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Contribuições da Semiótica da Cultura como abordagem de leitura de O Reino encantado dos pôneis 4D

RESUMO

Recentemente os livros infantis têm usado o recurso da realidade aumentada, sendo chamados de livros 4D. A realidade aumentada permite ao usuário ver o mundo enquanto interage em tempo real com imagens produzidas digitalmente, resultando em interatividade. O presente estudo tem como objetivo apresentar os resultados de uma breve reflexão acerca do livro ilustrado O reino encantado dos pôneis 4D sob a abordagem da semiótica da cultura, partindo das noções de semioses e semiosfera. A semiosfera, traçada por Lotman (1990) em analogia à biosfera, pode auxiliar na compreensão da topologia dos mundos reais e virtuais, referidos como a subsemiosfera real e a subsemiosfera virtual contidas em uma semiosfera mais ampla da cultura brasileira. Em livros com realidade aumentada/livros 4D, os elementos da subsemiosfera virtual são alocados na subsemiosfera real, transpassando suas fronteiras.

PALAVRAS-CHAVE:
Realidade aumentada; Livro 4D; Semiosfera; Lotman; Literatura Infantil

ABSTRACT

Recently, children’s books have used augmented reality as a resource, being called 4D books. Augmented reality allows the user to see through the world while interacting in real-time with images produced digitally, resulting in interactivity. The present study aims to introduce the results of a brief reflection on the illustrated book O reino encantado do pôneis 4D under the approach of the semiotics of culture, departing from the notion of semiosis and semiosphere. The semiosphere, drawn by Lotman (1990), in analogy with the biosphere, can help understand the topology of the real and virtual worlds, referred to as the real subsemiosphere and virtual subsemiosphere, located in the interior of the broader semiosphere of the Brazilian culture. In 4D/Augmented reality books, the elements from the virtual subsemiosphere are placed into the real subsemiosphere, crossing their borders.

KEYWORDS:
Augmented Reality; 4D Book; Semiosphere; Lotman; Children’s Literature

Introdução

Atualmente, a literatura infantojuvenil é vista como um fenômeno amplo, no qual se incluem desde as literaturas orais do folclore regional com raízes imemoriais, assim como as lendas de matriz africana, trazidas pelos povos africanos escravizados ao país; desde as contações de histórias, comum entre os ribeirinhos da região amazônica, ao livro impresso que circula nacionalmente. No entanto, a literatura infantojuvenil impressa no Brasil tem o seu início no final do século XIX e no início do século XX, por meio da importação e tradução para o português de estórias compiladas em países da Europa Ocidental, como as dos Irmãos Grimm, e as estórias escritas, como as de Charles Perrault e Hans Christian Andersen, além dos livros produzidos localmente que instilavam valores tradicionais como Contos pátrios (Bilac; Netto, 1931BILAC, Olavo; NETTO, Coelho. Contos pátrios. Com ilustrações de Vasco Lima. 27 ed. Francisco Alves, RJ, 1931.) e Através do Brasil (Bilac; Bonfim, 1910), de autoria de Olavo Bilac e Coelho Neto (Becker, 2001BECKER, Cecilia Doris. História da literatura brasileira. In: SARAIVA, Juracy Assmann. Literatura e alfabetizaçao: do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 35-41.)

O Brasil, sendo ex-colônia de Portugal, desenvolveu seu próprio modo de falar e, posteriormente, de escrever, ao transformar e adaptar a língua portuguesa segundo o seu uso. A tradução de textos importados, no entanto, seguiu um padrão linguístico de Portugal, tornando suas versões difíceis de serem compreendidas pelo público brasileiro. Além disso, os elementos encontrados nos textos importados, de acordo com Becker (2001BECKER, Cecilia Doris. História da literatura brasileira. In: SARAIVA, Juracy Assmann. Literatura e alfabetizaçao: do plano do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001. p. 35-41.), diferiram substancialmente da cultura brasileira, o que representou uma grande barreira a ser transposta.

Passados longos anos desde a importação dos livros da Europa ocidental, há uma profícua produção brasileira de livros infantis que abordam o folclore brasileiro. Monteiro Lobato é considerado a figura de destaque desse segmento. Há também a produção Contos e lendas de índios do Brasil1 1 O uso do termo “índio” foi substituído por “indígena” na contemporaneidade em respeito às diferenças. , de Antonieta Dias de Moraes (1979MORAES, Antonieta Dias de. Contos e lendas de índios do Brasil. [s.l.] Editora Nacional, 1979.); O último curumim, de Isabel Vieira (2003VIEIRA, Isabel. O último curumim. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Moderna, 2003. [1996]) e Yakima, o menino-onça, de Assis Brasil (2019). As produções nacionais continuam a abordar novos temas e a incluir as inovações tecnológicas no contexto do mundo globalizado, entrecortadas por fluxos migratórios e a importação de bens de consumo. Os elementos culturais contidos nesses textos representam traduções e incorporações de textos estrangeiros na cultura brasileira contemporânea.

O uso de linguagem multimodal na literatura infantojuvenil tem também se destacado. Neste contexto, demandam-se novas literacias por parte dos leitores, pois estes necessitam lidar não somente com as imagens estáticas inseridas nas páginas dos livros, mas também com as imagens em movimento e com a interatividade em livros com realidade aumentada, por exemplo. Recentemente, tornou-se relativamente comum livros infantis com recursos de realidade aumentada em histórias oriundas de animações, como Carros 2: passeando com o Mate (2011), baseada na animação de mesmo nome dos estúdios Walt Disney e Pixar. O livro permite aos leitores uma experiência imersiva, pois os leitores, ao realizarem suas leituras, podem também conduzir o carro vermelho Mate pelas páginas do livro. Os livros produzidos localmente também permitem uma experiência imersiva, como O reino encantado dos pôneis 4D, de autoria de Stevan Richter, Luziane F. de Gasperi e Jean Carlos Ferreira (2018RICHTER Stevan; GASPERI, Luziane F. de; FERREIRA, Jean Carlos. O reino encantado dos Pôneis 4D. With graphic design by Stevan Richter; 4D/RA project by Adenio Fuchs; illustration by Jean Carlos Ferreira. Blumenau: Ed. Vale das Letras, 2018.), que possibilita aos leitores interagirem com seres encantados nas páginas do livro.

Este artigo visa mapear o processo de tradução cultural e o uso de linguagens multimodais observados no livro O reino encantado dos pôneis 4D sob a abordagem da semiótica da cultura da Escola de Tártu-Moscou, que permite o estudo da tradução e da assimilação de culturas, segundo os estudos de Yuri Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.).

Este estudo foi realizado por meio da pesquisa bibliográfica, e reuniu textos acerca da semiótica da cultura (Lotman, 1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978., 1990; Ivanov et a.l, 2003IVANOV, Vjacheslav; V.; LOTMAN, Iuri. M.; PIATIGORSKI, Aleksandr M.; TOPOROV, Vladimir N.; USPIÊNSKI, Boris A. Teses para uma análise semiótica da cultura (Uma Aplicação aos Textos Eslavos). In: MACHADO, Irene (Org.) Escola de Semiótica: A experiência de Tártu - Moscou para o estudo da cultura. Cotia: Ateliê editorial, 2003. p. 99-132.; Lotman, Uspiênski, 2003). A noção de literatura infantil foi abordada sob a perspectiva de gênero discursivo de Mikhail M. Bakhtin (2016BAKHTIN, Mikhail M. O problema e sua definição. In: BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução e posfácio de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Ed. 34, 2016. p. 11-22.), que se engaja continuamente por meio de imagens e textos verbais (Ivanov et al., 2003; Lotman, Uspiênski, 2003) Foi também realizado um breve mapeamento das metalinguagem acerca da realidade aumentada baseado em pesquisas de entre outros Billinghurst (2002BILLINGHURST, Mark. Augmented Reality in Education. New Horizons for Learning, 2002. Available at: http://solomonalexis.com/downloads/ar_edu.pdf, Accessed on 3 Mar. 2024.
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), Milgram e Kishino (1994MILGRAM, Paul; KISHINO, Fumio. A Taxonomy of Mixed Reality Visual Displays. IE- ICE Transactions on Information Systems, 77 (12), 1994. Available at: http://web.cs.wpi.edu/~gogo/courses/cs525H_2010f/papers/Milgram_IEICE_1994.pdf. Accessed on 3 Mar. 2024.
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)

1 A Semiosfera

O processo de leitura de livros infantis, comumente permeado por referências oriundas de países estrangeiros, pode ser aprofundado com a compreensão da noção de Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.) acerca da tradução de tradições culturais.

A cultura, em sua origem, inicia-se com a divisão de “o mundo em ‘seu próprio’ espaço interno e espaço externo de ‘outros’”,2 2 Em inglês “the world into 'its own' internal space and 'their' external space, constituting paradigms of national versus foreign, inner versus outer space, organized versus chaotic” (Lotman, 1990, p. 131). constituindo paradigmas de o nacional versus o estrangeiro, espaço interior versus exterior, organizado versus caótico (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 131). Se considerarmos uma cultura inerente a uma topologia onde uma obra é produzida, ao ser consumida em outra topologia, a obra é inevitavelmente traduzida para outra linguagem/cultura.

Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.), em “Espaço semiótico” (Semiotic Space), explica a noção de semiosfera ou de espaço semiótico em analogia ao conceito de biosfera de Vernadsky. Lotman (1990, p. 133) argumenta acerca da relação intrínseca entre semiosfera e cultura: “a cultura se organiza na forma de um espaço tempo especial e não pode existir sem ela. Essa organização é realizada na forma da semiosfera e ao mesmo tempo, surge com a ajuda da semiosfera”3 3 Em inglês: “culture organizes itself in the form of a special space-time and cannot exist without it. This organization is realized in the form of the semiosphere and at the same time comes into being with the help of the semiosphere “(Lotman, 1990, p. 133). .

A comunicação e a linguagem ocorrem apenas no espaço semiótico e por meio dele, uma vez que os sistemas semióticos representam modelos por meio dos quais o mundo é compreendido e as experiências ganham sentido (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.). A semiosfera é detalhada em seu aspecto espacial e temporal:

Imagine um museu onde as exibições de diferentes períodos estão em exposição, acompanhadas de suas inscrições em linguagens conhecidas e desconhecidas, e instruções de como decifrá-los; além disso, há explicações compostas pelo pessoal do museu, planos para visitas e regras de comportamento para visitantes. Imagine também nesse salão guias de visitação e visitantes e imagine tudo isso em um único mecanismo (que em certo sentido é). Essa é uma imagem da semiosfera (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 126-7)4 4 Em inglês: “imagine a museum hall where exhibits from different periods are on display, along with inscriptions in known and unknown languages, and instructions for decoding them; besides there are the explanations composed by the museum staff, plans for tours and rules for the behaviour of the visitors. Imagine also in this hall tour-leaders and the visitors and imagine all this as a single mechanism (which in a certain sense it is). This is an image of the semiosphere” (Lotman, 1990, p. 126-7). .

A semiosfera envolve a noção de tempo e de espaço, dessa forma, é possível estudar a produção de uma cultura de acordo com os períodos distintos. Uma vez que o texto contemporâneo é caracterizado, segundo Agamben (2009AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? E outros ensaios. Tradução Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Editora do Unochapecó, 2009.), por uma confluência de distintas temporalidades, a noção de semiosfera de Lotman permite o processo de aprofundamento de tais textualidades pautadas no processo de assimilação cultural de textos oriundos de outras culturas e temporalidades. Lotman (1990) menciona a assimilação de textos franceses por escritores russos e pelo público russo por meio do fenômeno de cruzamento das fronteiras da semiosfera.

Estudiosos como Ekaterina Vólkova Américo (2017AMÉRICO, Ekaterina Vólkova. O conceito de fronteira na semiótica de Iúri Lotman. Bakhtiniana. Revista Estudos do Discurso 12 (1), Jan-April. 2017. Doi: https://doi.org/10.1590/2176-457326361. Available at: https://www.scielo.br/j/bak/a/bjLH7zFRPJQwxJgJhjJCzPB/ . Accessed on 5 Mar. 2024.
https://doi.org/10.1590/2176-457326361. ...
) e Winfred Noth (2014) têm debatido a noção de semiosfera ou espaço semiótico. Para Américo, a noção de semiosfera de Lotman não se contém em noções meramente abstratas, ao contrário, permite observar os espaços geográficos e os processos de assimilação cultural, vistos na circulação de produtos tais como calças jeans dos Estados Unidos para a União Soviética (Américo, 2017).

Para Noth (2014, p. 12), a semiosfera de Lotman pode ser vista como um “espaço geográfico concreto, cuja topologia [consiste de espaços] tais como São Petersburgo, mas pode também ser um espaço metafórico, cuja topologia consiste de personagens de um ‘espaço de enredo’, tais como as principais características de um mito, o herói, um oponente, o ajudante, o pai, a mãe, o filho, a filha, etc.”5 5 Em inglês: “concrete geographical space, whose topology [consists of spaces] such as St. Petersburg, but it can also be a metaphorical space, whose topology consists of the characters of a ‘plot space’, such as the main characters of a myth, the hero, the opponent, the helper, father, mother, son, daughter, etc” (Noth, 2012, p. 112). . Portanto, a semiosfera permite estudar tanto a topologia de espaços reais, onde produtos estrangeiros cruzam os limites de outras nações, e espaços metafóricos, onde as narrativas dos personagens são construídas e eventos são desenrolados.

De acordo com Eco (1990ECO, Umberto. Introduction. In: LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translation by Ann Shukman, with Introduction by Umberto Eco. London: I. B. Tauris co Ltd., 1990. pp. vii-xiii., p. xii), Lotman estende a sua compreensão de texto em A estrutura do texto artístico (1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978.) para abarcar a semiosfera enquanto unidade: “Lotman fala que toda a semiosfera (cultura como semiosfera) deve ser considerada um mecanismo único e é apenas nesse sentido que seremos capazes de compreender seus vários aspectos” (Eco, 1990, p. xii)6 6 Em inglês: “Lotman states that the whole semiosphere (culture as semiosphere) must be considered as a single mechanism and it is only in this way that we will be able to understand its various aspects” (Eco, 1990, p. xii). . No entanto, a semiosfera é caracterizada por sua “heterogeneidade” interna e pelas tensões entre o centro e a periferia, que se situa próxima aos seus limites (Lotman, 1990, p. 125).

Além do mais, o limite está no domínio do bilinguismo, que via de regra encontra a expressão literal na prática de linguagem dos habitantes de terras fronteiriças entre duas áreas. Uma vez que a fronteira é uma parte necessária da semiosfera e não pode haver “nós” se não houver “eles”, a cultura cria não apenas o seu próprio tipo de organização interna, mas também seu próprio tipo de “desorganização” externa (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 142)7 7 Em inglês: “Moreover, the boundary is the domain of bilingualism, which as a rule finds literal expression in the language practice of the inhabitants of borderlands between two cultural areas. Since the boundary is a necessary part of the semiosphere and there can be no 'us' if there is no 'them', culture creates not only its own type of internal organization but also its own type of external 'disorganization’”(Lotman, 1990, p. 142). .

A noção de fronteira é crucial para o entendimento da semiosfera que estabelece diálogos com outras semiosferas externas por meio da hierarquização dos espaços internos e externos, e das topologias organizadas e caóticas. De maneira similar, as fronteiras internas da semiosfera produzem uma hierarquização interna entre os distintos grupos tantos no eixo horizontal (centro e periferia) e no eixo vertical (distintos grupos segundo variadas categorias (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.).

A semiosfera está em constante mudança, sendo invadida por textos/ artefatos estrangeiros continuamente, estando também sujeita às mudanças em sua “estrutura interna e como um todo”8 8 Em inglês: “inner structure and as a whole” (Lotman, 1990, p. 151). (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 151). Para Lotman (1990, p. 140), a fronteira tem uma função primária de “controlar, filtrar e adaptar o exterior para o interior”9 9 Em inglês: “to control, filter and adapt the external into the internal”. . Consequentemente, é possível compreender como um determinado grupo assimila um produto cultural proveniente de outro grupo.

A cultura, vista como texto, de acordo com Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.), é assimilada em cinco estágios: primeiramente, o texto estrangeiro é visto como tendo um valor elevado comparado aos textos produzidos internamente; em segundo lugar, o texto estrangeiro é reinterpretado e considerado como sendo uma continuação dos textos produzidos internamente; em terceiro lugar, o texto importado é visto como não verdadeiro ou distorcido no espaço de origem e passa a ser vislumbrado como sendo verdadeiro e organizado na semiosfera receptora; em quarto lugar, o texto cultural, outrora considerado estrangeiro, é completamente assimilado e reinterpretado na semiosfera receptora, que passa a produzir novos textos, e finalmente, a cultura receptora se torna “o centro geral da semiosfera” passando a produzir novos textos que circulam na periferia e na fronteira (Lotman, 1990, p. 146-7).

Os cinco estágios detalhados anteriormente ajudam a mapear o processo por meio do qual a imagem dos pôneis foi importada dos Estados Unidos, sendo popularizada no Brasil, se tornando, posteriormente, tema de livros ilustrados, até chegar no contexto do objeto escolhido para este estudo. No próximo tópico, serão detalhados os processos dinâmicos de linguagem que são operados na semiosfera.

2 A literatura infantil como modelização secundária de linguagem

A linguagem natural, para Lotman (1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978.), significa, em termos de Saussure, a linguagem como sistema e, é vista como a primeira codificação. Para Lotman (1978), os sistemas de linguagens naturais como o russo, o inglês e o português são considerados sistemas modelizantes primários e representam a primeira codificação. A religião, os mitos, as regras culturais, os artefatos, a linguagem da arte e das ciências são considerados sistemas modelizantes secundários, devido aos processos de codificação, primeiramente pela linguagem natural e, em seguida, por meio das artes e da literatura, que carrega “um certo significado integral e preenchem uma função comum” (Ivanov et al., 2003IVANOV, Vjacheslav; V.; LOTMAN, Iuri. M.; PIATIGORSKI, Aleksandr M.; TOPOROV, Vladimir N.; USPIÊNSKI, Boris A. Teses para uma análise semiótica da cultura (Uma Aplicação aos Textos Eslavos). In: MACHADO, Irene (Org.) Escola de Semiótica: A experiência de Tártu - Moscou para o estudo da cultura. Cotia: Ateliê editorial, 2003. p. 99-132., p. 106). Os membros de um determinado grupo compreendem o mundo a partir dos sistemas modelizantes secundários.

Como a cultura é duplamente codificada, ela passa a ser vista como textos, portanto, é interessante frisar a noção de “texto cultural” que se refere ao texto produzido em linguagem secundária, que são os artefatos, objetos de artes, literatura, filmes, animações, games, etc. (Ivanov et al., 2003IVANOV, Vjacheslav; V.; LOTMAN, Iuri. M.; PIATIGORSKI, Aleksandr M.; TOPOROV, Vladimir N.; USPIÊNSKI, Boris A. Teses para uma análise semiótica da cultura (Uma Aplicação aos Textos Eslavos). In: MACHADO, Irene (Org.) Escola de Semiótica: A experiência de Tártu - Moscou para o estudo da cultura. Cotia: Ateliê editorial, 2003. p. 99-132., p. 111). Neste contexto, a linguagem literária é considerada duplamente codificada, sendo considerada texto no sentido de Lotman (1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978.). No campo literário, atenta-se ao gênero discursivo de Bakhtin (2016BAKHTIN, Mikhail M. O problema e sua definição. In: BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Organização, tradução e posfácio de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo: Ed. 34, 2016. p. 11-22.) como um sistema modelizante secundário, um texto sendo duplamente codificado que assume funções específicas, sendo produzido por regras geradoras (Ivanov et al., 2003).

Eco (1990ECO, Umberto. Introduction. In: LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translation by Ann Shukman, with Introduction by Umberto Eco. London: I. B. Tauris co Ltd., 1990. pp. vii-xiii., p. x) afirma que “textos representam modelos de mundo, um conjunto de textos, que é a cultura de um período é um sistema modelizante secundário”10 10 Em inglês: “texts represent models of the world, the set of texts which is the culture of a period is a secondary modelling system”. . Nesse sentido, uma obra literária infantojuvenil, sendo um gênero discursivo, é também parte de um conjunto de sistemas modelizantes secundários de uma cultura, pois carrega uma função estética / comunicativa específica, sendo gerada por um conjunto de regras particulares observadas em um engajamento constante entre os signos visuais e verbais (Ivanov et al., 2003IVANOV, Vjacheslav; V.; LOTMAN, Iuri. M.; PIATIGORSKI, Aleksandr M.; TOPOROV, Vladimir N.; USPIÊNSKI, Boris A. Teses para uma análise semiótica da cultura (Uma Aplicação aos Textos Eslavos). In: MACHADO, Irene (Org.) Escola de Semiótica: A experiência de Tártu - Moscou para o estudo da cultura. Cotia: Ateliê editorial, 2003. p. 99-132.).

A literatura infantil é considerada duplamente codificada, em primeiro lugar pela própria linguagem natural e, em segundo lugar, pelo gênero discursivo. Para Bakhtin (1986BAKHTIN, M. Mikhail. Speech Genres and Other Late Essays. Trans. Vern W. McGee. Edited by Caryl Emerson and Michael Holquist Austin, Tx: University of Texas Press, 1986. pp. 60-102., p. 60; 2016, p. 12), o gênero discursivo é “um enunciado relativamente estável” formado pelo “conteúdo temático”, “estilo” e “estrutura composicional”. Khéde (1983KHÉDE, Sonia Salomão. As polêmicas sobre o gênero. In: KHÉDE, Sonia Salomão (Org.). Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 9-18., p. 13) afirma que a literatura infanto-juvenil é geralmente produzida por um adulto “que deseja chegar ao nível da criança e do jovem, sendo-lhes impossível, obviamente, desfazer-se de seu ‘status’ de adulto”. O autor/ autoridade por trás da literatura infantojuvenil insere moral e valores educacionais.

Coelho (2023COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2023.) aponta a necessidade de se ensinar a literatura para crianças e jovens em escolas e propõe que educadores se ajustem e adequem sua visão de mundo para as transformações promovidas na sociedade atual no Brasil segundo três aspectos: a literatura em si, a realidade circundante e o processo de ensino. Trazendo essa discussão para a abordagem de leitura da semiótica da cultura, pode-se argumentar que um livro produzido em uma semiosfera não pode ser desconectado de valores morais e do propósito de uma dada nação em uma dada época. No entanto, tal produção passa por um processo de questionamento, ao focar em “responsabilidade ética”, permitindo que se redescubra e se reinvente o passado, promovendo, dessa maneira, uma sociedade mais inclusiva com respeito às diferenças (Coelho, 2023, p. 19-23).

Para se compreender a semiosfera ou espaço semiótico e a dinâmica de produção de textos modais e multissemióticos é necessário observar a noção de signo no estudo de Lotman. Em “Estética e semiótica do cinema”, Lotman (1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978.) aponta a distinção entre signos convencionais, cuja experiência mais proeminente é vista no signo verbal / linguístico e o signo pictórico / icônico ou representacional, visto em imagens e fotografias. Enquanto a linguagem verbal pauta-se no uso convencional de signos a ser decifrados, os signos pictóricos, sendo figuras, fotografias, desenhos, etc. parecem transmitir mais diretamente a mensagem (Lotman, 1978).

O aspecto dual da organização de um sistema semiótico observado em relações entre os signos pode ocorrer nas culturas em todo o mundo:

Apenas o fato de que é um universal da cultura humana, que existe tanto os signos convencionais e pictóricos (ou que todos os signos são até certo ponto tanto convencional e representacional), é o suficiente pra demonstrar que o dualismo semiótico é a forma mínima de organização de um sistema semiótico em funcionamento (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 124)11 11 Em inglês: “Just the fact that it is a universal of human culture, that there exist both conventional and pictorial signs (or rather that all signs are to some degree both conventional and representational), is enough to show that semiotic dualism is the minimal form of organisation of a working semiotic system”. .

Essas duas noções, no entanto, não são exclusivas e podem aparecer combinadas em um texto. O autor explica que o aspecto convencional é também visto no signo pictórico, como nos hieróglifos egípcios, no qual há alguns aspectos convencionais relacionados à produção e uso de imagens (Lotman, 1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978.). Os aspectos pictóricos e representacionais podem também ser observados no signo convencional, quando o conteúdo é adicionado para “os níveis de expressão puramente formais do signo verbal (fonético, gramatical, e até mesmo gráfico), [os quais] adquirirem na poesia valor de conteúdo” (Lotman, 1978, p. 20). Esses aspectos figurativos e pictóricos do signo verbal / convencional são vistos geralmente na poesia; entretanto, é também observado na prosa.

O estilo de linguagem da literatura infantil resulta da combinação de um “texto contínuo” formado por recursos visuais e “textos discretos” baseados no texto verbal (Ivanov et al., 2003IVANOV, Vjacheslav; V.; LOTMAN, Iuri. M.; PIATIGORSKI, Aleksandr M.; TOPOROV, Vladimir N.; USPIÊNSKI, Boris A. Teses para uma análise semiótica da cultura (Uma Aplicação aos Textos Eslavos). In: MACHADO, Irene (Org.) Escola de Semiótica: A experiência de Tártu - Moscou para o estudo da cultura. Cotia: Ateliê editorial, 2003. p. 99-132., p. 107). Os distintos signos são organizados por meio da criação de “uma criança imaginária” com quem os leitores estabelecem relação de identificação por compartilhar “dificuldades similares” (Zilberman, 1983ZILBERMAN, Regina. O lugar do leitor na produção e recepção da literatura infantil. In: KHÉDE, Sonia Salomão (Org.). Literatura infanto-juvenil: um gênero polêmico. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 19-32., p 29).

Em A transformação de Hanna, a autora Luziane F. de Gasperi (2017GASPERI, Luziane F. de. A transformação de Hanna. Blumenau: Vale das Letras; 2017.) cria uma personagem pônei que sofre com as transformações decorrentes da adolescência. Os leitores, ao realizarem a leitura, irão estabelecer relações de identificação com a personagem, uma vez que a experiência em lidar com dificuldades similares pode provocar um sentimento de empatia. Hunt (2010HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Trad. Cid Knipel. São Paulo: Cosacnaify, 2010., p. 106) explica o processo de leitura de uma obra literária infantojuvenil como sendo similar a qualquer obra literária, que se realiza por meio da relação entre os leitores e livro:

Os significados literários são frequentemente emotivos ou impressionistas, tanto conotativos como denotativos; e assim os significados literários são também quem os leitores são, onde eles estão, quando e por que leem são o quanto os leitores conhecem, o quando já leram e o quanto desejam ler; e são a capacidade de entendimento que os leitores possuem - todos fatores que contribuem para a formação de sentido (Hunt, 2010HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Trad. Cid Knipel. São Paulo: Cosacnaify, 2010., p. 106).

Hunt (2010HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Trad. Cid Knipel. São Paulo: Cosacnaify, 2010., p. 108-9) explica em etapas o processo de leitura que envolve a decodificação de uma obra literária: há primeiramente a relação entre o leitor e a “textura” do livro, que se relaciona ao estilo de linguagem da obra, e como o autor se expressa no livro; em segundo lugar, o foco é no “enredo” e na “narrativa”, que se constrói à medida que o leitor reconta a história dando o seu ponto de vista; e, finalmente, a relação entre o livro e o mundo, que permite o aprofundamento do entendimento crítico acerca das políticas educacionais envolvidas na produção de um dado livro. Portanto, é necessário conhecer “o que a linguagem significa” e as “regras do jogo” para realizar o processo de leitura de um determinado livro infantojuvenil (Hunt, 2010, p. 114).

Os leitores necessitam conhecer a linguagem natural e compreender seu funcionamento, assim como devem desenvolver o entendimento acerca da modelização secundária da linguagem do gênero discursivo (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.; Machado, 2007). Para Hunt (2010HUNT, Peter. Crítica, teoria e literatura infantil. Trad. Cid Knipel. São Paulo: Cosacnaify, 2010., p. 116), o público de literatura infantojuvenil é constituído por leitores “em desenvolvimento”, que devem integrar o “código da linguagem”, ou seja, a linguagem natural em termos de Lotman e os gêneros, produtos de modelização secundária, para aprofundar as expectativas genéricas e a compreensão de relações intertextuais.

Acerca do gênero, Coelho (2023COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2023., p. 156) mapeia as tendências acerca do conteúdo temático e estilístico explorados por obras da literatura infantil no Brasil, as linhas do(a) “realismo cotidiano”, “maravilhoso”, “enigma ou intriga policialesca”, “narrativa por imagens”, e “jogo linguístico”. A linha do maravilhoso, em específico, se subdivide em maravilhoso metafórico ou simbólico, cujo sentido é percebido no nível metafórico; maravilhoso satírico, cujo sentido denuncia valores ultrapassados por meio de sátiras; maravilhoso científico, no qual as histórias se passam em locais desconhecidos que escapam à racionalidade; maravilhoso popular ou folclórico, decorrentes de histórias europeias e locais; e o maravilhoso fabular, no qual se percebem animais antropomórficos (Coelho, 2023). Os livros com a temática do pônei de autoria de Gasperi, podem ser vistos como livros que exploram a linha do maravilhoso que ocorre em um mundo à parte, distinto da Terra, sendo precisamente considerado maravilhoso fabular que apresentam “situações vividas por personagens - animais” (Coelho, 2023, p. 160). Acerca dos pôneis, será mapeado ainda o fenômeno pelo qual esses animais passaram a ser popularizados como seres maravilhosos.

Tzvetan Todorov (1973TODOROV, Tzvetan. The Fantastic: A Structural Approach to a Literary Genre. Translation from French by Richard Howard with Foreword by Robert Scholes. Cleveland/ London: The Press of Case Western Reserve University, 1973.) insere o maravilhoso na noção mais ampla de fantástico, que implica hesitação por parte dos leitores ao se deparar com um evento sobrenatural. Diante da hesitação, os leitores são obrigados a realizar uma escolha por uma explicação para o fenômeno. Caso os leitores optem pela explicação natural, e o fenômeno estiver atrelado ao medo, a obra será considerada estranha, ao passo que, caso os leitores optem pela explicação sobrenatural, a obra será considerada maravilhosa (Todorov, 1973). Os livros infantis, segundo Todorov (1973), representam um fenômeno à parte, pois não há hesitação fantástica por parte do leitor e a obra se enquadra diretamente no domínio do maravilhoso e na explicação pautada nas leis de um outro mundo. A noção de semiosfera de Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.) permite estudar as variadas dualidades, como o mundo real e o mundo maravilhoso presentes nos livros infantis.

A alternância entre os textos verbais e os elementos visuais auxilia a formação da estrutura composicional de uma obra da literatura infantil. Na obra escolhida tem-se também o recurso da realidade aumentada, a ser mais bem detalhada a seguir.

3 Realidade aumentada

A realidade aumentada (RA) adiciona interatividade (Billinghurst, 2002BILLINGHURST, Mark. Augmented Reality in Education. New Horizons for Learning, 2002. Available at: http://solomonalexis.com/downloads/ar_edu.pdf, Accessed on 3 Mar. 2024.
http://solomonalexis.com/downloads/ar_ed...
; Billinghurst, Duenser, 2012) no processo de leitura de um livro, e permite a aproximação da experiência de game. O impacto da RA na educação e no desempenho da leitura dos alunos ainda deve ser verificado em estudos futuros. No entanto, alguns pesquisadores de livros com recurso de RA têm mostrado resultados promissores na educação. As pesquisas envolvendo estudantes do quinto ano, com idade entre 10 a 11 anos demonstraram que o grupo experimental, que realizou a leitura de material com RA projetadas em uma tela, teve um nível de desempenho melhor, comparado ao grupo de controle, cujos alunos realizaram a leitura de textos impressos (Bursali, Yilmaz, 2019BURSALI, Hamiyet; YILMAZ, Rabia Meryem. Effect of Augmented Reality Applications on Secondary School Students’ Reading Comprehension and Learning Permanency. Comput. Hum. Behav. 95, pp. 126-135, 2019. Available at: https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0747563219300445?via%3Dihub. Accessed on 3 Mar. 2024.
https://www.sciencedirect.com/science/ar...
).

Segundo Andreas Duenser (2008DUENSER, Andreas. Supporting Low-Ability Readers with Interactive Augmented Reality. Ann. Rev. Cyber Therapy and Telemedicine: Changing the Face of Healthcare, Interactive Media Institute, pp. 39-46, 2008. Available at: https://vrphobia.com/Research/Publications/ARCTT2008.pdf. Accessed on 5 Mar. 2024.
https://vrphobia.com/Research/Publicatio...
, p. 44), durante suas pesquisas com livros ilustrados com RA, os estudantes se referiram aos livros de RA como “games”, especialmente por permitir a experiência com interatividade. Os leitores percebem a realidade mediada por meio de objeto físico tangível (Billinghurst, Kato, Poupyrev, 2008BILLINGHURST, Mark, KATO, Hirokazu; POUPYREV, Ivan. Tangible Augmented Reality. ACM SIGGRAPH Asia 7 (2): 1-10. 2008. Doi:10.1145/1508044.1508051. Available at: https://dl.acm.org/citation.cfm?doid=1508044.1508051. Accessed on 5 Mar. 2024.
https://dl.acm.org/citation.cfm?doid=150...
), como um celular ou tablet, por meio do qual eles interagem com os objetos virtuais em tempo real. Nesse sentido, os livros com RA “preenchem a lacuna entre o mundo digital e o mundo físico” (Yuen, Yaoyuneyong, Johnson, 2011YUEN, Steve Chi-Yin; YAOYUNEYONG, Gallayanee; JOHNSON, Erik. Augmented Reality: An Overview and Five Directions for AR in Education. Journal of Educational Technology Development and Exchange, 4(1), pp. 119-140, 2011. Available at: https://aquila.usm.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1022&context=jetde . Accessed on 3 Mar. 2024.
https://aquila.usm.edu/cgi/viewcontent.c...
, p. 127). Os livros com RA cruzam a barreira entre o mundo ficcional e o mundo real, uma vez que os leitores podem interagir com as imagens virtuais ficcionais localizadas na (percepção das) páginas físicas de um livro. Consequentemente, ocorre a tensão entre o ambiente do mundo real, onde os leitores manipulam as páginas impressas dos livros e o ambiente do mundo real mediado pela tela do tablet / telefone celular onde a interação acontece.

A interatividade profundamente relacionada com os games está presente no processo de apreensão e leitura de livros com RA, uma vez que os leitores passam a interagir com os personagens produzidos virtualmente. Os livros ilustrados combinam palavras e imagens estruturando sua narrativa, resultam da combinação entre os signos discretos ou convencionais (signo verbal) e os signos pictóricos ou figurativos (imagens) (Lotman, 1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978., 1990).

Os livros ilustrados com RA, atualmente chamados de livros 4D, combinam além de imagens e palavras, os recursos de RA, desafiando leitores e educadores. A noção ampla de texto enquanto cultura de Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.) permite observar o livro 4D com suas variadas semioses. Os processos de leitura do livro 4D deixa de ser linear para adquirir a estrutura rizomática, centrada em uma raiz com seus múltiplos ramos, uma vez que a apreensão do texto verbal é realizada com quebras provocadas por inserções de interações com elementos virtuais, que podem ainda conter recursos sonoros.

A realidade aumentada (RA) é uma plataforma que permite fundir as imagens geradas por computadores no mundo físico em tempo real. É uma noção que requer a compreensão do mundo físico / real e o mundo virtual / digital. Segundo o continuum de Realidade e Virtualidade de Milgram, o mundo real e a realidade virtual estão localizados em polos opostos em um continuum, compondo uma realidade mista (mixed reality) (Milgram, Kishino 1994). A realidade aumentada (RA) e a virtualidade aumentada (VA) estão abrangidas entre esses polos, tendendo aquele para o mundo real e este para a realidade virtual (veja o diagrama abaixo):

Figura 1:
Realidade mista de Milgram e Kishino no continuum Realidade e Virtualidade.

A realidade virtual (RV) é um ambiente gerado digitalmente composto de objetos e personagens virtuais. Os usuários, em geral, comumente conhecem o espaço virtual por meio do acesso a plataformas como computadores pessoais (PC), telefones celulares, tablet, consoles, arcades, smart TVs, navegadores de web, streaming online, etc. Nesse contexto, os usuários passam a ficar imersos no “mundo sintético” da realidade virtual (RV), no qual eles podem interagir com imagens virtuais (Milgram, Kishino, 1994MILGRAM, Paul; KISHINO, Fumio. A Taxonomy of Mixed Reality Visual Displays. IE- ICE Transactions on Information Systems, 77 (12), 1994. Available at: http://web.cs.wpi.edu/~gogo/courses/cs525H_2010f/papers/Milgram_IEICE_1994.pdf. Accessed on 3 Mar. 2024.
http://web.cs.wpi.edu/~gogo/courses/cs52...
, p. 1321).

Na RA, os objetos virtuais são projetados em tempo real em espaço real, coexistindo com objetos reais. Os objetos virtuais podem até mesmo sobrepor-se aos objetos reais, apagando-os momentaneamente da realidade mediada por um suporte físico. A RA, portanto, amplia a realidade permitindo ao usuário ver o ambiente do mundo real, com os objetos gerados por computadores.

Assim como em qualquer cultura ocorre a separação entre o que está no interior e o que está no exterior, a semiosfera representa essa dualidade que se comunica por meio de suas fronteiras: “O limite pode separar os vivos dos mortos, os povos assentados dos povos nômades, a cidade das planícies; pode ser uma fronteira estadual, social, nacional, confessional ou qualquer outro tipo de fronteira” (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 131)12 12 Em inglês: “The boundary may separate the living from the dead, settled peoples from nomad icons, the town from the plains; it maybe a state frontier, or a social, national, confessional, or any other kind of frontier.” (Lotman, 1990, p. 131). . Em livros infantojuvenis com realidade aumentada tem-se a dicotomia realidade x virtualidade, constituída por duas subsemiosferas, do mundo real e do mundo virtual respectivamente, que, por sua vez, estão contidas na semiosfera mais geral da cultura brasileira como se observa abaixo:

Figura 2:
Subsemiosfera real e a subsemiosfera virtual.

Baseando-se na noção traçada por Lotman (1978LOTMAN, Yuri. A estrutura do texto artístico. Trad. Maria do Carmo Vieira Raposo e Alberto Raposo. Lisboa: Estampa Editorial, 1978., 1990), a subsemiosfera do mundo real ou a subsemiosfera real gera a subsemiosfera do mundo virtual, ou seja, a subsemiosfera virtual. Contudo, observa-se que a topologia virtual possui características e configurações próprias que a tornam uma semiosfera à parte. No entanto, as fronteiras da subsemiosfera real e da subsemiosfera virtual permitem absorver um ao outro produzindo fenômenos híbridos em suas periferias e no seu interior.

A virtualidade aumentada (VR) explica a incursão da semiosfera do mundo real na semiosfera virtual, quando elementos do mundo real são apresentados na semiosfera virtual. A realidade aumentada (RA), por sua vez, representa um processo análogo e oposto, quando os elementos da semiosfera virtual estão presentes na semiosfera do mundo real. Atenta-se para o fato de que todos esses fenômenos ocorrem no interior da semiosfera mais ampla que pode ser vista como a relativa à cultura brasileira, cujo interior é recortado por variados limites internos ou subsemiosferas.

No fenômeno da RA, uma interface física apropriada se faz necessária para os usuários interagirem intuitivamente (Carmigniani, Furht, 2011CARMIGNIANI, Julie, FURHT, Borko. Augmented Reality: An Overview. In: Handbook of Augmented Reality, edited by BorkoFuhrt. London: Springer, pp. 3-122, 2011.). A origem do termo interfaces de RA tangíveis deriva precisamente da noção de Interfaces de Usuários Tangíveis (IUT) de Ishii e Ulmer, apresentada na conferência acerca do fator humano em sistemas de computadores, em 1997. Os estudiosos visualizaram um novo meio de interação humana e computador (IHC), não restrita ao desktop, mouse e teclado. Os pesquisadores expandiram a interação entre computadores e humanos para incluir a interação entre os usuários e os objetos físicos do dia a dia com "informação digital", manipulados no espaço de tarefa interativa. A interação ocorre no ambiente da semiosfera real onde habitam os leitores que manipulam os objetos digitais sobre superfícies tangíveis, e, consequentemente, atravessam a fronteira da realidade e adentram na virtualidade.

Um dos primeiros projetos na interface tangível foi o da Raquete Mágica (Magic Paddle), no qual móveis virtuais foram posicionados nas páginas de um livro impresso, que funcionava como uma superfície interativa (Kawashima et al. 2001KAWASHIMA, Takashi; IMAMOTO, Kenji; KATO, Hirokazu; TACHIBANA, Keihachiro; BILLINGHURST, Mark. “Magic Paddle: A Tangible Augmented Reality Interface for Object Manipulation.” Proc. on ISRMR 2001, pp. 194-195, 2001. Available at: https://www.researchgate.net/publication/228731310_Magic_paddle_A_tangible_augmented_reality_interface_for_object_manipulation. Accessed on 3 Mar. 2024.
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). Manipulando a raquete, o usuário podia recolher um móvel, transferindo-o de uma página para outra. O usuário podia empurrar o móvel com a raquete fazendo-o se movimentar, podia também tocá-lo levemente, fazendo-o desaparecer. O pesquisador realizava o experimento, checando as interações, portando um aparato fixo à cabeça (head-mounted display - HMD).

Nos experimentos, os equipamentos de RA variaram do HMD, fixo na cabeça, aos óculos que permitiam aos usuários enxergar o ambiente do mundo real onde objetos digitais eram inseridos em laboratórios. Na atualidade, a realidade virtual (RV), realidade aumentada (RA), e realidade mista (RM) são conhecidas no mercado como o nicho do XR ou realidade estendida. O mercado de RA está em crescimento, com um número crescente de aplicativos com RA disponíveis no Google store e na Apple store.

A experiência com RA na sala pode ser dinâmica uma vez que o aprendizado pode ocorrer “durante o desenvolvimento do conteúdo de RA assim como no uso de aplicativos de RA em si” (Billinghurst, Duenser 2012BILLINGHURST, Mark; DUENSER, Andreas. Augmented Reality in the Classroom. Computer, vol. 45, no. 7, pp. 56-63, 2012. Doi: 10.1109/MC.2012.111. Available at: https://ieeexplore.ieee.org/document/6171143 . Accessed on 5 Mar. 2024.
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, p. 47). Os estudantes expostos aos aplicativos de RA e programas de RA são confrontados com oportunidades de desenvolvimento de múltiplos tipos de literacias, assim como de experienciar variados processos de leituras.

A questão do livro que integra a realidade aumentada referida como livro 4D ainda envolve uma questão complexa de autoria. Em O reino encantado dos pôneis 4D, Stevan Richter, Luziane F. de Gasperi e Jean Carlos Ferreira assinam o texto, Stevan Richter, o projeto gráfico, Adenio Fuchs, o projeto 4D / RA, e Jean Carlos Ferreira, as ilustrações.

O livro 4D é, portanto, composto por uma equipe de autores, os quais ficaram responsáveis por desenvolver um texto fazendo uso de signos distintos (referencial/verbal, pictórica/ imagética/ 4D/RA) em termos de Lotman. O conjunto da obra foi assinado coletivamente, tendo, portanto, uma instância autoral coletiva. Os textos compostos em semioses distintas entram em confronto, resultando na quebra da linearidade do processo de leitura que passa a ser realizado de maneira rizomática, por conta das distintas semioses.

4 Sobre os Pôneis

Noções como a semiosfera, signos e traduções culturais podem contribuir para a compreensão da literatura infantil. Artigos que detalham o uso da semiótica da cultura como uma abordagem de estudo de literatura infantil são raros. Este artigo irá reunir alguns conceitos desenvolvidos pela escola de semiótica de Tártu - Moscou e exemplificar no objeto escolhido, O Reino Encantados dos Pôneis 4D, de autoria da equipe brasileira Stevan Richter, Luziane F. de Gasperi, Jean Carlos Ferreira, Stevan Richter, Adenio Fuchs, e Jean Carlos Ferreira.

A temática de Pôneis parece ter sido popularizada na década de 1980 no Brasil, com a introdução de uma linha de brinquedos voltadas inicialmente para meninas da faixa etária de 8 a 13 anos, chamada My Little Pony, criação de Bonnie Zacherle, Charles Muechinger e Steve D’Aguanno. A franquia teve sua origem nos Estados Unidos em 1981, com o lançamento do brinquedo chamado My Pretty Pony, uma versão maior e menos estilizada de pônei na cor bege com manchas brancas, sendo acompanhada por um kit que incluía escova, pente, chapéu e laços. O brinquedo era capaz de mover as orelhas e piscar o olho esquerdo. A coleção foi seguida por outra edição acompanhada por um pônei menor e a terceira edição incluiu a variação de pônei na cor rosa. O lançamento de um pônei na cor rosa demonstra uma aproximação da representação do pônei com uma figura do domínio do maravilhoso (Todorov, 1973TODOROV, Tzvetan. The Fantastic: A Structural Approach to a Literary Genre. Translation from French by Richard Howard with Foreword by Robert Scholes. Cleveland/ London: The Press of Case Western Reserve University, 1973.; Coelho, 2023COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2023.).

Inicialmente, foram lançados nos Estados Unidos, em 1983, 6 variações de cores de My Little Pony, o Cotton Candy (com crina e corpo rosa), o Snuzzle (com crina rosa e corpo branco), o Blue Belle (com crina lilás e corpo azul), o Butterscotch (com crina e corpo amarelos), o Minty (com crina branca e corpo verde), e o Blossom (com crina lilás e corpo claro) pela empresa Hasbro. A produção seguiu a tendência de se representar os pôneis com cores que denotam o aspecto maravilhoso (Todorov, 1973TODOROV, Tzvetan. The Fantastic: A Structural Approach to a Literary Genre. Translation from French by Richard Howard with Foreword by Robert Scholes. Cleveland/ London: The Press of Case Western Reserve University, 1973.; Coelho 2023COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2023.).

Posteriormente, foram adicionados mais dois modelos de pôneis: o Peachy (com crina rosa e corpo pêssego) e o Lemmondrop (com crina lilás e corpo amarelo). Outros animais também acompanharam os pôneis como o gato amarelo Twinkles que acompanhava o salão de embelezamento (Pretty Parlour) onde os pôneis poderiam ser penteados e enfeitados com adornos como chapéus. Houve também a edição do estábulo (Show Stable), que vinha acompanhado do cachorro Brandy e do pônei Lemondrop.

O produto fabricado nos Estados Unidos não foi importado para o Brasil, mas, passou a ser produzido localmente pela indústria de brinquedos nacional Estrela. O nome do produto passou a ser Meu Querido Pônei, que não representa a tradução literal de My Little Pony (Meu Pequeno Pônei), mas a sua reinterpretação com o componente afetivo observado em “querido”. Dessa maneira, com a produção local, o produto entrou na segunda fase de assimilação descrita por Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.), sendo reinterpretado e gerando novos sentidos. O produto sofreu pequenas variações na combinação de cores adequando-se ao setor produtivo local e ao mercado consumidor: o Algodão doce (com crina rosa claro e corpo rosa), o Graminha (com crina branca e corpo verde), o Rosquinha (com crina amarela e corpo laranja), o Torrãozinho (com crina roxa e corpo azul), o Caramelo (com crina loura e corpo amarelo), o Quindim (com crina azul e corpo amarelo). A expressão geral dos nomes dos pôneis no Brasil guarda uma relação estreita com a doçura e o açúcar, estabelecendo relação entre o aspecto afetivo de “Querido” e o paladar doce.

O produto My Little Pony: Show Stable foi traduzido como Meu querido pônei: poneilândia: o show dos pôneis no Brasil. O neologismo poneilândia possui o sentido de mundo encantado de pôneis, sendo mais expressivo do que o nome do produto original em inglês que significa estábulos de espetáculo, que implica eventos efêmeros. A descrição do produto em inglês é “Uma casa de brinquedo e um lar para todos os pequenos pôneis... com muros para pular e laços e troféus para ganhar!”13 13 Em inglês: “A playhouse and home for all your little ponies...with fences to jump and ribbon and trophies to win!” . Trata-se de uma descrição sucinta de um produto que visa principalmente a competição entre os pôneis, uma vez que o produto vem acompanhado de estábulo, obstáculos e premiações. A ideia central é a competição realizada por meio da corrida de pôneis, que possivelmente gerará um vencedor. Outro destaque na caixa para o seu conteúdo é “Meu pequeno pônei: incluído o Pingo de Limão”14 14 Em inglês: “My Little Pony: Lemmondrop included.” . O limão na cultura americana está associado à infância, pois nessa tenra idade, as crianças frequentemente valem-se de vendas de limonadas feitas com limão siciliano para arrecadarem algum fundo para adquirir algo desejado.

Na versão brasileira, tem-se o seguinte descritor “Um lugar maravilhoso para seus pôneis darem um show de saltos. E depois brincarem na encantadora casinha com sala de troféus, quarto e cozinha”. A mensagem central nesse texto é precisamente uma brincadeira desinteressada de saltos entre as crianças, e a questão da competição entre os pôneis fica em segundo plano. Outro informe se destaca na caixa do produto “Um presente para você: Pingo Doce e o cachorro Chocolate incluídos”. O nome do pônei “Lemmondrop” (Pingo de Limão) é traduzido para Pingo Doce no Brasil, uma vez que não há a relação entre a fruta limão e a infância no Brasil. Na versão americana não há menção ao cachorro Brandy, cujo nome significa conhaque. A escolha do nome do cachorro em inglês pode estar relacionada com a proximidade da cor da pelagem marrom do cão com a da cor da bebida conhaque. Na versão brasileira, o nome do cão passa a ser Chocolate, relacionando a cor da pelagem do cão ao doce preferido de crianças. Consequentemente, na versão brasileira, o nome do cachorro Chocolate reforça a relação entre a afetividade, a infância e o paladar doce. Na passagem entre uma semiosfera e outra, adequações e reinterpretações de valores acabam por influenciar na representação cultural de um produto.

Atualmente, após gerações de brinquedos da coleção Meu querido pônei e produções de mídias como animações, filmes, games e web séries, a figura do pônei está popularizada e associada ao elemento maravilhoso em vários países inclusive no Brasil. Outras produções com pôneis ou cavalos encantados como unicórnios também foram popularizados. Ultimamente, no Brasil, produtos da franquia que anteriormente eram lançados como Meu querido pônei, passaram a manter a nomenclatura em inglês My Little Pony, reforçando sua origem estrangeira, o que pode demonstrar a revalorização da cultura estrangeira proveniente de outra semiosfera.

5 Sobre o Reino Encantado dos Pôneis 4D

No Brasil, a autora Luziane F. de Gasperi lançou livros com temáticas centradas na personagem principal de um pônei: os livros de estórias A transformação de Hanna (2017), Cantar e brincar: O reino dos pôneis (2012), além de O reino encantados dos pôneis 4D (2019). Neste último a autora integra uma equipe, sendo o objeto de estudo deste artigo.

Os livros de Gasperi se enquadram na quarta fase de assimilação de textos estrangeiros, uma vez que a autora assimila completamente a imagem do pônei, e passa a produzir textos adaptados à realidade brasileira contemporânea (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.). Em A transformação de Hanna, Gasperi aborda a passagem da infância para a adolescência por meio da Hanna, um pônei de cor lilás. Os leitores acompanham a combinação de linguagem verbal, constituída por signos representacionais, e imagens, constituídas por signos pictóricos. O processo da leitura é realizado de maneira não linear uma vez que a leitura de trechos compostos por linguagem verbal é entrecortada por “leituras” de imagens que complementam ou suplementam o texto verbal. Os livros ilustrados infantis foram objetos de discussão de variados teóricos como Coelho (2023COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil: Teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2023., p. 196), que afirma que na literatura infantil “a imagem fala tanto quanto a palavra”.

Em O reino encantado dos pôneis 4D15 15 As páginas do livro infantil escolhido não são numeradas. Portanto, a análise seguiu a ordem dos eventos no livro. , os autores convidam os leitores a realizar uma jornada para um mundo maravilhoso habitado por pôneis na “Galáxia Cor-de-Rosa”. Por meio de um QR code encontrado no verso da primeira página do livro, os leitores são direcionados ao aplicativo VL4D, disponível nas plataformas Android e IOS para realizarem o download do programa a ser instalado na plataforma tangível, o telefone celular ou o tablet. Por meio do aplicativo é que os leitores poderão interagir com os objetos virtuais a serem posicionados sobre a página física. A interação ocorre por meio da manipulação direta dos leitores com o uso de dedos sobre a superfície do telefone celular ou tablet, que funciona como área de trabalho tangível.

Marla, a coruja e conselheira da rainha Amabel, explica o motivo de ter sido solicitada a escrever o guia de viagem para a terra maravilhosa e alerta os leitores acerca dos perigos envolvidos na jornada. O guia apresenta a Rainha Amabel, que carrega um cristal vermelho em uma tiara. A pedra se chama Lágrima de Zoltar e confere à rainha coragem e sapiência, além de atribuir asas que lhe permitem voar. Os leitores, após lerem o texto, por meio do recurso do aplicativo VL4D instalado no celular ou no tablet, acessam a imagem da rainha pônei e participam de um jogo a fim de cumprir uma tarefa. Os leitores devem auxiliar a rainha a quebrar as rochas para encontrar o cristal vermelho, a Lágrima de Zoltar, que lhe irá conferir asas. Os leitores assumem também o papel de jogadores, uma vez que tocam com os dedos as rochas através da tela do celular ou tablet e conduzem a rainha Amabel na direção das rochas. Por meio do toque, os leitores/ jogadores auxiliam a rainha a quebrar as rochas para encontrar o cristal vermelho escondido no seu interior. Os leitores devem tocar o cristal vermelho com os dedos. Dessa forma, a rainha Amabel se aproxima da pedra e interage com ela. Como resultado, a rainha Amabel recebe as asas para voar, passando a se configurar como um pequeno Pégaso, um pônei branco, com crinas e asas amarelas.

O livro segue detalhando o mundo mágico dos pôneis e relata acerca de um arco-íris que não guarda um pote de ouro ao seu final. No seu lugar, encontra-se uma belíssima cachoeira. O local permite às fadas de vários reinos se reunirem para recarregarem seus poderes. A natureza do reino dos pôneis, portanto, é vista como sua grande riqueza.

O livro também apresenta para os leitores o cantor Gil, que perdera a sua voz no dia anterior à sua apresentação de palco. Os leitores precisam auxiliar o cantor Gil a se posicionar perto do microfone para que o show inicie. Para isso, devem tocar levemente no microfone para que o pônei se reposicione. Ao cumprir a tarefa, o pônei cantarola. O livro alerta o leitor sobre respeitar o limite da voz, e evitar gritar ou falar muito alto.

A personagem Gil, que habita a semiosfera o reino encantado dos pôneis, localizada na dimensão mágica da Galáxia Cor-de-Rosa, estabelece referência com a figura do cantor Gilberto Gil, que habita o mundo real. A referência a Gil é ainda reforçada na representação do pônei em preto, com crinas brancas. Dessa forma, há um confronto entre as duas semiosferas, a do mundo real, onde os leitores habitam, e o mundo maravilhoso, onde se encontra o reino encantado dos pôneis. Tal relação com o mundo real está também presente nos aconselhamentos aos leitores, detalhados no livro, uma vez que também servem ao contexto do mundo real.

O livro infantil transmite um aprendizado e uma moral ao público destinado, que necessariamente resulta em confronto de pelo menos dois mundos: a semiosfera do mundo maravilhoso do livro, onde os personagens vivem seu enredo e a semiosfera do mundo real, onde os leitores habitam (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.). A realidade aumentada adiciona um outro mundo, a semiosfera da virtualidade, cuja topologia os leitores/ gamers acessam por meio da interatividade. Os leitores passam a assumir os papéis de jogadores/ gamers para participarem ativamente do processo de construção de narrativas, auxiliando uma personagem a cumprir suas tarefas. No entanto, a construção de narrativa do livro 4D/RA diferencia-se da construção de narrativa do jogo eletrônico, uma vez que os leitores não acumulam pontos e as atividades não são pré-requisitos para os leitores avançarem na narrativa.

O manual ainda apresenta os trolls, criaturas consideradas horripilantes que querem transferir o pântano, onde habitam, para o local onde se encontra o arco-íris. O livro aconselha os leitores a escaparem de situações perigosas com os trolls, por meio de perguntas complexas, com as quais os trolls passarão a se preocupar, deixando os leitores escaparem. A referência ao troll é resultante do confronto entre semiosferas distintas no mundo fictício e maravilhoso. Os trolls são criaturas do folclore nórdico que pertencem a outra semiosfera e que comumente não aparecem em narrativas de pôneis, já que estes pertencem ao seu próprio reino. A semiosfera de Lotman (1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990.) permite aos leitores a compreensão das interações dos variados mundos que se permeiam por meio de suas fronteiras durante o processo de leitura e a construção de narrativas. Os leitores constroem as narrativas dando sentido às suas experiências.

Há também uma seção com ideograma chinês, que indica kung-fu. Os pôneis praticam a arte milenar por oito anos seguidos, junto ao mestre Chang. Após esse período os pôneis passam a atuar como Guardiões Imperiais. O manual também apresenta o Café Pinote, que serve um milkshake delicioso e enumera pontos turísticos a serem visitados como a Ponte da Ferradura, a Fonte das Águas Dançantes, o Estúdio de Tatuagem do centauro Xandrinus e o Museu Algodão-Doce. A inserção de referência a uma cultura de uma semiosfera (China) existente no mundo real ocasiona a tensão entre o fictício e o real no processo de leitura. Para Noth (2014, p. 13), a semiosfera é vista como o resultado de “projeções metafóricas de valores culturais em espaços geográficos”. A representação da China é vista atrelada a valores como a disciplina, o respeito e a coragem, aliados à prática da arte marcial kung-fu. A ausência da menção à China faz com que tais valores sejam incorporados na própria representação do Reino Encantado dos Pôneis na semiosfera do mundo maravilhoso.

Em outra seção, os leitores são confrontados com os valores da comunidade dos pôneis que vivem a vida no campo e são alimentados cada um com um cesto de maçãs. Os leitores devem auxiliar o pônei a recolher as maçãs do chão e colocá-las no cesto. O pônei, ao se aproximar e tocar levemente a maçã com o nariz faz com ela seja lançada ao cesto ao som de um relincho. Os leitores devem tomar cuidado ao manipular os objetos virtuais, pois ao tocarem bruscamente as maçãs, o pônei pode se mover abruptamente e derrubar todas as maçãs que estão no cesto para o chão, demandando, dessa forma, novamente a realização da tarefa. As tarefas estarão cumpridas quando todas as maçãs que estiverem no chão, no formato de um círculo, forem colhidas.

Na seção seguinte, os leitores são apresentados à escola dos pôneis onde os talentos especiais de cada um são desenvolvidos. O mestre Chang de kung-fu também pratica a filosofia e ao estudar os pôneis concluiu acerca das habilidades dos pôneis em geral. Segundo o mestre Chang, “há três características essenciais, comuns a todos os pôneis: a amizade, um grande amor pela natureza, e o cuidado com suas crinas, sempre limpas, belas e cheirosas.” Além da arte marcial, a China é vista como o berço do grande filósofo Confúcio que indagou acerca do sentido da vida. Elementos da semiosfera chinesa presentes no livro estabelecem a relação entre o mundo encantado e o mundo real, ocasionando o confronto de suas fronteiras.

Ao final, os leitores se deparam com a herdeira do trono do reino dos pôneis, a princesa Jade, que será rainha no futuro, seguindo a linhagem de sua mãe, Amabel. Em sua última tarefa, os leitores devem ajudar a princesa Jade a encontrar a flor, que está escondida em um baú mágico. Os leitores devem tocar no baú para que a princesa Jade possa se aproximar dele e abri-lo. Ao encontrar a flor, os leitores devem tocá-la, para que essa possa ser movida para a crina da princesa.

Os valores matrilineares estão inseridos no livro, uma vez que o trono do Reino Encantados dos Pôneis é passado de mãe para filha. Tal valor leva a criança a se confrontar com valores patriarcais inerentes ao mundo real, resultando em reflexões. A jornada se encerra com a saudação de despedida da Marla, a coruja, junto à rainha Amabel: “Espero que vocês tenham gostado. Agora que conhecem o Reino Encantado dos Pôneis e o caminho até aqui. Voltem sempre!

Conclusão

Novos gêneros tecnológicos surgem como um recurso educacional no mercado desafiando educadores e leitores. A semiótica da cultura desenvolvida em Tártu - Moscou nos possibilita repensar as noções de múltiplas semioses, incluindo os novos recursos como a realidade aumentada que vêm se destacando na produção de novos gêneros da literatura infantil, o livro 4D.

O artigo explorou a possibilidade de uso da noção de semiosfera cara à semiótica da cultura como abordagem de leitura de livros infantis 4D, possibilitando o entendimento do gênero enquanto um texto formado por múltiplas semioses. A noção de semiosfera no livro infantil maravilhoso permite o mapeamento do mundo real, a semiosfera real e o mundo maravilhoso, a semiosfera do reino encantado. Quanto ao livro infantil 4D com RA, a noção de semiosfera auxiliou no entendimento entre o mundo real onde o leitor habita e se encontra o objeto tangível por meio do qual manipula os elementos virtuais e o mundo virtual ao qual pertencem os elementos produzidos digitalmente que permitem a interação. A escolha do objeto de estudo de um livro maravilhoso com RA permitiu o uso da semiosfera como abordagem de leitura complexa para se mapear os mundos variados como o mundo real e o mundo encantado, o mundo real e o mundo virtual aos quais correspondem respectivamente uma subsemiosfera específica com suas fronteiras. O imbricamento das fronteiras dessas subsemiosferas demonstra a comunicação por meio da interseção entre as zonas fronteiriças e periféricas. Tais subsemiosferas, por sua vez, estão contidas em uma semiosfera geral que pode ser vista como a semiosfera brasileira, que foi receptora de produtos culturais como Meu Querido Pônei da semiosfera estrangeira e passou a produzir produtos culturais renovados com referências diversas.

Essa pesquisa demonstrou o mapeamento do processo de leitura do livro 4D que não se realizou de maneira linear, mas de maneira rizomática, permitindo a leitura de textos verbais e imagéticos com a realização de tarefas interativas. No entanto, ainda são necessárias mais pesquisas em outros corpora para que se reforce o uso da semiosfera como abordagem de leitura de livros 4D.

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  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    O uso do termo “índio” foi substituído por “indígena” na contemporaneidade em respeito às diferenças.
  • 2
    Em inglês “the world into 'its own' internal space and 'their' external space, constituting paradigms of national versus foreign, inner versus outer space, organized versus chaotic” (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 131).
  • 3
    Em inglês: “culture organizes itself in the form of a special space-time and cannot exist without it. This organization is realized in the form of the semiosphere and at the same time comes into being with the help of the semiosphere “(Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 133).
  • 4
    Em inglês: “imagine a museum hall where exhibits from different periods are on display, along with inscriptions in known and unknown languages, and instructions for decoding them; besides there are the explanations composed by the museum staff, plans for tours and rules for the behaviour of the visitors. Imagine also in this hall tour-leaders and the visitors and imagine all this as a single mechanism (which in a certain sense it is). This is an image of the semiosphere” (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 126-7).
  • 5
    Em inglês: “concrete geographical space, whose topology [consists of spaces] such as St. Petersburg, but it can also be a metaphorical space, whose topology consists of the characters of a ‘plot space’, such as the main characters of a myth, the hero, the opponent, the helper, father, mother, son, daughter, etc” (Noth, 2012, p. 112).
  • 6
    Em inglês: “Lotman states that the whole semiosphere (culture as semiosphere) must be considered as a single mechanism and it is only in this way that we will be able to understand its various aspects” (Eco, 1990ECO, Umberto. Introduction. In: LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translation by Ann Shukman, with Introduction by Umberto Eco. London: I. B. Tauris co Ltd., 1990. pp. vii-xiii., p. xii).
  • 7
    Em inglês: “Moreover, the boundary is the domain of bilingualism, which as a rule finds literal expression in the language practice of the inhabitants of borderlands between two cultural areas. Since the boundary is a necessary part of the semiosphere and there can be no 'us' if there is no 'them', culture creates not only its own type of internal organization but also its own type of external 'disorganization’”(Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 142).
  • 8
    Em inglês: “inner structure and as a whole” (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 151).
  • 9
    Em inglês: “to control, filter and adapt the external into the internal”.
  • 10
    Em inglês: “texts represent models of the world, the set of texts which is the culture of a period is a secondary modelling system”.
  • 11
    Em inglês: “Just the fact that it is a universal of human culture, that there exist both conventional and pictorial signs (or rather that all signs are to some degree both conventional and representational), is enough to show that semiotic dualism is the minimal form of organisation of a working semiotic system”.
  • 12
    Em inglês: “The boundary may separate the living from the dead, settled peoples from nomad icons, the town from the plains; it maybe a state frontier, or a social, national, confessional, or any other kind of frontier.” (Lotman, 1990LOTMAN, Yuri. Universe of the Mind: A Semiotic Theory of Culture. Translated by Ann Shukman, With an introduction by Umberto Eco London: I. B. Tauris Co Ltd., 1990., p. 131).
  • 13
    Em inglês: “A playhouse and home for all your little ponies...with fences to jump and ribbon and trophies to win!”
  • 14
    Em inglês: “My Little Pony: Lemmondrop included.”
  • 15
    As páginas do livro infantil escolhido não são numeradas. Portanto, a análise seguiu a ordem dos eventos no livro.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

A proposta do artigo - de analisar o livro ilustrado O reino encantando dos pôneis 4D sob a abordagem de leitura da semiótica da cultura - é válida e original, porém o artigo apresenta vários problemas: É preciso rever a afirmação de que a semiosfera coincide com o espaço geográfico. Isso pode ser verdade ou não. Por exemplo, podemos falar da semiosfera da literatura infantil que não coincide com nenhum espaço geográfico concreto. De modo geral, a apresentação do conceito de semiosfera poderia ser mais aprofundada. A noção de fronteira não se refere apenas aos limites de uma semiosfera, mas também ao seu interior, uma vez que toda semiosfera é perpassada por diversas fronteiras. A tradução e a produção de novos sentidos, portanto, ocorre tanto na parte limítrofe da semiosfera, quanto no seu interior. Na parte da exposição sobre RA, faltam as referências das informações apresentadas. CORREÇÕES OBRIGATÓRIAS [Revisado]

  • recomendação: revisão

Histórico

  • Parecer recebido em
    27 Nov 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O texto, como um todo, adequa-se ao tema proposto, de certa maneira, no título e no resumo. O objetivo do ensaio é explicitado essencialmente na introdução, havendo coerência no desenvolvimento do texto. Todo o texto (per)segue a teoria proposta desde o resumo, em diálogo com outras perspectivas afins. Contudo, a bibliografia não está, de todo, atualizada, havendo recurso a estudos já ultrapassados. De maneira geral, o estudo é original em sua reflexão e contribui para o campo de conhecimento da área. O texto é claro, mas há muitas falhas de linguagem, seja por má pontuação ou seleção vocabular, bem como se verificam gralhas cuja correção é necessária. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    02 Fev 2024

Parecer III

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer III

A maioria das sugestões foi incorporada na segunda versão do artigo, porém ele ainda precisa passar por uma revisão criteriosa de português. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    28 Fev 2024

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2024

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2023
  • Aceito
    22 Mar 2024
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