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Partilha sensível e a corda de nó(s): emancipação e autonomia no ensino de Artes

RESUMO

O presente artigo propõe discutir a práxis estética e poética na performance arte Corda de Nó(s), com base nas narrativas teatral e visual direcionadas para a emancipação intelectual e para a ampliação do sensível a partir da experiência docente de uma unidade escolar pública municipal, da cidade de Palmas (TO). Esse estudo debruça-se em metodologia qualitativa de narrativa oral e exploratória e nos cadernos de campo dos pesquisadores, elaborados durante as atividades a que se refere este texto, em articulação com estudos bibliográficos, nos conceitos de preparo, desenvolvimento e conclusão do plano de aula da disciplina Artes, baseado no ensino universal, tal como proposto por Jacques Rancière.

PALAVRAS-CHAVE:
Docência em Artes; Educação básica; Partilha do sensível; Jacques Rancière

ABSTRACT

This article proposes to discuss the aesthetic and poetic praxis in the performance art Corda de Nó(s),1 1 The term Corda de nó(s), the name of the artistic process under analysis in this text, has been retained in Portuguese, as in English, the terms would not convey their original meaning. To understand the term: the term ‘nó(s)’ means, in Portuguese, both more than one knot and a collective of people, including the sender. Thus, corda de nó(s) indicates both the knots in a rope and the connection between the participating people, as if they were linked by a rope. based on theatrical and visual narratives directed towards intellectual emancipation and the expansion of the sensibility from the teaching experience within a municipal public school unit, in the city of Palmas (TO). This study focuses on a qualitative methodology of oral and exploratory narrative as well as the researchers’ field notebooks, prepared during the activities referred to in this text, in conjunction with bibliographic studies, on the concepts of preparation, development and conclusion of the lesson plan of Arts discipline, based on universal education, as proposed by Jacques Rancière.

KEYWORDS:
Arts teaching; Elementary school; Sensitive sharing; Jacques Rancière

Introdução

O presente artigo é resultado do projeto de pesquisa de iniciação científica (PIBIC-UFT) 1 1 Pesquisa desenvolvida em uma unidade escolar municipal de ensino fundamental II da região Norte da cidade de Palmas, Tocantins - Brasil. Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Estudo apresentado como resultado de Trabalho de Curso - TCC do curso de Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal do Estado do Tocantins - Campus Universitário de Palmas, com orientação do professor pós-doutor Juliano de Camargo Sampaio Casimiro (UFT) e expandido na forma da presente pesquisa. do primeiro autor, com orientação do segundo autor2 2 Esta pesquisa apresenta uma discussão aprofundada do estudo de Thiago Francysco Rodrigues Cassiano denominado Emancipação e Autonomia no Ensino de Arte e na Formação de Professores: A Escuta e a Partilha Sensível na Perspectiva de Rancière. Trabalho de Conclusão de Curso - Colegiado de Licenciatura em Teatro, Universidade Federal do Tocantins - UFT, Palmas - Tocantins, 2019. Estudo orientado pelo professor doutor Juliano de Camargo Sampaio Casimiro. . A problemática de pesquisa surgiu, por sua vez, a partir da inquietude dos autores quanto à percepção da dicotomia entre: 1 - uma docência única e exclusivamente (ou ao menos prioritariamente) voltada para o professor, seus desejos pessoais, crenças, escolhas didático-metodológicas; e 2 - a docência voltada para os processos de ensino e aprendizagem, percepção de mundo dos participantes e das relações vividas em sala de aula e fora dela pelas/os estudantes. Isso, pois o teatro na educação emerge como campo de conhecimento sensível, estético e político na/para a formação humana dos sujeitos. Esse objetivo último é o que reconhecemos como primordial para a inserção da arte na escola (Koudela, 2008KOUDELA, Ingrid Dormien. A encenação contemporânea como prática pedagógica. In: Urdimento, Florianópolis, v.1, n.10, p. 45-54, 2008. https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101102008045. Acesso 20 out. 2023.
https://www.revistas.udesc.br/index.php/...
, p. 52). Koudela (2008)KOUDELA, Ingrid Dormien. A encenação contemporânea como prática pedagógica. In: Urdimento, Florianópolis, v.1, n.10, p. 45-54, 2008. https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101102008045. Acesso 20 out. 2023.
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compreende que há, na encenação, componentes para a ruptura de padrões e sistemas traduzidos pelo simbolismo teatral.

O teatro na educação, para além da construção de personagem, possibilita a interação do estudante em um universo ainda mais amplo do que a encenação, dando aos estudantes base para o desenvolvimento de outros signos da linguagem teatral: cenografia, figurino, sonoplastia, iluminação, signos do corpo, entre outros, dando sentido ao universo da cena, como menciona a professora e pesquisadora Koudela (2008)KOUDELA, Ingrid Dormien. A encenação contemporânea como prática pedagógica. In: Urdimento, Florianópolis, v.1, n.10, p. 45-54, 2008. https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101102008045. Acesso 20 out. 2023.
https://www.revistas.udesc.br/index.php/...
. Robustecendo o que mencionou Koudela (2008)KOUDELA, Ingrid Dormien. A encenação contemporânea como prática pedagógica. In: Urdimento, Florianópolis, v.1, n.10, p. 45-54, 2008. https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/1414573101102008045. Acesso 20 out. 2023.
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, Spolin (2010SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010. [1985], p. 20) afirma:

A realidade da comunicação é muito mais importante do que o método usado. Os métodos se alteram para atender às necessidades de tempo e lugar (...) as técnicas não são artifícios mecânicos - um saquinho de truques devidamente rotulados, a serem tirados pelo ator quando necessário. Se o ator não for extremamente intuitivo, tal rigidez no ensino que negligencia o desenvolvimento interior, estará invariavelmente refletida no espetáculo. Quando um ator sente “na carne” que há muitas maneiras de fazer e dizer uma coisa, as técnicas virão (como deveriam) a partir do eu total.

O supracitado estudo surge de inquietudes sobre a práxis docente em teatro durante a formação do primeiro autor deste artigo, no curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Estado do Tocantins (UFT), no que tange ao distanciamento das práticas teatrais com os signos presentes na realidade sociopolítica dos estudantes e o entendimento da encenação enquanto único resultado possível para a prática teatral.

A dicotomia de que falamos revela a discrepância entre os bens simbólicos (Béra; Lamy, 2015BÉRA, Matthieu; LAMY, Yvon. Sociologia da cultura. São Paulo: Edições SESC, 2015.) que sustentam a prática docente, a saber, aquilo a partir do que se valorizam positivamente as escolhas para a sala de aula, e a demanda simbólica por parte de estudantes desde suas necessidades cotidianas. Tal desajuste gera claramente uma economia (equação) simbólica que favorece demasiadamente a manutenção do discurso e da prática alienante e dominante (para não dizer opressora) de alguns professores e professoras em relação aos estudantes.

Em resumo, o que se realiza neste texto é a construção de apontamentos sobre algumas relações possíveis entre ensino de Artes na educação básica - tomando as linguagens das artes visuais e teatro como referências prioritárias -, emancipação política e pessoal de estudantes da educação básica e ampliação da sensibilidade docente. Esse último aspecto é considerado desde a premissa de que a/o professor(a) de arte deve desenvolver a escuta e visão sensíveis, como impulso para formação da sua própria autonomia e emancipação intelectual, pois “somente um emancipado pode escutar com tranquilidade que a ordem social é inteiramente convencional e, assim mesmo, obedecer escrupulosamente a seus superiores - que ele sabe seus iguais” (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 151).

A relevância dessa emancipação para a escuta tranquila, de que fala Jacques Rancière para a prática docente, centra-se no fato de que existe um sistema educacional-político-social que é anterior ao professor e que o coloca em condição, muitas vezes, de subserviência necessária. Entretanto, há ao menos dois caminhos para se seguir: 1 - aceitação cega e irrestrita das exigências do sistema; 2 - adoção parcial, crítica e prenhe de resistência e enfrentamentos às demandas alienantes do sistema.

1 A corda de nó(s): o primeiro nó

Entendemos que a prática docente de um profissional da educação em artes/teatro estará associada aos signos que o atravessam enquanto sujeito (social, político e criativo). Nesse sentido, para a regência da disciplina de Estágio Supervisionado do curso de Licenciatura em Teatro pela UFT, cursado pelo primeiro autor do citado artigo, optou-se por “trazer para a realidade dos estudantes uma proposta que superasse uma prática em ‘arte corriqueira’ que imprimisse novos significados aos estudantes, proporcionando-lhes novos sentidos e percepções” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p).

Isso, pois a unidade escolar em que as atividades de docência foram realizadas é mantida pela gestão pública municipal, se localiza em Palmas, Tocantins, e está localizada em uma área periférica do plano diretor da cidade. As ruas ao redor da escola não possuem asfalto e observam-se deficiências no acesso ao saneamento básico, energia elétrica pública, sinalização de trânsito e transporte público. A escola funciona em regime de educação de tempo integral.

Na direção do que mencionamos acima, destacamos alguns pontos que chamaram a atenção no caso empírico em que estamos nos apoiando neste texto: nos fundos da escola existe uma horta, que mesmo com o forte sol, mantém-se verde e está sempre bem cuidada. Trabalho este, realizado pelas/os estudantes. A quadra poliesportiva é limpa pela equipe de limpeza da escola com ajuda das/os estudantes. Segundo elas/es, aquele espaço é o único onde elas/es podem brincar, jogar bola, sem o forte sol. Com o passar dos dias, podemos ver está proatividade sendo refletida em diversas situações, desde auxiliar-nos a levar os materiais para a sala de professoras/es, até nos ajudarem a organizar a sala de aula para o início de nossos estudos. Era notório a forte vaidade vinda das/os estudantes, meninos e meninas com cabelos e roupas impecáveis. E ra um hábito deles paradas obrigatórias para passar gel nos cabelos para os meninos, e retoque na maquiagem para as meninas. E preciso respeitar as características deste espaço, sem querer colonizar.

Justaposto a este entendimento, o nome “Corda de nó(s)” surgiu de uma experimentação em artes visuais do primeiro autor, em que ele se ancora nas relações de afeto oriundas da relação com sua avó materna3 3 Edenir Maria Rita Rodrigues (Dê), mulher preta retinta filha de imigrantes mineiros no Estado de São Paulo -Brasil, responsável pela formação do primeiro pesquisador desse estudo. . “Cada nó se trata de uma memória vivida com minha yabá4 4 Termo originário do idioma yorubá utilizado para se referir às mulheres mais velhas, sábias ou líderes comunitárias e religiosas. Nesse caso, o autor se refere a sua avó materna Edenir Maria Rita Rodrigues (in memorian). , sendo cada um deles, singular e com um significado próprio, o cheiro de café coado no pano, o sabor do doce de abóbora” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p). O artista ainda afirma:

Assim como eu, muitos daqueles estudantes eram criados por suas avós. (...) Compreendo que uma criação deixa de ser viva e política quando se limita ao calabouço do egoísmo, trazê-la para uma experimentação com os estudantes proporcionando novos olhares e interpretações é um modo de mantê-la viva (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p).

A “Corda de nó(s)” entra em cena enquanto proposta pedagógica posterior a uma sondagem denominada de “O que quero dizer para o mundo?”5 5 Atividade realizada pelo primeiro autor deste texto como finalização do estágio supervisionado I do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Tocantins (UFT) - Campus de Palmas no ano de 2017. em que, as/os estudantes foram instigados a expressar o que elas/eles gostariam de manifestar e comunicar sobre seu cotidiano para a comunidade escolar e para o mundo por meio da arte/teatro. Nessa direção a práxis pedagógica se aproxima das propostas de Augusto Boal (1991)BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. em seu célebre livro Teatro do oprimido e outras poéticas políticas e do educador Paulo Freire (2014)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. em seu livro Pedagogia do oprimido, os quais amparam propostas de autonomia para uma educação que forme humanidades possíveis de uma comunhão com as diferenças. Sobre isso Barbosa (2008)BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2008. menciona que

[a] formação do professor de Arte tem, portanto, esse caráter peculiar de lidar com as complexas questões da produção, da apreciação e da reflexão do próprio sujeito, do futuro professor, e das transposições de suas experiências com a Arte para a sala de aula com seus alunos. Além dessa peculiaridade ao objeto do conhecimento, é preciso, também, propiciar situações para que o futuro professor possa conhecer os outros sujeitos do processo: as crianças, os jovens, seus alunos. Entender como crescem e se relacionam com o meio social e cultural. Como estabelecem a comunicação e como desenvolvem as linguagens e as expressões (Barbosa, 2008BARBOSA, Ana Mae. Inquietações e mudanças no ensino da arte. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2008., p. 157).

Partimos metodologicamente do estudo de duas obras de Rancière, são elas: O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual (2002) e A partilha do sensível: estética e política” (2005), e ilustramos as reflexões teóricas com uma experiência em docência do primeiro autor, problematizada pelo segundo autor deste texto. Os dados de ilustração foram construídos por meio de narrativa oral e exploratória, método que prevê “identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre as quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento” (Lakatos, 2003LAKATOS, Eva. Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo: Atlas, 2003., p. 79).

Destaca-se também o uso de um diário de bordo construído pelo primeiro autor, como instrumento de pesquisa (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p). Sendo assim, ao longo do texto, fragmentos deste diário irão corroborar com as tessituras aqui abarcadas. As ilustrações compõem-se da apresentação das experiências vivenciadas em sala: seus porquês, escolhas e resultados obtidos, e do contexto social que constitui a realidade institucional e do entorno da escola em foco.

A inserção da “Corda de nó(s)” no ambiente da sala de aula seguiu um percurso pensado. De início, foram deixados materiais de diversas texturas, características e formas no canto da sala, para tentar promover o olhar sensível para com o mundo, pautado na autonomia, e no que Rancière (2005)RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005. aponta como o desejo pelo aprendizado de forma autônoma. As regras para este percurso foram: “Os materiais que estão no fundo da sala podem ser utilizados por vocês se quiserem e quando quiserem durante a aula de Artes, podem levar para casa também se preferirem” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p). Essa orientação foi dada para as/os estudantes quando perguntaram ao mediador sobre a finalidade dos materiais ali presentes.

Segundo a artista Lygia Clark (2006)CLARK, Lygia. Da supressão do objeto (anotações) [1975] In: FERREIRA. Glória; COTRIM, Cecília (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006., a experiência estética acontece no momento do contato e dos signos e significados que dele emergem. Clark afirma que “nada invento só: as invenções nascem a dois, a três, numa troca comum de diálogo, sendo isso o que mais colado à vida consegui propor. Divido a proposição e aceito a invenção do outro” (Clark, 2006CLARK, Lygia. Da supressão do objeto (anotações) [1975] In: FERREIRA. Glória; COTRIM, Cecília (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006., p. 355). Dentro do que propõe Clark (2006)CLARK, Lygia. Da supressão do objeto (anotações) [1975] In: FERREIRA. Glória; COTRIM, Cecília (org.). Escritos de artistas: anos 60/70. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006., é possível afirmar que a escola está preparada para um ensino de artes pautado na autonomia?

O espaço de Clark não é do espetáculo como encenação para ser vista e sim ação vivenciada. É um espaço-tempo compartilhado, ativado e percebido pelos participantes. São forças inter-reagindo e assumindo formas expressivas constantemente renovadas. As experiências são restritas a pequenos grupos de iniciados que mergulham num processo de relacionamento cuja significação lhes pertence. Nisto reside a originalidade deste trabalho: intimista, reducionista em termos matéricos, mas denso em produção psicossensorial (Milliet, 1992MILLIET, Maria. Alice. Lygia Clark: obra-trajeto. São Paulo: EDUSP, 1992., p. 130).

Ao final de uma das aulas, os estudantes resolveram investigar os materiais deixados no fundo da sala. Em um terceiro momento, dentro da mesma realidade, os estudantes entraram em contato pela primeira vez com a ‘corda de nó(s)’, material de fundamental importância para as ilustrações e análises que faremos ao longo deste texto. Ainda na sala de aula, após diversas perguntas sobre o que viria a ser aquele objeto, qual sua função e como foi feito, iniciamos trocas de experiências lúdicas e estéticas sobre o objeto de arte (como e o porquê foi construído/criado). Destacamos as seguintes falas vindas de estudantes sobre o objeto: “Que estranho!”, “Gostei, achei bonito!”, “Isso é arte?”, “Lembrou o varal da minha tia!”, “Isso dá trabalho?” “Eu consigo fazer!”.

Figura 1
Artista-professor partilhando suas experiências de construção da corda de retalhos branca com os estudantes do ensino fundamental. Em sala de aula estavam presentes a professora regente da turma e a professora de artes e supervisora de estágio na unidade escolar. Acervo: Acervo do primeiro autor.

Estabeleceu-se, então, um processo de investigação criativa entre professor-mediador e estudantes, e uma relação artística entre pessoas que estão experimentando o processo de criação em arte em sala de aula no ensino formal. Entendemos que a experiência em arte na educação deve perpassar o que é caro aos estudantes (memória, afetividade, sentidos). Nesta direção, Rancière (2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 56) aponta que:

Um professor não é nem mais nem menos inteligente que outro homem e apresenta geralmente uma grande quantidade de fatos para a observação daquele que busca. Porém existe somente uma maneira de emancipar. E nunca nenhum partido, nem nenhum governo, nenhum exército, nenhuma escola nem nenhuma instituição, emancipará pessoa alguma (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 56).

Ainda sobre este recorte da experiência, vale destacar o interesse das/os estudantes em fabricarem outra corda de nós de forma coletiva, levando em consideração o que se fazia caro a elas/es. Iniciamos, então, a produção coletiva de uma corda de retalhos de cor branca, cor escolhida por elas/es, que veio a ser posteriormente envolta na “guardiã”, de que falaremos mais adiante. Essa experiência, de partida, nos leva a compreender como pode ser frutífero o entrelaçamento entre as experiências artísticas das/os professoras/es de arte e aquilo que elas/es propõem como experiências para as/os estudantes. Na medida em que a/o professor(a) se disponibiliza aos estudantes, por meio da exposição contextualizada de sua criação, ela/e como que torna a criação artística muito mais acessível simbolicamente aos estudantes, por ser esse um par social com quem o dia a dia é compartilhado.

Recorremos ao imaginário lúdico e memória afetiva das/os estudantes para ampliação da percepção social e política por elas/eles vivenciada na escola e em outros espaços. Orientamos para que expressassem em uma folha branca de papel sulfite algo que elas/es gostariam de dizer, comunicar, falar, “dizer para o mundo”. Vale destacar que este foi o único disparador dado sobre a atividade até aquele momento. Isso para que não houvesse qualquer tipo de “contaminação” ou indução teórica ou de percepção de mundo, além das já elaboradas pelas/os estudantes.

A arte na educação deve ser a priori estímulo a um livre pensar e expressar-se pautado nos fundamentos humanos individuais e coletivos, permeados pelo ethos, e saberes do estudante, culminando em uma formação humana, que por sua vez torna-se material orgânico (estético, afetivo e poético) para experiência em arte (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p).

Buscamos com esta atividade, a expressão da afetividade do sentir (a si mesmo, a si no mundo, ao mundo) pela perspectiva do sensível. “Ao transver 6 6 Entende-se neste artigo transver pela perspectiva de ver, enxergar com um olhar sensível-afetivo para além da visão física, pautada por uma característica humana e afetiva, lúdica e criativa. InCassiano, 2018-2023; 2019, p. 13-14. o que se quer dizer para o mundo por meio das narrativas artísticas, além do desenvolvimento de uma expressividade criativa” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p), aguça-se também a formação de um processo de lapidação do senso estético-poético. Algumas e alguns estudantes resolveram desenhar ao invés de escrever. Não pedir para que escrevessem, ou desenhassem, mas orientar de forma ampla sobre o que se realizaria, possibilitou a pluralidade da expressão humana, a partir da realidade simbólica de cada participante.

Depois de expressar a “voz silenciada”, do campo lúdico-imaginativo para o material tangível, o que fazer com ela? Os possíveis caminhos apontados pelas/os estudantes como ‘resolutivas’ para estas problemáticas relacionaram-se diretamente à sua forma de ver, estar e pensar o mundo que as/os rodeia. “Alguns estudantes propuseram realizar uma assembleia com os professores para falar como eles se sentem em relação aos gritos, ou da falta de empatia” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p).

Entendemos, então, a partir dessa experiência e iterativamente, que arte na educação está amplamente relacionada ao processo de mundo vivido e experienciado pela/o estudante, pois se ele não consegue a partir de si próprio se emancipar, segundo Rancière (2005)RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., não será a forma tradicionalista de arte que o fará. Por forma tradicionalista, o autor entende os processos de ensino-aprendizagem, mesmo que em arte, pautados na centralidade da/o professor(a), sendo ela/e a/o detentor(a) do saber, como saber único e dominante.

Trazemos para o foco do processo de mediação em arte as/os estudantes e tudo que as/os permeiam, impulsionando-as/os a refletir e experienciar por si só o mundo pelo seu olhar, e em seguida “transver” pelo olhar coletivo. Mas antes disso, de se voltar para as coisas do mundo, a/o estudante precisa ser devolvida/o a si, como alguém que, por meio da experiência artística, possa se experimentar no mundo, por caminhos que o cotidiano não lhe permite (Sampaio, 2017SAMPAIO, Juliano Casemiro de Camargo. A teatralidade de si-mesmo no ensino de teatro. Repertório, Salvador, v. 20, n. 29, p. 233-257, 2017. https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/25483/15606. Acesso 20 out. 2023.
https://periodicos.ufba.br/index.php/rev...
). Ganhar confiança em si, tornar sua voz audível. Ter segurança para resistir no mundo é um caminho do encontro de si consigo mesmo, de que fala Sampaio (2017)SAMPAIO, Juliano Casemiro de Camargo. A teatralidade de si-mesmo no ensino de teatro. Repertório, Salvador, v. 20, n. 29, p. 233-257, 2017. https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/25483/15606. Acesso 20 out. 2023.
https://periodicos.ufba.br/index.php/rev...
, na direção do que aponta Rancière (2002)RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002..

2 A corda de nó(s): segundo nó - partilha sensível

Valendo-nos dessa primeira experiência das/os estudantes (tecidos e cadeira), nas aulas seguintes, como meio de mediar a construção e desenvolvimento dos saberes das/os participantes a respeito da criação em performance arte, e com fins da reflexão crítica sobre a situação social e política das e dos estudantes na sociedade por eles vivenciadas, propusemos o desenvolvimento da ação performativa com a qual iniciamos esse texto: “O que eu quero falar para o mundo?”. Esse percurso atende ao objetivo de possibilitar a expressão social e política das/os estudantes, ‘a voz silenciada’, levando-as/os a perceber a sociedade em que estão inseridas/os e suas particularidades dentro do todo.

O que as/os estudantes queriam dizer ao mundo, naquele momento, envolvia questões sobre violência doméstica, corrupção, miséria, fome, entre outras mazelas sociais. Abordamos, após as falas delas e deles, a possibilidade de criarmos arte a partir de nossas memórias e afetos. Ou seja, os ‘desejos para o mundo’ poderiam se tornar disparadores para uma criação em arte, caso elas/es quisessem.

Compusemos uma corda branca de retalhos em várias tramas, de que falamos anteriormente. Feito isso, as/os estudantes escolheram um(a) “guardião(ã) da turma” para esta/este ser portador(a) das “falas silenciadas”, que viriam a ser expressas para o mundo. Cada estudante entrelaçou seu desejo expresso na corda, que antes fora envolta na aluna escolhida de forma democrática como guardiã da turma: “(...) atômicos e atentos a todos os comandos dados, repletos por um desejo de expressividade reprimida, seus corpos estavam alertas, bem como seus olhos fixos e atentos a cada nova informação” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p).

Figura 2
estudantes em processo de construção e (re)performance da obra proposta pelo artista-professor’ Corda de retalhos branca’. Em sala de aula estavam presentes a professora regente da turma e a professora de artes e supervisora de estágio na unidade escolar. Acervo: Acervo do pesquisador (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023.)

Entendemos que com a escolha da guardiã estabeleceu-se na atividade proposta uma relação humana lúdico-afetiva entre o ‘meu querer individual’ e o ‘querer individual do outro’. Isso já vem como sugestão de uma partilha social e partilha do sensível. De forma que confiar em uma guardiã, seu ‘querer dizer/expressar para o mundo,’ é tentar também desenvolver a confiança no humano, estabelecendo-se, assim, relações humanas pela perspectiva plural e colaborativa.

Vale ressaltar que, para que este tipo de ‘entrega’ ocorra durante as aulas, necessita-se de um forte estabelecimento de confiança entre estudantes e professor(a) - mediador(a). Após um estudante declarar que desejava nunca mais passar fome, outras/os estudantes, estabelecida a relação de confiança necessária, motivaram-se a declarar novos e mais íntimos desejos: “Desejo nunca mais apanhar do meu pai”; “Desejo que a escola tenha ar-condicionado na sala de aula, porque na sala do diretor tem e na nossa não”; “Desejo ser jogador de futebol”; “Desejo comprar uma casa para minha mãe”. Durante esta etapa, as/os estudantes começaram a ganhar uma potência de fala bastante tenaz e assertiva do que queriam comunicar.

Em meio a esta gama de expressões surge a fala: “Desejo que a escola tenha comida decente, porque tinha uma larva na nossa comida hoje”. Criou-se a partir daí um movimento político das/dos estudantes. Elas/es deixaram de pensar em desejos pessoais e começaram a entender a necessidade de se olhar também para a coletividade. Desse momento em diante passaram a levantar diversos problemas da escola, como falta de água gelada, falta de materiais de limpeza, maus tratos sofridos por elas/es em âmbito geral (direção, professores, cozinheiras e cuidadores). Essa atividade nos possibilitou perceber de modo ainda mais evidente que a importância de uma docência sensível está justamente na possibilidade de se criar protagonistas do próprio processo de ensino e, acima de tudo, de formação humana. Nesse sentido, entendemos:

A partilha democrática do sensível faz do trabalhador um ser duplo. Ela tira o artesão do “seu” lugar, o espaço doméstico do trabalho, e lhe dá o “tempo” de estar no espaço das discussões públicas e na identidade do cidadão deliberante. A duplicação mimética à obra no espaço teatral consagra e visualiza essa dualidade. E, do ponto de vista de Platão, a exclusão do fazedor de mimesis vai de par com a constituição de uma comunidade onde o trabalho está no “seu” lugar (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., p. 62).

Após ouvirmos os estudantes, retomamos a atividade proposta com o acordo firmado de voltar à situação da larva encontrada na comida. Feita a leitura dos desejos individualmente, pedimos para que cada um posicionasse seu desejo em uma parte do corpo da guardiã (envolta pela corda de nós), que eles achavam correspondente ao seu desejo, a partir da provocação: ‘onde está no seu corpo a força para expressar seu desejo?’

Feito isso partimos para uma etapa da expansão do olhar sensível. A guardiã da sala foi se desvencilhando da trama de tecidos observada por todas/os nós, enquanto lia cada desejo das e dos estudantes, criando, assim, uma imagem estética, a partir das poéticas pessoais, desenvolvida de forma coletiva. A importância dessa etapa de evidenciação dos desejos está atrelada à ideia de Rancière (2002)RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. de que a/o mediador(a) deve auxiliar o/a outro/a, a despertar para os engendramentos opressores que ocorrem quando não existe uma percepção real do lugar onde se habita, ou da situação na qual se vive.

Ao pensar o espaço privado dos desejos, mas, acima de tudo, o espaço social de desejos: a escola, no nosso caso, permitiu às/aos estudantes que dirigissem, pelo processo artístico, suas atenções ao que elas/es até então vivenciavam, mas não encontravam espaço de expressão sobre. A atividade proposta metaforicamente mostrou a porta, mas jamais virou maçaneta. Essa é parte da escolha das/dos estudantes, que poderiam ter escolhido qualquer outro tema para nortear seus desejos. No momento em que a guardiã lê os desejos, desvinculando-se das tramas das cordas, ela devolve as/os estudantes a si mesmos, função essencial para nós no ensino de Artes (Sampaio, 2017SAMPAIO, Juliano Casemiro de Camargo. A teatralidade de si-mesmo no ensino de teatro. Repertório, Salvador, v. 20, n. 29, p. 233-257, 2017. https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/25483/15606. Acesso 20 out. 2023.
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).

3 A corda de nó(s): terceiro nó - ressignificação do Signo na Expressão Estética e Poética

Para Rancière (2005)RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., a expressão da ludicidade afetiva e poética, por meio de uma narrativa estética, desenvolve-se desde a partilha do sensível. Pautados nesse princípio, perguntamos aos estudantes se gostariam de abrir para sua turma o que produziram em seus papéis. Alguns estudantes, mesmo envergonhados, optaram por compartilhar sua produção. Desta etapa em diante, a construção passou a ser efetivamente coletiva. Escolhemos este percurso crendo que o “(...) estudante necessita entender-se em seu processo de expressão individualmente para que possa adentrar na coletividade” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p). Respeitar os desejos de compartilhamento ou de recusa em relação a ele é essencial para garantir que qualquer partilha sensível consiga se efetivar. Muitas/os estudantes são “traumatizadas/os” por professoras(es) de arte/teatro despreparadas/os, as/os quais forçam seus estudantes à exibição vexatória, para atender a demandas da instituição e desejos técnicos e/ou artísticos das/os professoras(es), criando, assim, aversão às artes por parte das/os estudantes.

Na mesma direção de Rancière, Vianna (1990VIANNA, Klauss. A dança. São Paulo: Siciliano, 1990., p. 34), afirma que “o professor é um parteiro, ele tira do aluno o que ele tem para dar”, o que corrobora com a proposição de Rancière sobre a igualitária inteligência entre os humanos. Vianna aponta ainda que “o aborto existe” em relação a/ao estudante na direção da criação, pois, segundo ele, “muitos professores matam o artista na sala de aula” (Vianna, 1990VIANNA, Klauss. A dança. São Paulo: Siciliano, 1990., p. 32).

Rancière aponta a necessidade de um(a) professor(a) sensível que não aja com indiferença em relação aos conhecimentos e saberes ligados ao cotidiano das/os estudantes. É a partir da valoração positiva desses saberes e conhecimentos que se torna possível a partilha do sensível. É da cotidianidade das/os estudantes que a ideia de partilha pode emergir com mais força. Segundo o Rancière (2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., p. 15; grifo do autor):

Denomino partilha do sensível o sistema de evidências que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas.

Se a cotidianidade dos estudantes é recusada ou menosprezada pela/o professor(a), certamente elas/es não encontrarão estruturas emocionais, simbólicas e comunicacionais, suficientemente fortes para adentrar ao espaço da expressão que nos interessa neste texto. Afinal, as linguagens como forma de comunicação e nossas experiências cotidianas estão tão imbricadas umas nas outras, que não há como separá-las sem “calar”, ainda que parcialmente, a pessoa. Sem nosso cotidiano como referência, perdemos nossa capacidade de assunção de posições sociais que favorecem nossos discursos e ações.

Nesse mesmo sentido, para Rancière (2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 50): “[o] que embrutece o povo não é a falta de instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência”. Quando perdemos nossa cotidianidade, tendemos a perder a/o outra/o como parceira/o de saberes. Rompe-se a cadeia de significados que construímos com e desde os outros com quem nos relacionamos, como nos lembra Vygotsky, nas palavras de Bock, Furtado e Teixeira (2002)BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair.; TEIXEIRA, Maria Lourdes Trassi. Psicologias. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.. Desta forma, somos impelidas/os a reconhecer a função de um(a) professor(a) de Artes, qualquer que seja a linguagem artística em foco, como mediador(a) qualificada/o de saberes e não como detentor(a) de saber, técnicas e estética absolutos e inabaláveis. Não que ela/e não seja detentor(a) de saberes, técnicas e estéticas e que não deva também se valer deles para ampliar repertórios e habilidades de estudantes. Mas ela/e não os deve colocar à frente da expressividade e das estéticas individuais e coletivas que podem/deveriam estar em emergência na sala de aula de Artes.

Na esteira da valoração positiva da cotidianidade, a noção de ensino universal proposta por Rancière, pautou todas as etapas de pesquisa. O ensino universal, para o autor, “apoia-se na oposição da ciência e da ignorância” (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 26), e visa à emancipação intelectual com foco na igualdade das inteligências e afetividades, enfatizando que a ignorância está associada ao embrutecimento difundido pelo tradicionalismo educacional nos contextos escolares e de suas hierarquias. Rancière aborda o fato de que o embrutecimento se dá pelo egoísmo ao crer que se pode de fato ensinar alguém; o filósofo rompe com estes princípios tradicionais colocando professor(a) e estudante em patamar de igualdade nos processos de construção de conhecimento. Assim sendo, qualquer indivíduo pode “aprender qualquer coisa e a isso relacionar todo o resto, segundo o princípio de que todos os homens têm igual inteligência” (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 38).

Esta afirmação merece uma atenção especial. Não devemos esquecer que, mesmo que entendamos a igualdade proposta pelo filósofo, professor(a) e estudante ocupam posições sociais diferentes nos processos educacionais-artísticos, às quais, direta ou indiretamente, estabelecem jogos de significação das experiências e inclusive jogos de poder em prol da validação de propostas e de ações dentro e para com os grupos de trabalho, como podem ser reconhecidos nas análises apresentadas pelo segundo autor deste texto em outra obra (Sampaio, 2017SAMPAIO, Juliano Casemiro de Camargo. A teatralidade de si-mesmo no ensino de teatro. Repertório, Salvador, v. 20, n. 29, p. 233-257, 2017. https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/25483/15606. Acesso 20 out. 2023.
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).

Por vezes, professoras/es de Artes trocam os fins pelos meios, desvinculam-se da cotidianidade das/os estudantes e desconsideram que “o que adianta meu aluno criar uma obra memorável, ou criar a cena mais visceral possível, se o mesmo aluno (...) quando tem oportunidade agride física e afetivamente [simbolicamente] os outros” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p). Dessa forma, nossa proposta vai ao encontro do fomento de relações possíveis entre o ensino de arte na educação básica, debruçado nas linguagens das artes visuais e do teatro, levantando possibilidades para a ampliação dos sentidos e para a emancipação intelectual do estudante. Segundo Rancière (2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., p. 12) “é no terreno estético que prossegue uma batalha ontem centrada nas promessas da emancipação e nas ilusões e desilusões da história”.

Ainda, assim, percebemos enraizado no ensino da arte nos contextos da educação formal certa cultura espetacular que sufoca o processo de experimentação, criação e desenvolvimento da autonomia intelectual, afetiva e social de estudantes, na direção do que estamos expondo. As infinitas apresentações no ambiente escolar emergem como uma certa obrigatoriedade incoerente com o que deveria ser o propósito das aulas de Artes, ao focar em realizar “pecinhas”, “exposiçõezinhas”, “coralzinho”, “obrinha”7 7 Termos utilizados por alguns membros da educação de forma pejorativa para se referir às produções artísticas no ambiente escolar. Optamos por utilizar estes termos vista a recorrência de seu uso para se referir às produções artísticas com objetivo exclusivamente espetacular, sem fundamentação ou importância para a relação entre o processo de criação e o desenvolvimento afetivo-cognitivo humano. , para comemorar Dia das Mães, Dia dos Pais, Natal, entre outras.

Se a cotidianidade deve nortear as escolhas didático-metodológicas, a realização do mapeamento humano, geográfico e político da unidade escolar se faz necessário para que a/o professor(a) conheça a realidade em que está inserida/o, quais os costumes, hábitos etc. da comunidade escolar e da comunidade a ela conectada. “Este mapeamento emerge como uma espécie de termômetro para uma inserção fluida do professor na escola” (Cassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023., s/p). Este valoroso processo não deve ser ignorado, pois é nele que a docência sensível já se inicia. Observar, rever e transver o olhar na iniciativa de mapeamento escolar, relaciona-se ao processo de autoemancipação de que fala Rancière. Um(a) professor(a) com escuta e visão sensível, envolvida/o com sua própria autoemancipação, e que está atenta/o ao espaço que a/o rodeia e que, por sua vez, respeita este espaço como um bioma já estabelecido, dotado de um legado afetivo, cognitivo e histórico, poderá construir afetividade na mediação de conhecimento naquele local: partilha sensível. “Denomino partilha do sensível o sistema de evidência sensível que revela, ao mesmo tempo, a existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas” (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., p. 15).

Destacamos que a escola é um espaço onde a troca de saberes ocorre (ao menos deveria ocorrer) de forma gradual entre as/os participantes da comunidade escolar. Acontece que, na contramão desse caminho, encontramos pedagogismos desenfreados, que empurram informação garganta abaixo das/os estudantes e em nada ajudam no desenvolvimento autônomo do ser. “Eis a virtude dos explicadores: o ser que inferiorizam, eles o amarram pelo mais sólido dos laços ao país do embrutecimento: a consciência de sua superioridade” (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 34). Sobre este recorte, Brandão (1986BRANDÃO, Carlos. Rodrigues. A educação como cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986., p. 119) afirma:

Na dinâmica cotidiana da sala de aula e mesmo da vida da escola, este conjunto absolutamente ordenado, regrado e criativo de práticas escolares, autônoma e transgressivamente pedagógicas, [interage] com as “atividades planejadas”. Em boa medida, sempre foi da interação justamente entre este lado livre e permissivo da iniciativa discente, e os mecanismos pedagógicos de controle docente, que a própria vida real da escola se [constitui] como uma realidade social e culturalmente existente, e não apenas pedagógica e formalmente pensada (Brandão, 1986BRANDÃO, Carlos. Rodrigues. A educação como cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986., p. 119)

Por esse ângulo, Brandão (1986)BRANDÃO, Carlos. Rodrigues. A educação como cultura. São Paulo: Brasiliense, 1986. corrobora com Jacques Rancière (2002)RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., no que diz respeito à formação de um(a) professor(a) que atua como impulsionador(a) da emancipação intelectual. Essa formação perpassa e depende da emancipação afetiva e da emancipação social, com foco no coletivo de estudantes. A emancipação, nesse sentido, deveria ser o objetivo principal de todas as áreas de conhecimento no ensino regular. Em nada adianta, por exemplo, para seguir nossos interesses com este texto, que um(a) professor(a) de Artes se ampare em técnicas de interpretação cênica e de criação estética retiradas de livros distantes da realidade do estudante, sem perpassar pelo campo sensível da formação humana e estética. Nesse viés, a arte torna-se um mero instrumento de ‘repetição pela repetição’ e de impulso para o crescimento do ‘ego’ desenfreado de ‘arte educadores’ que continuam a acreditar em um fazer artístico e criativo que lhes agrade ao gosto ou às inclinações didático-metodológicas pessoais.

A criança que balbucia sob a ameaça das pancadas obedece à férula, eis tudo: ela aplicará sua inteligência em outra coisa. Aquele, contudo, que foi explicado investirá sua inteligência em um trabalho do luto: compreender significa, para ele, compreender que nada compreenderá, a menos que lhe expliquem. Não é mais à férula que ele se submete, mas à hierarquia do mundo das inteligências. Quanto ao resto, ele permanece tão tranquilo quanto o outro: se a solução do problema é muito difícil de buscar, ele terá a inteligência de arregalar os olhos. O mestre é vigilante e paciente. Ele notará quando a criança já não estiver entendendo, e a recolocou no bom caminho, por meio de uma re-explicação. Assim, a criança adquire uma nova inteligência - a das explicações do mestre. Mais tarde, ela poderá, por sua vez, converter-se em um explicador (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 21).

É importante percebermos o condicionamento social, político e afetivo em que está inserido o indivíduo não emancipado e como isso constitui o que vem a ser o ethos da escola. Os casos de agressividade na escola ou fora dela, por exemplo, também são reflexos de uma cultura vivenciada pela/o estudante. A/o professor(a) sensível à realidade em que a/o estudante está inserido, com uma formação e trabalho direcionados ao estudante, tem a possibilidade de afrouxar os condicionamentos, mediando situações que favoreçam uma emancipação intelectual para autonomia.

Só após vermos a realidade geográfica e política, as relações humanas e estruturas da escola e ouvir as diversas falas sobre o mesmo espaço de forma ampliada, pudemos iniciar nosso plano de aula de modo coerente com a organização escolar e de seus membros. Ao contrário do contexto descrito extra-aula, na aula propriamente dita, deparamo-nos com estudantes não participativos e bastante agitados que, por vezes, eram encaminhados para coordenação pedagógica por comportamento considerado ‘não adequado’. As aulas eram realizadas em uma sala de aula apertada, com aproximadamente trinta estudantes, e um calor devastador, com apenas um ventilador funcionando; qualquer inquietude pode ser esperada nesta situação, o que nem sempre é compreendido.

Nos momentos de intervalo, na maioria das vezes, optamos por ficar com as/os estudantes no pátio da escola, experienciando todas as sensações e emoções por elas vividas. Isto porque partimos da ideia de que: “A partilha do sensível faz ver quem pode tomar parte no comum em função daquilo que faz do tempo e do espaço em que atividade se exerce” (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., p. 16). Estes foram os momentos de maior troca afetiva e cultural entre pessoalidades que experienciamos nesta pesquisa. Pois não se tratou de observar ratos de laboratório e seus comportamentos, mas de transver com foco na pessoalidade e afetividade para construção de um plano de ensino e estudo em arte. Não havia a hierarquia, comum entre estudante e professor, nem soberanias repressoras.

Foi-nos dada a oportunidade de conhecer muito mais daquelas pessoalidades do que, talvez, frente a uma sala de aula com cadeiras enfileiradas. Observar na educação deve ser para além do coletar dados, deve sumamente estar ligado ao perceber e transver o conteúdo humano e suas expressões, pois desta forma, a/o professor(a) poderá atuar em uma partilha do sensível na educação.

4 Corda de nó(s): quarto nó - atuação sensível na docência em Arte/Teatro

Retomemos agora, com mais ênfase, a atividade de docência que nos conduziu a esta escrita. Por se tratar de docência em Artes (disciplina curricular), na proposta pedagógica e plano de aula desenvolvidos, optamos por levar materialidades diversas para serem experimentadas pelas/os estudantes (massa de modelar, tinta, canetas de várias cores, camisetas, tecido, objetos entre outros). Pensamos mais em impulsionar possibilidades de experimentação no campo lúdico, cognitivo, afetivo e criativo das/os estudantes, e menos em materialidades que pudessem resultar em grandes produções artísticas previstas antecipadamente pelo “interesse” das/os professoras/es. Ao chegarmos com uma mala cheia de objetos e diversos materiais em sala de aula, logo emergiram perguntas sobre o que eram aquelas coisas. Após a mala aberta e colocada no canto da sala, foi-lhes dada a seguinte e única orientação: “Vocês podem pegar qualquer objeto quando quiserem, se quiserem e fazer com ele o que quiserem”. Optamos por este percurso por perceber grande afinidade das/os estudantes para com os trabalhos manuais, como com a horta da escola, e tendo como referência, por exemplo, estudo de objetos cênicos, cenografias, construção de ambientação cênica e confecção de figurinos. A intenção desta proposta foi criar autonomia no uso dos materiais de acordo com a necessidade e querer de cada estudante e do coletivo. Isto não significa falta de orientação ou planejamento por parte da/o docente. Já que: 1 - Há seletividade nos materiais disponibilizados; 2 - Respeita-se o tempo e o interesse das/os estudantes, mas também, após escolhas iniciais fomentam-se caminhos de exploração; 3 - Na medida em que o interesse das/os estudantes crescem por aquelas materialidades, as/os professoras/es questionam e impulsionam processos de criação orientados, como já relatamos neste texto.

Ou seja, destacamos que, mesmo dentro do processo de autonomia, este tipo de atividade deve ser preparada com dedicação e finalidade específica, trata-se de um plano de aula aberto às intervenções do acontecimento em sala de aula; e não de oferecer os materiais por oferecer. Justificamos o percurso acima pela seguinte perspectiva: entendemos que a escola é também local para a formação e desenvolvimento de um olhar sensível, de uma auto emancipação e experimentação afetiva e cognitiva e da criação da sensação de pertencimento a um ambiente comum e plural, de forma que a arte emerja como parte do ethos, não desconectado dele. Além do que, este processo de oferecer materiais para as/os estudantes é também uma possibilidade de sondagem sobre a expressividade delas e deles e seus interesses a respeito de linguagens e materialidades. Informações de grande valia para escolhas futuras, por parte da/o professor(a), para condução das atividades de aula.

Vejamos como as experiências livres com as materialidades e os interesses pelo desenvolvimento das linguagens podem se encontrar, a partir da continuidade dos relatos das experiências em sala no contexto norteador deste trabalho.

“O senhor vai dar aula de quê, hoje?” Ouvimos muito essa pergunta durante nossa permanência na unidade escolar. Quando respondíamos que a aula seria sobre teatro, elas/es perguntaram se iríamos criar uma peça. Ao que respondíamos que não necessariamente. Apresentamos, por meio de material audiovisual, algumas possibilidades de manifestação da linguagem e de diálogos com outras linguagens artísticas. Pedimos, então, que elas/es escolhessem uma dessas possibilidades de desenvolvimento da linguagem para dar seguimento às experimentações em sala. Importante ressaltar que aqui também está a seletividade da/o professor(a), ao escolher quais vídeos serão apresentados aos estudantes, estabelecendo a gama sobre a qual suas escolhas se fazem pertinentes. Buscávamos com essa iniciativa construir, na direção do nosso recorte teórico, uma comunhão estética-sensível, que envolvia materiais a serem explorados segundo a escolha das e dos estudantes e a partir de manifestação da linguagem artística, igualmente escolhida por elas/eles dentre o rol de possibilidades aventadas pela seletividade da/o professor(a). Sobre a aula específica de que tratamos, com a proposta da Corda de nó(s), as/os estudantes escolheram trabalhar com a performance arte.

A performance arte (também conhecida como performance artística) emergiu na década de 1960, em que “o performer, como alguém distinto do ator-intérprete, é essa capacidade de condução do espetáculo-ritual, valorizando a live art, a arte que está acontecendo ao vivo, no instante presente” (Cohen, 2002COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de experimentação. São Paulo: Perspectiva, 2002., p. 109; grifos do autor).

Renato Cohen, professor performer e teórico brasileiro compreende o performer como um “ritualizador” do instante presente (2009), ao propor uma ação que pode ser apreciada, questionada, realizada coletivamente, impedida, enfim, aberta à pluralidade da vida” (Rachel, 2013RACHEL, Denise Pereira. Adote o artista, não deixe ele virar professor: reflexões em torno do híbrido professor-performer. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2013.. p. 4). Na educação, o artista performer tem no ofício de professor a “possibilidade para elaborar, experimentar, refletir, divulgar e reconhecer a arte da performance como integrante das manifestações artísticas contemporâneas (Rachel, 2013RACHEL, Denise Pereira. Adote o artista, não deixe ele virar professor: reflexões em torno do híbrido professor-performer. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2013., p. 5-6).

A professora-performer Naira Ciotti (2014CIOTTI, Naira. O professor-performer. Natal, RN: EDUFRN, 2014., p. 43), responsável por conceituar o termo professor-performer na criação e ensino, menciona que a base para o trabalho do professor-performer são os processos híbridos de experimentações, por meio de dispositivos diversos. Sobre a atuação do professor performer na educação, Ciotti (2014CIOTTI, Naira. O professor-performer. Natal, RN: EDUFRN, 2014., p. 43) afirma que há um “alto índice de responsabilidade, mas isso não deve servir como empecilho para que o professor de arte enfrente as dificuldades de repertório e de criatividade de seus alunos”. O professor-performer na própria palavra “performance é o impulso de ‘uma atitude pedagógica diferenciada’. Não só corpo, voz e lugar estão imbricados, como também, nessa forma de ver a performance, está implícita uma preocupação pedagógica” (Ciotti, 2014CIOTTI, Naira. O professor-performer. Natal, RN: EDUFRN, 2014., p. 62). Os professores nessa direção

Experienciaram junto aos estudantes modos de saber/fazer artísticos que divergem do parâmetro da aula de artes como aprendizado de técnicas, elaboração de produtos sob a supervisão e avaliação de uma figura externa, acúmulo e cristalização de conceitos. A ideia de mesclar as figuras do professor e do performer traz contribuições relevantes para o exercício permanente de reflexão em torno do ensino de artes, que gera espaços para a construção do saber/fazer artístico implicado ao ato de escuta, expressão e problematização das múltiplas vozes que compõem as relações em sala de aula (Rachel, 2013RACHEL, Denise Pereira. Adote o artista, não deixe ele virar professor: reflexões em torno do híbrido professor-performer. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2013.. p. 5).

Após a escolha da manifestação da linguagem com a qual trabalharíamos, um aluno se levantou, foi até o fundo da sala e gritou: “Olha tem um monte de pano aqui. Vamos usar, a gente pode tentar colocar na árvore de pequi”. Nesse momento o aluno, devido às possibilidades de escolha abertas pelos mediadores, conseguia efetivar o encontro estético entre os objetos propostos pela/o professor(a), a estética escolhida pela turma e as características específicas da escola, em um senso de pertencimento que não deve ser perdido de vista na docência.

Ao tentar realizar a intervenção na árvore de pequi8 8 Pequi, também chamado de piqui, é o fruto originário do pequizeiro, árvore da família das cariocaráceas nativa do cerrado brasileiro. Utilizada com frequência na culinária da região Norte do Brasil. da escola, as/os estudantes entenderam que não tinham, naquele momento, condições, habilidades e competências suficientes para finalizar a criação. Disso seus interesses se voltaram para uma velha cadeira, que estava abandonada num canto da escola, e foi se transformando em materialidade (substitutiva do pequizeiro) para a criação. A aula em performance arte se constitui em um momento de apropriação e discussão em torno da performance como linguagem artística, a partir do (re)conhecimento de trabalhos realizados por diferentes artistas que, de alguma forma, contribuem para o debate em torno de situações inquietantes e pertinentes a cada coletividade estabelecida em sala de aula. (Rachel, 2013RACHEL, Denise Pereira. Adote o artista, não deixe ele virar professor: reflexões em torno do híbrido professor-performer. São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2013., p. 88).

Percebemos que a experiência do impulso de criação (tecidos e linguagem), seguido do fracasso de realização (tecidos e pequizeiro) e finalmente da adequação de meios e fins para criação (tecidos e cadeira), reafirmava nosso compromisso com a mediação de saberes voltada à emancipação intelectual, afetiva, estética e política das/os estudantes, na medida em que não condenava o fracasso. Isso, pois, o que se compreende enquanto “fracasso” em uma ação performativa quando comparado a outras narrativas do campo da arte é relativo, pois a própria terminologia performance em artes se distancia do entendimento “alto desempenho”, êxito. Tampouco, supervalorizava a necessidade de se manter rigorosamente atrelado a qualquer busca estética que não emergisse do sentimento de pertencimento delas e deles ao espaço escolar. É do viver a escola que se tem a criação para a autonomia: ora com foco no pequizeiro, ora com foco na cadeira, até então abandonada.

O pertencimento àquele espaço esteve atrelado à possibilidade de ressignificá-lo a partir da experiência de criação. Por esta perspectiva, entendemos que de nada adiantaria ensinar como fazer a criação que pretendiam, ou ficar intermináveis horas dizendo sobre os movimentos estéticos e artísticos em uma sala para estudantes do ensino fundamental - nos anos finais de sua formação neste ciclo educacional (de 12 a 15 anos de idade). Uma coisa e outra só nos serviria, se pudesse ajudar na efetividade das necessidades expressivas culminarem em possibilidades de afetividade, aprendizagem, e envolvimento diversos que originem a criação. Quer seja na direção de conhecer técnicas para ampliar as habilidades de criação, quer seja para compreender as soluções tomadas por artistas frente às resistências das materialidades e das condições sociais e culturais frente aos seus impulsos de criação. Dessa maneira, quando a técnica ou a história aparecem, elas não são abordadas desde a perspectiva da educação bancária. Elas aparecem pelas necessidades do processo.

Paulo Freire em seu livro Pedagogia do oprimido (2014), conceitua a educação bancária9 9 Freire (2014) compreende que a educação bancária tem como base um mecanismo em que o professor deposita conhecimento de modo somatório, sem o exercício crítico. como imposição do conhecimento realizado pela/o professor(a) sobre a/o estudante. O pensamento de Freire é correlato ao de Rancière, no que diz respeito à existência de igual potência em todo indivíduo humano, para quem “[o]s amigos da igualdade não têm que instruir o povo, para aproximá-lo da igualdade, eles têm que emancipar as inteligências, têm que obrigar a quem quer que seja a verificar a igualdade de inteligências” (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 11).

Como vimos reafirmando ao longo do texto, a escuta sensível à necessidade das/os estudantes é crucial para um(a) mediador(a) de/em arte. Adequar a necessidade dos estudantes à realidade física e técnica é um dos maiores desafios a serem percorridos, além de se abandonar os marasmos “pedagogizantes” e repressores. A arte da escola, na direção da autonomia e da emancipação, não deve ser tratada e inserida pelo caminho da reprodução de objetos (regime representativo) da própria arte ou de objetos de qualquer outra esfera do fazer humano.

A esse regime representativo, contrapõe-se o regime das artes que denomino estético. Estético, porque a identificação da arte, nele, não se faz mais por uma distinção no interior das maneiras de fazer, mas pela distinção de um modo de ser sensível próprio aos produtos de arte (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., p. 32).

Vale ressaltar, entretanto, que, segundo Rancière, a educação para autonomia não é dada, mas conquistada. A/o professor(a) não é figura primordial para emancipação intelectual, isso pode ser feito sozinho, de forma autônoma. Nesse sentido, entendemos a/o professor(a) como um(a) mediador(a) de saberes e fazeres, responsável pela percepção da realidade sócio estrutural em que a/o estudante está inserido, direcionando-o à reflexão crítico-analítica sobre a mesma e lhe proporcionando meios de se estabelecer relações humanas afetivas e mais efetivas para as necessidades das pessoas e grupos.

Se é preciso superar a ideia de professor(a) detentor de todo saber, é necessário superar também a ideia de que o caminho solitário da descoberta é mais simples, mais seguro e mais rápido. A/o professor(a) de Artes, como mediador(a) de saberes e fazeres, atua como luz que ilumina portas e janelas para as possibilidades criativas. Deve mostrar que existem outras possibilidades, além das já experienciadas, para a expressão e criação humana. Ele/a deveria ser um(a) verdadeiro(a) propagador(a) da autonomia humana. Nessa direção, o respeito às experiências estéticas, políticas e culturais das/dos estudantes partem da premissa da igualdade no fazer, criar, sentir e se expressar e de que: “Todo homem do povo [deveria poder] conceber sua dignidade de homem, medir a dimensão de sua capacidade intelectual e decidir quanto a seu uso” (Rancière, 2002RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução de Lílian do Valle. Belo Horizonte: Autêntica, 2002., p. 29-30). Pois “simplesmente não se trata de dizer que a “História” é feita apenas das histórias que nós contamos, mas que a “razão das histórias” e as capacidades de agir como agentes históricos andam juntas” (Rancière, 2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. Tradução Mônica Costa Netto. São Paulo: Editora 34, 2005., p. 54). Por vezes a escola, e as universidades, espaços responsáveis pela formação destes profissionais da educação, permeiam campos paralelos e muitas vezes contrários à formação autônoma intelectual. Entretanto,

[d]ado que os indivíduos não se veem obrigados a permanecer constantemente no seio dessas micro-sociedades [escolas e universidades, nos nossos casos] e ainda assim permanecem, podemos supor que possivelmente seja pelo fato de que as relações que ali se estabelecem satisfazem ou criam a ilusão de satisfação, em alguns casos, de determinados desejos individuais; isso movimenta as ações simbólicas e intervenções desses indivíduos em direções específicas, com fins do cumprimento de exigências micro sociais implícitas ao coletivo (Sampaio, 2014SAMPAIO, Juliano Casimiro de Camargo. A construção da identidade no teatro de grupo. Moringa - Artes do Espetáculo (UFPB), v. 5, p. 01-13, 2014. https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/moringa/article/view/19626. Acesso 20 out. 2023.
https://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.ph...
, p. 103-104).

No fim da aula formamos um círculo para conversar sobre as percepções de cada participante sobre o processo. Após falas tais como: “Eu achei muito estranho porque tive vontade de chorar”; “Eu gostei de ver os papéis caindo no chão”; “Nem parecia que a gente estava na escola”; “Eu não gosto de fazer teatro, tenho vergonha, mas gostei dessa aula”; iniciamos diálogos para tentar descobrir meios de lidar com a satisfação dos desejos expressados, escritos e lidos, no contexto artístico para e pelas/os estudantes. Essas conversas convergiram para um movimento chamado por elas/es de: “Greve pelos direitos dos alunos”. Greve esta que se resumiu na fabricação de cartazes sobre os problemas detectados por elas/es na escola. E exposição deles em passeata pelos espaços da instituição. O movimento das/os estudantes, criado por elas/es, surgiu como labaredas em pasto seco na escola. Era nítida a compreensão política que aquelas/os estudantes estavam vivenciando via experimentação artística. As/os estudantes caminharam pela escola gritando palavras de ordem, criando um pleno estado de exercício político. Entendemos dessa experiência que a voz silenciada pôde então se manifestar, desencadeada e fortalecida pela arte.

5 A corda de nó(s): o último nó. Conclusão

Neste artigo, apresentamos resultados do projeto de pesquisa científica intitulada “Emancipação e autonomia no ensino de Arte e na Formação de Professores: a escuta e a partilha sensível na perspectiva de Rancière”. As discussões apresentadas contaram com relato e análise de experiência docente em Artes (disciplina curricular), efetivada em uma unidade escolar municipal de ensino fundamental (anos finais), do município de Palmas (TO). As análises foram feitas a partir da ideia de emancipação e partilha do sensível na ótica de Rancière.

Concluímos que as linguagens artísticas na escola podem ser potentes mediadoras da experiência da pessoa no mundo, visando certa autonomia intelectual, afetiva, social e política. Da experiência analisada, instigamos as/os professoras/es e futuras/os professoras/es a pensarem e praticarem a possibilidade de impulsionar ‘vozes silenciadas’ de estudantes. Essa emancipação, no caso analisado, por exemplo, pode levar a posicionamentos políticos que tornem a sensação de pertencimento ao espaço escolar, constituída também pelas práticas de reivindicação e resistência ao sistema opressor, que tende a operar nas instituições de ensino no Brasil. Nessa mesma direção, a mediação realizada e aqui apresentada, elucidou justamente a necessidade do abandono dos ‘eufemismos pedagógicos’ e da ditadura do ensino tradicional.

Valorizar materialidades sensíveis, estéticas e políticas advindas das/dos próprias/os estudantes foi o caminho que reconhecemos como potencializador da emancipação e da autonomia de que falamos ao longo do texto. Disso, concluímos que é preciso que a/o professor(a) também se emancipe para que possa mediar um processo emancipador em sala de aula. Concluímos, portanto, o presente trabalho reforçando a necessidade de se desenvolver uma docência sensível, com foco na mediação dos saberes e fazeres, mas também dos processos que levam a eles. Evidenciamos a necessidade de que a/o professor(a) de Artes cause inquietações diversas no modo cotidiano das/os estudantes de habitarem e operarem o mundo, rumo à experiência diversa de si no mundo. Experiência essa que deve caminhar na direção de sensos estéticos, afetividades e emancipação intelectual, com o que acreditamos fortemente que as linguagens artísticas podem colaborar.

  • 1
    Pesquisa desenvolvida em uma unidade escolar municipal de ensino fundamental II da região Norte da cidade de Palmas, Tocantins - Brasil. Pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Estudo apresentado como resultado de Trabalho de Curso - TCC do curso de Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal do Estado do Tocantins - Campus Universitário de Palmas, com orientação do professor pós-doutor Juliano de Camargo Sampaio Casimiro (UFT) e expandido na forma da presente pesquisa.
  • 2
    Esta pesquisa apresenta uma discussão aprofundada do estudo de Thiago Francysco Rodrigues Cassiano denominado Emancipação e Autonomia no Ensino de Arte e na Formação de Professores: A Escuta e a Partilha Sensível na Perspectiva de Rancière. Trabalho de Conclusão de Curso - Colegiado de Licenciatura em Teatro, Universidade Federal do Tocantins - UFT, Palmas - Tocantins, 2019. Estudo orientado pelo professor doutor Juliano de Camargo Sampaio Casimiro.
  • 3
    Edenir Maria Rita Rodrigues (Dê), mulher preta retinta filha de imigrantes mineiros no Estado de São Paulo -Brasil, responsável pela formação do primeiro pesquisador desse estudo.
  • 4
    Termo originário do idioma yorubá utilizado para se referir às mulheres mais velhas, sábias ou líderes comunitárias e religiosas. Nesse caso, o autor se refere a sua avó materna Edenir Maria Rita Rodrigues (in memorian).
  • 5
    Atividade realizada pelo primeiro autor deste texto como finalização do estágio supervisionado I do curso de Licenciatura em Teatro da Universidade Federal do Tocantins (UFT) - Campus de Palmas no ano de 2017.
  • 6
    Entende-se neste artigo transver pela perspectiva de ver, enxergar com um olhar sensível-afetivo para além da visão física, pautada por uma característica humana e afetiva, lúdica e criativa. InCassiano, 2018-2023CASSIANO, Thiago Francysco Rodrigues. Diário de bordo: sentidos e permissões na docência de Artes, Teatro e Processo Criativos. Obra não publicada - Instrumento Continuo de Pesquisa. Palmas, Tocantins, 2018-2023.; 2019, p. 13-14.
  • 7
    Termos utilizados por alguns membros da educação de forma pejorativa para se referir às produções artísticas no ambiente escolar. Optamos por utilizar estes termos vista a recorrência de seu uso para se referir às produções artísticas com objetivo exclusivamente espetacular, sem fundamentação ou importância para a relação entre o processo de criação e o desenvolvimento afetivo-cognitivo humano.
  • 8
    Pequi, também chamado de piqui, é o fruto originário do pequizeiro, árvore da família das cariocaráceas nativa do cerrado brasileiro. Utilizada com frequência na culinária da região Norte do Brasil.
  • 9
    Freire (2014)FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2014. compreende que a educação bancária tem como base um mecanismo em que o professor deposita conhecimento de modo somatório, sem o exercício crítico.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.

Declaração de disponibilidade de conteúdo

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

REFERÊNCIAS

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  • SAMPAIO, Juliano Casemiro de Camargo. A teatralidade de si-mesmo no ensino de teatro. Repertório, Salvador, v. 20, n. 29, p. 233-257, 2017. https://periodicos.ufba.br/index.php/revteatro/article/view/25483/15606 Acesso 20 out. 2023.
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  • SPOLIN, Viola. O jogo teatral no livro do diretor 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2010.
  • VIANNA, Klauss. A dança São Paulo: Siciliano, 1990.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O trabalho é adequado ao tema proposto, apresentando significativa contribuição para os campos da Arte e da Educação, e de forma indireta, aos Estudos da Linguagem. O objetivo é explicitado e desenvolvido de forma coerente ao longo do texto. Há conformidade com a teoria utilizada, o que demonstra conhecimento atualizado da bibliografia por parte de seus autores. A reflexão é original e escrita/descrita com clareza, correção e adequação da linguagem a um trabalho científico. Além das questões mais técnicas de avaliação, destaca-se a inserção do trabalho em uma temática urgente: os sentidos de escola e da presença da arte na escola nos tempos atuais. A escolha por um caminho de não obviedades faz com que os autores consigam articular teoria e prática de modo a envolver o público leitor em um processo tão sensível quanto a escrita do texto. O artigo revela o compromisso de seus autores com a Educação Pública de qualidade, o que atesta a produção de uma Ciência vinculada às práticas sociais e comunitárias. O parecer é, portanto, favorável à publicação do texto em Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    23 Dez 2023

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

O artigo “Partilha sensível e a corda de nó(s): emancipação e autonomia no ensino de artes” constitui-se de uma vigorosa discussão crítica acerca do processo “práxis estética e poética” de uma performance teatral denominada ‘Corda de Nó(s)’ desenvolvida na disciplina curricular Artes em uma unidade escolar municipal de ensino fundamental II no município de Palmas (TO). Neste trabalho, resultante da conclusão de um projeto de pesquisa de Iniciação Científica (PIBIC-UFT), os autores/pesquisadores - autor/bolsista e orientador -, recorrem a uma abordagem metodológica de natureza qualitativa pautada nos aspectos da narrativa oral e exploratória, além de vislumbrar possíveis conexões para a reflexão em seus cadernos de campo. Para tal intento, o estudo ainda se reveste de intenso arcabouço teórico/bibliográfico consistente e traz para a cena, acertadamente, os postulados de Jacques Rancière [emancipação e partilha do sensível] no que concerne à clara intenção/objetivo de verificar - in locus - se as possíveis narrativas, teatral e visual, se encontram impregnadas do exercício e experiência artística e pedagógica/docente “direcionadas para a emancipação intelectual e para a ampliação do sensível.”

A análise do trabalho foi realizada de acordo com os critérios propostos pela Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso. O coerente texto traz em sua estrutura contribuições relevantes para os campos da Educação e das Artes em geral e apresenta, de forma exemplar, a construção de apontamentos sobre algumas relações possíveis entre ensino de arte na educação básica - recortando e focalizando as linguagens artes visuais e teatro como referências prioritárias -, emancipação, política e pessoal dos discentes, além da ampliação da sensibilidade docente. O título do artigo é condizente com as palavras-chave e com o percurso investigativo levado a termo. O excelente Resumo já apresenta o objetivo, a metodologia, a questão norteadora e as possíveis considerações/conclusões inferidas após o estudo analítico, crítico-reflexivo e bibliográfico. A partir de 26 páginas (sendo 1 delas ocupada com uma lista de referencial bibliográfico relativamente atualizado e totalmente pertinente ao tema e objeto investigado), o artigo se estrutura em uma Introdução consistente, esclarecedora e 5 subcapítulos - com 2 imagens que dialogam com o texto verbal - que se complementam. O tema é pertinente com o escopo da Revista e reflete uma evidente e peculiar contribuição para área de Educação e(m) Artes, como já mencionado. O texto apresenta uma escrita coesa e rigorosa (sobretudo no tocante à revisão ortográfica). As normas da Revista e suas diretrizes para autores são observadas e preservadas. As considerações finais são adequadas e fornecem respostas satisfatórias para os objetivos propostos e apresentados na Introdução. Os autores, em sua conclusão, não deixam de apontar possíveis caminhos e desdobramentos destas reflexões primárias no âmbito do ensino das Artes na escola.

Diante do exposto sou de parecer favorável à publicação do artigo. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    05 Jan 2024

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2023
  • Aceito
    20 Fev 2024
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