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Bakhtiniana adere à Ciência Aberta

EDITORIAL

Bakhtiniana adere à Ciência Aberta / Bakhtiniana Adopts Open Science

Na realidade, um trabalho científico nunca finaliza: onde acaba um, continua outro. A ciência é uma unidade que nunca pode ser finalizada.

Pavel N. Medviédev

Ciência Aberta é ciência com uma face humana1 1 No original: “Open science is science with a human face”. Disponível em: https://narratives.insidehighered.com/four-pillars-of-open-science/index.html. Acesso em: 14 out. 2021. .

Frank Miedema

A Ciência Aberta pleiteia uma transformação considerável essencialmente enriquecedora do tradicional modus operandi de fomentar, projetar, realizar e, particularmente, comunicar pesquisa. O objetivo é privilegiar a natureza colaborativa da pesquisa e democratizar o acesso e uso do conhecimento científico2 2 PACKER, A.L. and SANTOS, S. Ciência aberta e o novo modus operandi de comunicar pesquisa – Parte I [online]. SciELO em Perspectiva, 2019 Disponível em: https://blog.SciELO.org/blog/2019/08/01/ciencia-aberta-e-o-novo-modus-operandi-de-comunicar-pesquisa-parte-i/. Acesso em: 13 out. 2021. .

Abel L. Packer e Solange Santos

Este Editorial3 3 Considerando o grande número de citações da web inseridas no texto, não as repetiremos nas Referências finais, deixando-as apenas nas notas de rodapé. , assim como este número, tem características muito específicas e importantes: ele não apenas apresenta os artigos publicados, mas também marca a efetiva adesão de nosso periódico à Ciência Aberta, novo conceito na produção e divulgação científica que altera aspectos consideráveis do trabalho editorial, tanto do ponto de vista dos autores, como dos leitores, pareceristas e editores.

É fato que o cotidiano das revistas científicas no Brasil, e especialmente daquelas voltadas à divulgação de pesquisas em Linguística e Literatura, tem paulatinamente sofrido mudanças. Há relativamente pouco tempo, nosso objeto de valor absoluto era o livro, assinado por reconhecidos pesquisadores brasileiros e estrangeiros. Os periódicos da área eram poucos, e serviam preferentemente à disseminação nacional de pesquisas de uma determinada instituição4 4 Cf. a nota constante do primeiro número da revista Língua e Literatura (1972): “Esta revista, que inicialmente será anual, divulgará trabalhos de professores dos três Departamentos de Letras da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Está aberta também para colaborações de todos os especialistas na matéria”. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/issue/view/8691. Acesso em: 13 out. 2021. , sem uma preocupação com a internacionalização da pesquisa brasileira.

Retomamos, então, muito brevemente, a história de periódicos brasileiros na área, para contextualizar mais amplamente este momento de adesão à Ciência Aberta por Bakhtiniana, colocando aqui um recorte da experiência de nossa Editora Responsável, Beth Brait. Recentemente, ela evocou sua história pessoal com os periódicos em uma conferência no Fórum de Editores da ANPOLL (Associação Nacional de Professores de Língua e Literatura), intitulada Periódicos qualificados: cotidiano e sobrevivência5 5 Infelizmente, encontramos apenas as chamadas para a palestra na web: https://j.PUC-SP.br/agenda/periodicos-qualificados-cotidiano-e-sobrevivencia; https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSc6Lk90gFOXytVYA5xBB2SmwoXEs4khHCzU_GbxaVGz6t5i3g/closedform. Acesso em: 14 out. 2021. :

A minha fala estará centrada, como o título explicita, no cotidiano editorial dos periódicos, que hoje é bastante trabalhoso, e nas múltiplas dificuldades de manter a qualidade, não exatamente em função dos artigos, mas das exigências (Qualis, indexadores etc.), que entram em franca colisão com a falta de verbas (...).

Para começar a discutir esses dois aspectos de uma mesma realidade, eu vou evocar a minha história com os periódicos, não porque seja uma história excepcional, mas porque, de certa maneira, ela se confunde com a forma da nossa área encarar e produzir revistas.

Comecei, nos anos 90, fazendo parte da Comissão Editorial da revista Língua e Literatura dos Departamentos de Letras da Universidade de São Paulo, impressa, que era composta por mim, Flávio Aguiar, Iná Camargo Costa, Jorge Schwartz e Zenir Campos Reis, que já nos deixou. Essa revista teve seu primeiro número em 1972, que se pode acessar on line6 6 Língua e Literatura. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/linguaeliteratura/issue/view/8691. Acesso em: 13 out. 2021. , contando com grandes nomes da USP, aí incluídos Leyla Perrone Moisés, Bóris Schnaiderman, Antonio Candido.

Depois daí, passei para a Revista da Anpoll7 7 Revista da Anpoll. O primeiro de muitos números. Disponível em: https://revistadaanpoll.emnuvens.com.br/revista/issue/view/14. Acesso em: 13 out. 2021. , (...)

Nos anos 90, quando participei de Língua e Literatura, tratava-se de uma brochura impressa - como corretamente denomina Abel Packer8 8 Coordenador de Projetos da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São Paulo, Diretor do Programa SciELO / FAPESP (Scientific Electronic Library Online), Ex-Diretor da BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde da Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS). Diretor do Programa SciELO / FAPESP (Scientific Electronic Library Online), e os autores mandavam os artigos pelo correio - já e-mail, e a comissão selecionava, avaliava etc. Essa revista, que tinha o apoio da Seção de Publicações da FFLCH/USP, além de distribuída para bibliotecas, muitas vezes em sistema de troca, era vendida e tinha assinaturas.

A seguir, refletindo sobre o trabalho editorial anterior – na revista de papel, que era vendida individualmente ou por assinatura, e no atual – nos periódicos on line, Brait trata das dificuldades no financiamento9 9 Sobre essas questões – financimento/venda/assinaturas de periódicos e as atuais APCs (taxa de processamento de artigos, cobrada por um número cada vez maior de periódicos), é interessante notar a observação encontrada no trabalho de Mendes (2019; grifos nossos): “As editoras de – Faculdades, Academias, Universidades – tiveram menores médias na cobrança de APC (224 dólares para títulos DOAJ e 364 dólares para DOAJ Seal) ou não cobram APC, enquanto as editoras de – Sociedades e Institutos – possuem relação estatística significativa para maiores valores de APC para os DOAJ Seal (média de 1.143 dólares). [...] Contudo, pelo viés da concentração de títulos, tem-se o prisma da hegemonia e do oligopólio de editoras comerciais, como a Springer e a Elsevier, com cobrança de APC”. MENDES, S. O. Periódicos Científicos em acesso aberto: uma análise do povoamento do Directory of Open Access Journals (DOAJ) https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/204556/PCIN0202-T.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 17 out. 2021. dos números, e chega à experiência com Bakhtiniana, afirmando que ela contraria um imaginário corrente de que a revista on line não tem custos:

Mesmo sendo uma revista online, ela custa trabalho intelectual e braçal, como as demais revistas qualificadas, e custa dinheiro. Revisão, formatação, XML. Muitas pessoas estão envolvidas em todas as etapas necessárias para a realização de um periódico, em geral não especializadas em editoração, professores/pesquisadores de universidades que se dispõem ao trabalho.

Beth Brait compara, então, com os livros, que ainda têm um valor muito grande em nossa área. Destaca, contudo, uma das importantes características das revistas: elas são mais rápidas de serem amplamente acessadas. Mas não é apenas isso: se nossos primeiros periódicos se preocupavam, de preferência, com a disseminação nacional de pesquisas de uma determinada instituição, hoje existe a busca da internacionalização da pesquisa brasileira, ressaltando-se sua contribuição ao desenvolvimento científico mundial, aspecto fomentado com a publicação bilíngue português-inglês, por exemplo. Nesse sentido de internacionalização e visibilidade da produção científica, a adesão à Ciência Aberta é muito importante.

No entanto, nesses mesmos excertos, a fala de Beth Brait destaca outra mudança nos periódicos: a necessidade de ter sua qualidade atestada pelos indexadores. Essa questão teve grande impacto na quantidade de indexadores, cujo número se ampliou bastante nos últimos anos, tanto em termos de periódicos como de livros acadêmicos. Se antes, desde 1996/1997, tínhamos basicamente o Qualis atestando a qualidade de livros científicos e revistas, hoje há várias coleções e indexadores on line e, para um periódico, é importante pertencer a boas coleções, como a SciELO, por exemplo, porque é a partir delas que se mede o fator de impacto do periódico e dos artigos, os dados de bibliometria.

Foi justamente o SciELO (Scientific Electronic Library Online) o grande propulsor da entrada de Bakhtiniana para a Ciência Aberta. Constituindo-se como uma biblioteca eletrônica de livre acesso, abrange uma coleção selecionada de periódicos científicos de 15 países. No Brasil, o SciELO é o resultado de um projeto de pesquisa da FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, em parceria com a BIREME - Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde. Desde 2002, conta também com o apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. O projeto tem por objetivo o desenvolvimento de uma metodologia comum para a preparação, armazenamento, disseminação e avaliação da produção científica em formato eletrônico. Com o avanço das atividades do projeto, novos títulos de periódicos são continuamente incorporados à coleção da biblioteca, enquanto outros têm dificuldade de permanecer na coleção por não cumprirem os critérios de exigência por ela adotados.

Um dos objetivos centrais do SciELO é precisamente contribuir para o aumento sustentável da qualidade e visibilidade dos periódicos, por meio de três princípios: a internacionalização, a profissionalização e a sustentabilidade10 10 Cf. SciELO 20 Anos – 26–28 Setembro 2018. Disponível em: https://blog.SciELO.org/blog/2017/06/14/SciELO-20-anos-26-28-setembro-2018/#.YWc0kBDMKit. Acesso em: 17 out. 2021. , ainda que reconheça que persistem dificuldades e barreiras para a publicação sustentável de muitos periódicos11 11 Para termos uma ideia da importância e seletividade da rede SciELO, em termos de excelência, na área de Letras, Linguística e Artes, encontramos 107 registros Qualis A1 em Linguística e Literatura; 182 – A2; 26 registros Qualis A1 em Artes e 73 – A2. Desse total de 388 periódicos, apenas 14 pertencem à rede SciELO. .

Os critérios SciELO de indexação12 12 Critérios SciELO Brasil. Disponível em: https://www.SciELO.br/about/criterios-SciELO-brasil. Acesso em: 14 out. 2021. foram atualizados em maio de 2020 e orientam que todos os periódicos SciELO deverão atualizar suas políticas editoriais para que estejam alinhadas às práticas da Ciência Aberta até 2023. A seguir, apresentamos (i) as características da Ciência Aberta; e (ii) os passos já adotados por Bakhtiniana em sua adesão ao conceito. Na terceira parte do Editorial, apresentaremos (iii) os artigos do número.

1 A Open Science

Os periódicos exercem uma função essencial no desenvolvimento da pesquisa científica mediante processos editoriais, avaliação por pares e aperfeiçoamento dos textos. Segundo Abel L. Packer, diretor do SciELO/Brasil, eles oferecem “fontes de informação e evidências científicas de suporte a políticas públicas e decisões informadas de profissionais e cidadãos” (cf. PACKER et al., 2018)13 13 Cf. SciELO pós 20 Anos: o futuro continua aberto. Disponível em: https://blog.SciELO.org/blog/2018/12/19/SciELO-pos-20-anos-o-futuro-continua-aberto/. Acesso em: 06 fev. 2021. . É importante que adiram à Ciência Aberta, alerta a FAPESP: “parte-se do princípio de que resultados de pesquisa financiada por verbas públicas são um bem público e como tal devem ser disseminados em larga escala, resguardados os aspectos éticos, de privacidade, segurança e relativos à proteção de propriedade intelectual”14 14 Portal da FAPESP. Disponível em: https://www.fapesp.br/openscience/. Acesso em: 14 out. 2021. , tornando a ciência mais eficiente, confiável, acessível e relevante para a sociedade como um todo, mais próxima das pessoas que podem se beneficiar dela. Nas palavras de Packer e Mendonça (2021):

Os objetivos de realizar e comunicar pesquisa na modalidade de Ciência Aberta são bem definidos e disseminados nos últimos anos:

Na realidade, desde 2014 o SciELO tem orientado os periódicos a aderirem à Ciência Aberta, conforme se verifica no documento Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos científicos na Coleção SciELO Brasil16 16 Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos científicos na Coleção SciELO Brasil. Disponível em: https://wp.SciELO.org/wp-content/uploads/20140900-Criterios-SciELO-Brasil.pdf. Acesso em: 13 out. 2021. , continuando gradual e persuasivamente a instar os editores à adesão aos novos formatos de editoração requeridos pela Ciência Aberta.

As principais dimensões da Ciência Aberta são acesso aberto, dados abertos, pesquisa e inovação aberta, ciência cidadã17 17 No curso da FioCruz Campus Virtual, define-se: “A ciência aberta é a atividade científica praticada de modo aberto, colaborativo e transparente, em todos os domínios do conhecimento, desde as ciências fundamentais até às ciências sociais e humanidade”. Além das dimensões acima, acrescentam o código aberto, caderno aberto de laboratório, recursos educacionais abertos, resociais científicas. Cf. Dimensões da ciência aberta. Fonte: https://mooc.campusvirtual.fiocruz.br/rea/ciencia-aberta/serie1/curso1/aula1.html. Acesso em: 17 out. 2021. . No entanto, desenvolvemos a seguir apenas alguns desses aspectos, seguindo as diretrizes do SciELO e as adesões preliminares de Bakhtiniana à Ciência Aberta. A ideia não é simplesmente o livre acesso a artigos e dados de pesquisa, mas uma concepção de transparência que envolve toda forma do fazer científico; embora haja especificidades em diferentes áreas, ressaltamos a participação social e a contribuição que a ciência pode oferecer à sociedade.

Quanto ao acesso aberto, dados abertos e fontes abertas:

Todos os dados de uma pesquisa devem estar disponíveis, para que possam ser acessados por qualquer um que por eles tenha interesse. Eles podem ser depositados em repositórios, como o do SciELO, segundo a área temática, que segue os princípios FAIR: findable, accessible, interoperable and reusable para a qualificação de repositórios (VELTEROP, 2021)18 18 Cf. VELTEROP, J. Publishers e dados FAIR. Disponível em: https://blog.SciELO.org/blog/2021/01/20/publishers-e-dados-fair/#.YWdNphDMJuU. Acesso em: 13 out. 2021. .

Além disso, visando à celeridade da publicação das pesquisas por meio da publicação contínua, o SciELO alerta para a possibilidade de sua divulgação por meio de preprints: “Um preprint é definido como um manuscrito pronto para submissão a um periódico e que é depositado em servidores de preprints confiáveis antes ou em paralelo à submissão a um periódico”19 19 SciELO Preprints a caminho. Disponível em: https://blog.SciELO.org/blog/2017/02/22/SciELO-preprints-a-caminho/#.YWdPExDMJuU. Acesso em: 13 out. 2021. . São artigos inéditos, com DOI próprio, mas que não passaram ainda por avaliação. O uso do preprint é uma opção dos autores; por outro lado, cabe aos periódicos informar quais os repositórios de preprints reconhecem. Enquanto o artigo se constitui como um preprint, há a possibilidade de amplo debate de seu conteúdo. Neste período de pandemia, por exemplo, em que a aceleração das pesquisas e de seus resultados significou a vida para milhões de pessoas, os preprints exerceram um papel essencial, na medida em que os artigos puderam receber a crítica e/ou o reconhecimento de outros cientistas da área, mesmo antes de sua publicação definitiva.

Na submissão do artigo a um periódico, o autor já deve informar que ele consta de um repositório (reconhecido por aquela revista), mas não há necessidade de que as revistas exijam que os artigos tenham passado por um repositório. É importante, ainda, não confundir o preprint com o ahead of print, que é o mecanismo de publicação imediata de um artigo aprovado. Entre os repositórios já em uso no Brasil, citamos aqui dois: o Repositório SciELO e o Portal Multimodal/Multilíngue para o Avanço da Ciência Aberta nas Humanidades, em construção no PEPG do LAEL/PUC-SP, com apoio do CNPq.

Quanto à revisão por pares aberta:

Flaminio Squazzoni nos lembra de que a avaliação por pares20 20 A esse respeito, destacamos ainda as reflexões contidas em nosso Editorial 15.4, “Nossos pareceristas: os bastidores da produção científica”. Disponível em: https://www.scielo.br/j/bak/a/6QqrnRjTp4BL9XSqYSSXhBh/?lang=pt. Acesso em: 14 out. 2021. é “parte integrante da infraestrutura social da pesquisa”:

(...) é um esforço distribuído para reconhecer e aumentar o valor dos manuscritos e, portanto, é inerentemente “construtivo”. É simultaneamente um contexto no qual especialistas desenvolvem, adaptam e impõem padrões de julgamento, uma forma de conexão e cooperação (direta e indireta), um discurso disciplinado e mediado entre especialistas (geralmente não relacionados) em um ambiente “seguro” (embora muitas vezes desorganizado e ambíguo). E, portanto, é inerentemente “social”21 21 SQUAZZONI, F. Avaliação por pares não é apenas controle de qualidade, é parte integrante da infraestrutura social da pesquisa [Publicado originalmente no LSE Impact Blog em junho/2019]. Disponível em: https://blog.SciELO.org/blog/2020/01/15/avaliacao-por-pares-nao-e-apenas-controle-de-qualidade/#.YWdVNRDMJuV. Acesso em: 17 out. 2021. .

O SciELO considera três opções de avanço na abertura das revisões dos pareceristas: a publicação do nome ou nomes dos editores responsáveis pela avaliação ao final do artigo; a opção de os pareceristas dialogarem diretamente com o autor correspondente, com abertura ou não das identidades; e a opção de publicar os pareceres de aprovação de artigos com ou sem a identificação dos pareceristas. Os pareceres, assim, passam a constituir “um novo tipo de literatura na metodologia SciELO e recebem tratamento similar aos artigos de pesquisa. Em resumo, a adoção da Ciência Aberta aperfeiçoará a transparência, a reusabilidade e reprodutibilidade das pesquisas comunicadas pelos periódicos SciELO” (SciELO, 2020, p.6-7)22 22 Critérios, política e procedimentos para a admissão e a permanência de periódicos na Coleção SciELO Brasil 2020. Disponível em: https://wp.SciELO.org/wp-content/uploads/20200500-Criterios-SciELO-Brasil.pdf. Acesso em: 17 out. 2021. .

Finalmente, em termos de Ciência Aberta, vale destacar a iniciativa do Portal Multimodal/Multilíngue para o Avanço da Ciência Aberta nas Humanidades23 23 Disponível em: http://cienciaaberta.org/. Acesso em: 14 out. 2021. , projeto institucional do PEPG em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL), PUCSP, apoiado pelo CNPq por meio do Edital 25/2020. O Portal prevê o fornecimento de uma série de conteúdos relacionados à Ciência Aberta nas Humanidades, incluindo dados verbais, visuais, verbo-visuais e verbo-gestuais, por meio dos quais possam ser desenvolvidas pesquisas, nacionais e internacionais. O Portal foi concebido em torno de quatro vetores, a saber: acesso aberto, dados abertos, fonte aberta e ciência cidadã / humanidades cidadãs. O movimento de abertura da ciência exige novas posturas e novas práticas, que o Portal pretende estimular, pois entende que esse movimento é, em última análise, responsável pela democratização da ciência.

2 Bakhtiniana e a Open Science: uma experiência in progress

Nesta seção, destacamos as alterações realizadas pela revista para atender às modalidades da Ciência Aberta. Na realidade, no site da revista, houve várias alterações: na Apresentação da revista; no Foco e escopo; nas Diretrizes para os autores – condições para submissão e encaminhamento de textos; no Formulário de avaliação; no Formulário de conformidade com a Ciência Aberta; nas Instruções aos avaliadores; na Mensagem de solicitação de avaliação; no Processo de avaliação pelos pares... Os autores que submeteram artigos nos últimos meses, com certeza já se depararam com elas. Destacamos a seguir apenas alguns desses aspectos, encontrados on line24 24 As informações abaixo estão disponíveis em: https://revistas.PUC-SP.br/index.php/bakhtiniana/about. Acesso em: 17 out. 2021. :

Sobre a revista

A adoção de Bakhtiniana. Revista de Estudos do Discurso à Ciência Aberta compreende:

  • 1) O preprint como opção dos autores para o início formal da comunicação de sua pesquisa. (...)

  • 2) Gestão transparente dos dados da pesquisa e disponibilização de códigos de programas e outros materiais subjacentes aos artigos. (...)

  • 3) Opções de abertura do processo de peer review que sejam aceitáveis pelos autores e/ou pareceristas.

Mudanças nas Condições de submissão

A submissão a uma seção com avaliação pelos pares (ex.: artigos) segue as instruções disponíveis em Assegurando a Avaliação pelos Pares Cega, exceto para os artigos disponibilizados no servidor SciELO preprints, ou cujos autores optarem pela avaliação aberta (opção informada no “Formulário de Conformidade com a Ciência Aberta”).

O autor está ciente que o não preenchimento dessas condições acarreta a possibilidade de reprovação da submissão em qualquer momento do processo avaliativo.

Mudanças no encaminhamento: o Formulário de Conformidade com a Ciência Aberta

Além do manuscrito, os autores devem realizar a transferência do Formulário de Conformidade com a Ciência Aberta preenchido, respondendo (1) se o manuscrito é um preprint; (2) se os dados de pesquisa e outros materiais estão disponíveis; e (3) como será a abertura na avaliação por pares: se concordam com a publicação dos pareceres da avaliação de aprovação do manuscrito e se concordam em interagir diretamente com os pareceristas responsáveis pela avaliação do manuscrito.

Mudança no formulário de avaliação dos pareceristas

No formulário preenchido pelos pareceristas, acrescentamos:

Como a revista está aderindo à Ciência Aberta, concorda com a publicação dos pareceres da avaliação de aprovação do manuscrito? Sim ou não?

Concorda em interagir diretamente com autor responsável pelo manuscrito? Sim ou não?

Como já afirmamos, este é o primeiro número de Bakhtiniana no qual a modalidade da Ciência Aberta foi adotada. Temos 8 artigos e 1 resenha, mas 3 artigos foram submetidos em 2020, antes da adesão da revista à Ciência Aberta; apenas aqueles submetidos a partir de fevereiro de 2021 preencheram os formulários relativos à Ciência Aberta. Todos os autores desses 5 artigos concordaram com a interação com os pareceristas e com a publicação dos pareceres. Da parte dos pareceristas (2 ou 3 para cada artigo), não houve unanimidade: 4 concordaram em interagir com os autores, 4 não concordaram; 6 concordaram em ter seus pareceres publicados, e 3 não concordaram.

Como se pode observar, há ainda um espaço de tensão, uma vez que, com a nova modalidade, ampliam-se os interlocutores do processo avaliativo, modificando uma cultura acadêmica estabelecida: a) para os autores, há a insegurança de ver suas deficiências expostas abertamente, a quem quiser ler; b) para os pareceristas, há todo um novo auditório a quem legitimar sua avaliação, o qual pode enxergar outras qualidades e/ou deficiências nos textos analisados. Nossa avaliação no momento é a de que, se certamente a Ciência Aberta vem propor o diálogo e o engrandecimento da produção científica colaborativamente, há já uma cultura estabelecida em que tal diálogo não é a prática e, como toda mudança de paradigma, pode sofrer censura ou boicote do que já está posto. Ainda assim, estamos esperançosos nas boas práticas científicas que a Ciência Aberta propõe, proporcionando a possibilidade de maior envolvimento dos pesquisadores na produção científica, o que pode acarretar melhor qualidade dos trabalhos.

3 Bakhtiniana 17.1. Os textos

Este número tem uma característica peculiar: a maior proporção de artigos que propõem reflexões teóricas, a grande maioria de excelente qualidade. Começamos com as reflexões em torno de “As particularidades da palavra, o privilégio da língua: especificidades e primazia do linguístico, em Volóchinov e Benveniste”, assinado por Valdir do Nascimento Flores (UFRGS), Carlos Alberto Faraco (UFPR) e Filipe Almeida Gomes (PUC-PG). Com uma leitura aprofundada das obras de Valentin N. Volóchinov e Émile Benveniste, colocando-as em diálogo para seus propósitos de compreender as “particularidades da palavra” e o “privilégio da língua”, os autores defendem a preeminência do linguístico frente às demais semioses, retomando as especificidades internas e externas da língua. Ao final, ao destacar a importância dessa compreensão no debate relativo ao ensino escolar de língua portuguesa, os autores levam o leitor a refletir mais detidamente a respeito da trama teórica que engendraram ao longo do texto.

O artigo seguinte é de Verônica Franciele Seidel (PUC-RS) e tem o título “Da singularidade à polifonia: uma proposta de releitura da teoria bakhtiniana”. A autora retoma a constatação de que, na obra bakhtiniana, todos os conceitos estão inter-relacionados, para realizar a leitura de duas obras de Mikhail Bakhtin: Para uma filosofia do ato responsável e Problemas da poética de Dostoiévski; a partir daí, busca as relações entre a construção artística do romance polifônico e o reconhecimento da singularidade de cada sujeito.

No próximo artigo, são de Émile Benveniste as reflexões teóricas sobre as quais se baseia o debate da obra Howl, de Allen Ginsberg. Daiane Neumann (UFPEL) é quem subscreve “O Uivo de Ginsberg: a linguagem em julgamento”. As discussões sobre a linguagem, sobre o que pode ou não ser dito, de acordo com as imposições de uma sociedade, foram levantadas durante o processo que julgou autor e obra, ocorrido em 1957, nos EUA; elas são retomadas à luz de reflexões e apontamentos propostos pelo linguista Émile Benveniste e leitores de sua obra, tais como Gérard Dessons e Henri Meschonnic. Já Luiz Eduardo Mendes Batista (UFU) e Stefania Montes Henriques (UEMG), em “Um encontro Saussure-Bakhtin na episteme”, propõem possíveis convergências, sobretudo em torno da noção de valor, entre a obra de ambos.

O artigo “Intermidialidade e intericonicidade: um diálogo possível?”, de João Kogawa, Ana Luiza Ramazzina-Ghirardi, Renato Nunes dos Santos – todos da UNIFESP, constitui-se em um excelente divisor de águas entre a teoria e a prática. Isso porque, com uma base densamente teórica, os autores discutem a análise de imagens no âmbito dos estudos discursivos, utilizando os conceitos de intermidialidade e intericonicidade. A análise de diferentes representações do sepultamento de Cristo, passando dos Evangelhos (discurso cristão escrito) para os séculos XVI e XVII (discurso católico pictórico), e daí para a contemporaneidade de uma fotografia, demonstra o poder heurístico dos conceitos inicialmente debatidos no artigo.

O próximo artigo é um belo exemplo da internacionalização do conhecimento. As autoras russas Svetlana Yu. Pavlina e Maria I. Baranova, ambas da Universidade Linguística de Nizhny Novgorod (Rússia), no artigo “Acolhendo o espírito do carnaval: o grotesco e o carnavalesco em Klail City Death Trip Series, de Rolando Hinojosa”, discutem a obra de um autor americano, de ascendência latina (os chicanos, como são chamados e se autoproclamam), em um periódico brasileiro. No texto, elas destacam o riso carnavalesco e o grotesco no romance de Hinojosa, e o caráter duplo dos personagens cômicos, ao mesmo tempo força destrutiva e portadores da verdade.

No próximo texto, novamente a teoria bakhtiniana é invocada, agora por Heloisa Mara Mendes (UFU) e Marina Célia Mendonça (UNESP), que analisam “Editoriais do El País a partir da perspectiva dialógica”. Seu objetivo, ao refletir sobre o modo como o gênero editorial se manifesta no referido jornal, é discutir o diálogo estabelecido com o leitor presumido, buscando compreender que aspectos do texto garantem a difusão do jornal em escala mundial. E, finalmente, Mário Messagi (UFPR), que assina “Fato vs. texto: como a ‘objetividade’ oculta o caráter discursivo do jornalismo”, ressalta a pertinência da perspectiva discursiva na compreensão do jornalismo, lembrando bakhtinianamente que essa é uma esfera que não reporta o mundo diretamente, mas, sim, fontes, informações ou textos de outrem, ou seja, discurso sobre discurso, linguagem sobre linguagem.

O último texto do número é a resenha da obra Ele está fora de si. A linguagem popular do evangelho conforme Marcos, de Francisco Benedito Leite. Maria Helena Cruz Pistori (PUC-SP) apresenta o rico estudo interdisciplinar, que congrega as Ciências da Religião, Ernst Cassirer, teóricos da literatura e linguagem: o filólogo alemão Erich Auerbach, o canadense Northrop Frye, Bakhtin e o Círculo e as novas retóricas, chamando a atenção para os termos simbólicos e religiosos que podem eventualmente acrescentar dados valiosos à compreensão do mundo contemporâneo.

Enfim, mais uma vez, Bakhtiniana reúne uma excelente coletânea de artigos, que passaram por uma rigorosa seleção, realizada por competentes e colaborativos pareceristas do Conselho e ad hoc. A novidade do número, o primeiro de inserção de Bakhtiniana na Ciência Aberta, são os pareceres ao final de três dos oito artigos; importante informar que os pareceres compartilham do mesmo DOI dos artigos.

Ao redigir este texto, porém, com tantos recortes de blogs, posts e textos encontrados na web, lembramos mais uma vez de Medviédev (2012, p.199)MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012., na obra de 1928:

Novos meios de representação forçam-nos a ver novos aspectos da realidade, assim como estes não podem ser compreendidos e introduzidos, de modo essencial, no nosso horizonte sem os novos recursos de sua fixação.

É assim: um trabalho científico nunca acaba, isto é, onde acaba um, continua outro. Por isso, convidamos todos – leitores, autores e colaboradores – a responder ativamente a esses textos, saboreando e incluindo em suas pesquisas esse conjunto que, mais uma vez, dá ao periódico Bakhtiniana a oportunidade de participar ativamente da vida cultural e acadêmica brasileira e internacional. Como podem ver os leitores, trata-se de um número que congrega catorze pesquisadores brasileiros de onze diferentes universidades brasileiras (UFRGS, UFPR, PUC-MG, PUC-RS, UFPEL, UFU, UEMG, UNIFESP, UFU, UNESP, PUC-SP) e duas pesquisadoras de uma universidade russa (Universidade Linguística de Nizhny Novgorod).

Agradecemos, mais uma vez, o inestimável e constante apoio, auxílio e reconhecimento da PUC-SP, por meio do Plano de Incentivo à Pesquisa (PIPEq)/Publicação de Periódicos (PubPer-PUCSP) – 2021, Solicitação 18937.

REFERÊNCIAS

  • MEDVIÉDEV, P. N. O método formal nos estudos literários: introdução crítica a uma poética sociológica. Tradução Sheila Camargo Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Contexto, 2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022
LAEL/PUC-SP (Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) Rua Monte Alegre, 984 , 05014-901 , Tel.: (55 11) 3258-4383 - São Paulo - SP - Brazil
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