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Temporalidades e interações socioambientais no noroeste amazônico: apresentação ao dossiê

Temporalities and socio-environmental interactions in the Northwest Amazon: introduction to the dossier

É com muita satisfação que apresentamos aos leitores do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas o dossiê “Temporalidades e interações socioambientais no noroeste amazônico”, subdividido entre este primeiro número de 2024 (v. 19, n. 1) e aquele a ser publicado no último quadrimestre do ano (v. 19, n. 3). Trata-se de um extenso compêndio de vinte artigos inéditos, resultantes de pesquisas realizadas na última década nessa região. Apesar de contemplar majoritariamente trabalhos na área de etnologia indígena, a inclusão de trabalhos em história e arqueologia atribui ao dossiê um caráter interdisciplinar. Além disso, e mais importante, na segunda parte, a aparecer ao final de 2024, contaremos com um artigo assinado por alguns antropólogos indígenas recém-formados do alto rio Negro, no qual apresentam um balanço de suas próprias pesquisas universitárias. De modo geral, esses artigos tratam de aspectos variados da constituição da extensa rede social indígena na região do noroeste amazônico, bem como os impactos e as influências decorrentes do processo colonial ali iniciado no século XVII. Voltaremos às características gerais do dossiê mais adiante.

Antes disso, queremos frisar que sua publicação no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas em dois números em 2024 celebra os 120 anos da expedição do etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg pela região do noroeste amazônico, cuja realização se deu sob forte influência do então diretor do Museu Paraense, o suíço Emílio Goeldi. Constitui, assim, um reconhecimento oportuno ao lugar central ocupado pelo Museu Goeldi na história das investigações científicas realizadas nessa região desde o início do século XX, bem como a significativa realização de pesquisas e a colaboração, em anos mais recentes, dessa instituição científica amazônica com os povos indígenas do rio Negro, inclusive na salvaguarda, em seus acervos etnográficos, das importantes coleções oriundas da região. Coincidentemente, em outubro de 2024, completa-se o centenário da morte do etnólogo alemão, quando, já a caminho de juntar-se à expedição do geógrafo americano Hamilton Rice às nascentes do rio Orinoco, faleceu na localidade de Vista Alegre, no baixo rio Branco, de um ataque de malária (ver Rice, 1978Rice, H. (1978). Exploração na Guiana brasileira. Editora Itatiaia., p. 24).

No início do ano de 1903, Koch-Grünberg, então pesquisador do Real Museu de Etnologia de Berlin, iniciava sua permanência no rio Negro pelos dois anos seguintes. No preâmbulo ao livro publicado com os resultados de suas pioneiras investigações etnológicas (Koch-Grünberg, 1995Koch-Grünberg, T. (1995 [1909-1910]). Dos años entre los indios (2 Vols.). Universidad Nacional de Colombia. [1909-1910], p. 35, 2005 [1909-1910]Koch-Grünberg, T. (1909-1910). Zwei Jahre unter den Indianern Reisen in Nordwest-Brasilien (1903-1905). Strecker und Schrõder., p. 7), afirmava que havia “escolhi[do] o noroeste do Brasil, na fronteira com a Colômbia e Venezuela, por apresentar problemas importantes e interessantes, do ponto de vista geográfico e etnográfico”. Há que se registrar, no entanto, que a intenção inicial de Koch-Grünberg era seguir rumo aos rios Purus e Ucayali, e quem o fez rumar para o rio Negro foi o diretor do Museu Paraense, Emílio Goeldi, com o argumento de que a região do Acre vivia então graves conturbações. Esta informação aparece na correspondência publicada por Goeldi em 1904, no Boletim do Museu Paraense:

. . . por circunstâncias de força maior impossíveis de prever, [foi] necessário modificar o plano e consultando-nos o provecto scientista sobre a nossa opinião, qual outro dos rios do alto Amazonas offereceria especial interesse para a exploração ethnographica, não hesitamos em assignalar como taes o Uaupés e certos tributários do rio Negro. . . . Esta indicação e as razões por nós adduzidas em seu fundamento e apoio tanto calaram no espírito do Dr. Th. Koch, que elle adoptou a idéa, e, partindo para Manáos, levou comsigo já a resolução mais ou menos assentada, de que volveria a sua attenção ao systema do rio Negro

(Goeldi, 1906Goeldi, E. (1906). Duas cartas do Dr. Theodor Koch, relativas á sua actual expedição ethnographica entre os Índios do alto rio Negro, dirigidas ao Director do Museu. Boletim do Museu Goeldi (Museu Paraense) de História Natural e Ethnographia, 4(1-4), 481-488. https://www.biodiversitylibrary.org/bibliography/44979
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, pp. 481-488).

Além dessa ‘dica’ dada por Goeldi, o Museu Paraense também obteve recursos financeiros junto ao governo do Pará, repassados ao etnógrafo alemão para a aquisição de uma coleção etnográfica para o Museu. Trata-se da atual coleção Koch-Grünberg, de cerca de 500 objetos etnográficos dos povos indígenas do rio Negro, salvaguardados na Reserva Técnica Curt Nimuendaju. O próprio Nimuendaju, residindo em Belém a partir de 1913, realizou sua famosa expedição ao rio Negro em 1927, sob os auspícios do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), cujo relatório, juntamente com a obra de Koch-Grünberg (2005 [1909-1910]Koch-Grünberg, T. (2005 [1909-1910]). Dois anos entre os indígenas: viagens no Noroeste do Brasil (1903-1905). EDUA.), tornaram-se as duas primeiras obras de referência etnológica sobre os povos indígenas daquela região. Nesse período, Nimuendaju manteve vínculos formais e informais com o Museu, sendo influenciado e apoiado por Koch-Grünberg e a então diretora da instituição, E. Snethlage (Arnaud, 1983Arnaud, E. (1983). Curt Nimuendaju: aspectos de sua vida e de sua obra. Revista do Museu Paulista (Nova Série), (29), 55-72. http://www.etnolinguistica.org/text:arnaud-1983-curt
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; Sanjad, 2019Sanjad, N. (2019). Nimuendajú, a senhorita doutora e os ‘etnógrafos berlinenses’: rede de conhecimento e espaços de circulação na configuração da etnologia alemã na Amazônia no início do século XX. Asclepio, 71(2), 273. https://doi.org/10.3989/asclepio.2019.14
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). Como se vê, o encontro de Koch-Grünberg e Emílio Goeldi em Belém, em 1903, seguido da incorporação de Nimuendaju, a partir de 1913, tornaram-se eventos histórico-institucionais e acadêmicos inaugurais para as relações do Museu Goeldi com aquela região amazônica, o que resultou na continuidade e regularidade, ao longo do século XX e até os dias atuais, de pesquisas dessa instituição no noroeste amazônico1 1 Nessa trilha, entre 1950 e 1970, Eduardo Galvão e Adélia Oliveira realizaram pesquisas entre os Baniwa do rio Içana e os processos de mudança cultural e de aculturação entre indígenas e ‘caboclos’ no médio rio Negro; Lúcia Hussak van Velthem, em 1975, publicou estudo comparativo sobre os objetos de plumária tukano do Museu Nacional e do Museu Goeldi (Velthem, 1975); e Antônio Maria Santos, em 1984, concluiu um mestrado sobre a etnicidade indígena na cidade de São Gabriel da Cachoeira (Santos, 1984). Durante os anos 1980 e 1990, respectivamente, a antropóloga Dominique Buchillet e seu colega Jorge Pozzobon realizaram, no âmbito do Museu Goeldi, importantes pesquisas sobre o xamanismo e a cosmologia do povo Desana, e o parentesco e a organização social e política do povo Hupd’äh. Essas pesquisas desde então foram compartilhadas com os antropólogos Márcio Meira e Lúcia Hussak van Velthem, nos campos da história indígena e dos estudos de cultura material associados à cosmologia e ao sistema agrícola tradicional. A partir dos anos 2000, Glenn Shepard Jr. e colaboradores passaram a desenvolver trabalhos junto ao povo Baniwa, com ações em curadoria compartilhada e posteriormente em ecologia histórica. A arqueóloga Helena Pinto Lima atua desde 2010 como professora colaboradora da licenciatura oferecida pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), no município de São Gabriel da Cachoeira, o que possibilitou que estudantes indígenas desenvolvessem práticas investigativas nas áreas de arqueologia, patrimônio e afins. Desde 2021, juntou-se a este grupo o antropólogo Bruno Marques, que atua junto aos Hupd”äh. Cabe anotar aqui que nos últimos quarenta anos, em situações e momentos distintos, tais pesquisadores e pesquisadoras com algum vínculo junto ao Museu Goeldi e seus colegas de instituições parceiras, como os organizadores e autores presentes neste dossiê, sempre estiveram engajados ao lado dos povos indígenas rionegrinos nas lutas pelos seus direitos territoriais e culturais. .

Mais recentemente, houve ainda a publicação da tradução de “Petróglifos sul-americanos” (Koch-Grünberg, 2010Koch-Grünberg, T. (2010 [1907]). Petróglifos sul-americanos. Museu Paraense Emílio Goeldi. [1907]) pelo Museu Goeldi, em parceria com o Instituto Socioambiental (ISA), livro dedicado às gravuras rupestres do alto rio Negro, publicado originalmente em 1907, na Alemanha. Esta publicação foi organizada pela arqueóloga do Museu Goeldi, Edithe Pereira, contando com uma introdução de Aloísio Cabalzar, antropólogo do ISA, na qual ressalta que, muito embora o etnólogo alemão minimize a importância mítica ou cosmológica dos abundantes petróglifos gravados nas pedras e afloramentos rochosos das espetaculares corredeiras da região, este trabalho pioneiro de Koch-Grünberg viria a estimular e fornecer a base de várias iniciativas de mapeamentos participativos realizados nas últimas décadas por indígenas e pesquisadores, no intuito de levantar a inscrição das tradições orais indígenas nos elementos da paisagem que se descortina ao longo dos rios da região. Esta vertente de trabalho ganhou força após a demarcação das terras indígenas (TI) da região, ocorrida ao final da década de 1990, e teve como marco inicial o registro da Cachoeira de Iauaretê como patrimônio imaterial dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri, em 2005, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) (IPHAN, 2007Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). (2007). Cachoeira de Iauaretê: lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri. IPHAN.). Essas iniciativas tiveram lugar nos rios Uaupés, Içana, Tiquié, culminando com o processo, ocorrido entre 2015 e 2018, de elaboração de um grande Plano de Gestão Ambiental e Territorial (PGTA) das terras indígenas do rio Negro2 2 O PGTA foi elaborado como parte da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), política pública implantada pelo Brasil desde 2012. . Do lado colombiano, iniciativas similares passaram a ocorrer igualmente em meados da década de 1990 na região do rio Pira-Paraná, com a implementação de um plano de ordenamento territorial dos Resguardos Indígenas e elaboração de ‘planos de vida’ pelas organizações indígenas da área3 3 Para um inventário minucioso do conjunto dessas iniciativas no Brasil e na Colômbia, ver Scolfaro et al. (2014). Ver também o filme “Pelas águas do rio de Leite”, de 2018, dirigido por Aline Scolfaro, que documenta a mais extensa dessas iniciativas, o projeto ‘Mapeo’, que viabilizou uma expedição de conhecedores indígenas do alto rio Negro desde Manaus até o rio Uaupés, passando por São Gabriel da Cachoeira, na qual se procedeu ao reconhecimento de mais de 60 lugares mencionados nas narrativas míticas tukano de origem do mundo e da humanidade (Scolfaro, 2018). Sobre os PGTAs das terras indígenas do rio Negro, ver Scolfaro e Dias (2021). .

Voltaremos aos projetos contemporâneos em curso na região mais adiante. No presente dossiê, o bloco intitulado “Mapeamentos e contramapeamentos” oferece algumas reflexões sobre as iniciativas mencionadas acima, que, em alguma medida, aludem ao trabalho de larga escala realizado por Theodor Koch-Grünberg no noroeste amazônico. De modo mais geral, no entanto, é no conjunto dos trabalhos publicados nos dois números que compõem o dossiê que o leitor terá a oportunidade de (re)visitar boa parte das várias localidades nas quais o etnólogo alemão foi recebido por vários dos povos Tukano, Arawak e Naduhup ao longo dos rios Negro, Içana, Aiari, Uaupés, Tiquié, Cuduiari, Pirá-Paraná e Apapóris. Se acaso vier o leitor a consultar o mapa dos caminhos trilhados por Koch-Grünberg entre 1903 e 1905 no noroeste amazônico (Koch-Grünberg, 1995Koch-Grünberg, T. (1995 [1909-1910]). Dos años entre los indios (2 Vols.). Universidad Nacional de Colombia. [1909-1910], p. 38), não terá dificuldades em verificar que a quase totalidade das sub-regiões assinaladas nessa carta estão contempladas nos artigos aqui apresentados. Esperamos, portanto, que, sem pretender igualar a obra monumental que é “Zwei Jahre unter den Indianern Reisen in Nordwest-Brasilien (1903-1905)” (Koch-Grünberg, 1995Koch-Grünberg, T. (1995 [1909-1910]). Dos años entre los indios (2 Vols.). Universidad Nacional de Colombia. [1909-1910]), o presente dossiê possa fazer jus, nos tempos de hoje, à diversidade sociocultural já documentada por esse trabalho pioneiro realizado há 120 anos. E, como uma dupla homenagem, no centenário da morte de seu autor.

A região do noroeste amazônico é, com efeito, reconhecidamente uma área de grande diversidade cultural e linguística que conforma uma vasta rede de relações sociais, integradas através de trocas matrimoniais, rituais e de bens. Em sua porção situada em território brasileiro, habitam atualmente 22 povos indígenas, que são agrupados em três grandes famílias linguísticas: Tukano oriental (Cubeo, Desana, Tukano, Miriti-Tapuia, Arapasso, Tuyuka, Makuna, Bará, Barasana, Siriano, Carapanã, Wanano e Pira-Tapuia); Arawak (Tariano, Baniwa, Kuripako, Warekena e Baré); e Naduhup (Hup, Yuhup, Nadëb e Däw)4 4 Os grupos tukano e arawak, sedentários e agricultores, possuem suas comunidades estabelecidas nas margens desses rios, ao passo que os grupos naduhup, caçadores/coletores seminômades, ocupam as áreas interfluviais da bacia do rio Uaupés e também nos rios Negro, Téa e Enuixi. Para um quadro demográfico e étnico mais amplo, ver Scolfaro et al. (2014). . Esses grupos ocupam cerca de 750 povoados de tamanhos variáveis, estabelecidos ao longo dos rios Negro, Uaupés, Tiquié, Papuri, Içana, Aiari, Xié, Curicuriari, Téa, Jurubaxi, Enuixi, Padauiri e vários outros afluentes menores, perfazendo, segundo o IBGE (2012)Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2012). Censo demográfico 2010: características gerais dos indígenas. IBGE., uma população indígena total de cerca de 48 mil pessoas, nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. As bacias desses rios são incluídas em um conjunto de nove terras indígenas, sendo oito delas contíguas, cuja extensão ultrapassa os 12 milhões de hectares5 5 As TIs contíguas são: Alto Rio Negro, Apaporis, Médio Rio Negro I, Rio Téa, Jurubaxi-Téa, Médio Rio Negro II, Cué-Cué Marabitanas e Balaio; a não contígua é a TI Uneuixi. Há, ainda, terras indígenas em processo de reconhecimento oficial no médio rio Negro. .

A diversidade cultural e linguística da região é apontada desde os primeiros registros sobre a região, no século XVI (Acuña, 1994Acuña, C. (1994 [1641]). Novo descobrimento do grande rio das Amazonas. Agir. [1641]; Carvajal, 2011Carvajal, G. (2011 [1542]). Descubrimiento del río de las Amazonas por el Capitán Francisco de Orellana. Prensas de la Biblioteca Nacional. [1542]), e seguiu sendo notada ao longo da história de ocupação colonial, sobretudo a partir do final do século XVIII, com os registros das expedições de Noronha (2006 [1768])Noronha, J. M. (2006 [1768]). Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias do Sertão da Província (1768). Edusp., Sampaio (1823 [1774-1775])Sampaio, F. X. R. (1823 [1774-1775]). Diário da viagem que em visita, e correição das povoações da capitania de S. José do Rio Negro fez o ouvidor e intendente geral da mesma no anno de 1774 e 1775. Typografia da Academia. e Ferreira (1983 [1785])Ferreira, A. R. (1983 [1785]). Viagem filosófica ao rio Negro. Museu Paraense Emílio Goeldi.. Mais recentemente, estudos arqueológicos feitos por Neves (2006)Neves, E. G. (2006). Tradição oral e arqueologia na história indígena no alto rio Negro. In L. Forline, R. Murrieta & I. Vieira (Orgs.), Amazônia além dos 500 anos (pp. 71-108). Museu Paraense Emílio Goeldi., Vidal (1993)Vidal, S. (1993). Reconstrucción de los procesos de etnogenesis y de reproducción social entre los baré de rio Negro, siglos XVI-XVIII [Tese de doutorado, Instituto Venezolano de Investigaciones Cientificas]. e Vidal e Zucchi (1999)Vidal, S. M., & Zucchi, A. (1999). Efectos de las expansiones coloniales en las poblaciones indígenas del Noroeste Amazônico (1798-1830). Colonial Latin American Review, 8(1), 113-132. https://doi.org/10.1080/10609169984782
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atestaram que a existência do sistema regional do noroeste amazônico é anterior ao processo colonial e que é possível aventar a hipótese de que os povos dessas três grandes famílias linguísticas habitam a região há pelo menos dois mil anos. Esses trabalhos sugerem não apenas a anterioridade do sistema social do noroeste amazônico em relação à colonização, mas também que suas fronteiras seriam ainda mais amplas no passado, alcançando as bacias do Orinoco e de Japurá.

Assim, ao mesmo tempo que constatamos uma grande diversidade cultural e linguística no sistema social do noroeste amazônico, verificamos grande profundidade temporal em sua formação, o que gera uma impressão de fechamento e lhe confere certa homogeneidade. Essa impressão, não obstante a diversidade interna, é reforçada por uma série de aspectos mais gerais, compartilhados pelos diversos povos presentes na região. Como é bem sabido, as etnografias da região apontam ali a ocorrência de clãs patrilineares e virilocais agrupados em séries hierárquicas enquanto irmãos maiores e menores e que conformam grupos exogâmicos mais inclusivos (povos, fratrias, ou etnias, como Tukano, Desana, Baniwa etc.), entre os quais circulam as mulheres por meio da tão reafirmada regra da exogamia (linguística). Esta imagem de grupos trocadores de irmãs tem como correlato a posse de um patrimônio de bens materiais e imateriais (como flautas e ornamentos cerimoniais, cantos, nomes e narrativas particulares), herdados de seus ancestrais e transmitidos através de gerações. A distribuição espacial desses grupos exogâmicos é extremamente variada, sendo poucos os casos em que ainda se verifica sua concentração (ideal) em um mesmo trecho de rio ou em um dado território. Verifica-se, assim, a ocorrência de variados arranjos locais, baseados tanto em relações agnáticas como em relações de aliança. A partir de fins do século XVII, a colonização passou, sem dúvida, a influenciar fortemente os padrões locais de dispersão-concentração, promovendo descimentos, escravização, deslocamentos forçados para os seringais, refluxo para zonas mais isoladas, concentrações em centros missionários, e, mais recentemente, um acentuado processo de urbanização. Esses grupos, porém, permaneceram articulados entre si, levando a etnografia regional, que se consolidou entre as décadas de 1960 e 1970, a descrevê-los como parte de um grande sistema de trocas matrimoniais, rituais e econômicas6 6 A já longa tradição de estudos monográficos realizados no noroeste amazônico inclui desde trabalhos pioneiros a alguns bem recentes, distinguindo-se no contexto da etnologia das terras baixas da América do Sul. Os pioneiros são, sem dúvida, Goldman (1979 [1963], 2004) e Reichel-Dolmatoff (1971), aos quais seguiram-se C. Hugh-Jones (1979), S. Hugh-Jones (1979), Bidou (1976), Silverwood-Cope (1990), Reid (1979), Arhem (1981) e Jackson (1983). Uma safra mais recente é representada por Ribeiro (1995), Buchillet (1983), Chernela (1993), Correa (1996), Wright (1981, 1998), Hill (1993), Journet (1995), A. Oliveira (1995), Pozzobon (1983, 1991) e Athias (1995). A partir dos anos 2000, as pesquisas na região passaram a se multiplicar em ritmo acelerado. As teses de caráter monográfico já publicadas desse último período são: Garnelo (2003), Cabalzar (2008), Cayón (2013) e Ramos (2018). A teses de Lasmar (2005) e Andrello (2006), também publicadas nessa última fase, abordam situações de urbanização nas quais verifica-se uma articulação intensa de vários dos povos indígenas da região. Em 2018, por fim, foram publicadas as primeiras quatro dissertações de mestrado em antropologia defendidas por pesquisadores tukano na Universidade Federal do Amazonas (UFAM): J. P. Barreto (2018), J. R. Barreto (2018), Azevedo (2018) e G. Maia (2018). No mesmo ano, foi publicada a tese de Márcio Meira sobre a história do aviamento na região, a qual contém uma etnografia atual do fenômeno entre os Warekena e Baré do rio Xié (Meira, 2018). .

Essa rede de trocas fundamenta-se, por sua vez, em inúmeras versões de narrativas míticas compartilhadas sobre a origem do mundo e dos seres, em especial os ciclos que elaboram a origem dos instrumentos de sopro Jurupari e a viagem da ‘cobra-canoa’ da transformação, ambos relacionados à origem e à diversificação da humanidade, bem como à conformação de suas relações de parentesco. A profusão e a riqueza dessa mitologia compartilhada são tão vastas que levou Lévi-Strauss a afirmar que na região haveria uma verdadeira ‘confraria de sábios’, especialistas em diferentes gêneros orais, em grande medida esotéricos. A tudo isso se articula uma grande difusão regional de práticas rituais, com destaque para o ritual do Jurupari, que consiste na iniciação masculina com uso das flautas e trompetes secretos, e o ritual de dabucuri, no qual grupos aliados trocam alimentos e artefatos entre si (ver S. Hugh-Jones, 1993Hugh-Jones, S. (1993). Clear descent or ambiguous houses? A re-examination of Tukanoan social organization. L’Homme, (126-128), 95-120., 1995Hugh-Jones, S. (1995). Inside-out and back-to-front: the androgynous house in Northwest Amazonia. In J. Carsten & S. Hugh-Jones (Eds.), About the house: Lévi-Strauss and beyond (pp. 226-252). Cambridge University Press.). Igualmente disseminado pela região, verifica-se um conjunto de práticas xamânicas utilizadas para proteção e cura, entre as quais se destaca o uso de fórmulas verbais conhecidas regionalmente em português como benzimento (Buchillet, 1990Buchillet, D. (1990). Los poderes del hablar: terapia y agresión chamaníca entre los índios Desana del Vaupes brasilero. In E. Basso & J. Sherzer (Eds.), Las culturas nativas a traves de su discurso (Coleção 500 anos) (pp. 319-353). Abya-Yala.; Lolli, 2010Lolli, P. (2010). As redes de trocas rituais dos Yuhupdeh no igarapé Castanha, através dos benzimentos (mihdttd) e das flautas Jurupari (Ti’) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07122010-144829
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), entre outros. Por fim, é possível verificar em praticamente toda a região uma cultura material comum, com especialidades artesanais próprias a povos específicos (Chernela, 1992Chernela, J. (1992). Social meaning and material transaction: the Wanano-Tukano of Brazil and Colombia. Journal of Anthropological Archaeology, 11(2), 111-124. https://doi.org/10.1016/0278-4165(92)90016-5
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; Ribeiro, 1995Ribeiro, B. (1995). Os índios das águas pretas. Edusp.).

Esse quadro sintético, muitas vezes esboçado em maior ou menor detalhamento, suscita frequentemente indagações não apenas quanto à antiguidade do sistema, mas também quanto aos processos que haveriam levado à sua atual conformação, e cuja referência principal segue sendo a hipótese aventada por Koch-Grünberg (2005)Koch-Grünberg, T. (2005 [1909-1910]). Dois anos entre os indígenas: viagens no Noroeste do Brasil (1903-1905). EDUA., primeiramente, e seguida por Nimuendaju (2015 [1927])Nimuendaju, C. (2015 [1927]). Reconhecimentos dos rios Içana, Ayari e Uaupés. Museu do Índio. acerca da sequência do povoamento da área por seus diferentes povos (a sucessão naduhup, arawak/tukano, europeus). Por vezes, a questão é formulada em termos da assimilação dos aspectos mais emblemáticos da socialidade regional a este ou aquele conjunto linguístico. Já houve comentários críticos acerca de um certo viés tukano que marcou a etnografia da região em sua fase inicial (anos 1960 e 1970), algo que de modo algum faria jus à sua composição demográfica e territorial, majoritamente arawak (ver Reid, 1979Reid, H. (1979). Some aspects of movement, growth and change among the Hupdu Maku indians of Brazil [Tese de doutorado, University of Cambridge].; S. Hugh-Jones, 1996Hugh-Jones, S. (1996). La paix des jardins: structures sociales des Indiens curripaco du haut Rio Negro (Colombie). American Anthropologist, 98(3), 672-673.; Marques & Ramos, 2019Marques, B., & Ramos, D. (2019). Dissoluções necessárias: a perspectiva Hupd’ah do “sistema regional do alto rio Negro”. Espaço Ameríndio, 13(2), 104-131. https://doi.org/10.22456/1982-6524.93602
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). A partir de então, com os trabalhos de Wright (1981)Wright, R. (1981). History and religion of the Baniwa peoples of the Upper Rio Negro Valley [Tese de doutorado, Stanford University]., Hill (1993)Hill, J. (1993). Keepers of sacred chants: the poetics of ritual power in an Amazonian society. The University of Arizona Press. e Journet (1995)Journet, N. (1995). Les paix des jardins: structures sociales des Indiens curripaco du haut Rio Negro (Colombie). Institut d’Ethnologie, Musée de L’Homme., na década de 1980, os processos históricos e políticos que resultaram na formação desse extenso sistema social regional passaram a ser objeto de hipóteses que defendem uma precedência dos grupos arawak na região, para os quais é atribuída a origem de seus aspectos mais marcantes, entre eles um sistema regional constituído por unidades exogâmicas e patrilineares, uma rede de trocas de longa distância, um esquema de hierarquias sociais referenciado aos mitos de origem e uma atribuição generalizada de significados cosmológicos às paisagens. Tais hipóteses baseiam-se em informação arqueológica e em comparações com grupos arawak de outras partes da América do Sul, bem como em sua ampla dispersão de alcance continental (ver Hill, 1996Hill, J. (1996). Ethnogenesis in the Northwestern Amazon: an emerging regional picture. In Autor (Ed.), History, power and identity: ethnogenesis in the Americas, 1492-1992 (pp. 142-160). University of Iowa Press.; Vidal, 1999Vidal, S. (1999). Amerindian groups of northwest Amazonia: their regional system of political-religious hierarchies. Anthropos, 94, 515-528.; Hill & Santos-Granero, 2002Hill, J., & Santos-Granero, F. (2002). Comparative Arawakan histories: rethinking language family and culture area in Amazonia. University of Illinois Press.). Mas se trata de questão controversa, e que, em alguma medida, foi deixada em hibernação por alguns anos, certamente pela carência de um maior investimento em pesquisas arqueológicas e linguísticas.

Uma nova abordagem do problema tornou-se, no entanto, possível nos últimos anos. Em um instigante artigo que revisa a produção mais recente nessas áreas, Cayón e Chacon (2022)Cayón, L., & Chacon, T. (2022). Diversity, multilingualism and inter-ethnic relations in the long-term history of the Upper Rio Negro region of the Amazon. Focus, 13(1), 20220050. https://doi.org/10.1098/rsfs.2022.0050
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vieram a sugerir que a formação da rede social do alto rio Negro deve ser compreendida a partir da consideração de vários processos de interação e diferenciação linguística de longa duração que tiveram lugar em diversas áreas do noroeste amazônico, da Amazônia central e do Orinoco. De modo importante, os autores sugerem, entre outros pontos, que a existência de distintas fases cerâmicas na Amazônia central e na porção média do eixo Japurá-Caquetá indicam interações muito antigas entre povos falantes de diferentes famílias linguísticas (pelo menos 1.000 antes da era comum). Nesta última zona, seria, inclusive, plausível pensar em uma ecologia multilíngue anterior à chegada dos povos Arawak à região – e assim sugerir processos de arawakização ou tukanização de povos falantes de outras línguas. Dessa perspectiva, a sequência cronológica do povoamento deixa de ocupar o centro da cena enquanto questão crucial a ser elucidada, abrindo espaço para outras perguntas referentes a possíveis interações em diferentes sentidos, sobretudo se pudermos vir a distinguir, em narrativas indígenas, deslocamentos espaciais coletivos anteriores e posteriores à chegada dos colonizadores que facilitem novos ângulos de visão.

Essas narrativas apontam para informações relativas tanto à história humana mais profunda na região quanto para as práxis indígenas contemporâneas. Ainda que específicas aos diferentes grupos, detalham movimentos populacionais de maior ou menor antiguidade e identificam locais específicos na paisagem onde seus ancestrais moldaram o mundo como é hoje conhecido. Essas narrativas também mencionam as origens da agricultura e da pesca nos rios maiores e trazem a história da nomeação e da domesticação de diferentes ambientes7 7 Vale registrar que alguns desses elementos foram objetos em anos recentes de processos de patrimonialização conduzidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em 2006, a Cachoeira de Iauaretê foi registrada como ‘lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri’, e, em 2010, foi registrado o ‘Sistema Agrícola Tradicional do rio Negro’, tendo como titulares os vinte e dois povos indígenas dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos, Amazonas. Em ambos os casos, esses bens culturais foram reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro de caráter imaterial, ganhando registros nos respectivos livros de lugares e saberes (ver IPHAN, 2007, 2019). . Histórias orais referentes a guerras pré-coloniais são compatíveis com os dados arqueológicos disponíveis, que, por sua vez, situam esses eventos por volta do século XII d.C. (Neves, 2006Neves, E. G. (2006). Tradição oral e arqueologia na história indígena no alto rio Negro. In L. Forline, R. Murrieta & I. Vieira (Orgs.), Amazônia além dos 500 anos (pp. 71-108). Museu Paraense Emílio Goeldi.). Nesse sentido, a região apresenta uma série de historicidades que atravessam também a história colonial e cujas articulações ainda aguardam exploração. Seus índices incluem sítios pré-coloniais e assentamentos coloniais, bem como remanescentes de ocupações mais recentes. Neste âmbito, informações locais mencionam a existência de terras pretas antropogênicas; um variado arsenal de artefatos cerâmicos e líticos; e edificações históricas, como os fortes coloniais de São Gabriel da Cachoeira e São José de Marabitanas, além de casas de negociantes do tempo da borracha. Tal perspectiva demanda trabalho colaborativo, envolvendo arqueólogos, historiadores, linguistas e antropólogos. Ainda que de maneira modesta, este dossiê, ao adotar uma perspectiva interdisciplinar, visa apontar alguns caminhos de diálogo que vêm se constituindo ao longo das últimas duas décadas.

Sabemos que, distante do litoral, o rio Negro se configurou, pelo menos desde o final do século XVII, como uma região de colonização antiga na Amazônia, em decorrência tanto das facilidades de acesso fluvial como pela abundância de mão de obra indígena. Os assentamentos coloniais foram se estabelecendo em aldeias indígenas pré-existentes, e o processo colonial, a partir de então, passou a exercer um novo conjunto de pressões no interior desse sistema, com descimentos e deslocamentos forçados. Mas, como mencionamos, esses povos permaneceram articulados entre si, absorvendo as vicissitudes dessa história mais recente e as incorporando, a seu modo, em diferentes registros cosmopolíticos. A nosso ver, foi essa capacidade extraordinária de (re)existência que permitiu à etnografia regional documentá-los como integrantes de um grande sistema de trocas, reiterando, assim, os relatos pioneiros de Theodor Koch-Grünberg e Curt Nimuendaju. Disso resulta que as diferentes modalidades de relação operadas pelos coletivos da região em séculos de colonização – entre alianças e rupturas, internas e externas, entre diferentes povos indígenas e destes com os brancos – certamente desempenharam papel decisivo na continuidade histórica da rede regional do noroeste amazônico. Assim, como propôs Gow (2002)Gow, P. (2002). Piro, Apurinã and Campa: social dissimilation and assimilation as historical processes in southwestern Amazonia. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories: rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 147-170). University of Illinois Press. quanto ao caso dos Arawak do sudoeste da Amazônia (Piro, Campa, Apurinã), parece-nos plausível sugerir que, para além de uma visão catastrófica que supõe uma imagem edênica da Amazônia indígena anterior à chegada dos europeus, as relações que mobilizaram esses povos na produção compartilhada de seus mundos pré-coloniais seguiram em operação ao longo da história da colonização até o presente.

Isso significa considerar que, entre fissões e fusões ocorridas entre povos indígenas ao longo do tempo, bem como entre aproximações e afastamentos com relação a militares, patrões e missionários ao longo da colonização, trata-se de processos que refletem os modos pelos quais os povos da região investiram em relações com diferentes instâncias da alteridade, a partir das quais puderam seguir produzindo a si mesmos. Segundo Gow (2002, p. 169)Gow, P. (2002). Piro, Apurinã and Campa: social dissimilation and assimilation as historical processes in southwestern Amazonia. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories: rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 147-170). University of Illinois Press., trata-se de processos que devemos investigar se “queremos integrar nosso entendimento acerca de como os povos indígenas contemporâneos da Amazônia vieram historicamente a viver suas vidas de hoje ao nosso entendimento dos significados que essas vidas têm para eles próprios”. Com essa sugestão, queremos sublinhar que os processos que levaram o sistema social do noroeste amazônico a assumir sua feição contemporânea não são problemas exclusivos de antropólogos, arqueólogos e linguistas, mas situam-se proeminentemente no cerne das expressões narrativas e rituais dos povos indígenas da região. Assim, verificamos que o esforço em especular e debater sobre a origem da vida social, bem como sobre seu desdobramento constante no tempo, constitui um problema igualmente indígena. A esse respeito, vale citar mais uma vez a frase com a qual Goldman (1979 [1963])Goldman, I. (1979 [1963]). The Cubeo: Indians of the Northwest Amazon. University of Illinois Press., tratando dos Kubeo, caracterizou classicamente as unidades sociais do noroeste amazônico:

. . . it may be inferred that the history of the Nothwest Amazon has been one of constant formation and disruption of sociopolitical entities. What a tribe is at a time is a core of sib segments that may have preserved through time and then have drawn to them new sibs from people speaking the same as well as other languages. The Cubeo tribe. . . . seems to be an aggregate of Tucanoan-speaking, Arawakan-speaking, and Macuan-speaking peoples. A particular sib that belongs to one tribe today may incorporate itself into another tomorrow

(Goldman, 1979Goldman, I. (1979 [1963]). The Cubeo: Indians of the Northwest Amazon. University of Illinois Press. [1963], pp. 99-100).

Anos mais tarde, por ocasião da publicação póstuma de seu segundo livro sobre os Kubeo, Goldman (2004)Goldman, I. (2004). Cubeo Hehénewa religious thought: metaphysics of a Northwestern Amazonian people. Columbia University Press. defendeu que as fratrias desse grupo apresentariam uma estrutura que se constitui como um ‘memorial de sua própria formação’, isto é, sua composição por agregação progressiva de clãs (ou sibs) de distintas origens e posições hierárquicas atribuir-lhe-ia uma feição peculiar, resultado de uma história muito particular – e aqui se revela o caráter diverso das historicidades em articulação, na medida em que cada história particular constitui um fio que compõe a trama das relações do sistema social do noroeste amazônico. No mesmo sentido, Goldman (2004)Goldman, I. (2004). Cubeo Hehénewa religious thought: metaphysics of a Northwestern Amazonian people. Columbia University Press. afirma que os rituais em que clãs aliados participam conjuntamente constituem-se como ‘museus vivos de suas origens’ respectivas, de modo que a memória de uma trajetória ritualmente enunciada revelaria uma sucessão ou variação de formas, ou seja, um registro da própria estrutura interna das fratrias kubeo. Esse dado, leva o autor a concluir que o sistema social do noroeste amazônico figura desde o ponto de vista indígena não como uma ‘rocha’, mas como uma entidade cambiante e imperfeita em muitos aspectos; uma criação que estava, por assim dizer, ainda sendo completada por aqueles que dela participam. As afirmações de Goldman (2004)Goldman, I. (2004). Cubeo Hehénewa religious thought: metaphysics of a Northwestern Amazonian people. Columbia University Press. nos parecem, assim, reiterar a sugestão de Gow (2002, p. 167)Gow, P. (2002). Piro, Apurinã and Campa: social dissimilation and assimilation as historical processes in southwestern Amazonia. In J. Hill & F. Santos-Granero (Eds.), Comparative Arawakan histories: rethinking language family and culture area in Amazonia (pp. 147-170). University of Illinois Press. a que aludimos acima, para quem, no mais, “os tipos de processos que construíram o mundo estão correntemente operando no mundo”. Em suma, pensamos ser possível afirmar que os dispositivos que viabilizaram a produção histórica da rede social do noroeste amazônico seguem operando no presente, o que nos permite sugerir que seus modos de funcionamento na atualidade poderão guiar a compreensão de suas historicidades. Queremos, com isso, afirmar que será preciso levar realmente a sério as narrativas indígenas, mas não somente com o intuito de identificar nelas elementos que possam complementar e/ou corroborar o que podemos aprender através de fontes escritas ou arqueológicas, mas sobretudo para buscar apreender a rede social do noroeste amazônico também nos termos de sua historicidade plural.

Seguindo os passos de Irving Goldman, parece, assim, plausível considerar que a formulação e a reformulação constantes de narrativas sociocosmológicas situam-se no cerne dessa extensa rede social, dotando-a de uma dinâmica transformacional muito peculiar, por meio da qual uma miríade de posições é objeto permanente de elaborações tão concorrentes como complementares. Esse quadro dinâmico de relações – que opera fundamentalmente através de relatos referentes a temas como deslocamentos espaciais da (proto)humanidade e seus demiurgos, instauração do parentesco humano e da exogamia, processos de concentração e dispersão dos povos, conflitos, alianças e parcerias rituais – resulta em uma extrema variabilidade na composição dos grupos locais, e cuja expressão é uma proliferação de listas de nomes de patri-clãs ou sibs que conformam os vários conjuntos exogâmicos (Tukano, Desana Baniwa etc.), marcadas pelo idioma da senioridade e da hierarquia entre suas unidades. Nesse cenário, definir o número preciso de grupos e subgrupos é tarefa fadada, portanto, ao insucesso (ver exemplo tukano em A. Maia e Andrello, 2019Maia, A., & Andrello, G. (2019). Ye’pâ- Di’iro-Mahsã, gente de carne da terra: os Tukano do rio Vaupés. Mundo Amazónico, 10(1), 53-81. http://dx.doi.org/10.15446/ma.v10n1.74221
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).

Esses fatores sugerem que o modo de operação da rede social do noroeste amazônico baseia-se, talvez sobretudo, na circulação contínua de conhecimentos relativos a esses temas, um corpus narrativo em composição permanente. A extensão, a forma e o funcionamento dessa rede não podem ser definidos, desse modo, se prescindirmos das muitas imagens que ela produz de si mesma, seja em termos da origem compartilhada dos seres (humanos e não humanos), seja da flutuação constante dos grupos sociais no presente. Isso, porém, não significa que se possa minimizar a chegada do colonizador branco. Como efeito, este acontecimento introduz novos ingredientes ao quadro, os quais devem ser ponderados igualmente por meio de sua integração às narrativas locais. Sabemos que, via de regra, isso se dá pela ocorrência de motivos míticos bastante singulares, como a visão indígena do branco enquanto um intrépido e violento irmão mais novo dos índios, deixado pela cobra-canoa no outro lado do oceano, ou como o beneficiário de uma escolha mais acertada de armas e técnicas oferecidas pelo demiurgo – o célebre e generalizado motivo da escolha das armas entre o arco e o fuzil, que vai definir o modo como índios e brancos irão fazer suas vidas diferentemente (ver S. Hugh-Jones, 1988Hugh-Jones, S. (1988). The gun and the bow: myths of white men and Indians. L’Homme, 28(2-3), 138-155.).

De modo saliente, o que se verifica nessas histórias é que elas não elaboram a origem dos brancos de modo independente daquela que trata mais amplamente da origem da humanidade indígena. Esse traço não nos parece trivial, e além do mais se desdobra em histórias sobre autoridades, comerciantes, patrões e missionários que vieram a se estabelecer permanentemente na região em tempos mais recentes (Wright, 2005Wright, R. (2005). História indígena e do indigenismo no noroeste amazônico. Mercado de Letras.; Meira, 2018Meira, M. (2018). A persistência do aviamento: colonialismo e história indígena no noroeste amazônico. Editora da UFSCar.). Em princípio, tal como a origem dos índios é concebida como um processo lento e paulatino de diversificação, os brancos aparecem inicialmente como uma figura única, dotada de poderes variados, para, mais tarde, ressurgir na forma de diferentes modalidades de atores, com atributos e instrumentos particulares. Em seu retorno tardio à região, por assim dizer, a figura do branco é, em grande medida, intrigante: como dizem algumas pessoas da região, mesmo os missionários que perseguiam as culturas e os rituais indígenas se põem hoje a falar de revitalização cultural (Andrello, 2006Andrello, G. (2006). Cidade do índio: transformações e cotidiano em Iauaretê. Editora UNESP.).

Tudo isso sugere que as transformações da rede de relações sociais do noroeste amazônico não devem ser imputadas exclusivamente à chegada dos brancos, mas tomadas como um processo contínuo, no qual as diferentes fases da colonização acrescentam um ingrediente a mais de complexidade e violências, bem como introduzem questões e problemas para a especulação e a reflexão nativas.

Nesse sentido, parece-nos recomendável pensá-las sob o prisma do que chamaríamos de uma multitemporalidade, na qual se articulam as narrativas indígenas sobre a origem do mundo e de seus ciclos naturais àquelas referentes à formação, ao crescimento ou à dissolução de muitos coletivos. A ambas as dimensões se integra a chegada do colonizador branco e seus impactos sobre os povos indígenas da região. Assim, uma primeira chave temporal diria respeito aos ciclos mítico-ecológicos, por assim dizer, movimento no qual os seres, de modo geral, e o ambiente formam-se e transformam-se paralelamente. Uma segunda refere-se à emergência dos grupos e do parentesco humano propriamente dito, ao final da era mítica, que envolve a diversificação das línguas e a conformação de grupos exogâmicos (clãs ou sibs) codependentes entre si, e cuja série pode variar significativamente a cada narrativa. Por fim, temos o tempo posterior à chegada (ou ao retorno) dos brancos à cena, a partir do qual os povos indígenas assistiram a uma sucessão diferenciada de fases de opressão e violências perpetradas por militares, comerciantes e missionários.

Mas o ponto é que não se trata de isolar esses ‘tempos’, ou de reiterar um encadeamento linear que, por vezes, as extensas narrativas indígenas da região podem adotar. Ao invés disso, a hipótese que nos parece relevante explorar é a de que esses ‘tempos’ se entrelaçam de modo complexo, que aquilo que se passa em um deles pode afetar os demais, e que, portanto, um mesmo acontecimento pode tanto pesar sobre o presente quanto acarretar efeitos sobre o passado e o futuro. Assim, se falamos em historicidades, é no intuito de evitar uma história dos fatos “tais como aconteceram” (Benjamin, 2012Benjamin, W. (2012). O anjo da história. Editora Autêntica., pp. 11-12), supostamente passíveis de fixação no papel. Trata-se, então, de pôr em evidência os variados modos de (re)articular o passado para apreender uma história eminentemente transformacional, tal como a dos eventos das sagas míticas inscritas nas paisagens. Uma outra história que, diferentemente daquela exclusivamente contada a partir de fontes documentais, se renova a cada vez que uma geração a revive – discursivamente ou ritualmente, ou ainda viajando pela região – em contextos do presente.

Assim, embora as extensas narrativas indígenas do noroeste amazônico sejam, via de regra, analisadas desde o ângulo daquele encadeamento temporal tripartite (S. Hugh-Jones, 2012Hugh-Jones, S. (2012). Escrever na pedra, escrever no papel. In G. Andrello (Org.), Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do rio Negro (pp. 138-167). ISA.; Andrello & Vianna, 2022Andrello, G., & Vianna, J. (2022). A humanidade e seus gêneros: mito, parentesco e diferença no noroeste amazônico. Revista de Antropologia, 65(1), 1-31. https://doi.org/10.11606/1678-9857.ra.2022.192786
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), é no mesmo espaço físico – ao longo das grandes extensões dos cursos dos rios da região – que suas marcas no presente são identificadas (Andrello, 2012Andrello, G. (Org.). (2012). Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do rio Negro. ISA.), uma vez que todos os mitos e histórias orais são projetados e inscritos na paisagem da região. Como já foi apontado por vários etnólogos (Santos-Granero, 1998Santos-Granero, F. (1998). Writing history into the landscape: space, myth and ritual in contemporary Amazonia. American Ethnologist, 25(2), 128-48.; Chaumeil, 2007Chaumeil, J. P. (2007). Bones, flutes and the dead: memory and funerary Treatments in Amazônia. In C. Fausto & M. Haeckenberger (Orgs.), Time and memory in indigenous Amazonia (pp. 243-283). University Press of Florida.; S. Hugh-Jones, 2012Hugh-Jones, S. (2012). Escrever na pedra, escrever no papel. In G. Andrello (Org.), Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do rio Negro (pp. 138-167). ISA.), essa ‘escrita na paisagem’ é um recurso por meio do qual uma sequência de eventos ‘mito-históricos’ é transcrita nos elementos da topografia, que forneceriam, assim, um recurso mnemônico eficaz para o registro de eventos relevantes de uma história coletiva – alguns autores associam este dispositivo a povos que demonstram algum tipo de segmentação em clãs ou outros sub-grupos e apresentam noções correlatas de ancestralidade e descendência. Este é, sabidamente, o caso dos povos noroeste amazônico, entre os quais, além disso, verifica-se uma recorrência da correlação entre os mesmos temas e motivos míticos a lugares bastantes distanciados entre si – as cachoeiras de Hipana, no rio Aiari, e Ipanoré, no rio Uaupés, são, por exemplo, consideradas lugares de emergência da humanidade desde o ponto de vista dos povos Arawak e Tukano, respectivamente.

A reiteração de motivos míticos ao longo desses percursos geográficos, assim como os eventos do processo colonial que eles codificam simultaneamente, parece determinar a própria forma como essa ‘escrita na paisagem’ é efetuada. Seguindo uma sugestão de S. Hugh-Jones (2012)Hugh-Jones, S. (2012). Escrever na pedra, escrever no papel. In G. Andrello (Org.), Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do rio Negro (pp. 138-167). ISA., não se trata exatamente de ‘ler uma história’ na paisagem, inserindo-lhe informação e dotando, assim, a topografia dos rios de uma eficácia mnemônica. A atenção cuidadosa dos povos da região ao ambiente e a seus mais diversos elementos sugere, por outro lado, um tipo de engajamento com a paisagem que faz emergir os conteúdos mais variados, ainda que de modo recursivo. Como sugere o autor, nas longas viagens das pessoas pela região, tanto se inserem como se extraem informações, de modo que os deslocamentos no espaço, favorecendo uma rememoração de acontecimentos de outros tempos, levam a um escrutínio permanente do que passou ou não ao longo do tempo (ver Andrello, 2012Andrello, G. (Org.). (2012). Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do rio Negro. ISA.). Assim, como notou Coelho de Souza (2018)Coelho de Souza, M. (2018). A vida dos lugares entre os Kisêdjê: toponímia como terminologia de relação. Espaço Ameríndio, 12(1), 9-49. https://doi.org/10.22456/1982-6524.75131
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, paralelamente a esses processos de espacialização da memória, articula-se simultaneamente uma ‘temporalização do espaço’, pois pontos e lugares significativos em suas próprias características materiais e semióticas apontam para distintos modos de duração. Dessa maneira, acontecimentos de diferentes tempos podem coalescer no mesmo espaço, promovendo virtualmente uma continuidade entre as transformações que marcam o tempo pré-humano do mito e o tempo humano do parentesco; e ambos ao frenesi trágico da colonização8 8 Na falta de espaço aqui para elaborar essas sugestões a contento, deixamos uma citação de S. Hugh-Jones (2012, p. 152) que nos parece caucionar o que estamos propondo: “petroglifos e cachoeiras não são apenas uma forma de história materializada, eles sintetizam modos diferentes de pensar o tempo. Petroglifos são os traços dos ancestrais impressos nas pedras quando essas pedras eram jovens e moles; eles são aspectos ou dimensões do passado imutável que se intrometem no presente mutável, e, portanto, fornecem uma ponte entre os dois tempos”. Essa coalescência no espaço de acontecimentos que se distanciam cronologicamente é possivelmente do mesmo tipo que aquela apontada por Deleuze (2013) entre imagem atual e imagem virtual. Forma-se daí uma imagem-cristal, bifacial, imagem-mútua, que cristaliza, precisamente, uma imagem experimentada no presente com outra oriunda de uma lembrança pura, ativada pela memória do passado de acordo com as necessidades do presente. “A imagem-cristal não é o tempo, mas vemos o tempo no cristal. . . . o tempo não cronológico dentro do cristal” (Deleuze, 2013, p. 102). Lembremos, apenas de passagem, da importância dos cristais de quartzo nos conjuntos de ornamentos ancestrais dos povos indígenas do rio Negro. Suspeitamos que haja algo a se extrair disso com apoio nas formulações acima de Deleuze (2013). .

Assim, mais do que tomar as histórias e práticas indígenas do presente como metáforas da violência colonial (Hill, 1998Hill, J. D. (1998). Violent encounters: ethnogenesis and ethnocide in long-term contact situations. In J. G. Cusick (Ed.), Studies in culture contact: interaction, culture change and archaeology (pp. 146-171). Southern Illinois University., 2009Hill, J. (2009). Made from bone: trickster myths, music, and history from the Amazon. University of Illinois Press.; Hill & Santos-Granero, 2002Hill, J., & Santos-Granero, F. (2002). Comparative Arawakan histories: rethinking language family and culture area in Amazonia. University of Illinois Press.) – que haveria, assim, sobredeterminado a conformação das unidades sociais e de sua rede de relações tal como viemos a conhecê-las desde a viagem inaugural de Koch-Grünberg –, queremos, com os trabalhos reunidos neste dossiê, sugerir que é ainda preciso empreender maiores esforços para a compreensão das historicidades da região. Isso quer dizer que, sem prescindir de fontes históricas e arqueológicas, é preciso seguir observando não apenas as mobilizações indígenas face aos dilemas do presente, mas também como estão a elaborar os desafios do futuro, pois é nesse contexto, paralelamente à pesquisa em arquivos e escavações, que o passado segue sendo apreendido e (re)articulado através de novos prismas. Esse direcionamento irá se evidenciar mais claramente com a publicação do segundo número do presente dossiê, previsto, como indicamos, para o terceiro quadrimestre de 2024. Para essa ocasião, contaremos com um bloco de artigos intitulado “Histórias do rio Negro”, para o qual esperamos contar com a contribuição de aproximadamente dez artigos, que irão cobrir um leque variado de temas: de achados arqueológicos recentes em São Gabriel da Cachoeira e movimentos populacionais na Barcelos, no século XVIII, passando por relatos baniwa sobre descimentos e relações com patrões entre os séculos XVII e XX, e chegando até a emergência de lideranças indígenas contemporâneas e o envolvimento de povos e associações indígenas com burocracia e políticas públicas. Esse conjunto de trabalhos trata especialmente de diferentes conjunturas históricas e do modo como diferentes povos vieram a se mover nessas situações incertas. Além disso, há também trabalhos que tratam de outros tipos de transformação, tais como: o movimento dos ornamentos cerimoniais que eram mantidos em caixas suspensas no teto das malocas para as coleções etnográficas que vieram a compor acervos em diferentes museus; as mudanças no gosto e no padrão alimentar referentes a beijus e farinhas; e a modulação da ‘gente-peixe’, tal como concebida pelos Tukano do rio Uaupés, em encantados baré do médio rio Negro. Haverá também, na seção Memória, um encarte fotográfico com imagens registradas por Eduardo e Clara Galvão nos rios Negro e Içana na década de 1950, pertencentes ao arquivo histórico do Museu Goeldi. Um importante destaque nesse número será certamente a reflexão conjunta em elaboração por quatro antropólogos indígenas (João Paulo Barreto, Justino Sarmento Tuyuka, Jaime Diakara e Dagoberto Lima Azevedo) sobre suas pesquisas recentes, que se materializaram em teses e dissertações defendidas recentemente na Universidade Federal do Amazonas. Esse exercício concentra-se em seus próprios trabalhos, mas não deixa de os situar no quadro mais abrangente das pesquisas que vêm sendo realizadas pelos antropólogos não indígenas no noroeste amazônico.

Quanto ao presente número, decidimos dividi-lo em dois blocos: “Mapeamentos e contramapeamentos” e “Socialidades e nomes”. O primeiro conta com três artigos – de Pedroso (2024)Pedroso, D. R. (2024). Miragens cartográficas: lugares e narrativas de origem em disputa no alto rio Uaupés, Amazonas, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230033. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0033
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, Marques (2024)Marques, B. (2024). O que pode um mapa? Agência nos traços e caminhos dos desenhos do povo Hupd’äh. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230032. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0032
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e Rocha e Chacon (2024)Rocha, P., & Chacon, T. C. (2024). Entre territórios e mundos: espacialidade e contracartografia kotiria e kubeo no rio Uaupés, Amazonas, Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230042. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0042
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–, todos referentes a experiências que se desenrolaram entre 2015 e 2018 no âmbito da elaboração dos Planos de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) das terras indígenas do rio Negro, amplo trabalho coletivo que envolveu dezenas de pesquisadores indígenas e não indígenas, patrocinados por várias instituições e coordenado em parceria entre a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), o ISA e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) (Scolfaro & Dias, 2021Scolfaro, A., & Dias, C. (Orgs.). (2021). PGTA Wasu: plano de gestão indígena do alto e médio Rio Negro. Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. https://pgtas.foirn.org.br/
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). Os artigos se concentram nos territórios de três povos, Kubeo, Kotiria (Wanano) e Hupd’äh, apresentando um conjunto sólido de dados empíricos e, assim, aprofundando algumas das ideias que esboçamos acima sobre a relação entre histórias orais e paisagens. Por todos esses motivos, pareceu-nos que esses trabalhos deveriam figurar logo na abertura do presente dossiê. De modo geral, esses trabalhos refletem sobre os efeitos da incorporação por esses povos de novos instrumentos cartográficos, processo pelo qual os mapas adentram um circuito local de debates e negociações acerca dos atributos expressos nas extensas toponímias que figuram nas narrativas de surgimento, deslocamento e fixação dos grupos sociais. Pleitos e contrapleitos em torno de acontecimentos decisivos que levaram distintos segmentos desses povos a se distribuir por diferentes zonas no presente ganham, assim, uma nova forma de expressão, ao mesmo tempo que apontam para paisagens invisíveis que deslocam nossas formas convencionais de representar o espaço. A essas paisagens invisíveis correspondem outros ‘usos’ da terra e de seus ‘recursos’, que, por sua vez, implicam modos respeitosos e cuidadosos de se relacionar com ela.

O segundo bloco reúne seis artigos. Nele, as histórias, que no bloco anterior apareceram inscritas no território, manifestam-se implicitamente nas formas pelas quais os grupos sociais compõem-se e recompõem-se contínua e reciprocamente entre si. E além disso, uma atenção especial é dedicada ao problema das denominações de coletivos e pessoas enquanto dispositivo que pauta o reconhecimento mútuo entre eles. Após um primeiro artigo, de Cayón (2024)Cayón, L. (2024). Names, places, and dance houses: social units among the Eastern Tukanoans. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230028. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0028
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, que revisa os modelos clássicos de estrutura social construídos pelos primeiros etnógrafos da região e os discute à luz de pesquisas recentes que os problematizam, contamos com outros dois que se concentram nos povos Waikhana (Pira-Tapuia) (Scolfaro, 2024Scolfaro, A. (2024). Formação e transformação de coletivos entre os Waikhana do rio Papuri (alto rio Negro). Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230035. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0035
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) e Tukano (Rodrigues, 2024Rodrigues, R. (2024). Nomes em disputa entre os Tukano do baixo Uaupés. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230030. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0030
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) dos rios Uaupés e Papuri, nos quais diferentes arranjos de inserção territorial e relações locais e supralocais são minuciosamente explorados. Desses trabalhos, despontam os temas clássicos da relação entre agnatismo e cognatismo, bem como entre consanguinidade e afinidade, que figuram fartamente na literatura etnográfica regional. Porém, abordando particularmente algumas variações nos modos de composição interna das séries de clãs que compõem esses coletivos, esses artigos põem em relevo uma dinâmica relacional talvez ainda pouco notada, por meio da qual afinidade e consanguinidade apresentam-se não exatamente como domínios opostos, mas como instâncias, ou modos relacionais, cuja atualização pode implicar transferências, por assim dizer, de certos atributos de uma a outra. Esses processos referem-se a trajetórias compartilhadas e rupturas tanto entre clãs afins como entre clãs consanguíneos, para os quais esses artigos oferecem abundantes exemplos. Essas micro-histórias possuem grande importância e aguardam uma atenção mais detida, uma vez que, a nosso ver, é por meio de sua análise pormenorizada que a compreensão das historicidades e dos princípios subjacentes ao funcionamento da rede social do noroeste amazônico poderá vir a ser aprofundada.

Os outros três artigos do bloco passam, em alguma medida, do plano dos coletivos para o plano da pessoa, tendo por foco os povos Yuhupdeh (Lolli & Junio Felipe, 2024Lolli, P., & Junio Felipe, H. (2024). Nominações yuhupdeh: geração, cuidado e fortalecimento do nome-sopro-de-vida. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230031. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0031
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), Tuyuka (Richard, 2024Richard, E. (2024). Os nomes jocosos, seus significados e usos entre os Tuyuka: uma reflexão sobre o humor ameríndio a partir dos apelidos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230015. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0015
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) e Tukano (M. Oliveira, 2024Oliveira, M. S. (2024). Mulheres, manivas e artefatos: corpo, gênero e socialidades no noroeste amazônico. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230029. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0029
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). O artigo de Lolli e Junio Felipe (2024)Lolli, P., & Junio Felipe, H. (2024). Nominações yuhupdeh: geração, cuidado e fortalecimento do nome-sopro-de-vida. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230031. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0031
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apresenta um material inédito e poucas vezes explorado na etnografia regional. Trata-se da descrição e da análise de um extenso benzimento de nominação, o qual, mesmo para os Yuhupdeh (povos da família Naduhup), relaciona-se ao famoso motivo da cobra-canoa que conduziu ao rio Uaupés os ancestrais dos povos indígenas, motivo esse frequentemente associado quase exclusivamente aos povos de língua tukano. A abordagem dessa categoria de nomes neste artigo – os nomes de espírito ou de benzimento, idealmente transmitidos em gerações alternadas no interior dos patri-clãs – não se restringe às suas funções convencionais ou classificatórias, mas busca verificar ‘o que faz um nome’ no plano da construção da pessoa. Como ativá-lo, de onde? Provêm, o que se pode fazer com eles? Essas são questões que o artigo explora, sugerindo que, no noroeste amazônico, nomes próprios apontam para capacidades alocadas sobre as pessoas, delineando um espectro de subjetividades. Em alguma medida, essa questão mais geral é desdobrada nos artigos seguintes. Para o caso tuyuka, Richard (2024)Richard, E. (2024). Os nomes jocosos, seus significados e usos entre os Tuyuka: uma reflexão sobre o humor ameríndio a partir dos apelidos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230015. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0015
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mostra como se dá a articulação desse tipo de nome com duas outras categorias onomásticas, os nomes jocosos (apelidos) e os nomes de branco. Essas duas outras formas de nominação conectam-se às relações de gênero e às relações entre humanidade e não humanidade, salientando a enorme importância desses tópicos no interior da socialidade do noroeste amazônico. Por fim, o artigo de M. Oliveira (2024)Oliveira, M. S. (2024). Mulheres, manivas e artefatos: corpo, gênero e socialidades no noroeste amazônico. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230029. http://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0029
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sobre os Tukano ilustra de modo exemplar a operação interna à nominação delineada no artigo de Lolli e Junio Felipe (2024)Lolli, P., & Junio Felipe, H. (2024). Nominações yuhupdeh: geração, cuidado e fortalecimento do nome-sopro-de-vida. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230031. https://doi.org/10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0031
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, tomando como exemplo privilegiado a nominação feminina. Nessa linha, a autora mostra em detalhes como a atribuição xamânica do nome logo após o nascimento, bem como seu fortalecimento e sua ‘complexificação’ na fase da menarca envolvem a incorporação metafísica no corpo feminino de sementes de maniva e instrumentos para o seu processamento. Nomes, corpos e pensamentos mostram-se, assim, intimamente ligados, conformando disposições pessoais orientadas, nesse caso, a uma ética do cuidado.

Para encerrar esta apresentação, nos parece ainda importante lembrar que, nas últimas quatro décadas aproximadamente, a região vem assistindo a emergência e a consolidação de um movimento indígena pujante – a FOIRN foi fundada já em 1987 e é certamente hoje uma das mais importantes da Amazônia brasileira. A partir da promulgação da nova Constituição de 1988 (Brasil, 2015Brasil. (2015 [1988]). Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/508200/CF88_EC85.pdf
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[1988]), essa organização vem conduzindo a luta pelos direitos indígenas na região, bem como promovendo uma série de projetos nas áreas de saúde, educação, alternativas econômicas e fortalecimento cultural. Entre 1995 e as duas primeiras décadas do século XXI, foram conquistadas as demarcações de nove terras indígenas contíguas, que, no total, somam mais de 13 milhões de hectares. Uma grande conquista para o movimento indígena, que conduziu o processo em parceria com o ISA, a FUNAI e outras instituições. No âmbito das ações na área do patrimônio cultural, vale ressaltar a publicação, pela FOIRN, da coleção “Narradores indígenas do rio Negro”, a qual conta atualmente com nove volumes de autoria indígena, bem como com os registros da cachoeira de Iauaretê e do Sistema Agrícola Tradicional (SAT) do rio Negro como patrimônios culturais nacionais de caráter imaterial pelo IPHAN, em 2006 e 2010, respectivamente (cf. nota 8). O primeiro já se encontra em vias de revalidação, e com a perspectiva, expressa em inúmeras ocasiões por lideranças indígenas, de extensão de sua cobertura para a grande rede de lugares relevantes da geografia xamânica do noroeste amazônico.

Essa história recente coincide perfeitamente com o período no qual as pesquisas etnológicas ganharam um novo impulso na região. Essa convergência entre mobilizações políticas e pesquisas acadêmicas não é certamente fortuita. A nosso ver, foi o ativismo catalisado ao longo do processo de crescimento e fortalecimento político da FOIRN que solicitou, por assim dizer, a atenção crescente de antropólogos, linguistas, historiadores e arqueólogos à multiplicidade dos processos locais da região, que vieram, assim, sendo documentados e divulgados em um sem-número de publicações. Articulado a esse movimento, um grande número de estudantes indígenas da região passou a adentrar a universidade, sobretudo com a implementação da política de cotas no ensino superior. A entrada desses indígenas na universidade tem impactado a antropologia que se faz na região significativamente. Mais recentemente, um conjunto de dissertações e teses foram defendidas no Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI), da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), por estudantes indígenas do rio Negro, processo ainda em curso e que tem promovido uma antropologia indígena de especial interesse para o debate antropológico de modo mais amplo.

Esse contexto favorável de projetos e iniciativas atraiu, portanto, um grande número de pesquisadoras e pesquisadores de diversas partes do mundo e de diversas áreas de conhecimento, que vêm produzindo um grande conjunto de trabalhos (filmes, teses, dissertações, livros etc.). Na antropologia, especificamente, contamos preliminarmente a produção de cerca de 60 trabalhos acadêmicos produzidos nas últimas duas décadas, dedicados a vários povos e temas do noroeste amazônico – aproximadamente 30 dissertações de mestrado e 31 teses de doutorado em universidades como Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), UFAM, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), entre outras, sendo que mais de uma dezena delas foi elaborada por pessoas indígenas do rio Negro, como mencionamos acima. Dada a vastidão de trabalhos, seria impossível oferecer neste dossiê um panorama que abarcasse toda riqueza dessa robusta produção. O que apresentamos aqui nos parece ser uma amostra significativa desse movimento, nas áreas de antropologia, arqueologia e história, privilegiando pesquisas mais recentes e sua diversidade institucional. Nesse sentido, este dossiê se soma à coletânea “Upper Rio Negro: cultural and linguistic interaction in Northwestern Amazonia”, editada e publicada por Epps e Stenzel (2013)Epps, P., & Stenzel, K. (Eds.). (2013). Upper Rio Negro: cultural and linguistic interaction in Northwestern Amazonia. Museu Nacional., a qual se tratou de uma primeira compilação de trabalhos que buscou dar uma amostra do aumento das pesquisas na região, privilegiando pesquisas em antropologia e linguística. Somados a esse volume, os dois números do presente dossiê fornecem um panorama amplo da diversidade das pesquisas e do conhecimento produzido sobre o noroeste amazônico já no século XXI.

Por fim, uma palavra de agradecimento. Como sempre, o trabalho de edição de um dossiê como este não pode prescindir da colaboração valiosa de muitas pessoas e instituições. Como é impossível aqui fazer jus a todas e todos que nos apoiaram, restringimo-nos a mencionar aquelas pessoas e apoios institucionais que foram fundamentais. Em primeiro lugar, agradecemos aos interlocutores indígenas que viabilizaram a elaboração dos artigos aqui reunidos, bem como o apoio constante da FOIRN aos pesquisadores que vieram cada vez mais batendo na sua porta. Ao longo da pandemia de COVID-19, as conversas e debates entre muitos dos pesquisadores que aqui contribuíram foram viabilizadas, ainda que virtualmente, pelas reuniões e oficinas do Programa Arqueológico Intercultural do Noroeste Amazônico (PARINÃ), coordenado por Manuel Arroyo-Kalin (Institute of Achaeology/University College London - UCL). Graças ao apoio da British Academy a este projeto, foi possível manter um conjunto de atividades em curso ao longo da pandemia, com a concessão de bolsas a pesquisadores indígenas e não indígenas, e o financiamento, ao término da pandemia, de viagens de campo e estágios de pesquisas em São Gabriel, Manaus e Belém. Foram ocasiões em que muitas das ideias que tomam forma neste dossiê puderam ser aprimoradas. O PARINÃ formou, assim, o ambiente de pesquisa ideal para a idealização do dossiê, congregando uma rede de pesquisadores do UCL, da UFSCar, do Museu Goeldi, do Instituto Socioambiental e do Museu Amazônico. Em termos de interlocução acadêmica interinstitucional, não podemos deixar de mencionar – last but not least – a importância do trabalho do professor Stephen Hugh-Jones (Cambridge University) para o nosso próprio. Autor de trabalhos inspiradores pela variedade de temas que é capaz de articular, as mensagens trocadas com Stephen ao longo dos anos são, para nós, um enorme privilégio. Pioneiro nas pesquisas etnológicas no noroeste amazônico, sua produção constante, além de admirável, vem conectando, de modo perspicaz, os estudos da primeira geração de pesquisadores da região à produção mais recente.

  • 1
    Nessa trilha, entre 1950 e 1970, Eduardo Galvão e Adélia Oliveira realizaram pesquisas entre os Baniwa do rio Içana e os processos de mudança cultural e de aculturação entre indígenas e ‘caboclos’ no médio rio Negro; Lúcia Hussak van Velthem, em 1975, publicou estudo comparativo sobre os objetos de plumária tukano do Museu Nacional e do Museu Goeldi (Velthem, 1975Velthem, L. H. V. (1975). Plumária Tukano: tentativa de análise. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Nova Série, Antropologia, 57(1), 1-29. http://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/215
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    ); e Antônio Maria Santos, em 1984, concluiu um mestrado sobre a etnicidade indígena na cidade de São Gabriel da Cachoeira (Santos, 1984Santos, A. M. (1984). Etnia e urbanização no alto rio Negro [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul].). Durante os anos 1980 e 1990, respectivamente, a antropóloga Dominique Buchillet e seu colega Jorge Pozzobon realizaram, no âmbito do Museu Goeldi, importantes pesquisas sobre o xamanismo e a cosmologia do povo Desana, e o parentesco e a organização social e política do povo Hupd’äh. Essas pesquisas desde então foram compartilhadas com os antropólogos Márcio Meira e Lúcia Hussak van Velthem, nos campos da história indígena e dos estudos de cultura material associados à cosmologia e ao sistema agrícola tradicional. A partir dos anos 2000, Glenn Shepard Jr. e colaboradores passaram a desenvolver trabalhos junto ao povo Baniwa, com ações em curadoria compartilhada e posteriormente em ecologia histórica. A arqueóloga Helena Pinto Lima atua desde 2010 como professora colaboradora da licenciatura oferecida pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), no município de São Gabriel da Cachoeira, o que possibilitou que estudantes indígenas desenvolvessem práticas investigativas nas áreas de arqueologia, patrimônio e afins. Desde 2021, juntou-se a este grupo o antropólogo Bruno Marques, que atua junto aos Hupd”äh. Cabe anotar aqui que nos últimos quarenta anos, em situações e momentos distintos, tais pesquisadores e pesquisadoras com algum vínculo junto ao Museu Goeldi e seus colegas de instituições parceiras, como os organizadores e autores presentes neste dossiê, sempre estiveram engajados ao lado dos povos indígenas rionegrinos nas lutas pelos seus direitos territoriais e culturais.
  • 2
    O PGTA foi elaborado como parte da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (PNGATI), política pública implantada pelo Brasil desde 2012.
  • 3
    Para um inventário minucioso do conjunto dessas iniciativas no Brasil e na Colômbia, ver Scolfaro et al. (2014)Scolfaro, A., Oliveira, A. G., Hernández, N., & Gomez, S. (2014). Cartografia dos sítios sagrados: primeiro informe de avanços. Instituto Socioambiental.. Ver também o filme “Pelas águas do rio de Leite”, de 2018, dirigido por Aline Scolfaro, que documenta a mais extensa dessas iniciativas, o projeto ‘Mapeo’, que viabilizou uma expedição de conhecedores indígenas do alto rio Negro desde Manaus até o rio Uaupés, passando por São Gabriel da Cachoeira, na qual se procedeu ao reconhecimento de mais de 60 lugares mencionados nas narrativas míticas tukano de origem do mundo e da humanidade (Scolfaro, 2018Scolfaro, A. (Diretora). (2018). Pelas águas do rio de Leite [Filme]. Instituto Socioambiental. https://www.youtube.com/watch?v=CirpI_a_FJI
    https://www.youtube.com/watch?v=CirpI_a_...
    ). Sobre os PGTAs das terras indígenas do rio Negro, ver Scolfaro e Dias (2021)Scolfaro, A., & Dias, C. (Orgs.). (2021). PGTA Wasu: plano de gestão indígena do alto e médio Rio Negro. Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. https://pgtas.foirn.org.br/
    https://pgtas.foirn.org.br/...
    .
  • 4
    Os grupos tukano e arawak, sedentários e agricultores, possuem suas comunidades estabelecidas nas margens desses rios, ao passo que os grupos naduhup, caçadores/coletores seminômades, ocupam as áreas interfluviais da bacia do rio Uaupés e também nos rios Negro, Téa e Enuixi. Para um quadro demográfico e étnico mais amplo, ver Scolfaro et al. (2014)Scolfaro, A., Oliveira, A. G., Hernández, N., & Gomez, S. (2014). Cartografia dos sítios sagrados: primeiro informe de avanços. Instituto Socioambiental..
  • 5
    As TIs contíguas são: Alto Rio Negro, Apaporis, Médio Rio Negro I, Rio Téa, Jurubaxi-Téa, Médio Rio Negro II, Cué-Cué Marabitanas e Balaio; a não contígua é a TI Uneuixi. Há, ainda, terras indígenas em processo de reconhecimento oficial no médio rio Negro.
  • 6
    A já longa tradição de estudos monográficos realizados no noroeste amazônico inclui desde trabalhos pioneiros a alguns bem recentes, distinguindo-se no contexto da etnologia das terras baixas da América do Sul. Os pioneiros são, sem dúvida, Goldman (1979 [1963]Goldman, I. (1979 [1963]). The Cubeo: Indians of the Northwest Amazon. University of Illinois Press., 2004)Goldman, I. (2004). Cubeo Hehénewa religious thought: metaphysics of a Northwestern Amazonian people. Columbia University Press. e Reichel-Dolmatoff (1971)Reichel-Dolmatoff, G. (1971). Amazonian Cosmos: the sexual and religious symbolism of the Tukano Indians. University of Chicago Press., aos quais seguiram-se C. Hugh-Jones (1979)Hugh-Jones, C. (1979). From the Milk River: spatial and temporal processes in northwest Amazonia. Cambridge University Press., S. Hugh-Jones (1979)Hugh-Jones, S. (1979). The Palm and the Pleiades: initiation and cosmology in northwest Amazonia. Cambridge University Press., Bidou (1976)Bidou, P. (1976). Les fils de l’anaconda celeste. (Les Tatuyo). Étude de la strutcture socio-politique [Tese de doutorado, Universidade de Paris]., Silverwood-Cope (1990)Silverwood-Cope, P. (1990). Maku: povo caçado do noroeste da Amazônia. Editora da UnB., Reid (1979)Reid, H. (1979). Some aspects of movement, growth and change among the Hupdu Maku indians of Brazil [Tese de doutorado, University of Cambridge]., Arhem (1981)Arhem, K. (1981). Makuna social organization: a study in descent, alliance and the formation of corporate groups in the Northwest Amazon. Almqvist and Wiksell International. e Jackson (1983)Jackson, J. (1983). The fish people: linguistic exogamy and Tukanoan identity in northwest Amazonia. Cambridge University Press.. Uma safra mais recente é representada por Ribeiro (1995)Ribeiro, B. (1995). Os índios das águas pretas. Edusp., Buchillet (1983)Buchillet, D. (1983). Maladie et mémoire des origines chez les Desana du Uaupés: conceptions de la maladie et de la thérapeutique d’une société amazonienne [Tese de doutorado, Université de Paris-X]., Chernela (1993)Chernela, J. (1993). The Wanano Indians of the Brazilian Amazon: a sense of space. University of Texas Press., Correa (1996)Correa, F. (1996). Por el camino de la Amaconda Remedio: dinámica de la orgaganización social entre los taiwano del Vaupés. Universidad Nacional de Colombia/Colciencias., Wright (1981Wright, R. (1981). History and religion of the Baniwa peoples of the Upper Rio Negro Valley [Tese de doutorado, Stanford University]., 1998)Wright, R. (1998). Cosmos, self and history in Baniwa religion: for those unborn. University of Texas Press., Hill (1993)Hill, J. (1993). Keepers of sacred chants: the poetics of ritual power in an Amazonian society. The University of Arizona Press., Journet (1995)Journet, N. (1995). Les paix des jardins: structures sociales des Indiens curripaco du haut Rio Negro (Colombie). Institut d’Ethnologie, Musée de L’Homme., A. Oliveira (1995)Oliveira, A. G. (1995). O mundo transformado: um estudo da cultura de fronteira no alto rio Negro (Coleção Eduardo Galvão). Museu Paraense Emílio Goeldi., Pozzobon (1983Pozzobon, J. (1983). Isolamento e endogamia: observações sobre a organização social dos índios Maku [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]., 1991)Pozzobon, J. (1991). Parente et demographie chez les indiens Maku [Tese de doutorado Université de Paris-VII]. e Athias (1995)Athias, R. (1995). Hupde-Maku et Tukano: relations inégales entre deuz societés du Uaupés, Amazonien (Brésil) [Tese de doutorado, Université de Paris-X].. A partir dos anos 2000, as pesquisas na região passaram a se multiplicar em ritmo acelerado. As teses de caráter monográfico já publicadas desse último período são: Garnelo (2003)Garnelo, L. (2003). Poder, hierarquia e reciprocidade: saúde e harmonia entre os Baniwa do Alto Rio Negro. Editora Fiocruz., Cabalzar (2008)Cabalzar, A. (2008). Filhos da Cobra de Pedra: organização social e trajetórias tuyuka no rio Tiquié (noroeste amazônico). Editora UNESP., Cayón (2013)Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoria makuna del mundo. Instituto Colombiano de História e Antropologia. e Ramos (2018)Ramos, D. P. (2018). Círculos de coca e fumaça. Editora Hedra.. A teses de Lasmar (2005)Lasmar, C. (2005). De volta ao lago de leite: gênero e transformação no Alto Rio Negro. Editora UNESP. e Andrello (2006)Andrello, G. (2006). Cidade do índio: transformações e cotidiano em Iauaretê. Editora UNESP., também publicadas nessa última fase, abordam situações de urbanização nas quais verifica-se uma articulação intensa de vários dos povos indígenas da região. Em 2018, por fim, foram publicadas as primeiras quatro dissertações de mestrado em antropologia defendidas por pesquisadores tukano na Universidade Federal do Amazonas (UFAM): J. P. Barreto (2018)Barreto, J. R. (2018). Formação e transformação de coletivos indígenas do noroeste amazônico. NEAI., J. R. Barreto (2018)Barreto, J. P. (2018). Waimahsã. Peixes e humanos. NEAI., Azevedo (2018)Azevedo, D. (2018). Agenciamento do mundo pelos Kumuã Ye’pamahsã. NEAI. e G. Maia (2018)Maia, G. (2018). Bahsamori: o tempo, as estações e as etiquetas sociais dos Yepamahsã. NEAI.. No mesmo ano, foi publicada a tese de Márcio Meira sobre a história do aviamento na região, a qual contém uma etnografia atual do fenômeno entre os Warekena e Baré do rio Xié (Meira, 2018Meira, M. (2018). A persistência do aviamento: colonialismo e história indígena no noroeste amazônico. Editora da UFSCar.).
  • 7
    Vale registrar que alguns desses elementos foram objetos em anos recentes de processos de patrimonialização conduzidos pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Em 2006, a Cachoeira de Iauaretê foi registrada como ‘lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri’, e, em 2010, foi registrado o ‘Sistema Agrícola Tradicional do rio Negro’, tendo como titulares os vinte e dois povos indígenas dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Izabel do Rio Negro e Barcelos, Amazonas. Em ambos os casos, esses bens culturais foram reconhecidos como patrimônio cultural brasileiro de caráter imaterial, ganhando registros nos respectivos livros de lugares e saberes (ver IPHAN, 2007Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). (2007). Cachoeira de Iauaretê: lugar sagrado dos povos indígenas dos rios Uaupés e Papuri. IPHAN., 2019Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). (2019). Sistema agrícola tradicional do rio Negro. IPHAN.).
  • 8
    Na falta de espaço aqui para elaborar essas sugestões a contento, deixamos uma citação de S. Hugh-Jones (2012, p. 152)Hugh-Jones, S. (2012). Escrever na pedra, escrever no papel. In G. Andrello (Org.), Rotas de criação e transformação: narrativas de origem dos povos indígenas do rio Negro (pp. 138-167). ISA. que nos parece caucionar o que estamos propondo: “petroglifos e cachoeiras não são apenas uma forma de história materializada, eles sintetizam modos diferentes de pensar o tempo. Petroglifos são os traços dos ancestrais impressos nas pedras quando essas pedras eram jovens e moles; eles são aspectos ou dimensões do passado imutável que se intrometem no presente mutável, e, portanto, fornecem uma ponte entre os dois tempos”. Essa coalescência no espaço de acontecimentos que se distanciam cronologicamente é possivelmente do mesmo tipo que aquela apontada por Deleuze (2013)Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo (cinema II). Editora Brasiliense. entre imagem atual e imagem virtual. Forma-se daí uma imagem-cristal, bifacial, imagem-mútua, que cristaliza, precisamente, uma imagem experimentada no presente com outra oriunda de uma lembrança pura, ativada pela memória do passado de acordo com as necessidades do presente. “A imagem-cristal não é o tempo, mas vemos o tempo no cristal. . . . o tempo não cronológico dentro do cristal” (Deleuze, 2013Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo (cinema II). Editora Brasiliense., p. 102). Lembremos, apenas de passagem, da importância dos cristais de quartzo nos conjuntos de ornamentos ancestrais dos povos indígenas do rio Negro. Suspeitamos que haja algo a se extrair disso com apoio nas formulações acima de Deleuze (2013)Deleuze, G. (2013). A imagem-tempo (cinema II). Editora Brasiliense..

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Luis Cayón, Lúcia van Velthem e Renato Martelli, pela leitura e pelas sugestões oferecidas à primeira versão desta apresentação. Boa parte dos trabalhos que compõem o dossiê (quase metade deles) recebeu direta ou indiretamente apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (especialmente processo 401209/2009-1, projeto “Política, cultura e ritual no rio Uaupés”) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (especialmente processos 2011/23559-8, projeto “Repensando a ‘estrutura social’ do Uaupés”, e 2016/5996-5, projeto “Nominações: pessoas, objetos e parentesco no alto rio Negro”). Esses projetos foram desenvolvidos no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, da UFSCar.

  • Richard, E. (2024). Os nomes jocosos, seus significados e usos entre os Tuyuka: uma reflexão sobre o humor ameríndio a partir dos apelidos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230015. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0015

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Editado por

Responsabilidade editorial: Jimena Felipe Beltrão

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    11 Maio 2023
  • Aceito
    18 Ago 2023
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