 pesquisadores de universidades estrangeiras (Universidade do Texas, EUA; HSE University - National Research University Higher School of Economics, em Moscou e Nizhny Novgorod, Rússia; e a University of Potsdam, na Alemanha, além de centros médicos russos de estudo).

Agradecemos, mais uma vez, o inestimável e constante apoio, auxílio e reconhecimento do CNPq, por meio da Chamada CNPq Nº 15/2021 –Programa Editorial, Proc. 402109/2021-0, e da PUC-SP, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq)/ Edital 11913/2022 Publicação de Periódicos (PubPer-PUCSP), Solicitação 22883.

REFERÊNCIAS

  • BAKHTIN, M. Por uma metodologia das ciências humanas. In: BAKHTIN, M. Notas sobre literatura, cultura e ciências humanas Organização, tradução, posfácio e notas Paulo Bezerra. Notas da edição russa Serguei Botcharov. São Paulo: Editora 34, 2017. p.76.
  • BAKHTIN, M. Problemas da poética de Dostoievski Tradução direta do russo, notas e prefácio Paulo Bezerra. 4. ed. revista e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p.125.
  • SciELO. Guia para a publicação avançada de artigos Ahead of Print (AOP) no SciELO [online]. SciELO, 2019. Disponível em: https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/guia_AOP.pdf Acesso em 22/09/2022.
    » https://wp.scielo.org/wp-content/uploads/guia_AOP.pdf
  • SciELO. O repositório de dados SciELO em operação regular. Disponível em https://blog.scielo.org/blog/2022/08/24/o-repositorio-de-dados-scielo-data-em-operacao-regular/#.Y1AGbOzMLm1 Acesso em 19-09-2022.
    » https://blog.scielo.org/blog/2022/08/24/o-repositorio-de-dados-scielo-data-em-operacao-regular/#.Y1AGbOzMLm1

Disponibilidade de dados

Quanto aos preprints, até o momento Bakhtiniana só recebe aqueles depositados no Repositório de Dados Scielo (Ver: https://blog.scielo.org/blog/2022/08/24/o-repositorio-de-dados-scielo-data-em-operacao-regular/#.YyiaE-zMJuU)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2023
location_on
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 , Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bakhtinianarevista@gmail.com
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro