<i>Whatsapp</i>: um Objeto de Fronteira na Mediação e Produção de Fronteiras nas Organizações

Giacomin, Anny Karollinny Riva; da Silva, Alfredo Rodrigues Leite

doi:10.15728/bbr.2022.1465.pt

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Artigo • BBR, Braz. Bus. Rev. 21 (6) • 2024 • https://doi.org/10.15728/bbr.2022.1465.pt copiar

Whatsapp: um Objeto de Fronteira na Mediação e Produção de Fronteiras nas Organizações

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RESUMO

O objetivo deste artigo é analisar as maneiras pelas quais o WhatsApp, enquanto um objeto de fronteira, medeia e se insere na produção de fronteiras na organização pública Approve (nome fictício). Criticamos os estudos predominantes sobre objetos de fronteira que não colocam em primeiro plano as redes de relações na produção de usos e características dos objetos; e a produção de fronteiras como parte do processo de mediação de fronteira. Contribuímos para preencher essa lacuna ao estudar o WhatsApp, por meio de uma pesquisa qualitativa, utilizando entrevistas semiestruturadas, observação, netnografia e análise da espiral de dados. Como resultados, evidenciamos o aplicativo como um Objeto de Fronteira que é inserido em produções de implicações negativas para as pessoas a partir da mediação de fronteiras e produzido em redes de relações que também podem usar o aplicativo para produzir e mediar fronteiras.

Palavras-chave:
WhatsApp; Objetos de fronteira; Organizações; Comunicação.

*O WhatsApp* nos estudos sobre o tema**	Os OF nos estudos sobre o tema	*O WhatsApp* como OF típico na Approve**
Uma nova maneira de comunicar, em contextos e sentidos diferentes e inesperados, ampliando a interação, em tempos e espaços instantâneos e sem limites claros, (re)produzindo informações a partir da comunicação (Porto et al., 2017Porto, C. de M., Oliveira, K. E. de J., & Alves, A. L. (2017). Expansão e reconfigurações das práticas de leitura e escrita por meio do WhatsApp. In C. Porto , K. E. Oliveira & A. Chagas (Eds.),WhatsApp e educação: Entre mensagens, imagens e sons(pp. 113-128). EDUFBA. https://doi.org/10.7476/9788523220204.0007 https://doi.org/10.7476/9788523220204.00... ; Lapa & Girardello, 2017Lapa, A., & Girardello, G. (2017). Gestão em rede na primavera secundarista. In C. Porto, K. E. Oliveira & A. Chagas (Eds.),WhatsApp e educação: Entre mensagens, imagens e sons(pp. 29-48). EDUFBA. https://doi.org/10.7476/9788523220204.0003 https://doi.org/10.7476/9788523220204.00... ). Espaço rico em descobertas por conta da sua interatividade dentro da heterogeneidade de pessoas desconhecidas, com seu uso potencializando a busca por alternativas inovadoras na utilização do aplicativo, favorecendo a emergência de novos aspectos culturais e espaciais (Oliveira, 2017Oliveira, C. A. de. (2017). Entre processos formativos e interativos: o WhatsApp como espaço significativo na orientação e formação. In C. Porto , K. E. Oliveira & A. Chagas (Eds.), WhatsApp e educação: Entre mensagens, imagens e sons (pp. 217-233). EDUFBA. https://doi.org/10.7476/9788523220204.0012 https://doi.org/10.7476/9788523220204.00... ). Sua estrutura material informa se os usuários estão online, digitando ou gravando mensagens e se as mensagens foram lidas, permite pular de um interlocutor ou grupo para outro, entre conteúdos distintos e ligar todos eles ou uma parte por meio de grupos (Porto et al., 2017Porto, C. de M., Oliveira, K. E. de J., & Alves, A. L. (2017). Expansão e reconfigurações das práticas de leitura e escrita por meio do WhatsApp. In C. Porto , K. E. Oliveira & A. Chagas (Eds.),WhatsApp e educação: Entre mensagens, imagens e sons(pp. 113-128). EDUFBA. https://doi.org/10.7476/9788523220204.0007 https://doi.org/10.7476/9788523220204.00... ) Permite a expressão de informações e emoções por meio de vários recursos, como os emojis (Primo et al., 2021Primo, A., Valiati, V., & Barros, L. (2021). Práticas conversacionais no WhatsApp: A interação em conversações paralelas. Comunicação & Sociedade, 43(3), 41-76. ). O escopo das conexões possibilitadas por ele pode envolver as mais diversas instâncias da vida, além da organizacional, como a familiar e as de amizade (Matassi et al., 2019Matassi, M., Boczkowski, P. J., & Mitchelstein, E. (2019). Domesticating WhatsApp: Family, friends, work, and study in everyday communication. New Media and Society, 21(10), 2183-2200. https://doi.org/10.1177/1461444819841890 https://doi.org/10.1177/1461444819841890... ).	Permitem a manutenção de translações simultâneas dos objetivos de atores em múltiplos pontos de passagem obrigatórios, que podem ser negociados entre comunidades diferentes e sem consenso para, mesmo assim, cooperarem em um meio amplo, por exemplo, um país ou uma empresa, pois apresentam um conteúdo imutável entre as comunidades, o que as permite encontrar objetivos comuns para se relacionarem entre suas fronteiras (Star, 1988Star, S. L. (1988). The structure of ill-structured solutions: Boundary objects and heterogeneous distributed problem solving. In L. Gasser & M. N. Huhns (Eds.), Distributed artificial intelligence (pp. 37-54). Morgan Kaufmann. https://doi.org/10.1016/B978-1-55860-092-8.50006-X https://doi.org/10.1016/B978-1-55860-092... ; Star & Griesemer, 1989Star, S. L., & Griesemer, J. R. (1989). Institutional ecology, ‘Translations’ and Boundary Objects: Amateurs and Professionals in Berkeley’s Museum of Vertebrate Zoology, 1907-39. Social Studies of Science, 19(3), 387-420. https://doi.org/10.1177/030631289019003001 https://doi.org/10.1177/0306312890190030... ; Whitson, 2018Whitson, J. R. (2018). Voodoo software and boundary objects in game development: How developers collaborate and conflict with game engines and art tools. New Media and Society, 20(7), 2315-2332. https://doi.org/10.1177/1461444817715020 https://doi.org/10.1177/1461444817715020... ). Aspectos básicos da arquitetura (Star, 2010Star, S. L. (2010). This is not a boundary object: Reflections on the origin of a concept. Science Technology and Human Values, 35(5), 601-617. https://doi.org/10.1177/0162243910377624 https://doi.org/10.1177/0162243910377624... ): flexibilidade interpretativa - diferentes grupos podem interpretá-los de maneiras distintas; estrutura material ou organizacional específica ao seu tipo - concreta ou abstrata; escala e escopo adequados ao uso como OF - definidos pelos usos, desestruturados ou não, personalizados ou em grupos distintos, nos quais ele é aplicado. A sua temporalidade e capacidade de mediar fronteiras permite a colaboração entre elas, podendo perder essa capacidade, produzir a heterogeneidade e descontinuar interações, que são disfunções a serem corrigidas (Carlile, 2002Carlile, P. R. (2002). A pragmatic view of knowledge and boundaries: Boundary objects in new product development.Organization Science,13(4), 442-455. https://doi.org/10.1287/orsc.13.4.442.2953 https://doi.org/10.1287/orsc.13.4.442.29... ; Akkerman & Bakker, 2011Akkerman, S. F., & Bakker, A. (2011). Boundary crossing and boundary objects. Review of Educational Research, 81(2), 132-169. https://doi.org/10.3102/0034654311404435 https://doi.org/10.3102/0034654311404435... ; Whitson, 2018Whitson, J. R. (2018). Voodoo software and boundary objects in game development: How developers collaborate and conflict with game engines and art tools. New Media and Society, 20(7), 2315-2332. https://doi.org/10.1177/1461444817715020 https://doi.org/10.1177/1461444817715020... ).	Na Approve, pessoas diferentes, de setores distintos, com diversas experiências e formações, algumas que nem se conhecem efetivamente, fazem uso do WhatsApp para cooperarem em questões relativas ao lazer, às questões do dia a dia e ao trabalho, em boa parte do seu dia. O aplicativo alcança interações entre fronteiras heterogêneas internas externas, por exemplo: quando ele se inseriu em uma rede de relações entre atores desconhecidos entre si, espalhados pelo Brasil, que cooperam na translação do objetivo comum de viabilizar a participação em concursos públicos, compartilhando conteúdos específicos sobre temas como transporte e hospedagem, que perpassam a todos (E8); ou quando permite que mesmo pessoas com dificuldades para usar tecnologia se insiram na tradução de objetivos comuns por essa via, pela facilidade que o aplicativo oferece (E9); ou quando ultrapassa a fronteira das distâncias físicas (E1; E12). As diferentes interpretações quanto ao uso da estrutura material do aplicativo ilustrados por E2, E7, E10 e pelos demais membros da Approve observados, quando manifestaram diferentes sentidos sobre os comportamentos ao se depararem com relações distintas na rede, o que inclui diferentes maneiras de usar, ou não usar, as figurinhas no aplicativo, para expressar humor, contrariedade, diversão, ironia e fazer brincadeiras em um escopo que inclui relações dentro e fora do trabalho, em grupos mais formais ou informais. A importância desses elementos nas redes na Approve ficou evidente no dia em que o aplicativo parou de funcionar como OF e as pessoas tiveram dificuldades para se relacionar, como relatou E3.

Características do WhatsApp relacionadas com os OF e com impactos negativos sobre as pessoas nos estudos sobre o tema

O WhatsApp como OF envolvido em impactos negativos sobre as pessoas na Approve

Capaz de levar pessoas a sofrerem por não conseguir acessar o aplicativo ou a prejudicar atividades laborais e ignorar pessoas no mesmo recinto, por conta da atenção destinada a ele (Primo et al., 2021Primo, A., Valiati, V., & Barros, L. (2021). Práticas conversacionais no WhatsApp: A interação em conversações paralelas. Comunicação & Sociedade, 43(3), 41-76. ) As pessoas podem apresentar dificuldades para lidar com as pressões geradas nas relações produzidas com ele, como a necessidade de responder rapidamente a uma mensagem (Primo et al., 2021Primo, A., Valiati, V., & Barros, L. (2021). Práticas conversacionais no WhatsApp: A interação em conversações paralelas. Comunicação & Sociedade, 43(3), 41-76. ). Devido aos impactos negativos do aplicativo, algumas pessoas acabam mexendo em seus recursos para gerenciar os limites entre presença e ausência (Mols & Pridmore, 2021Mols, A., & Pridmore, J. (2021). Always available via WhatsApp: Mapping everyday boundary work practices and privacy negotiations. Mobile Media and Communication, 9(3), 422-440. https://doi.org/10.1177/2050157920970582
https://doi.org/10.1177/2050157920970582... ).

Na Approve o WhatsApp foi evidenciado como um OF que também se insere na produção de impactos negativos nas pessoas pela maneira como medeia as fronteiras, por exemplo, ele é relacionado com: uma cultura do imediatismo (E3); com uma confusão entre estar “online” e “estar disponível a qualquer hora do dia” (E1); com uma demanda aberta a todos que queiram “enviar mensagem para você” (E12); com a potencialização da ansiedade em “atender o outro da melhor forma e de forma mais rápida” (E9).

*Característica do uso do WhatsApp* com base nos estudos sobre o tema**	Produção de OF em redes de relações nos estudos sobre o tema	*O WhatsApp* como um OF produto das redes de relações na Approve que o usam na produção de fronteiras**
Coexiste com a vida na organização e na sociedade como um todo, em uma sociedade em rede, modificando-se mutuamente ao propiciar comunicação em âmbito pessoal e grupal, com múltiplas possibilidades de interações e ligações interpessoais mais superficiais e efêmeras, marcadas por pessoas mais afastadas fisicamente, em agrupamentos que podem ser (re)organizados rapidamente entre fronteiras funcionais e hierárquicas nas organizações (Carvalho & Fort, 2017Porto, C. de M., Oliveira, K. E. de J., & Alves, A. L. (2017). Expansão e reconfigurações das práticas de leitura e escrita por meio do WhatsApp. In C. Porto , K. E. Oliveira & A. Chagas (Eds.),WhatsApp e educação: Entre mensagens, imagens e sons(pp. 113-128). EDUFBA. https://doi.org/10.7476/9788523220204.0007 https://doi.org/10.7476/9788523220204.00... ). Tem o potencial de se inserir na divisão de grupos existentes e/ou criação de novos, quando as pessoas que não participam da conversa referência em um grupo interagem em conversas paralelas (Primo et al., 2021Primo, A., Valiati, V., & Barros, L. (2021). Práticas conversacionais no WhatsApp: A interação em conversações paralelas. Comunicação & Sociedade, 43(3), 41-76. ), utilizando as funcionalidades do aplicativo para construir segmentações entre diferentes contextos (Mols & Pridmore, 2021Mols, A., & Pridmore, J. (2021). Always available via WhatsApp: Mapping everyday boundary work practices and privacy negotiations. Mobile Media and Communication, 9(3), 422-440. https://doi.org/10.1177/2050157920970582 https://doi.org/10.1177/2050157920970582... ) e moldar a extensão e as formas de conversa - até de cunho político - entre os membros (Zhu et al., 2022Zhu, Q., Esteve-Del-Valle, M., & Meyer, J. K. (2022). Safe spaces? Grounding political talk in WhatsApp groups. New Media and Society. https://doi.org/10.1177/14614448221136080 https://doi.org/10.1177/1461444822113608... ). Durante as eleições presidenciais de 2022 se manifestou como uma mídia vital e politicamente carregada, com um potencial de fragmentação que dividiu grupos de amigos, familiares e profissionais no trabalho e criou outros com elementos deles (Pereira et al., 2022Pereira, G., Camargo, I. B. B., & Parks, L. (2022). WhatsApp disruptions in Brazil: A content analysis of user and news media responses, 2015-2018. Global Media and Communication, 18(1), 113-148. https://doi.org/10.1177/17427665211038530 https://doi.org/10.1177/1742766521103853... ).	Em uma ênfase mais relacional e alinhada com a TAR (Callon, 1984Callon, M. (1984). Some elements of a sociology of translation: Domestication of the scallops and the fishermen of St Brieuc Bay. The Sociological Review, 32(1), 196-233. https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984.tb00113.x https://doi.org/10.1111/j.1467-954X.1984... ; Latour, 1987Latour, B. (1987).Science in action: How to follow scientists and engineers through society. Harvard University Press., 1996Latour, B. (1996). On interobjectivity. Mind, Culture, and Activity, 3(4), 228-245. https://doi.org/10.1207/s15327884mca0304_2 https://doi.org/10.1207/s15327884mca0304... , 2005Latour, B. (2005). Reassembling the social: An introduction to actor-network theory. Oxford Press University.; Law, 1992Law, J. (1992). Notes on the theory of the actor-network: Ordering, strategy and heterogeneity. Systems Practice, 5(4), 379-393. https://doi.org/10.1007/BF01059830 https://doi.org/10.1007/BF01059830... ), há o reconhecimento de que nas redes de relações nas quais os objetos são produzidos, como sendo de fronteira ou não, e se inserem há simetria entre atores humanos e não humanos, com uma agência distribuída entre eles (Lainer-Vos, 2013Lainer-Vos, D. (2013). Boundary objects, zones of indeterminacy, and the formation of Irish and Jewish transnational socio-financial networks.Organization Studies,34(4), 515-532. https://doi.org/10.1177/0170840612467159 https://doi.org/10.1177/0170840612467159... ). Ele se insere na rede de fluxos de ação marcados pelas relações entre objeto, tecnologia e ação humana (Mello Filho & De Araújo Júnior, 2021Mello Filho, L. L. de, & De Araújo Júnior, R. H. (2021). Objetos de fronteira: Um diálogo entre a ciência da informação e a ciência de dados.Encontros Bibli: Revista Eletrônica de Biblioteconomia e Ciência Da Informação, 26, e77247. https://doi.org/10.5007/1518-2924.2021.e77247 https://doi.org/10.5007/1518-2924.2021.e... ).	As redes nas quais o aplicativo se insere na organização Approve o produzem como capaz de criar fronteiras quando as medeia, pois ele facilita os dois movimentos na rede, por exemplo: - quando foi criado um novo grupo com membros dissidentes de um grupo anterior, que continuam convivendo em ambos, mas no novo discutem e definem de quem, no grupo anterior, devem ignorar as postagens e ou sobre quais conteúdos vão ou não se manifestar, estabelecendo fronteiras ao diálogo dentro da diferença, produzindo mais diferença; - quando houve a entrada de um novo servidor no grupo, e ele enviava imagens e mensagens de bom dia, diariamente, contendo frases motivacionais e/ou de efeito, alguns respondiam às mensagens, enquanto outros, descontentes, reclamavam disso em um grupo menor do aplicativo, mais restrito, e ameaçavam sair do grupo maior, e três saíram pelo que chamaram de “excesso de bom dia”; - quando foi feito um post de cunho político debochando de um candidato à presidência, duas pessoas contrárias responderam considerando provocações e três saíram do grupo maior, pelo que foi chamado pelos respondentes de “noção distorcida do que é respeito e limite. Isso tem feito com que as pessoas achem que elas podem falar o que quiser, quando quiser, da forma que quiser, e que respeito é a gente aceitar aquilo sem se incomodar” (E4).

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