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O Elogio de Helena de Isocrates: argumentação em muitas camadas

RESUMO

Por volta de 390 a.C., Isócrates escreveu um texto dedicado à mítica Helena, Elogio de Helena. Segundo o rétor, seu objetivo era enaltecer aquela personagem, reconhecida em duas das principais obras de Homero, a Ilíada e a Odisseia. Embora o texto isocrático já tenha sido exaustivamente estudado, acreditamos que a Análise do Discurso proporcionará uma visão mais aprofundada do texto e de suas estratégias argumentativas. Assim, nosso objetivo é analisar como se deu a construção argumentativa do Elogio de Helena. A partir da análise foi possível perceber que os discursos possuem diferentes camadas, que Isócrates utiliza a história de Helena como base para sua argumentação e que o retórico reproduz imaginários de feminilidade e masculinidade, embora este não fosse um objetivo explícito.

PALAVRAS-CHAVE:
Elogio de Helena; Argumentação; Imaginários sociodiscursivos; Feminilidade; Masculinidade

ABSTRACT

Around 390 BC, Isocrates wrote a text dedicated to the mythical Helen, Encomium of Helen. According to the rhetorician, his objective was to praise that character, who was recognized in two of Homer’s main works, the Iliad and the Odyssey. Although the isocratic text has already been thoroughly studied, we believe that Discourse Analysis will provide a more in-depth view of the text and its argumentative strategies. Thus, our objective is to analyze how the argumentative construction of the Encomium of Helen took place. From the analysis, it was possible to notice that discourses have different layers, that Isocrates uses Helen’s story as a foundation for his argumentation and that the rhetorician reproduces imaginaries of femininity and masculinity, although this was not an explicit objective.

KEYWORDS:
Encomium of Helen; Argumentation; Socio-discursive imaginaries; Femininity; Masculinity

Introdução

A figura de Helena foi imortalizada em duas das mais famosas obras literárias da história. A Ilíada e a Odisseia, atribuídas a Homero, no século VIII a.C., retratam os acontecimentos da Guerra de Troia, que teve início com a disputa pela mulher mais bela do mundo antigo. Em um mundo politeísta, as referências a deuses e deusas são frequentes nessa literatura. Helena teve um papel importante na cultura mítico-religiosa da época, sendo retratada e recriada em diversos textos, ganhando novos enredos e gerando fascínio até hoje. Por volta de 390 a.C., Isócrates cria seu Elogio de Helena, como resposta ao texto homônimo de Górgias. Em consonância com o que Aristóteles propôs ao tratar do gênero epidítico, acreditamos, seguindo Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, que o encômio, um tipo mais específico do gênero epidítico, tem outras funções além da estética, como a de reforçar os valores que o orador acredita serem importantes.

Nossa proposta é analisar como se deu a construção argumentativa da obra de Isócrates. Apesar de ser um texto antigo e, portanto, já ter sido foco de muitos estudos, acreditamos que a Análise do Discurso e, mais especificamente, a Análise Argumentativa do Discurso, proposta por Ruth Amossy, possa trazer contribuições fundamentais para a compreensão da obra. Embora essa teoria seja herdeira da antiga retórica, ela revisita alguns de seus principais conceitos e propõe outros novos, como a dimensão argumentativa, que, a nosso ver, proporciona uma análise mais profunda. Além dessa perspectiva, dialogaremos com outros estudiosos da retórica, como o próprio Aristóteles e também Perelman e Olbrechts-Tyteca.

1 A Análise Argumentativa do Discurso: o encômio entre uma dimensão argumentativa e um objetivo argumentativo

Ao contrário do que foi dito algumas vezes (cf. Quintiliano, 1920QUINTILIANO. Institutio Oratoria. Traduzido por H. E. Butler. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1920.; Burke, 1945BURKE, Kenneth. A Grammar of Motives. Berkeley: University of California Press, 1945.), o gênero epidítico não teria apenas uma função estética, nem serviria apenas para valorizar o próprio orador, que, em seu discurso, estaria interessado em mostrar suas habilidades retóricas. Segundo Aristóteles, no epidítico, que teria o encômio como um de seus subgêneros, “temos tanto o elogio quando a censura” (Aristóteles, Ret. I 3, 1358-b, 2005, p. 104) Nesse sentido, era comum que o orador elogiasse/censurasse indivíduos, grupos de indivíduos, como os mortos na guerra, e também deuses. De acordo com o retórico, o orador que elogia/culpa tem o objetivo de retratar pessoas ou eventos como nobres ou vergonhosos. Perelman, em um sentido semelhante, afirmou sobre o epidítico que a sua finalidade “visa reforçar uma comunhão em torno de certos valores que se procura fazer prevalecer e que deverão orientar a acção no futuro” (Perelman, 1999, p. 39) Ao usar o epidítico, podemos dizer que o orador tem um projeto argumentativo, no sentido de reforçar valores e causar mudanças na sociedade.

É importante relembrar duas noções propostas por Amossy (2018AMOSSY, Ruth. A Argumentação no discurso. Coordenação da tradução: Eduardo Lopes Piris e Moisés Olímpio-Ferreira; Tradução de Angela M. S. Corrêa et.al. São Paulo: Contexto, 2018.) no livro A argumentação no discurso, que refletem, a nosso ver, suas principais contribuições para os estudos sobre argumentação, sendo elas as noções de dimensão argumentativa (dimension argumentative) e objetivo argumentativo (visée argumentative). É nesse ponto de sua teoria que Amossy retoma o postulado de Plantin, para quem existem níveis de argumentatividade. Entretanto, se para Plantin (2008PLANTIN, Christian. A argumentação. Tradução de Marcos Marcionilo. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.) a oposição de ideias é o que caracteriza a argumentação, Amossy acredita que a oposição de ideias não precisa ser explícita, pois as palavras são sempre uma resposta a palavras já ditas por outras pessoas. Portanto, não é possível dizer que há argumentação somente quando há pontos de vista opostos. Segundo Amossy, há discursos que são mais argumentativos do que outros, mas todos são argumentativos em alguma medida, e o choque de pontos de vista, ou o que ela chama de polêmica pública, caracterizaria o nível mais alto em termos de argumentação.

Nesse sentido, nem todos os discursos têm um objetivo argumentativo, no sentido de que “não transmitem qualquer intenção de persuadir, e não pretendem levar o destinatário a adotar uma posição claramente definida por estratégias programadas” (Amossy, 2008AMOSSY, Ruth. Argumentation et Analyse du discours: perspectives théoriques et découpages disciplinaires. Argumentation et Analyse du Discours [En ligne], Tel-Aviv. 2008. DOI: https://doi.org/10.4000/aad.200. Acesso em 26 jun, 2023.
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)1 1 Em francês: “ils ne véhiculent aucune intention de persuader et n’entendent pas rallier l’allocutaire à une position clairement définie par des stratégies programmées”. . No entanto, mesmo os discursos desprovidos de intenção persuasiva ainda podem exercer alguma influência, “orientando as formas de ver e pensar” (Amossy, 2008)2 2 Em francês: “en orientant des façons de voir et de penser”. . Dessa forma, o objetivo argumentativo está ligado a uma intenção argumentativa explícita, enquanto a dimensão é algo constitutivo do dialogismo discursivo ou é um argumento não assumido, presente em textos cujo objetivo alegado não é persuadir. No lado da dimensão, teríamos o artigo científico, as reportagens de televisão, as autobiografias, a literatura de ficção e a própria conversa cotidiana. Já no lado do objetivo, teríamos o discurso eleitoral, a publicidade, o manifesto e o editorial.

Portanto, concordamos com a pesquisadora ao propor um continuum que representaria os diferentes graus de argumentatividade. Levando isso em conta, podemos pensar que o encômio estaria em algum lugar no meio do continuum (Figura 1), pois, embora não tenha um objetivo argumentativo explícito, em um nível mais profundo, como dissemos, ele pode estabelecer valores sociais.

Figura 1:
O encômio: entre uma dimensão argumentativa e um objetivo argumentativo.

1.2 A Análise Argumentativa do Discurso: revisando a Antiga Retórica

Além dos conceitos de dimensão argumentativa e objetivo argumentativo, a teoria de Ruth Amossy incorpora, embora não de forma idêntica, algumas das principais ideias da retórica antiga. Em sua obra A argumentação no discurso, Amossy reconhece uma argumentação que vai além das meras operações lógicas, considerando significativos todos os elementos da materialidade discursiva. Além disso, a argumentação não pode ser isolada da situação comunicativa em que ocorre e se desenvolve por meio da interação de três elementos: ethos, pathos e logos. No projeto argumentativo de Amossy, a autora dá a mesma importância às três provas retóricas. Portanto, antes de iniciar a análise, vamos apresentar alguns conceitos importantes dessa teoria.

Como mencionamos, a argumentação ocorre na inter-relação entre o texto e seu contexto, uma vez que a eficácia da palavra não é puramente externa nem puramente linguística. O ethos, nessa perspectiva, não é apenas social (externo ao discurso) nem apenas discursivo. Para Amossy, o ethos é tanto uma construção social quanto discursiva. Assim, a pesquisadora propõe duas noções, sendo elas o ethos discursivo e o ethos prévio. A primeira delas, o ethos discursivo, é definida como “a imagem que o locutor constrói, deliberadamente ou não, em seu discurso” (Amossy, 2018, p. 89). É importante destacar que o ethos discursivo diz respeito tanto à construção de imagens de si mesmo quanto de imagens dos outros no discurso. O ethos prévio, por sua vez, é definido como “a ideia que o público faz do locutor antes mesmo que ele tome a palavra” (Amossy, 2018, p. 89). Geralmente, para criar essa imagem prévia, o público leva em conta o status institucional do orador, sua posição em um determinado campo que dá legitimidade ao seu discurso e às representações coletivas.

Uma noção importante ao lidar com o ethos é a do estereótipo. Primeiro, porque a construção da imagem do público passa por um processo de estereotipagem. Assim, o orador poderá agir mais eficazmente sobre ele se se apoiar em representações compartilhadas. Nesse sentido, quando o orador enquadra seu público em um determinado grupo, ele pode usar valores e crenças compartilhados por esse grupo para influenciá-lo melhor. Da mesma forma, o orador deve enquadrar sua maneira de dizer e seu dizer em esquemas coletivos que ele acredita serem valorizados por seu público-alvo. Por fim, Amossy (2018AMOSSY, Ruth. A Argumentação no discurso. Coordenação da tradução: Eduardo Lopes Piris e Moisés Olímpio-Ferreira; Tradução de Angela M. S. Corrêa et.al. São Paulo: Contexto, 2018.) também ressalta a importância das imagens de si construídas no discurso, pois ela é capaz de reforçar, reformular e até mesmo mudar a imagem prévia, se for do interesse do orador. Assim, se um orador se enquadra em um estereótipo que não serve a seu propósito, ele pode tentar mudá-lo discursivamente.

A importância das imagens de si e do outro na empreitada argumentativa é notável. Entretanto, apresentaremos as outras duas provas, que são igualmente importantes. Se, na argumentação, o ethos está ligado ao âmbito da produção do discurso, o pathos se volta para a recepção do discurso pelo público.

Gregos e latinos, retóricos antigos, como Aristóteles e Cícero, reconheciam o papel das emoções para se alcançar a persuasão. No entanto, essa prova retórica foi vista de forma negativa por outros, como Platão (2007PLATÃO. República. D. Lee, Trans. Penguin Classics; 2007.), Sêneca (2015SÊNECA. On Anger, on Leisure, on Clemency. S. Braund, Trans. Oxford University Press, 2015.) e Epiteto (2014). Essa controvérsia se baseia no fato de que, para alguns, as emoções cegam os olhos, impedem o julgamento e a sabedoria e, portanto, devem ser controladas. Naquela época, em sentido oposto ao das emoções, o logos seria entendido como sinônimo de razão, segundo a qual os discursos deveriam ser construídos.

Seguindo as ideias de Amossy, defendemos a visão de que “elementos emocionais e racionais são tecidos na mesma trama discursiva e, por isso, são inseparáveis”. (Amossy, 2018, p. 215)3 3 Em francês: “les éléments émotionnels et rationnels sont tissés dans la même trame discursive et s'avèrent, de ce fait, inséparables”. . Amossy se baseia em autores, como Plantin, para os quais é possível pensar em uma razão para as emoções. Nesse sentido, Amossy acredita não ser possível separar razão e emoção, uma vez que estas seriam engendradas a partir de uma base dóxica, ou seja, de uma apreensão do senso comum, além de serem materializadas linguisticamente no discurso.

Plantin determina, por sua vez, uma organização para lidar com a questão das emoções, propondo: a designação direta das emoções, que ocorre quando “a emoção é claramente designada por um termo de emoção” (Plantin, 2010PLANTIN, Christian. As razões das emoções. In: MENDES, Emília, MACHADO, Ida Lucia (org.). As emoções no discurso. Campinas: Mercado das Letras, 2010. p. 57-80., p. 62); as designações indiretas das emoções, que reconstroem as possíveis emoções por meio de pistas linguísticas (cor e termos verbais) e por lugares-comuns situacionais e atitudinais, que se relacionam com a ideia de doxa de Amossy (2018AMOSSY, Ruth. A Argumentação no discurso. Coordenação da tradução: Eduardo Lopes Piris e Moisés Olímpio-Ferreira; Tradução de Angela M. S. Corrêa et.al. São Paulo: Contexto, 2018.), como veremos mais adiante. Ressaltando outros pesquisadores que também defendem um lado racional das emoções, Charaudeau (2000CHARAUDEAU, Patrick. La pathémisation à la télévision comme stratégie d’authenticité. 2000. Disponível em: http://www.patrick-charaudeau.com/La-pathemisation-a-la-television.html. Acesso em 26 jun, 2023.
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) nos alerta para o fato de que a emoção deve ser tratada como um efeito visado, uma vez que a análise do discurso não possui um aparato metodológico para estudar o efeito produzido. Vale retomar a ideia de Lima, segundo a qual, assim como há diferentes níveis de argumentatividade, há também uma gradação de emoções, pois “[t]udo depende da avaliação do sujeito envolvido, de como e do quanto ele se vê afetado em sua relação com o outro” (Lima, 2018LIMA, Helcira Maria Rodrigues de. Emoções e representações de si: a propósito da indignação e do embaraço. In: CUNHA, Gustavo Ximenes; OLIVEIRA, Ana Larissa Maciotto (org.). Múltiplas perspectivas de face nos estudos da linguagem. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso, Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos, Faculdade de Letras da UFMG, 2018. p. 93-107., p. 96).

Logos, até recentemente, adquiria um sentido meramente lógico, ou demonstrativo, ligado à razão, como ocorre em trabalhos como os de Toulmin, Ducrot e Perelman. Ampliando as ideias desses teóricos, para Amossy, logos é tudo aquilo que integra a estrutura dos discursos. Nesse sentido, Amossy se distancia dos pesquisadores que o consideram apenas a parte lógica, ou demonstrativa. Para a analista do discurso, o logos é a própria construção da linguagem e é sustentado por elementos linguístico-discursivos. O mais importante é pensar em como esses elementos contribuem para a construção do ethos e do pathos. Por exemplo, os usos de: negação e interrogação; léxico; discurso relatado; citações; modificadores; implícitos; conectivos; exemplos; metáforas; analogias; tipos de argumentos etc.

Depois de apresentar as três dimensões retóricas, voltamos nosso olhar para o que, desde a retórica antiga, tem sido um elemento fundamental para a persuasão discursiva, ou seja, a doxa, embora nem sempre tenha sido vista sob a mesma perspectiva. Como lembra Amossy (2002bAMOSSY, Ruth. Introduction to the Study of Doxa. Poetics Today. v.23, n.3, p. 369-394, 2002b. DOI: https://doi.org/10.1215/03335372-23-3-369. Accessed 14 April 2022.
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), Aristóteles teorizou sobre a endoxa em seu tratado sobre dialética, Tópicos, com base na observação da prática sofística. Para o filósofo grego, a endoxa seria o que parece ser verdadeiro para todos, mesmo que não seja de fato verdadeiro. Seria também um elemento capaz de buscar um acordo na cidade. Para outros filósofos, como Platão (2007PLATÃO. República. D. Lee, Trans. Penguin Classics; 2007.) e Kant (1998KANT, Immanuel. Critique of Pure Reason. P. Guyer & A. Wood, Trans. Cambridge University Press, 1998.), somente o conhecimento genuíno, ou seja, a episteme, deveria ser levado em conta. A doxa também foi questionada pelo cartesianismo, e já no século XIX a visão negativa do senso comum atingiu seu ápice, sendo associada a estereótipos e clichês.

Aproximando-nos da tradição retórica, levamos em conta, por exemplo, Perelman e Olbrechts-Tyteca, que demonstram papéis importantes desempenhados pela doxa na comunicação persuasiva, como a adaptação ao auditório, a criação de uma representação média do público para melhor persuadi-lo e assim por diante. A doxa é tão importante porque, em muitos domínios, não é possível levar em conta apenas a episteme para resolver conflitos, ou seja, “é somente confiando nas opiniões, crenças e representações do público que se pode construir uma interação (virtual) que permita significado e eficácia” (Amossy, 2002aAMOSSY, Ruth. How to Do Things with Doxa: Toward an Analysis of Argumentation in Discourse. Poetics Today, v.23, n.3, p. 465-487, 2002a. https://doi.org/10.1215/03335372-23-3-465. Acesso em 26 jun, 2023.
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, p. 468)4 4 Em inglês: “It is only by relying on the audience’s opinions, beliefs, and representations that a (virtual) interaction allowing for meaning and efficacy can be built.” .

De acordo com Amossy (2002bAMOSSY, Ruth. Introduction to the Study of Doxa. Poetics Today. v.23, n.3, p. 369-394, 2002b. DOI: https://doi.org/10.1215/03335372-23-3-369. Accessed 14 April 2022.
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), o mesmo termo nem sempre foi usado para designar o conhecimento ou as ideias compartilhadas. Dependendo do campo de pesquisa, encontramos termos como “opinião pública”, “verossimilhança”, “senso comum”, “lugar comum”, entre muitos outros. Embora não sejam exatamente sinônimos, concordamos com Amossy quanto à ideia de que “[e]m termos gerais, no entanto, tudo o que é considerado verdadeiro, ou pelo menos provável, por uma maioria de pessoas dotadas de razão, ou por um grupo social específico, pode ser chamado de dóxico”. (Amossy, 2002b, p. 369)5 5 Em inglês: “Broadly speaking, however, all that is considered true, or at least probable, by a majority of people endowed with reason, or by a specific social group, can be called doxic.” . Na última parte do artigo, trataremos especificamente de um desses elementos dóxicos, os imaginários sociodiscursivos, conforme entendidos por Patrick Charaudeau.

2 Uma Análise Argumentativa do Elogio de Helena

2.1 Construindo Credibilidade

Em sua Retórica, Aristóteles nos lembra que, para obter persuasão, o discurso deve ser construído de forma a deixar a impressão de que o orador é confiável. Da mesma forma, Charaudeau e Maingueneau trazem seu conceito de credibilidade como

uma noção que define o caráter de veracidade dos propósitos de uma pessoa (“o que ele diz é verdadeiro”) ou de uma situação (“essa situação não é confiável”). Ela resulta, pois, de um julgamento feito por alguém sobre o que vê ou ouve e, por consequência, sobre a pessoa que fala, que é, desse modo, julgada “confiável”. Esse julgamento, que consiste em avaliar a aptidão do sujeito falante de dizer o verdadeiro por meio de seu ato de enunciação, faz com que todo sujeito falante que visa a ser confiável procure colocar em cena seu discurso de tal maneira que ele possa receber esse selo de credibilidade (Charaudeau; Maingueneau, 2008CHARAUDEAU, Patrick; MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de Análise do Discurso. Coordenação da tradução Fabiana Komesu. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2008., p. 143).

Nesse sentido, a credibilidade não é uma qualidade ligada à identidade social do sujeito, ela é construída discursivamente. Portanto, o que vamos mostrar a seguir é a construção de imagens de si, ou seja, de ethé, que poderiam trazer credibilidade a Isócrates, para que ele fosse ouvido e levado a sério.

Para construir sua credibilidade, a estratégia de Isócrates é criar imagens negativas dos filósofos, sofistas, professores e suas escolas, ao mesmo tempo em que se afasta deles e cria, mesmo que implicitamente, imagens positivas de si mesmo. É possível dizer que, com isso, ele também tenta mudar seu ethos prévio, ou seja, seu ethos sofístico, já que foi acusado de ser um deles. Vale lembrar que “ele se assemelha aos sofistas ao aceitar pagamento para ensinar, ao oferecer instrução sobre as habilidades necessárias para o sucesso na vida pública e ao escrever discursos que eram modelos para serem imitados por outros”. (Kennedy, 1994KENNEDY, George. A. A New History of Classical Rhetoric. New Jersey: Princeton University Press, 1994., p. 43)6 6 Em inglês: “he resembles the sophists in accepting payment for teaching, in offering instruction in the skills needed for success in public life, and in writing speeches that were models for imitation by others.” . Kennedy (1994) também afirma que o retórico tinha plena consciência da existência de hostilidade contra ele, o que o levou a escrever Antidosis quando já era mais velho. Embora nessa obra Isócrates possa ter deixado mais evidente seu desejo de se distanciar dos sofistas, isso também aparece no Encomium, como uma tentativa de criar credibilidade para si mesmo. Nesse sentido, essas imagens positivas de si mesmo podem ajudar a construir sua credibilidade com aqueles que também são contrários às ideias defendidas pelos filósofos, sofistas e professores.

A primeira imagem que Isócrates tentou construir para criar sua credibilidade foi o que chamamos de ethos de veracidade, como demonstraremos nos próximos dois textos:

Texto 1

Há algumas pessoas que acham ótimo que eles apresentem um tema estranho e paradoxal e que possam discuti-lo sem ofender. Algumas pessoas envelheceram negando que seja possível dizer o que é falso, contradizer qualquer coisa ou compor dois discursos opostos sobre os mesmos assuntos, outras sustentam que coragem, sabedoria e senso de justiça são todos a mesma coisa - que não temos nenhum deles por natureza e que há uma única ciência (episteme) que trata de todos eles. Outros ainda gastam seu tempo em disputas que não trazem nenhum benefício, mas que podem causar problemas para seus alunos. Se eu visse que esse esforço inútil em discursos havia surgido recentemente e que essas pessoas estavam se orgulhando da originalidade de suas descobertas, eu não ficaria tão surpreso com elas. Mas quem é que está tão atrasado no aprendizado que não sabe que Protágoras e os sofistas de sua época nos deixaram composições como essas, bem como algumas que são ainda mais problemáticas? Como alguém poderia superar Górgias, que ousou dizer que nenhuma das coisas que existem é, ou Zeno, que tentou mostrar que as mesmas coisas são possíveis e novamente impossíveis, ou Melisso, que se dedicou a descobrir demonstrações de que as substâncias na natureza, que são infinitamente numerosas, são todas uma só?” (Isócrates, Helena 1-3; 2000, p. 32-33; sem itálicos no original)7 7 Optamos por traduzir livremente do texto em inglês consultado, uma vez que, por ser um texto antigo escrito em grego, as traduções não só para o português, mas para outros idiomas, apresentam muitas diferenças. Além disso, na análise do discurso levamos em conta o léxico e as estruturas linguísticas, que variam enormemente de uma tradução para outra. Assim, realizamos a tradução mais fiel possível do texto em inglês consultado. 8 8 Em inglês: “There are some who think it a great thing if they put forward an odd, paradoxical theme and can discuss it without giving offense. Some people have grown old denying that it is possible to say what is false, to contradict anything, or to compose two opposing speeches about the same subjects, others maintaining that courage, wisdom, and a sense of justice are all the same thing — that we have none of them by nature and that there is a single science (episteme) concerning all of them. Still others spend their time in disputes that provide no benefit but can make trouble for their students. If I saw that this wasted effort in speeches had come about recently and that these people were taking pride in the originality of their discoveries, I would not be so amazed at them. But who is there now who is so behind in learning that he does not know that Protagoras and the sophists of his time left us compositions such as these, as well as some that are even more troublesome? How would anyone top Gorgias, who dared to say that none of the things that are is, or Zeno, who tried to show that the same things are possible and again impossible, or Melissus, who put his hand to discovering demonstrations that the things in nature, which are infinitely many in number, are altogether one?”. .

Nessa passagem, Isócrates usa a argumentação por meio da ilustração “para reforçar a adesão a uma regra conhecida e aceita, fornecendo casos particulares que esclarecem o enunciado geral” (Perelman; Tyteca, 2014PERELMAN, Chaim; TYTECA, Lucie Olbrechts. Tratado da argumentação: A Nova Retórica. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014., p. 407). No texto analisado, a regra possivelmente aceita pela maioria das pessoas é que algumas pessoas defendem temas “estranhos” e “paradoxais”. A crítica de Isócrates a essas ideias continua com avaliações negativas dessa prática, referindo-se a ela como “um esforço inútil”. Além disso, ele usa o ad personam ao acusar essas pessoas de estarem “tão atrasadas no aprendizado” para desqualificá-las. Além disso, Isócrates os compara a filósofos mais antigos, como Protágoras, Zeno e Melisso, a fim de transferir sua possível má reputação para aqueles aos quais ele está criticando. Por fim, para se distanciar dessas pessoas e ideias, Isócrates usa pronomes como “algumas”, “outros”, dando a entender que ele não faz parte desse grupo. Portanto, ele pode estar tentando criar um ethos de veracidade para si mesmo. Nesse caso, Isócrates usa o antimodelo para implicitamente fazer o leitor pensar qual seria o modelo e perceber que ele seria o modelo. O antimodelo pode ser entendido como aquele “que se despreza e se apresenta como exemplo da má vida e do mau gosto” (Perelman, 1999, p. 124). Com isso, o leitor deve perceber que, ao contrário dessas pessoas, Isócrates não defenderia ideias paradoxais.

A próxima imagem que destacaremos como uma tentativa do retórico de gerar credibilidade é o que chamamos de ethos de inteligência, conforme mostrado nos dois textos a seguir.

Texto 2:

“Para mim, o mais ridículo de tudo é que eles procuram nos persuadir por meio de seus discursos de que têm conhecimento de política, quando eles poderiam demonstrar isso no próprio campo em que afirmam ensinar. Aqueles que argumentam que são inteligentes e afirmam ser sofistas9 9 É necessário esclarecer que, nesse caso, a palavra “sofista” foi usada em seu sentido antigo e original, que significa inteligência. devem superar e ser superiores aos cidadãos comuns, não em assuntos que foram ignorados por outros, mas naqueles em que todos competem! Mas, do modo como está agora, eles estão agindo como alguém que finge ser o melhor atleta, mas entra em uma arena onde ninguém mais quer competir” (Isócrates, Helena 9-10; 2000, p. 34; sem itálicos no original).

Nesse texto, a polarização entre “eu” e “eles” é muito mais clara, pois Isócrates entra em cena usando os pronomes “eu” e “nós”. A divergência de pontos de vista é muito mais acentuada. Isócrates critica aqueles que tratam de assuntos com os quais ninguém se importa, já que discutir sobre eles é muito mais fácil. Para reforçar seu argumento, o retórico faz uso de uma analogia entre aqueles que se dizem inteligentes e os atletas em uma arena, evidenciando a mesma conclusão, de que é muito mais fácil ganhar um jogo quando nenhum outro jogador quer competir. O uso da arena e dos atletas também foi estratégico, pois todos reconheceriam a situação como ridícula e possivelmente concordariam com Isócrates. Afastando-se daqueles que não seriam inteligentes, o retórico quer que o leitor o veja como inteligente e que ele de fato teria conhecimento de política.

Além disso, o retórico usa o valor do que é útil para criticar aqueles que ensinam inutilidades e as pessoas desprovidas de inteligência. A imagem da inteligência é criada porque o leitor deve perceber a intenção principal de Isócrates por meio de seu texto, ou seja, defender sua posição política, o pan-helenismo, o que ficará mais claro no decorrer de nossa análise. É necessário lembrar, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca, que “recorre-se a eles [aos valores] para motivar o ouvinte a fazer certas escolhas em vez de outras e, sobretudo, para justificar estas, de modo que se tornem aceitáveis e aprovadas por outrem” (Perelman; Tyteca, 2014, p. 84-85). Geralmente, o senso comum reconhece que o que é útil é mais importante do que o que não é. Ensinar o pan-helenismo, que tem como um de seus pontos principais o fato de ser útil para a sociedade, faria com que Isócrates fosse visto como inteligente.

Depois de criticar outros autores e afirmar que é fácil tratar de assuntos insignificantes, Isócrates afirma a necessidade de inteligência para descobrir novidades sobre os assuntos de que todos falam. Em suas palavras: "Não é característico da mesma inteligência falar dignamente sobre ambos os tipos de assuntos. (...) É raro descobrir algo que ninguém tenha dito antes sobre assuntos bem conhecidos “(Isócrates, Helena 13; 2000, p. 35; sem itálicos no original)10 10 Em inglês: “It is not characteristic of the same intelligence to speak worthily about both kinds of subjects. (…) It is rare to discover something that no one has said before about well-known subjects (…).” . Novamente, o retórico faz uso de um valor compartilhado em seu argumento. Nesse caso, ele adota a ideia de que o que é raro é o mais importante. Ao criar uma nova versão da história de Helena usando recursos discursivos diferentes daqueles que já haviam escrito sobre ela, como Górgias, Isócrates tenta mostrar o quão inteligente ele é.

A última imagem que destacaremos e que poderia contribuir para a credibilidade de Isócrates é o ethos da certeza. Nesse sentido, a noção de modalidade é especialmente importante para os estudos pragmáticos. Em geral, ela pode ser entendida como “a atribuição de modalidades a um enunciado, por meio da qual um enunciador expressa uma atitude em relação ao seu interlocutor e ao conteúdo de seu enunciado” (Johansson; Suomela-Salmi, 2011JOHANSSON, Marjut; SUOMELA-SALMI, Eija. Énonciation: French Pragmatic Approach(es). In: ZIENKOWSKI, Jan., OSTMAN, Jan-Ola., VERSCHUEREN, Jef. (org.). Discursive Pragmatics. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2011. p. 71-102., p. 96)11 11 Em inglês: “(...) the attribution of modalities to an utterance, by which an enunciator expresses an attitude towards his interlocutor and towards the contents of his utterance.” . Essa atitude é marcada no discurso por meio de tempos verbais, juízos apreciativos, expressões, afirmações, interrogações, injunções, advérbios, entre muitas outras marcas linguísticas. Nesse sentido, Koch (2002KOCH, Ingedore Villaça. Argumentação e linguagem. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2002., p. 86) define o que ela chamou de modalidade de conhecimento e certeza como “o grau máximo de engajamento do locutor e a intenção de impor ao alocutário os seus argumentos, apresentando-os como incontestáveis”. Exemplos dessa modalidade serão mostrados a seguir.

Em primeiro lugar, destacamos a presença frequente de perguntas retóricas como “Que pessoa inteligente tentaria elogiar o infortúnio?” (Isócrates, 2000, p.34)12 12 Em inglês: “What intelligent person would try to praise misfortune?.” e também “como não elogiá-la, honrá-la e acreditar que ela se sobressaiu a todos os que já viveram?” (Isócrates, 2000, p. 41)13 13 Em inglês: “how can we not praise her, honor her, and believe her to have excelled over all who have ever lived?” . Esse é o tipo de pergunta em que não se esperam respostas nem do interlocutor nem do orador, pois, de fato, é uma interrogação que não questiona. Pelo contrário, as interrogações são feitas apenas para que o falante se afirme como detentor dessas respostas. Assim, elas podem causar o efeito de que o locutor tem conhecimento.

Outro recurso encontrado no texto de Isócrates que pode contribuir para seu ethos de certeza é o uso frequente de certos advérbios, como em “Certamente os deuses não encarregaram uma pessoa comum de determinar uma questão sobre a qual se encontravam em grande disputa. Eles claramente escolheram o melhor juiz”. (Isócrates, Helena 46; 2000, p. 42; sem itálicos no original)14 14 Em inglês: “Surely the gods did not put an ordinary person in charge of determining a matter over which they found themselves in such great dispute. They clearly picked the best judge.” , "Eles claramente se refugiam lá por causa de sua fraqueza”. (Isócrates, Helena 10; 2000, p. 34; sem itálicos no original15 15 Em inglês: “They clearly take refuge there because of their weakness.” ; “Seu argumento não é extraído das mesmas formas (ideai) nem trata do mesmo assunto que um encômio. É totalmente o oposto” (Isócrates, Helena 15; 2000, p. 35; sem itálicos no original)16 16 Em inglês: “His argument is not drawn from the same forms (ideai) nor is it about the same subject matter as an encomium. It is entirely the opposite.” . Ao escolher essas palavras, Isócrates procura provocar no interlocutor a convicção de que ele tem certeza sobre o que está dizendo, ou seja, não há dúvida.

Vimos algumas estratégias que Isócrates usa para tentar criar imagens positivas de si mesmo e, possivelmente, conseguir credibilidade. Ressaltamos que o retórico tenta se distanciar daqueles aos quais ele desvaloriza e acredita serem desvalorizados pelos outros também, criando, ainda que indiretamente, imagens positivas de si. Isócrates tenta mudar seu ethos prévio, construindo ethé de verdadeiro, inteligente, detentor de conhecimento político e preocupado com o que é útil para a sociedade. Tudo isso foi feito para que ele tivesse credibilidade, ou seja, para ser ouvido e levado a sério.

Estratégias de credibilidade geralmente estão espalhadas por todo o texto. No Elogio de Helena, entretanto, é interessante notar que elas estão concentradas nas três primeiras páginas do texto de Isócrates. Somente depois disso, ele realmente começa a elogiar Helena. A aparente falta de conexão entre esse início e o restante do texto pode ser explicada dessa forma: possivelmente, Isócrates sabia da necessidade de mudar seu ethos prévio, ou pelo menos tentar, para que o leitor continuasse lendo. Depois de imaginar que sua credibilidade estava de alguma forma garantida, ele começa o elogio. Afirmamos de antemão que, sob o pretexto de elogiar Helena, Isócrates pretende, na verdade, defender sua posição política.

2.2 Elogiando Helena

Para analisar quais estratégias argumentativas foram mobilizadas para elogiar Helena, separamos o Elogio de Helena em cinco argumentos, que chamamos de: argumento sobre Zeus; argumento sobre Teseu; argumento sobre os reis; argumento sobre Alexandre e, finalmente, argumento sobre Helena. Seguindo a ordem temática do texto, começamos com o argumento sobre Zeus.

Texto 3

“Farei do início de sua família o início de meu discurso. Dos muitos semideuses gerados por Zeus, ele se orgulhava de ser chamado de pai dessa mulher sozinho. Embora tenha se interessado especialmente pelo filho de Alcmene (Héracles) e pelos filhos de Leda (Castor e Pollux), ele honrou Helena muito mais do que Héracles que, embora tenha lhe dado força, que pode vencer os outros pela força, ele a dotou de beleza, que naturalmente domina até mesmo o próprio poder. Como ele sabia que a distinção e o brilho não surgem da paz, mas de guerras e lutas, e queria não apenas elevá-los fisicamente ao nível dos deuses, mas também dar-lhes renome eterno, ele tornou a vida de Héracles onerosa e perigosa, mas deu a ela uma natureza que era admirada e disputada” (Isócrates, Helena 16-17; 2000, p. 36; sem itálicos no original)17 17 Em inglês: “I shall make the beginning of her family the beginning of my speech. Of the many demigods sired by Zeus, he was proud to be called father of this woman alone. Although he had taken special interest in the son of Alcmene (Heracles) and the sons of Leda (Castor and Pollux), he honored Helen so much more than Heracles that although he gave him strength, which can overcome others by force, he endowed her with beauty, which naturally rules even might itself. Since he knew that distinction and brilliance arise not from peace but from wars and struggles, and wanted not only to raise them physically to the level of the gods but to give them everlasting renown, He made Heracles’ life onerous and dangerous, but he gave her a nature that was admired and fought over.” .

Nessa passagem, Isócrates faz uso do argumento de autoridade. De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca, esse argumento “utiliza atos ou juízos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova a favor de uma tese” (Perelman; Tyteca, 2014, p. 348). No texto, Isócrates retoma a figura mítica de Zeus, reconhecido pelo senso comum como o pai dos deuses. Dessa forma, se ele valorizava Helena, é porque, de fato, ela deveria ser valorizada e elogiada. É notável o fato de que se trata possivelmente de uma autoridade máxima, um Deus, pois enquanto os humanos são propensos a erros, os deuses não são. Primeiramente, a importância de Helena para Zeus é destacada, no orgulho desse Deus em ser seu único pai e também na ideia de que Zeus teria honrado Helena “muito mais do que Héracles”, que, por si só, já era valorizado como o herói grego. Isócrates mostra que Zeus teria dado mais valor a Helena do que a Héracles, criando uma hierarquia de valores entre beleza e força. Embora não saibamos se essa hierarquia foi, de fato, criada por Zeus, o retórico grego, usando o argumento de autoridade e dizendo que “ele sabia”, dá a impressão de que foi. Desta forma, Isócrates cria imagens de Helena como a mulher bela e admirável.

Passando para o segundo argumento, analisaremos o argumento sobre Teseu. Embora Isócrates mencione que Teseu queria “intimidade” com Helena, mesmo que ela não estivesse “ainda em seu auge” e que “ele a tomou à força”, o retórico parece disposto a deixar isso de lado, pois Teseu teria muitas outras qualidades. O que Isócrates vai fazer é tentar mudar o ethos prévio de Teseu, que o fez ser conhecido como sequestrador e assediador sexual de Helena, e construir um ethos mais positivo para ele. Para isso, Isócrates usará o argumento por associação, o que é evidenciado pelo próprio retórico quando ele afirma: “Acho que a base mais forte para o argumento (pistis) será se pudermos demonstrar que aqueles que a amavam e admiravam [Helena] eram eles mesmos mais admiráveis do que os demais” (Isócrates, Helena 22; 2000, p. 37)18 18 Em inglês: “I think that the strongest basis for argument (pistis) will be if we can demonstrate that those who loved and admired her [Helen] were themselves more admirable than the rest.” . Voltando à teoria de Perelman, ao explicar sobre as ligações de coexistência, ele esclarece:

a ligação de coexistência é simbolizada pela relação entre acto e essência, o protótipo de uma tal ligação é a relação que existe entre uma pessoa e as suas manifestações. Tudo o que se afirma de uma pessoa justifica-se pela maneira como esta se manifesta (Perelman, 1999PERELMAN, Chaim. O império retórico. Tradução de Fernando Trindade e Rui Alexandre Grácio. 2. ed. Lisboa: ASA Editores, 1999., p. 105).

Assim, os atos positivos anteriores se tornam um tipo de capital que é incorporado a Teseu para construir uma boa reputação para ele. Nesse sentido, Isócrates quer que o leitor conclua que, se Teseu era admirável e se ele admirava Helena, é porque, de fato, ela era admirável.

Para isso, primeiro, Isócrates vai comparar Teseu a Héracles. Para este fim, o retórico, mais uma vez, cria uma hierarquia de valores e, embora Héracles tenha sido homenageado por feitos mais renomados e maiores, Teseu foi ainda mais prestigiado porque seus feitos eram mais úteis e beneficiariam a todos, e não apenas a ele próprio. Desse modo, Isócrates faz uso da ideia comum de que o que é para o bem coletivo vale mais do que o que beneficia apenas uma pessoa. Para ilustrar essa ideia, ele narra extensivamente vários dos grandes riscos que Teseu enfrentou para o bem comum. De acordo com Perelman, a ilustração é usada “para lhe dar uma certa presença na consciência” (Perelman, 1999PERELMAN, Chaim. O império retórico. Tradução de Fernando Trindade e Rui Alexandre Grácio. 2. ed. Lisboa: ASA Editores, 1999., p. 121). Nesse sentido, Isócrates conta que Teseu derrotou “sozinho” o touro enviado por Poseidon, demonstrando sua coragem; que ele foi um herói, pois “libertou os habitantes da cidade de medo e angústia” e “pôs fim à violência deles”, referindo-se aqui à luta “contra os centauros de duas naturezas”.

Não vamos destacar todas as conquistas de Teseu apresentadas por Isócrates para que ele seja classificado como o “benfeitor da Grécia tanto quanto de sua terra natal”, embora o retórico tenha passado quase três páginas tentando construir esse ethos positivo para Teseu e tentando apagar seu ethos prévio negativo, por sua tentativa de estuprar Helena. No entanto, vamos destacar uma dessas “grandes conquistas” uma vez que ela apela para as emoções como um recurso persuasivo.

Texto 4

“Mais ou menos na mesma época, o monstro foi criado em Creta, nascido de Pasiphaë, a filha do Sol (Hélios); por ordem do oráculo, a cidade estava lhe enviando duas vezes sete jovens como tributo. Quando Teseu os viu sendo levados, escoltados por toda a população, para uma morte sem lei - mas uma morte prevista, de modo que o luto foi feito enquanto ainda viviam -, ele ficou tão perturbado que pensou que seria melhor morrer do que viver e governar uma cidade que foi obrigada a pagar um tributo tão triste a seus inimigos. Ele começou a velejar e conquistar a natureza que unia o ser humano ao touro, tendo assim a força necessária para essa combinação física. Ele devolveu os jovens em segurança a seus pais e libertou a cidade de uma injunção tão iníqua, terrível e inevitável” (Isócrates, Helena 27-28; 2000, p. 38; sem itálicos no original)19 19 Em inglês: “At about the same time, the monster was reared in Crete, Born of Pasiphae¨ the daughter of the Sun (Helios); by the oracle’s command the city was sending it twice seven youths as tribute. When Theseus saw them being led off, escorted by the entire populace to a lawless death—yet one foreseen, so that they were mourned while still living— he was so upset that he thought it would be better to die than to live and rule a city that was compelled to pay such a sorrowful tribute to its enemies. He joined the sailing and conquered a nature that combined man and bull and had the strength to fit such a physical combination. He returned the youths safely to their parents and liberated the city from so lawless, terrible, and inescapable an injunction”. .

Embora não esteja claro qual emoção Teseu sentiu, já que Isócrates menciona apenas que ele estava “chateado”, a descrição da situação e as palavras patêmicas que o retórico usa podem nos ajudar a (re)construir uma emoção e a entender o motivo dessa emoção. Possivelmente a intenção de Isócrates é fazer com que o leitor do texto sinta as mesmas emoções que Teseu sentiu. Esse efeito patético levaria o leitor a perceber a importância de Teseu e a razão de sua valorização como herói e “benfeitor dos gregos”. Argumentaremos que Isócrates tenta fazer com que o leitor sinta piedade, o que, de acordo com Aristóteles, é:

Vamos admitir que a piedade consiste numa certa pena causada pela aparição de um mal destruidor e aflitivo, afectando quem não merece ser afectado, podendo também fazer-nos sofrer a nós próprios, ou a algum dos nossos, principalmente quando esse mal nos ameaça de perto (Aristóteles, Ret. II 8, 1385b; 2005ARISTÓTELES. Retórica. Obras completas. Prefácio e introdução de Manuel Alexandre Júnior. Tradução e notas de Manuel Alexandre Júnior, Paulo Farmhouse Alberto e Abel do Nascimento Pena. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. Lisboa, 2005., p. 184).

Para criar as razões para a piedade, Isócrates lembra o topos, entendido aqui como um argumento pronto, da juventude, ou seja, daqueles que têm toda a vida pela frente e que não merecem ser mortos em um tributo. Portanto, pode-se sentir pena do sofrimento experimentado por aqueles que não o mereciam. Além desse elemento dóxico, o léxico utilizado contribui para acentuar a emoção, como “morte sem lei”; “tributo tão triste”; “injunção tão iníqua, terrível e inevitável”. O leitor é levado a se imaginar nessa situação, como um conhecido desses jovens. Nesse contexto, Teseu se torna o herói, honesto e corajoso que pensa que “seria melhor morrer do que viver e governar uma cidade que era obrigada a pagar um tributo tão triste a seus inimigos”.

A essas imagens (ethé) de valente, herói, honesto e “benfeitor dos gregos”, Isócrates acrescenta o ethos daquele que tem “conhecimento militar” e que é um bom governante da cidade. Essa ideia aparece quando Isócrates destaca o mérito de Teseu por governar tiranicamente e, assim, consolidar as aldeias da Ática, tornando Atenas “tão grande que, desde aquela época até hoje, é a maior da Grécia” (Isócrates, Helena 34-35; 2000, p. 40)20 20 Em inglês: “so great that from that time to this it is the greatest in Greece”. . Para concluir seu argumento sobre Teseu, o retórico afirma que não é possível encontrar “uma testemunha mais confiável” e “um juiz mais competente”. Portanto, pela lógica de Isócrates, se Teseu valorizava Helena, todos deveriam valorizá-la.

É importante observar que o conceito de utilidade e interesses coletivos, juntamente com as imagens positivas criadas para Teseu, serve para fortalecer a ideologia política de Isócrates. Em resumo, como Mirhady, Papillo e Too (2000MIRHADY, David; PAPILLON, Terry; TOO, Yun Lee. Introduction to Isocrates. In: GAGARIN, M. (org.). The Oratory of Classical Greece. Isocrates I. V. 4. Translated by David Mirhady & Yun Lee Too. Austin: University of Texas Press, 2000. p. 1-11.) apontam, Isócrates defendeu o pan-helenismo, que tinha como objetivo promover a unidade entre as cidades-estado gregas contra a ameaça da Pérsia. Isócrates via Atenas como a principal cidade da Grécia e buscava a colaboração de outras cidades. No entanto, essas cidades hesitavam em abrir mão de sua autonomia. Os pesquisadores também contam que, para Isócrates, alguns valores compartilhados separavam os gregos dos não gregos e que as cidades deveriam se unir contra os inimigos, enfatizando a importância da solidariedade e do bem comum. Portanto, o Elogio de Helena por meio da narrativa de Teseu não serve apenas como um tributo a Helena, mas também se alinha ao apoio de Isócrates ao pan-helenismo. O retórico grego desejava ser visto sob uma luz semelhante à de Teseu - como um líder heroico e cheio de princípios capaz de guiar uma cidade. Em essência, Isócrates pretendia transmitir uma imagem de si que espelhasse as virtudes e as qualidades de liderança associadas a Teseu.

Depois de falar extensivamente sobre Teseu, Isócrates começa a narrar alguns eventos que destacam a escolha de um marido para Helena quando ela já havia atingido a idade apropriada para o casamento. Primeiro ele fala sobre os reis e depois sobre Alexandre21 21 É importante notar o fato de que, em algumas versões do mito, o personagem Alexandre é chamado de Paris. , que acabou se tornando o marido de Helena. Sobre os reis, Isócrates foi muito breve, contentando-se em dizer que: “Eles poderiam ter tomado mulheres de primeira classe em suas próprias cidades, mas desprezaram os casamentos em casa e vieram cortejá-la” (Isócrates, Helena 39; 2000, p. 41)22 22 Em inglês: “They could have taken first-rate women in their own cities, but they scorned marriages at home and came to court her”. . O argumento de autoridade é usado novamente para mostrar o valor de Helena. Nesse caso, ele convoca autoridades coletivas, “todos os reis e soberanos”. Novamente, o retórico quer que o leitor transfira o valor dessas autoridades para Helena. Portanto, se os poderosos da época a escolheram, é porque, de fato, ela merecia ser elogiada.

Antes de entrarmos na discussão sobre Alexandre, precisamos lembrar que ele foi o escolhido pelos deuses para julgar o concurso de beleza entre Hera, Atena e Afrodite. Alexandre escolheu a deusa da beleza e do amor, pois ela lhe ofereceu, em troca da vitória, o casamento com Helena. Como demonstraremos, Isócrates quer que o leitor transfira o valor de Alexandre para Helena. Para isso, o retórico tentará criar um ethos positivo para Alexandre, dizendo que ele não era uma “pessoa comum” e que “um mortal que ganhou a honra de se tornar juiz dos deuses deve ser uma pessoa de inteligência extraordinária” (Isócrates, Helena 47; 2000, p. 42)23 23 Em inglês: “a mortal who has won the honor of becoming a judge of gods must be a person of outstanding intelligence.” . Nessa passagem, Isócrates usa a autoridade divina, que, de acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2014PERELMAN, Chaim; TYTECA, Lucie Olbrechts. Tratado da argumentação: A Nova Retórica. Tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. 3. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.), é considerada a maior e indiscutível autoridade. O retórico também faz uso do valor do que é raro, pois, geralmente, o que é raro vale mais. Portanto, o retórico quer construir a imagem de que Alexandre era uma pessoa única, excepcional e inteligente. A partir dessas imagens positivas, é possível que Alexandre também seja visto como uma autoridade para os leitores, e seu valor é novamente transferido para Helena. Se Alexandre, que era valorizado, escolheu se casar com Helena, é porque ela também deveria ser valorizada e elogiada.

Somente em seu último argumento, Isócrates falará diretamente sobre Helena. Até o momento, pudemos ver que todo o seu valor vinha do valor de outros homens. Ainda no final do texto, quando Isócrates elogia Helena por uma característica sua, a beleza, afirmando que “Ela tinha a maior beleza, que é a qualidade mais venerada, mais honrada e mais divina do mundo”, o retórico recorre a autoridades divinas masculinas para validar a importância dessa característica. Para mostrar como a beleza era importante, Isócrates usa argumentos pelo exemplo, dizendo que mesmo Zeus, que era “o mais poderoso de todos”, preferiu se rebaixar para se aproximar dela [da beleza], isto é, “Ele se juntou a Danaë como uma chuva de ouro. Ele se tornou um cisne quando fugiu para o seio de Nêmesis e novamente se assemelhou a um cisne quando se casou com Leda” (Isócrates, Helena 59; 2000, p. 45)24 24 Em inglês: “He joined Danaë as a golden shower. He became a swan when he fled into the bosom of Nemesis and again likened himself to one when He wed Leda”. . Com base nos exemplos, Isócrates quer que os leitores formem generalizações de que a beleza é mais importante do que outras virtudes e que, portanto, Helena é de grande valor e deve ser elogiada. Embora a beleza seja um elemento importante na história de Helena, vamos nos concentrar nela na próxima seção, quando abordaremos os imaginários sociodiscursivos.

Até este momento, vimos que Helena foi elogiada pela autoridade de outros homens. Certamente, em uma sociedade de supremacia masculina, ou o que hoje chamaríamos de patriarcal, Isócrates escolheu os argumentos que teriam mais força diante de seus leitores. Se o retórico tivesse construído seu texto com a autoridade das mulheres, provavelmente nem seria ouvido, pois essas autoridades não seriam reconhecidas como tais. Somente o valor dos homens poderia justificar o valor de Helena. Por si mesma, ela não tem valor. Seu valor surge através dos olhos dos homens.

Por fim, devemos perceber que, ao usar essas autoridades masculinas, Isócrates queria transformar o ethos prévio de Helena. Tradicionalmente, Helena sempre foi vista de forma negativa, como a causa de uma guerra que dizimou a população grega. Até a atualidade, Helena é comparada a outras mulheres fatais, como Eva, que fez com que os homens caíssem do Paraíso, Pandora, que espalhou todo o mal, e Medéia, a infanticida. Para defender o pan-helenismo, Isócrates criou um ethos mais positivo para Helena. Assim, em vez de ser a mulher fatal, ela deveria ser vista como aquela que uniu os homens em busca de um bem social comum. A própria guerra é reformulada no texto do retórico. Isócrates não menciona as grandes perdas, mas destaca os benefícios da Guerra de Tróia. Como ele nos esclarece, “Helena é a razão de não sermos escravizados pelos estrangeiros”25 25 Em inglês: “Helen is the reason we are not enslaved to the foreigners.” , e “os gregos formaram uma mente comum e criaram uma força militar compartilhada contra os estrangeiros por causa dela” (Isócrates, 2000, p. 47)26 26 Em inglês: “the Greeks formed a common mind and created a shared millitary force against the foreigners because of her.” . Além disso, ele ainda destaca o progresso alcançado com a guerra: “tomamos até mesmo grandes cidades e muitas terras dos estrangeiros”. (Isócrates, 2000, p. 48)27 27 Em inglês: “we took even great cities and much land away from the foreigners.” .

2.3 Imaginários sociodiscursivos no Elogio de Helena

A história de Helena permitiu que Isócrates mostrasse a importância do pan-helenismo e suas principais características, talvez a principal delas sendo a utilidade da união dos homens para o bem comum. No entanto, a construção discursiva de autoridades masculinas para enaltecer Helena e, consequentemente, a defesa de seu projeto político também nos fala sobre a sociedade da Grécia antiga, uma sociedade patriarcal. Mesmo que não fosse a intenção do retórico legitimar a soberania masculina, defendemos a ideia de que seu discurso tem o potencial de fazê-lo, pois, como dissemos, todo discurso tem uma dimensão argumentativa (Amossy, 2018AMOSSY, Ruth. A Argumentação no discurso. Coordenação da tradução: Eduardo Lopes Piris e Moisés Olímpio-Ferreira; Tradução de Angela M. S. Corrêa et.al. São Paulo: Contexto, 2018.). Para continuar nossa análise, nessa seção, trataremos do que Charaudeau veio a chamar de imaginários sociodiscursivos, mas primeiro explicaremos brevemente o conceito da teoria semiolinguística.

Antes de falar propriamente sobre o conceito de imaginários sociodiscursivos, devemos observar a existência de muitos termos que abrangem o mesmo campo semântico. Lembramos de “clichês”, “estereótipos”, “lugares comuns”, “preconceitos” etc. Corroboramos a ideia de Charaudeau de que não é fácil estabelecer diferenças precisas entre eles, pois eles “dizem respeito àquilo que é dito de maneira repetitiva e que, de tal forma, termina por se sedimentar (recorrência e imutabilidade), e descreve uma caracterização julgada simplificadora e generalizante (simplificação)” (Charaudeau, 2017, p. 572). Em sua teoria da argumentação no discurso, Amossy (2018AMOSSY, Ruth. A Argumentação no discurso. Coordenação da tradução: Eduardo Lopes Piris e Moisés Olímpio-Ferreira; Tradução de Angela M. S. Corrêa et.al. São Paulo: Contexto, 2018.) prefere falar de “elementos dóxicos”, como “interdiscurso”, “topoi”, “ideias recebidas”, “estereótipos” etc., para se referir a elementos que têm algo de dóxico, ou seja, algo que é comum e compartilhado socialmente. Como vamos nos basear em um conceito proposto por Charaudeau, vamos nos ater à nomenclatura escolhida por ele.

O semiolinguista critica mais detalhadamente a noção de estereótipo, afirmando que há ambiguidades nela, afinal, se, por um lado o estereótipo teria a função de estabelecer um vínculo social, por outro, ele é rejeitado por distorcer ou mascarar a realidade. Devido a essa ambiguidade, que também estaria presente nos outros termos, Charaudeau propõe seu conceito de imaginários sociodiscursivos. Influenciado principalmente pelas noções de “representação coletiva” de Durkheim, “representações sociais”, de Moscovici, e “imaginários sociais”, de Castoriades, Charaudeau propõe os imaginários sociodiscursivos como:

uma forma de apreensão do mundo que nasce na mecânica das representações sociais, a qual, conforme dito, constrói a significação sobre os objetos do mundo, os fenômenos que se produzem, os seres humanos e seus comportamentos, transformando a realidade em real significante (Charaudeau, 2017CHARAUDEAU, Patrick. Os estereótipos, muito bem. Os imaginários, ainda melhor. Traduzido por André Luiz Silva e Rafael Magalhães Angrisano. Entrepalavras, Fortaleza, v. 7, p. 571-591, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.entrepalavras.ufc.br/revista/index.php/Revista/article/view/857/433. Acesso em: 13 março 2024.
http://www.entrepalavras.ufc.br/revista/...
, p. 578).

Segundo o autor, os imaginários são mecanismos de construção da realidade que nos permitem compreender o mundo. São, portanto, sociais, uma vez que a simbolização representacional do mundo ocorre em domínios da prática social, como o artístico, o político, o judicial, o religioso, o educacional, entre outros. Assim, eles servem como um elo social com a ajuda de instituições. Além disso, os imaginários são discursivos, pois “são engendrados pelos discursos que circulam nos grupos sociais, se organizando em sistemas de pensamento coerentes, criadores de valores, desempenhando o papel de justificação da ação social e se depositando na memória coletiva” (Charaudeau, 2017CHARAUDEAU, Patrick. Os estereótipos, muito bem. Os imaginários, ainda melhor. Traduzido por André Luiz Silva e Rafael Magalhães Angrisano. Entrepalavras, Fortaleza, v. 7, p. 571-591, jan./jun. 2017. Disponível em: http://www.entrepalavras.ufc.br/revista/index.php/Revista/article/view/857/433. Acesso em: 13 março 2024.
http://www.entrepalavras.ufc.br/revista/...
, p. 579). Vale a pena esclarecer que, em relação aos imaginários, não há certo ou errado, pois eles podem receber diferentes visões em domínios sociais e épocas distintas.

2.4 Imaginários sociodiscursivos no Elogio de Helena: questões de gênero na Grécia Antiga

Levando em conta o conceito de imaginários sociodiscursivos de Charaudeau, poderemos entender melhor a sociedade da Grécia Antiga. Assim, veremos que a feminilidade, em geral, está ligada à beleza, que é seu maior valor, enquanto a masculinidade é representada pela dominação e pela força. São valores que o texto de Isócrates pode reforçar ou construir a partir de sua dimensão argumentativa.

Blondell (2013BLONDELL, Ruby. Helen of Troy: Beauty, Myth, Devastation. Oxford: Oxford University Press, 2013.) nos conta que definir a beleza era quase uma obsessão na Grécia Antiga. No entanto, se, para as mulheres, ela estava ligada ao físico, indicando a puberdade e o momento certo para o casamento, para os homens, a beleza estava relacionada à força física e representava o momento adequado para enfrentar os campos de batalha. Nas palavras da autora, “[a] beleza da feminilidade aperfeiçoada é, por outro lado, interpretada como intrinsecamente erótica e inextricavelmente ligada ao domínio do sexo e da reprodução” (Blondell, 2013, p. 2)28 28 Em inglês: “The beauty of perfected femininity is, by contrast, construed as intrinsically erotic, and inextricably tied to the domain of sex and reproduction.” .

Certamente, a beleza feminina e a força masculina são os principais temas que sustentam a história de Helena e o texto de Isócrates. Em inúmeros momentos, a beleza de Helena é destacada. No início do texto, Isócrates menciona que Teseu “ficou tão impressionado com a beleza dela” e, em seguida, ao falar sobre os deuses, Isócrates explica que “ela tinha a maior beleza, que é a qualidade mais venerada, mais honrada e mais divina do mundo”.

O que notamos de diferente na história de Isócrates, quando comparada às versões mais tradicionais do mito, é que ela elimina a ideia comum de que a beleza física de Helena teria sido a fonte do mal que provocou a guerra. Tradicionalmente, a beleza feminina tem demonstrado ter o poder de causar conflitos, como no próprio concurso de beleza retratado no mito. Embora o retórico tente mudar o imaginário da beleza fatal, ele mantém a representação de que uma mulher deve ser bela para ser valorizada e também que, com a beleza, ela obteria muitas vantagens, como Helena, que conquistou muitos pretendentes.

Além do imaginário da beleza feminina, veremos que, com a retomada do mito de Helena, dos heróis e das guerras, sejam elas civis ou amorosas, surgirão outras representações ligadas ao masculino e ao feminino. E, embora a história da Guerra de Tróia tenha sido escrita por volta do século VIII a.C., as civilizações antigas permaneceram em constante guerra até aproximadamente o primeiro milênio a.C., de modo que as representações de guerra ainda tinham significado para os gregos do período de Isócrates.

Como nos conta Van Nortwick (2008), os gregos antigos tinham muita curiosidade sobre as diferenças entre homens e mulheres, e isso ficou evidente nos escritos de muitos oradores. Além da força superior masculina, a autora afirma que as diferenças mais marcantes e reproduzidas, inclusive em textos de Aristóteles e Hipócrates, seriam a natureza úmida das mulheres em oposição à secura dos homens. Vale lembrar, retomando Bourdieu (2002BOURDIEU, Pierre. La domination masculine. Paris: Éditions du Seuil, 2002.), que as diferenças físicas biológicas entre os gêneros podem ser vistas como justificativas “naturais” para a diferença social de gênero, dando a impressão de naturalidade ao que na verdade é uma escolha imposta, ou seja, arbitrária. Esse tipo de pensamento foi então racionalizado de várias maneiras:

a guerra exige força física, e os homens são naturalmente mais fortes do que as mulheres; por serem naturalmente mais secos do que as mulheres, os homens são simplesmente mais saudáveis em geral e, portanto, mais confiáveis em combate; os soldados devem depender uns dos outros quando arriscam suas vidas para defender suas comunidades, e as mulheres são, por natureza, mais propensas a mentir e a ter um comportamento não confiável; a disciplina é necessária para o bom funcionamento do exército, e as mulheres são mais reprovadoras e combativas do que os homens (Van Nortwick, 2008VAN NORTWICK, Thomas. Imagining Men: Ideals of Masculinity in Ancient Greek Culture. Westport: Praeger, 2008., p. 74-75)29 29 Em inglês: “war requires physical strength, and men are naturally stronger than women; because they are naturally drier than women, men are simply healthier in general, and thus more reliable in combat; soldiers must depend on each other when they risk their lives to defend their communities, and women are by nature more prone to lying and untrustworthy behavior; discipline is necessary for a smoothly functioning army, and women are more reproachful and combative than men”. .

O Elogio de Helena não envolve apenas o tema da guerra, mas destaca, por exemplo, a força física de Héracles e, também, os desafios e perigos que ele enfrentou; a coragem de Teseu ao raptar Helena; o heroísmo de Teseu e Héracles ao enfrentar o perigo; a aparência física de Teseu ao “conquistar uma natureza que combinava homem e touro” etc. As guerras eram, portanto, um lugar para expressar a masculinidade e todos os seus elementos, força física, coragem e dominação. A guerra dá ao vencedor honra e status, como vimos com Teseu e Héracles, mas também dá posses/territórios. No caso da Guerra de Troia, o maior prêmio era o casamento com a mulher considerada a mais bela, Helena. É nesse sentido que podemos dizer que a história de Helena recuperada por Isócrates também evidencia o que chamamos aqui de “guerra de amor” e traz à tona o imaginário de que os homens são donos das mulheres.

De acordo com Abrantes (2011ABRANTES, Elizabeth. Sousa. Dote e casamento na Grécia Antiga. In: ZIERER, Adriana; VIEIRA, Ana Lívia Bomfim; FEITOSA, Márcia Manir (org.). História antiga e medieval. Simbologias, influências e continuidades: cultura e poder. São Luís: Editora UEMA, 2011. p. 225-237.), na Grécia Antiga, a tradição casamenteira se baseava no cumprimento de dois requisitos. O primeiro dizia respeito à entrega de presentes dos pretendentes ao pai da possível noiva e o outro era uma procissão em direção à casa do marido, que simbolizava a entrega da mulher a ele. Em geral, esses presentes eram animais, roupas, joias e tinham a função de mostrar ao pai da noiva que o pretendente era capaz de cuidar de sua futura esposa. O casamento tinha interesses puramente financeiros, enquanto o pai da noiva recebia um pagamento pela filha, o marido ficava com a mulher, que deveria garantir seu crescimento econômico dando-lhe filhos, que perpetuariam o nome da família.

A mulher era, então, apenas a moeda de uma troca que ocorria entre os homens, o que fica claro em alguns momentos do texto. Quando Isócrates relata a intenção de Teseu de raptar Helena, o autor justifica dizendo “Já que não podia obtê-la de seus pais”, em que a palavra “obter” objetifica a personagem e traz a ideia de posse, já que se tem posse de objetos, não de pessoas. A mesma ideia vem do uso da palavra “depositado” em “Apoderou-se dela à força e deixou-a em Aphidna, na Ática”, quando Teseu já havia raptado Helena. Helena é tratada como um objeto, passiva, sem vontade própria, o que ainda é evidente em "antes de ser decidido quem se casaria com ela”, em que é usada a voz passiva. A objetificação financeira da mulher também explicaria a decisão de Alexandre no concurso de beleza, que, ao se tornar genro de Zeus, alcançaria uma posição nobre e daria a seus filhos um grande futuro.

Ainda sobre o casamento na Grécia Antiga, Abrantes (2011ABRANTES, Elizabeth. Sousa. Dote e casamento na Grécia Antiga. In: ZIERER, Adriana; VIEIRA, Ana Lívia Bomfim; FEITOSA, Márcia Manir (org.). História antiga e medieval. Simbologias, influências e continuidades: cultura e poder. São Luís: Editora UEMA, 2011. p. 225-237., p. 227) explica que, antes da cerimônia, “um contrato verbal entre aquele que havia prometido a mulher em casamento, geralmente seu pai, e o noivo” e que, na ausência do pai da noiva, um parente próximo do sexo masculino deveria fazê-lo, pois a mulher era considerada legalmente incapaz. As mulheres, portanto, não eram apenas objetos passivos, mas estavam sob o domínio masculino. O casamento não era o único setor em que as mulheres estavam sob o controle dos homens, ou seja, elas também tinham de ser submissas a eles nas esferas política, social e jurídica. Na sociedade ateniense, as mulheres “eram consideradas psicologicamente não autônomas, não livres e incapazes de controlarem a si próprias”. A descrição dos homens, por outro lado, “era centradas em torno das noções de auto-controle, racionalidade e de capacidade para não dar meios à emoção” (Lessa, 2011LESSA, Fabio Souza. Gênero, sexualidade e o discurso da submissão feminina na Atenas clássica. In: ZIERER, Adriana; VIEIRA, Ana Lívia Bomfim; FEITOSA, Márcia Manir (org.). História antiga e medieval. Simbologias, influências e continuidades: cultura e poder. São Luís: Editora UEMA, 2011. p. 255-268., p. 260).

Lessa (2011LESSA, Fabio Souza. Gênero, sexualidade e o discurso da submissão feminina na Atenas clássica. In: ZIERER, Adriana; VIEIRA, Ana Lívia Bomfim; FEITOSA, Márcia Manir (org.). História antiga e medieval. Simbologias, influências e continuidades: cultura e poder. São Luís: Editora UEMA, 2011. p. 255-268.) explica ainda que as mulheres eram responsáveis apenas por obedecer às normas de comportamento criadas pelos homens para seu próprio benefício. Em relação à educação das mulheres, a pesquisadora afirma que se tratava de uma educação informal, ou seja, que elas aprendiam a tecer e a fiar por meio do convívio com suas mães ou preceptoras, e que raramente aprendiam a ler e a escrever. É importante ressaltar que “através da educação era imposto às esposas o modelo convencional feminino caracterizado pela submissão, pelo silêncio e pela reclusão” (Lessa, 2011, p. 261). Na segunda seção deste trabalho, tivemos a oportunidade de verificar que o valor de Helena foi construído a partir da autoridade masculina, sendo este mais um exemplo do poder dos homens, somente eles têm o poder de lhes atribuir valor, somente eles controlam o que é valorizado e o que não é e, ainda, somente eles têm o poder da palavra. Da mesma forma, a mulher permanece em silêncio com relação ao casamento, incapaz de dizer se quer ou não se casar, como no caso de Helena.

Apesar dos quase vinte séculos que se passaram entre o texto de Isócrates e a sociedade atual, não seria difícil provar como a masculinidade e a feminilidade ainda são sustentadas por imaginários como os que destacamos. Como pudemos ver, os imaginários sociodiscursivos são representações sociais materializadas em discursos, que são repetidas pelas instâncias de poder e, portanto, permanecem gravadas em nossa memória.

Conclusão

Desde a retórica antiga, sabemos que, para persuadir um público, o orador deve partir de elementos que já são aceitos pelo interlocutor. É necessário, então, buscar pontos de contato. Em nossa análise, Isócrates faz isso o tempo todo. Primeiro, observamos as estratégias discursivas usadas para construir imagens que pudessem lhe dar credibilidade e fazer com que ele fosse levado a sério. Vimos que ele tenta construir imagens positivas de si mesmo, levando em conta o que ele achava que seria valorizado por seu público. Ao mesmo tempo, ele tentou se afastar do que seria desvalorizado, nesse caso, os sofistas, suas ideias e seus seguidores. Assim, ele estaria tentando mudar seu ethos prévio para construir uma imagem melhor para si.

Em seguida, vimos a autoridade masculina sendo usada para elogiar Helena, em uma tentativa de mudar seu ethos prévio e defender o pan-helenismo. Depois disso, mostramos que Isócrates usou a história de Helena como pano de fundo, pois ela foi construída com base nas representações de homens e mulheres que também eram aceitas quando o Elogio foi escrito. Assim, os homens eram valorizados principalmente por sua força física, enquanto as mulheres ganhavam destaque por sua beleza. Possivelmente, se o retórico tivesse construído uma história que subvertesse os imaginários de masculinidade e feminilidade, sua defesa do pan-helenismo teria tido menos chance de aceitação. Por fim, defendemos a importância da dimensão argumentativa. O discurso epidítico, comumente usado para reforçar valores, acabou reforçando e reproduzindo os imaginários de gênero, mesmo que esse não fosse o objetivo principal de Isócrates.

É possível dizer que os discursos têm muitas camadas. No caso analisado, em uma camada mais superficial, Isócrates afirma que queria elogiar Helena, mas, em um nível um pouco mais profundo, vimos que ele estava tentando defender seu sonho político. Em uma camada ainda mais profunda, a da dimensão argumentativa, descobrimos que ela pode ter influenciado as formas de ver e pensar sobre a masculinidade e a feminilidade. Para conhecer o significado de um texto, é necessário explorar todos eles, desde os mais superficiais ou explícitos até os mais profundos e implícitos, sendo estes últimos o nosso foco principal aqui. A partir de tudo isso, percebemos que o orador nem mesmo tem controle total dos sentidos de seu discurso. Além disso, algumas dessas representações ainda estão presentes no mundo de hoje, evidenciando o poder que os discursos têm de, propositalmente ou não, criar e reforçar o que deve ou não ser valorizado em homens e mulheres. Assim, muitas vezes, o que parece natural é, na verdade, uma escolha imposta arbitrariamente e apresentada de tal forma que as pessoas não percebem a imposição.

Agradecimentos

A autora gostaria de agradecer ao Dr. Christopher Tindale, do Centro de Pesquisa em Raciocínio, Argumentação e Retórica, Universidade de Windsor, Windsor, Ontário, Canadá, por seu apoio durante a elaboração deste trabalho.

REFERÊNCIAS

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  • VAN NORTWICK, Thomas. Imagining Men: Ideals of Masculinity in Ancient Greek Culture. Westport: Praeger, 2008.
  • Declaração de disponibilidade de conteúdo

    Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.
  • Pareceres

    Tendo em vista o compromisso assumido por Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso com a Ciência Aberta, a revista publica somente os pareceres autorizados por todas as partes envolvidas.
  • 1
    Em francês: “ils ne véhiculent aucune intention de persuader et n’entendent pas rallier l’allocutaire à une position clairement définie par des stratégies programmées”.
  • 2
    Em francês: “en orientant des façons de voir et de penser”.
  • 3
    Em francês: “les éléments émotionnels et rationnels sont tissés dans la même trame discursive et s'avèrent, de ce fait, inséparables”.
  • 4
    Em inglês: “It is only by relying on the audience’s opinions, beliefs, and representations that a (virtual) interaction allowing for meaning and efficacy can be built.”
  • 5
    Em inglês: “Broadly speaking, however, all that is considered true, or at least probable, by a majority of people endowed with reason, or by a specific social group, can be called doxic.”
  • 6
    Em inglês: “he resembles the sophists in accepting payment for teaching, in offering instruction in the skills needed for success in public life, and in writing speeches that were models for imitation by others.”
  • 7
    Optamos por traduzir livremente do texto em inglês consultado, uma vez que, por ser um texto antigo escrito em grego, as traduções não só para o português, mas para outros idiomas, apresentam muitas diferenças. Além disso, na análise do discurso levamos em conta o léxico e as estruturas linguísticas, que variam enormemente de uma tradução para outra. Assim, realizamos a tradução mais fiel possível do texto em inglês consultado.
  • 8
    Em inglês: “There are some who think it a great thing if they put forward an odd, paradoxical theme and can discuss it without giving offense. Some people have grown old denying that it is possible to say what is false, to contradict anything, or to compose two opposing speeches about the same subjects, others maintaining that courage, wisdom, and a sense of justice are all the same thing — that we have none of them by nature and that there is a single science (episteme) concerning all of them. Still others spend their time in disputes that provide no benefit but can make trouble for their students. If I saw that this wasted effort in speeches had come about recently and that these people were taking pride in the originality of their discoveries, I would not be so amazed at them. But who is there now who is so behind in learning that he does not know that Protagoras and the sophists of his time left us compositions such as these, as well as some that are even more troublesome? How would anyone top Gorgias, who dared to say that none of the things that are is, or Zeno, who tried to show that the same things are possible and again impossible, or Melissus, who put his hand to discovering demonstrations that the things in nature, which are infinitely many in number, are altogether one?”.
  • 9
    É necessário esclarecer que, nesse caso, a palavra “sofista” foi usada em seu sentido antigo e original, que significa inteligência.
  • 10
    Em inglês: “It is not characteristic of the same intelligence to speak worthily about both kinds of subjects. (…) It is rare to discover something that no one has said before about well-known subjects (…).”
  • 11
    Em inglês: “(...) the attribution of modalities to an utterance, by which an enunciator expresses an attitude towards his interlocutor and towards the contents of his utterance.”
  • 12
    Em inglês: “What intelligent person would try to praise misfortune?.”
  • 13
    Em inglês: “how can we not praise her, honor her, and believe her to have excelled over all who have ever lived?”
  • 14
    Em inglês: “Surely the gods did not put an ordinary person in charge of determining a matter over which they found themselves in such great dispute. They clearly picked the best judge.”
  • 15
    Em inglês: “They clearly take refuge there because of their weakness.”
  • 16
    Em inglês: “His argument is not drawn from the same forms (ideai) nor is it about the same subject matter as an encomium. It is entirely the opposite.”
  • 17
    Em inglês: “I shall make the beginning of her family the beginning of my speech. Of the many demigods sired by Zeus, he was proud to be called father of this woman alone. Although he had taken special interest in the son of Alcmene (Heracles) and the sons of Leda (Castor and Pollux), he honored Helen so much more than Heracles that although he gave him strength, which can overcome others by force, he endowed her with beauty, which naturally rules even might itself. Since he knew that distinction and brilliance arise not from peace but from wars and struggles, and wanted not only to raise them physically to the level of the gods but to give them everlasting renown, He made Heracles’ life onerous and dangerous, but he gave her a nature that was admired and fought over.”
  • 18
    Em inglês: “I think that the strongest basis for argument (pistis) will be if we can demonstrate that those who loved and admired her [Helen] were themselves more admirable than the rest.”
  • 19
    Em inglês: “At about the same time, the monster was reared in Crete, Born of Pasiphae¨ the daughter of the Sun (Helios); by the oracle’s command the city was sending it twice seven youths as tribute. When Theseus saw them being led off, escorted by the entire populace to a lawless death—yet one foreseen, so that they were mourned while still living— he was so upset that he thought it would be better to die than to live and rule a city that was compelled to pay such a sorrowful tribute to its enemies. He joined the sailing and conquered a nature that combined man and bull and had the strength to fit such a physical combination. He returned the youths safely to their parents and liberated the city from so lawless, terrible, and inescapable an injunction”.
  • 20
    Em inglês: “so great that from that time to this it is the greatest in Greece”.
  • 21
    É importante notar o fato de que, em algumas versões do mito, o personagem Alexandre é chamado de Paris.
  • 22
    Em inglês: “They could have taken first-rate women in their own cities, but they scorned marriages at home and came to court her”.
  • 23
    Em inglês: “a mortal who has won the honor of becoming a judge of gods must be a person of outstanding intelligence.
  • 24
    Em inglês: “He joined Danaë as a golden shower. He became a swan when he fled into the bosom of Nemesis and again likened himself to one when He wed Leda”.
  • 25
    Em inglês: “Helen is the reason we are not enslaved to the foreigners.”
  • 26
    Em inglês: “the Greeks formed a common mind and created a shared millitary force against the foreigners because of her.”
  • 27
    Em inglês: “we took even great cities and much land away from the foreigners.”
  • 28
    Em inglês: “The beauty of perfected femininity is, by contrast, construed as intrinsically erotic, and inextricably tied to the domain of sex and reproduction.”
  • 29
    Em inglês: “war requires physical strength, and men are naturally stronger than women; because they are naturally drier than women, men are simply healthier in general, and thus more reliable in combat; soldiers must depend on each other when they risk their lives to defend their communities, and women are by nature more prone to lying and untrustworthy behavior; discipline is necessary for a smoothly functioning army, and women are more reproachful and combative than men”.

Parecer I

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer I

O artigo, muito bem redigido, traz questões interessantíssimas e faz uma sempre necessária ponte entre a retórica antiga e os estudos atuais, notadamente aqueles de Análise do Discurso. A apresentação da teoria de Ruth Amossy está clara, trazendo informações relevantes para todos os interessados no tema. Assim, os comentários a seguir são sugestões para trabalhos futuros.

Ao tratar do ethos, e especialmente porque o artigo busca estabelecer uma conexão com os textos antigos, cremos que Dominique Maingueneau poderia ser também citado com grande proveito. Pensar o ethos como Maingueneau ajudaria a situar e problematizar afirmações como “In this sense, Credibility is not a quality linked to the subject's social identity, it is constructed discursively”. É assim para os sofistas, porque, para o uir bonus peritus dicendi, a premissa para falar bem é ser bom. Se pensamos em legitimação, aquilo que se constroi intradiscursivamente obrigatoriamente se apoia em valores extradiscursivos (atenção a expectativas do público, agenciamento dos valores daquela sociedade etc). O que importa é que o ethos é um procedimento, uma construção deliberada e voluntária, um processo, ou seja, não é algo “natural”, e ele vai além de uma mera identificação, mas implica um mundo ético, do qual o fiador do discurso é parte integrante e ao qual dá acesso.

Importante também lembrar a interpretação de James Crosswhite a partir de Perelman de que o epidítico, longe de ser neutro, é central, uma vez que reforça acordos existentes para garantir as condições da argumentação (persuasão por laços de comunidade). Mas o principal é que o elogio de Isócrates não é exatamente um elogio, mas um encômio paradoxal. A sugestão é que esse aspecto do texto, crucial para sua compreensão, seja levada em consideração em trabalhos futuros.

O texto parece não ter dado grande importância ao fato de o elogio de Isócrates ser uma resposta ao de Górgias; essa competição era típica do universo da sofística, e tem tudo a ver com o epidítico. Interessante também seria pontuar que Isócrates se enveredou por esse caminho. Por quê? Com que intenção? Acreditamos que essas reflexões acrescentariam muito à discussão proposta pelo texto. Sugerimos ainda o recurso ao manual Retórica a Herênio, que, com suas categorias para obter a benevolência para o orador, ou, por outro lado, para garantir que ela não seja concedida ao adversário, nos dá o material necessário para pensar tanto o deliberativo quanto o encômio paradoxal (quando aquilo que pertence às categorias do desprezo, do ódio e da indignação é, porém, exaltado satiricamente).

Alguns comentários bem pontuais:

- No resumo em português, sugerimos o uso de rétor, em vez de retórico;

- A afirmação “escrita por Homero” deve ser relativizada - “atribuída a Homero”, “como diz a tradição” etc.

- Em “Entretanto, se para Plantin a oposição de ideias é o que caracteriza a argumentação, Amossy acredita” etc, falta a referência.

- Em conclusão, trata-se de artigo que se lê com grande prazer, original e interessante, aportando contribuição tanto para os estudos clássicos quanto para a Análise do Discurso. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    11 Jan 2024

Parecer II

Sobre o autor do parecer SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Parecer II

1. Adequação do trabalho ao tema proposto;

O trabalho revela uma total adequação ao tema proposto, sendo o título apropriado.

2. Explicitação do objetivo do trabalho e coerência de seu desenvolvimento no texto; O texto apresenta claramente e com rigor a análise que pretende realizar e o enquadramento teórico de que se servirá para a realizar. Todo o trabalho é desenvolvido em consonância com esses objetivos, num texto com as divisões certas e com um desenvolvimento linear e explícito.

3. Conformidade com a teoria proposta, demonstrando conhecimento atualizado da bibliografia relevante; A leitura que propõe está em conformidade com as bases teóricas invocadas, sendo estas aplicadas de uma forma primorosa.

4. Originalidade da reflexão e contribuição para o campo de conhecimento. Trata-se de uma análise inédita nos termos em que é feita e que certamente traz contributos para a área em que se insere, podendo potenciar análises similares de outros discursos.

5.Clareza, correção e adequação da linguagem a um trabalho científico. Linguagem muito clara, progressão muito apropriada e cumprimento de todos os requisitos de cientificidade. APROVADO

  • recomendação: aceitar

Histórico

  • Parecer recebido em
    23 Fev 2024

Disponibilidade de dados

Os conteúdos subjacentes ao texto da pesquisa estão contidos no manuscrito.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2024

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2023
  • Aceito
    26 Abr 2024
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