Resumo
As estatuetas são esculturas humanas, de animais ou seres híbridos de dimensões reduzidas e confeccionadas em osso, cerâmica, marfim ou pedra. Este artigo faz uma revisão dos modos de fabricar o corpo na literatura arqueológica amazônica e apresenta as estatuetas cerâmicas inéditas das estearias do Maranhão. A classificação tecno-tipológica dos conjuntos e as formas em que estes corpos foram figurados revelam um modo próprio e o local de fabricação dos corpos. Alguns elementos iconográficos compartilhados com os povos da fase Marajoara evidenciam fluxos estilísticos de interação social entre grupos do baixo Amazonas e do estuário maranhense. O propósito da confecção destes artefatos parece remeter tanto a seres humanos individualizados, a mulheres que participaram de rituais de puberdade, a figuração trasmutacional de corpos que incidem sobre os aspectos animistas e perspectivistas das ontologias ameríndias amazônicas, como também ao xamanismo e aos animais que auxiliaram os xamãs em sua comunicação com os diversos mundos tangíveis.
Palavras-chave
Estatuetas; Estearias; Fase Marajoara; Xamanismo; Fabricação do corpo
Abstract
Figurines are human sculptures of animal or hybrid beings of reduced dimensions and made of bone, ceramics, ivory, or stone. This article reviews the ways of making the body in the Amazonian archaeological literature and presents the unpublished ceramic statuettes of the Maranhão stilt villages. The techno-typological classification of the sets and how these bodies were figured reveal a specific and local way of making the bodies. Some iconographic elements shared with the people of the Marajoara phase show stylistic flows of social interaction between groups at the mouth of the Amazon and the Maranhão estuary. The purpose of making these artifacts seems to refer to individualized human beings; to women who participated in puberty rituals; to the transmutational figuration of bodies that focus on the animistic and perspectivist aspects of Amazonian Amerindian ontologies, such as shamanism and animals that helped shamans in their communication with the different tangible worlds.
Keywords
Figurines; Stilt Villages; Marajoara Phase; Shamanism; Making Body
“Ele, o corpo, afirmado ou negado, pintado e perfurado, resguardado ou devorado tende sempre a ocupar uma posição central na visão que as sociedades indígenas têm acerca da natureza humana”
(Seeger et al., 197952 Seeger, A., Matta, R., & Viveiros de Castro, E. (1979). A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional. Série Antropologia, 32, 2-19., p. 3).
INTRODUÇÃO
Por definição, uma estatueta é uma escultura que figura corpos humanos, de animais ou de seres híbridos. As estatuetas apresentam dimensões reduzidas e foram confeccionadas em cerâmica, osso, marfim ou em lítico (Barreto, 20164 Barreto, C. N. G. B. (2016). O que a cerâmica Marajoara nos explica sobre fluxo estilístico na Amazônia?. In C. Barreto, H. Lima & C. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: Rumo a uma nova síntese (pp. 115-124). IPHAN.), sendo artefatos mobiliários, ou seja, podem ser transportadas (Ember et al., 200415 Ember, C. R., Ember, M., & Peregrine, P. N. (2004). Antropología. Pearson Prentice Hall.).
Esses objetos vêm sendo estudados com recorrência, como a apresentação de vários contextos mundiais no recente manual “The Oxford Handbook of Prehistoric Figurines”, organizado por Insoll (2017)23 Insoll, T. (Ed.). (2017). The Oxford Handbook of Prehistoric Figurines. Oxford University Press.. Não é objetivo deste artigo fazer uma revisão desses estudos, e sim corroborar os posicionamentos teóricos acerca da arqueologia do corpo no que tange às estatuetas amazônicas, sobretudo aquelas femininas, uma vez que a quase totalidade dos exemplares aqui apresentados refere-se a este sexo.
As estatuetas, portanto, apresentam um amplo significado semântico, que está associado desde as correntes teóricas mais conservadoras, como a associação com o erotismo ou a fecundidade, até posicionamentos feministas, que as colocam como representações de mulheres ocupando chefias políticas.
Este artigo nasce de uma reflexão originada após seis trabalhos de campo nas estearias maranhenses, de onde foram coletados vários inteiros e fragmentados de estatuetas. Neste artigo, optou-se por estudar aquelas que apresentassem as características morfológicas e técnico-tipológicas suficientes para contribuir com a discussão acerca da arqueologia do corpo na Amazônia.
As estearias são sítios arqueológicos formados por palafitas, erguidas dentro de rios e lagos, e que serviam de sustentação para os pilares ou esteios de madeira das aldeias indígenas, com a finalidade de proteção contra inundações. Esse é um tipo peculiar de ocupação pré-colonial na região conhecida como Baixada Maranhense, a aproximadamente 200 km da capital do estado, São Luís (Navarro, 201732 Navarro, A. G. (2017). As cidades lacustres do Maranhão: As estearias sob um olhar histórico e arqueológico. Diálogos, 21(3), 126-142., 2018a33 Navarro, A. G. (2018a). New evidente for the late first millennium AD stilt-house settlements in Eastern Amazonia. Antiquity, 92(366), 1586-1603. https://doi.org/10.15184/aqy.2018.162
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, 2018b34 Navarro, A. G. (2018b). Morando no meio dos rios e lagos: Mapeamento e análise cerâmica de quatro estearias do Maranhão. Revista de Arqueologia, 31(1), 73-103. https://doi.org/10.24885/sab.v31i1.535
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; Navarro & Silva Júnior, 201937 Navarro, A. G., & Silva Júnior, J. S. (2019). Cosmologia e adaptação ecológica: O caso dos apliques-mamíferos das estearias maranhenses. Anthropológicas, 30(2), 203-233. https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.240627
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; Navarro & Prous, 202038 Navarro, A. G., & Prous, A. (2020). Os muiraquitãs das estearias do lago Cajari depositados no Museu Nacional (RJ): Estudo tecnológico, simbólico e de circulação de bens de prestígio. Revista de Arqueologia, 33(2), 66-91. https://doi.org/10.24885/sab.v33i2.742
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) (Figuras 1 e 2). Construídas desde o início da era cristã até o século XII, estes sítios arqueológicos vêm ganhando repercussão na arqueologia brasileira por causa da boa preservação do material que se encontra em meio à turfa do leito aquático onde foram descartados.
Estudos arqueológicos realizados por Navarro desde 2014 demonstram que estes assentamentos não são simples acampamentos, como até então se pensava. A grande quantidade de artefatos com marcas de fuligem e cocção evidencia uma ocupação de longa duração (Navarro, 2018a33 Navarro, A. G. (2018a). New evidente for the late first millennium AD stilt-house settlements in Eastern Amazonia. Antiquity, 92(366), 1586-1603. https://doi.org/10.15184/aqy.2018.162
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). A existência de muiraquitãs nesses sítios – como o exemplar coletado por Navarro et al. (2017)36 Navarro, A. G., Costa, M. L., Silva, A. S. N. F., Angélica, R. S., Rodrigues, S. S., & Gouveia Neto, J. C. (2017). O muiraquitã da estearia da Boca do Rio, Santa Helena, Maranhão: Estudo arqueológico, mineralógico e simbólico. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 12(3), 869-894. http://dx.doi.org/10.1590/1981.81222017000300012
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no sítio Boca do Rio, em 2014, e aqueles coletados por Lopes (1924)27 Lopes, R. (1924). A civilização lacustre do Brasil. Boletim do Museu Nacional, 1(2), 87-109. e estudados por Navarro e Prous (2020)38 Navarro, A. G., & Prous, A. (2020). Os muiraquitãs das estearias do lago Cajari depositados no Museu Nacional (RJ): Estudo tecnológico, simbólico e de circulação de bens de prestígio. Revista de Arqueologia, 33(2), 66-91. https://doi.org/10.24885/sab.v33i2.742
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no Museu Nacional antes do incêndio que o consumiu – corrobora a conexão de redes ou esferas de interação destes grupos, uma vez que indica a conexão de redes de longa distância entre viajantes do baixo Amazonas e, possivelmente, das Antilhas e do Caribe.
Há que se destacar também que esta é a primeira vez em que se estudam, de maneira sistemática, as estatuetas das estearias, o que pode contribuir para a compreensão das cosmologias ameríndias do estuário da Baixada Maranhense,, uma área que ainda tem pouca informação arqueológica. O problema que norteia este trabalho, portanto, é verificar se as estatuetas dos povos das palafitas revelam ou não características semelhantes com as do universo cosmológico dos povos que habitaram o baixo Amazonas, como os das fases Marajoara e Santarém.
ANTECEDENTES
Na Amazônia brasileira, a maioria dos estudos sobre estatuetas foi feita por mulheres, sendo elas: Palmatary (195041 Palmatary, H. C. (1950). The Pottery of Marajo Island, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society, 39(3), 261-470., 1960)42 Palmatary, H. C. (1960). The archaeology of the lower Tapajos Valley, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society, 50., Corrêa (1965)9 Corrêa, C. G. (1965). Estatuetas de cerâmica na cultura Santarém (Publicações Avulsas, No. 4). Museu Paraense Emilio Goeldi., Roosevelt (198846 Roosevelt, A. C. (1988). Interpreting certain female images in prehistoric art. In V. Miller (Ed.), The Role of gender in Pre-Columbian art and architecture (pp. 1-34). University Press of America., 1991)47 Roosevelt, A. C. (1991). Moundbuilders of the Amazon: Geophysical archaeology on Marajo Island, Brazil. Academic Press., Schaan (2001a49 Schaan, D. P. (2001a). Estatuetas antropomorfas Marajoara: O simbolismo de identidades de gênero em uma sociedade complexa amazônica. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, 17(2), 437-477., 2001b50 Schaan, D. P. (2001b). Into the labyrinths of Marajoara Pottery: Status and cultural identity in prehistoric Amazonia. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon (pp. 108-133). British Museum., 2009)51 Schaan, D. P. (2009). Cultura Marajoara. SENAC., Gomes (200117 Gomes, D. M. C. (2001). Santarém: Symbolism and power in the tropical forest. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon, Culture and Nature in Ancient Brazil (pp. 134-154). The British Museum Press., 2019)18 Gomes, D. M. C. (2019). La comprensión de otros mundos: Teoría y método para analizar imágenes amerindias. Revista Kaypunko de Estudios Interdisciplinarios de Arte y Cultura, 4, 69-99. e Barreto (20092 Barreto, C. N. G. B. (2009). Meios místicos de reprodução social: Arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]., 20143 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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, 2017)5 Barreto, C. N. G. B. (2017). Figurine Traditions from the Amazon. In T. Insoll (Ed.), The Oxford Handbook of Prehistoric Figurines (pp. 1-26). Oxford University Press.. Esses estudos centram-se nas duas sociedades pré-coloniais, com maior destaque em Santarém e na fase Marajoara.
Segundo Palmatary (195041 Palmatary, H. C. (1950). The Pottery of Marajo Island, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society, 39(3), 261-470., 1960)42 Palmatary, H. C. (1960). The archaeology of the lower Tapajos Valley, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society, 50., as estatuetas santarenas se diferenciam das marajoaras pelo fato de as primeiras serem mais variadas, representando tanto o sexo masculino quanto o feminino, de as femininas não possuírem pés sugerindo que estão sentadas e de, quando colocadas de cabeça para baixo, evidenciarem uma base em forma de meia lua crescente, com a extremidade da base pontiaguda. Nas de Marajó, as estatuetas femininas estão agachadas, sendo os joelhos mais proeminentes, e, embora as bases também formem uma meia lua crescente quando colocadas de cabeças para baixo, diferentemente das santarenas, as marajoaras as têm mais arredondadas (Figuras 3 e 4). Palmatary (1950)41 Palmatary, H. C. (1950). The Pottery of Marajo Island, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society, 39(3), 261-470. já indicava a forma fálica das estatuetas, o que seria ratificado futuramente pelas demais pesquisadoras que viriam a estudar o tema.
No catálogo de estatuetas confeccionado por Corrêa (1965)9 Corrêa, C. G. (1965). Estatuetas de cerâmica na cultura Santarém (Publicações Avulsas, No. 4). Museu Paraense Emilio Goeldi., a autora analisa a morfologia e o aspecto decorativo de 119 das estatuetas. Destaca que, à diferença das peças marajoaras, as estatuetas de Santarém são caracterizadas pelo “. . . realismo da modelagem manifestado na reprodução de posturas e gesto dos personagens que tentavam retratar. . .” (Corrêa, 19659 Corrêa, C. G. (1965). Estatuetas de cerâmica na cultura Santarém (Publicações Avulsas, No. 4). Museu Paraense Emilio Goeldi., p. 7). Corrêa (1965)9 Corrêa, C. G. (1965). Estatuetas de cerâmica na cultura Santarém (Publicações Avulsas, No. 4). Museu Paraense Emilio Goeldi. chama a atenção para os orifícios situados na cabeça que, segundo ela, poderiam ser utilizados para a colocação de ornamentos. Além disso, muitos exemplares possuem a cabeça fraturada, os quais, a julgar pela existência de um formato plano, sugeririam a prática de deformação fronto-ocipital.
Segundo Roosevelt (198846 Roosevelt, A. C. (1988). Interpreting certain female images in prehistoric art. In V. Miller (Ed.), The Role of gender in Pre-Columbian art and architecture (pp. 1-34). University Press of America., 1991)47 Roosevelt, A. C. (1991). Moundbuilders of the Amazon: Geophysical archaeology on Marajo Island, Brazil. Academic Press., a maioria das estatuetas representa mulheres ornamentadas e grávidas, com a genitália e os seios à mostra; algumas são ‘eróticas’, possuem forma fálica, e a maioria provém de contexto doméstico, refugo ou enterramento. Segundo essa autora, esses aspectos exaltam as qualidades de fertilidade e maternidade em sociedades de tipo cacicado ou em estados incipientes.
Para Schaan (2001a)49 Schaan, D. P. (2001a). Estatuetas antropomorfas Marajoara: O simbolismo de identidades de gênero em uma sociedade complexa amazônica. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, 17(2), 437-477., as estatuetas não são artefatos que evidenciam uma agência de representação de individualidades dentro de um contexto de desigualdade social. Assim, Schaan (2001a, p. 3)49 Schaan, D. P. (2001a). Estatuetas antropomorfas Marajoara: O simbolismo de identidades de gênero em uma sociedade complexa amazônica. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, 17(2), 437-477. propõe que as estatuetas marajoaras “. . . devem ser entendidas como objetos simbólicos relacionados a discursos contextuais sobre identidade social e gênero. . .”, ligadas a rituais funerários (Figura 5). Segundo Schaan (2001a)49 Schaan, D. P. (2001a). Estatuetas antropomorfas Marajoara: O simbolismo de identidades de gênero em uma sociedade complexa amazônica. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, 17(2), 437-477., as estatuetas marajoaras seriam objetos de poder, de negociação de identidade entre os diferentes grupos, indicando, dessa forma, que nos povos desta fase havia uma conflitante desigualdade social recaindo sobre uma ontologia do gênero. Portanto, as pinturas corporais não seriam traços de fertilidade e nem do matriarcado, como postulou Roosevelt (1988)46 Roosevelt, A. C. (1988). Interpreting certain female images in prehistoric art. In V. Miller (Ed.), The Role of gender in Pre-Columbian art and architecture (pp. 1-34). University Press of America., mas sim marcas de individualidades, que indicavam posição social e revelavam posicionamento político como um discurso dentro dos conflitos de gênero em que a sociedade estava inserida.
Essa posição social de destaque da mulher também foi postulada por Gomes (2001)17 Gomes, D. M. C. (2001). Santarém: Symbolism and power in the tropical forest. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon, Culture and Nature in Ancient Brazil (pp. 134-154). The British Museum Press.. Assim como Schaan (2001b)50 Schaan, D. P. (2001b). Into the labyrinths of Marajoara Pottery: Status and cultural identity in prehistoric Amazonia. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon (pp. 108-133). British Museum., Gomes (2001)17 Gomes, D. M. C. (2001). Santarém: Symbolism and power in the tropical forest. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon, Culture and Nature in Ancient Brazil (pp. 134-154). The British Museum Press. pensa que esses artefatos representam indivíduos em sua posição social que são indicados pelo tipo de adereços que usam. Esses adornos compreenderiam, portanto, um ‘vocabulário visual’ de rituais levados a cabo pelas mulheres em seus diversos ciclos de vida. Essa autora pensa numa estética pré-colombiana caracterizada pelo perspectivismo e pelas ontologias transmutacionais da materialidade do corpo, em que as estatuetas poderiam ser parte do mundo xamânico, como metáfora das visões cosmológicas. Desse modo, as estatuetas, como parte das ontologias ameríndias, são materializações de contextos rituais “. . . con un sentido mnemónico – funcionando como dispositivos de memoria. . .” (Gomes, 201918 Gomes, D. M. C. (2019). La comprensión de otros mundos: Teoría y método para analizar imágenes amerindias. Revista Kaypunko de Estudios Interdisciplinarios de Arte y Cultura, 4, 69-99., p. 84).
Barreto (20092 Barreto, C. N. G. B. (2009). Meios místicos de reprodução social: Arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]., 2014)3 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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utilizou o conceito de fabricação dos corpos. Em recente trabalho, a autora analisou 86 estatuetas marajoaras e 32 santarenas procedentes de várias coleções, definindo como principal atributo a corporeidade representada nos artefatos. A maioria das estatuetas é feminina, está pintada, possui seios, vaginas, sendo uma grande parte encontrada em enterramentos (Barreto, 20092 Barreto, C. N. G. B. (2009). Meios místicos de reprodução social: Arte e estilo na cerâmica funerária da Amazônia antiga [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]., 2014). A discussão sobre o gênero também é realizada por Barreto (2014)3 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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, que ratifica o estudo anterior de Schaan (2001b)50 Schaan, D. P. (2001b). Into the labyrinths of Marajoara Pottery: Status and cultural identity in prehistoric Amazonia. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon (pp. 108-133). British Museum. de que as estatuetas são fálicas, com a diferença de que, para Barreto (2014, p. 51), uma estatueta é “. . . um falo humanizado, e não um corpo em forma de falo. . .”. Para esta autora, a forma fálica, em suas diversas fases de transformação, alude mais à mudança do corpo propriamente dita do que à concepção de fertilidade. A pesquisadora realizou raio-X das peças, procedimento que evidenciou uma surpreendente forma de falo no preenchimento interno de algumas estatuetas.
Cabe ressaltar, por último, as etnografias da produção de estatuetas nas terras baixas da América do Sul (Stahl, 198653 Stahl, P. W. (1986). Hallucinatory imagery and the origin of early South American Figurine Art. World Archaeology, 18(1), 134-150.) e, sobretudo, o que diz respeito às bonecas Karajás como referência de transmissão de saberes, e não somente figurando como brinquedos (Campos, 20027 Campos, S. L. (2002). Bonecas Karajá: Apenas um brinquedo?. Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia, 12, 233-248. https://doi.org/10.11606/issn.2448-1750.revmae.2002.109451
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), que, mesmo não estando na Amazônia, contribuem para o amplo significado que esses artefatos tiveram.
A FABRICAÇÃO DOS CORPOS NA AMAZÔNIA
Como metodologia de estudo, utiliza-se o conceito etnológico das terras baixas da América do Sul focado na fabricação dos corpos (Seeger et al., 197952 Seeger, A., Matta, R., & Viveiros de Castro, E. (1979). A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional. Série Antropologia, 32, 2-19.) ou da ‘social skin’, definida por Turner (1980)54 Turner, T. S. (1980). The social skin. In J. Cherfas & R. Lewin (Eds.), Not work alone (pp. 112-140). Sage.. As artes visuais, nesse sentido, são uma maneira de ordenação das práticas rituais (Lagrou, 200725 Lagrou, E. M. (2007). The big drink: Feast and Forum in the Upper Amazon. TopBooks.). Arqueólogos cada vez mais utilizam as teorias antropológicas e a etnografia para ratificarem seus argumentos. Se aplicar essas teorias etnológicas ao registro arqueológico pode ser interpretado como anacronismo, a agência destes artefatos também pode ter desempenhado funções semelhantes no passado, como salientou Barreto (2017)5 Barreto, C. N. G. B. (2017). Figurine Traditions from the Amazon. In T. Insoll (Ed.), The Oxford Handbook of Prehistoric Figurines (pp. 1-26). Oxford University Press..
Desse modo, Seeger et al. (1979, p. 2)52 Seeger, A., Matta, R., & Viveiros de Castro, E. (1979). A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional. Série Antropologia, 32, 2-19. consideram a corporalidade uma linguagem simbólica em que “. . . a noção de pessoa e uma consideração do lugar do corpo humano na visão que as sociedades indígenas fazem de si mesmas são caminhos básicos para uma compreensão adequada da organização social e cosmologias dessas sociedades”. Nesse sentido, as identidades sociais, assim como as diversas manifestações culturais das sociedades indígenas, como os mitos, as cerimônias, a ancestralidade, são construídas sobre os seus corpos, que são instáveis, transformacionais, agenciados, por isso são fabricados. O corpo, nesse contexto, é constituído como uma diversidade tangível da vida material e imaterial, em que a estrutura física “. . . não é a totalidade de corpo; nem o corpo a totalidade da pessoa. . .” (Seeger et al., 197952 Seeger, A., Matta, R., & Viveiros de Castro, E. (1979). A construção da pessoa nas sociedades indígenas brasileiras. Boletim do Museu Nacional. Série Antropologia, 32, 2-19., p. 11). O corpo é, portanto, o local da vivência social.
Nesse sentido, o corpo adquire diversos significados semânticos, caracterizados por uma ontologia chamada de multinaturalismo ou perspectivismo por Viveiros de Castro (2002, p. 347)57 Viveiros de Castro, E. (2002). A inconstância da alma selvagem. Cosac & Naif., em que “. . . o mundo é habitado por diferentes espécies de sujeitos ou pessoas, humanas e não humanas que o apreendem segundo pontos de vista distintos”. Assim, a corporalidade implica a fluidez cosmológica dos seres, dependendo da agência a que estão submetidos, sendo eles pessoas, animais, seres sobrenaturais ou coisas.
No que tange à aplicação das teorias etnológicas à arqueologia, os materiais arqueológicos, como os vasilhames e as próprias estatuetas cerâmicas, podem ser interpretados como corpos humanos ou de animais. Muitos deles possuem traços da corporalidade física destes seres, como os olhos e a boca, com alguns, inclusive, dotados de alma e consciência, podendo ser agenciados como pessoas (Santos-Granero, 201248 Santos-Granero, F. (2012). Introducción. In F. Santos-Granero (Ed.), La vida oculta de las cosas: Teorías indígenas de la materialidad y la personeidad (pp. 13-54). Ediciones Abya-Yala.; Barreto, 20143 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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). Assim, o corpo é o lugar da experiência vivida, compartilhada pelo grupo, gerando identidades sociais, pois “. . . Today, the body as a site of lived experience, a social body, and site of embodied agency, is replacing prior static conceptions of an archaeology of the body as a public, legible surfasse” (Joyce, 200524 Joyce, R. A. (2005). The Archaeology of the Body. Annual Review of Anthropology, 34, 139- 158. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.33.070203.143729
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, p. 139).
RESULTADOS
Os sítios pesquisados que sofreram intervenção a partir de coleta de superfície foram Armíndio (ARM), Boca do Rio (BR), Caboclo (CAB), Lago do Sousa (SOU), Cabeludo (CBL) e Formoso (FOR), localizados na bacia hidrográfica do rio Turiaçu e o último foi encontrado na bacia do Mearim-Pindaré. Todos estes sítios estão datados entre 800 e 1000 AD, sendo o Lago do Souza uma exceção, datado do início da era cristã (Tabela 1). A fim de corroborar a amostragem, os exemplares do Museu Nacional coletados por Raimundo Lopes nos sítios do Turiaçu, e que foram estudados por Costa et al. (2016)10 Costa, A. F., Hissa, S. B. V., Azevedo, L. W., Tramasoli, F., & Amatuzzi, L. J. (2016). O universo cotidiano e simbólico da cerámica das estearias: Uma análise da Coleção Raimundo Lopes (MN-UFRJ). Revista de Arqueologia, 29(1), 161-187. https://doi.org/10.24885/sab.v29i1.447
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, também compuseram este estudo.
Uma vez que há um grande número de exemplares, opta-se por descrever somente aqueles que tenham integridade perceptível das categorias, neste caso, as que apresentam elementos corporais identificáveis. No entanto, os demais fragmentos com unidades mínimas de identificação também foram computados para fins estatísticos, mas não aparecem no Apêndice 1. Ao todo, portanto, o corpus de estatuetas apresentadas neste artigo corresponde a 74 exemplares, sendo 62 antropomorfos, quatro antropozoomorfos e oito zoomorfos. Com relação à metodologia de coleta de superfície, à medida em que os esteios eram mapeados e georreferenciados, os objetos ao redor dos esteios eram também coletados, para que se formasse uma coleção arqueológica. Desse modo, se poderia estudar a variabilidade artefatual desses assentamentos, buscando criar quadros hipotéticos de ocupação do território, de inserção na paisagem e das formas dos vasilhames cerâmicos, com o intuito de inferir os usos sociais (Navarro, 201732 Navarro, A. G. (2017). As cidades lacustres do Maranhão: As estearias sob um olhar histórico e arqueológico. Diálogos, 21(3), 126-142., 2018a33 Navarro, A. G. (2018a). New evidente for the late first millennium AD stilt-house settlements in Eastern Amazonia. Antiquity, 92(366), 1586-1603. https://doi.org/10.15184/aqy.2018.162
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, 2018b34 Navarro, A. G. (2018b). Morando no meio dos rios e lagos: Mapeamento e análise cerâmica de quatro estearias do Maranhão. Revista de Arqueologia, 31(1), 73-103. https://doi.org/10.24885/sab.v31i1.535
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; Navarro & Silva Júnior, 201937 Navarro, A. G., & Silva Júnior, J. S. (2019). Cosmologia e adaptação ecológica: O caso dos apliques-mamíferos das estearias maranhenses. Anthropológicas, 30(2), 203-233. https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.240627
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).
Embora esses artefatos não tenham sido obtidos a partir de escavações estratigráficas, há o controle da procedência e do local exato do registro da planta do sítio, o que pode oferecer subsídios de análise comparativa entre os sítios arqueológicos, por meio das diferenças e das semelhanças da variabilidade desse tipo de artefato. Isso também ocorre na maioria dos casos das coleções de estatuetas estudadas pelos diversos pesquisadores apresentados neste artigo, o que, portanto, não impossibilita as análises.
Ressalta-se, pelos motivos já descritos, a inviabilidade da descrição de todos os atributos da variabilidade artefatual. Somente aqueles elementos diagnósticos de maior destaque tiveram ênfase neste trabalho. A partir da discussão sobre a arqueologia do corpo, a descrição contemplou: 1) a variabilidade artefatual tecno-estilística de cada conjunto identificável pelo pesquisador, com os elementos definidos como antropomorfos, antropozoomorfos e zoomorfos; 2) as estatuetas foram descritas a partir de sua sigla e seu número de catalogação, seguido de seus atributos formais, obedecendo à estrutura corporal, a saber: cabeça, tronco e membros; 3) tipo de manufatura, com alusão ao tipo de queima, se acordelado, alisado, moldado ou modelado, se oco ou compacto; 4) características técnico-tipológicas, como os tipos de antiplásticos, se há presença de incisão e excisão, de pintura e demais elementos constitutivos da peça; 5) fotografias de frente e, quando possível (por causa da integridade das peças), do verso e de perfil foram apresentadas no caso dos exemplares mais representativos; 6) no caso dos exemplares inteiros, a medida da altura e da largura foi fornecida.
A análise tecno-tipológica e o estudo da figuração dos corpos das estatuetas das estearias revelaram as informações descritas no Apêndice 1.
DISCUSSÃO
A revisão da literatura acerca das estatuetas amazônicas e a análise tecno-tipológica e tecno-estilística das estatuetas das estearias revelam que o corpo parece ter sido um lugar de experimentação social (Joyce, 200524 Joyce, R. A. (2005). The Archaeology of the Body. Annual Review of Anthropology, 34, 139- 158. https://doi.org/10.1146/annurev.anthro.33.070203.143729
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).
Quanto aos aspectos regionais, as principais características morfológicas das estatuetas analisadas neste artigo as aproximam mais da fase Marajoara do que da fase Santarém1 1 A desfiliação da fase Marajoara da terra preta arqueológica (TPA) não será abordada neste artigo, uma vez que requer uma discussão complexa. Sobre o assunto, ver Barreto (2016), Almeida (2016) e Neves (2016). , entre elas: 1) formato fálico de alguns exemplares; 2) algumas são ocas e possuem bolotas de argila na parte interna, podendo, portanto, funcionar como chocalhos; 3) são mais uniformes e padronizadas e menos gestuais e realistas do que as santarenas; 4) ausência de estatuetas de grandes dimensões, cuja altura varia entre 6 e 14 cm; 5) as bases são mais arredondadas do que pontiagudas, se comparadas com as de Santarém, como sugeriu Palmatary (1960)42 Palmatary, H. C. (1960). The archaeology of the lower Tapajos Valley, Brazil. Transactions of the American Philosophical Society, 50.; 6) em geral, os braços estão fletidos sobre o abdômen e não possuem o típico vão entre eles e o tronco; 7) presença do típico T que une as sobrancelhas e o nariz, completamente ausente nos exemplares santarenos (Schaan, 200951 Schaan, D. P. (2009). Cultura Marajoara. SENAC.); 8) uso do antiplástico de caco moído; 9) queimas redutoras; 10) tratamento de superfície alisado; e 11) pintura vermelha, a qual foi, contudo, rara na coleção aqui estudada (Figura 6).
No entanto, as estatuetas das estearias possuem características peculiares no que tange aos aspectos tecno-tipológicos, como os olhos aplicados em forma de botão, a recorrência do rosto zoomorfo de coruja e as panturrilhas deformadas pelo uso de adornos corporais. Chama a atenção a variabilidade desses diferentes modos de fabricação corporal, que podem ser deformados, metamorfizados, escarificados ou, ainda, pintados. Sendo assim, essas características fazem das estatuetas das estearias uma forma inédita de figurar o corpo na porção oriental da Amazônia.
Os elementos de figuração corporal que se assemelham aos povos da fase Marajoara parecem pertencer a um conjunto de práticas de sociabilidade compartilhada. Conforme ressaltou Barreto (2014)3 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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, fluxos estilísticos são decorrentes dessas redes de esferas de interação social. Provavelmente, tanto os povos da fase Marajoara como os das estearias estavam inseridos em redes de sociabilidade comuns, uma vez que também compartilharam objetos de pedras verdes, como os muiraquitãs. Um exemplo deste fluxo estilístico poderia ser o modelado em forma de T, que aparece na região da sobrancelha e do nariz das figurações humanas, recorrente nas estatuetas de urnas funerárias Marajoaras e em alguns exemplares das estearias. Segundo Mikkola (2020)30 Mikkola, H. J. (2020). Diversity of the owl species in the Amazon Region. In H. J. Mikkola (Ed.), Ecosystem and Biodiversity of Amazonia (pp. 107-119). University of Eastern Finland., o T seria o disco facial da espécie Pulsatrix perspicillata, ou murucututu, uma das maiores aves de rapina da Amazônia. A sua principal característica corporal em comparação às demais espécies de corujas é a ausência de grandes orelhas. Trata-se de uma coruja de grande porte, predadora de hábitos noturnos, segundo este pesquisador. Observa-se que, neste tipo de estatueta, a figuração das orelhas também está ausente (Navarro, 202035 Navarro, A. G. (2020). Ecology as cosmology: Animal myths of Amazonia. In H. Mikkola (Ed.), Ecosystem and Biodiversity of Amazonia (pp. 1-13). University of Eastern Finland.). Assim, essa semelhança entre a cultura material de ambas as regiões se refere às interações sociais existentes entre estes dois povos ameríndios. Além disso, alguns exemplares, como os evidenciados nas estatuetas CBL 104 e ARM1 407 (Apêndice 1), possuem um coque atrás da cabeça que é parecido com aquele usado pelos indivíduos figurados em urnas funerárias Maracá (Meggers & Evans, 195728 Meggers, B. J., & Evans, C. (1957). Archeological investigations at the mouth of the Amazon. Bureau of American Ethnology, 167.). Embora mais tardias, a figuração das urnas Maracá pode indicar que os povos das estearias participaram de fluxos estilísticos mais amplos no baixo Amazonas (Figura 7).
A e B) Típico T nas estatuetas marajoara e estearias; C) espécie de coruja figurada; D) coque na urna maracá e estearia.
Na Tabela 2, pode-se notar que a maioria das estatuetas analisadas neste artigo é antropomorfa, seguidas dos tipos antropozoomorfo e zoomorfo.
A análise formal possibilitou fazer as seguintes comparações: as estatuetas antropomorfas representam 83,7% da coleção, geralmente, apresentando mulheres com a figuração do sexo, sendo alguns desses objetos chocalhos. As estatuetas antropozoomorfas correspondem a 5,4% dos exemplares e evidenciam, em geral, o ser humano com cabeça de coruja; e também são chocalhos e nem sempre trazem a representação do sexo. Já os exemplares zoomorfos correspondem a 10,8% da coleção e destacam-se pelas figurações de coruja e macaco (Figura 8).
Esta análise propiciou vislumbrar quatro tipos de fabricação do corpo: 1) figuração humana individualizada; 2) figuração humana com pintura corporal, escarificações ou tatuagens e deformações corporais nas pernas pelo uso de adornos do tipo jarreteira; 3) figuração transmutacional do corpo, evidenciada pelo hibridismo corporal entre seres humanos e animais, e capacidade agentiva das estatuetas-chocalho; e 4) figurações zoomorfas.
Com relação ao primeiro tipo, as estatuetas com figuração humana que não remetem a características metamorfóricas e agentivas parecem figurar seres individualizados na sociedade palafítica, assim como também constatou Barreto (2014)3 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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e Schaan (2001a)49 Schaan, D. P. (2001a). Estatuetas antropomorfas Marajoara: O simbolismo de identidades de gênero em uma sociedade complexa amazônica. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, 17(2), 437-477., com base nas estatuetas marajoaras. Por outro lado, o exemplar FOR (0601) (Apêndice 1) apresenta pintura corporal abstrata em cor preta, que pode se referir a status sociais, como o pertencimento a determinados clãs, aos tipos de rituais ou, ainda, ao pertencimento a grupos sociais específicos (Schaan, 2001a49 Schaan, D. P. (2001a). Estatuetas antropomorfas Marajoara: O simbolismo de identidades de gênero em uma sociedade complexa amazônica. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, 17(2), 437-477.; Müller, 200031 Müller, R. P. (2000). Mensagens visuais na ornamentação Xavante. In L. Vidal (Org.), Grafismo Indígena: Estudos de antropologia estética (pp. 133-142). Studio Nobel.) (Figura 9). Essa forma de figurar o corpo refere-se também a um sistema de comunicação visual que evidencia a socialização dele em práticas culturais de uma determinada coletividade (Vidal, 2000b56 Vidal, L. B. (2000b). A pintura corporal e a arte gráfica entre os Kayapó-Xikrin do Cateté. In L. Vidal (Ed.), Grafismo indígena: estudos de antropologia estética (pp. 143-189). Studio Nobel.).
Já em relação ao segundo grupo, chamam a atenção alguns exemplares com uma deformação intencional nas pernas, possivelmente pelo uso de jarreteiras (Figura 10). A partir da comparação etnográfica, durante os rituais da menarca entre os Kalapalo, um grupo Karib, as meninas têm os tendões abaixo do joelho amarrados, provocando o aumento de volume da perna. Formam-se, então, bulbos em suas panturrilhas na fase da puberdade, provocando uma estética agradável para esse grupo indígena (Lima, 201126 Lima, M. S. (2011). A educação escolar indígena no Alto Xingu: O processo de escolarização dos Kalapalo da aldeia Aiha no período de 1994-2010 [Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo].). Assim, as panturrilhas ficam mais vistosas, exatamente como pode ser observado em alguns exemplares de estatuetas estudadas neste artigo, a saber ARM1 377, ARM 552, ARM1 455, ARM1 098 e CAB 02 (Apêndice 1).Segundo Métraux (1930)29 Métraux, A. (1930). Contribution a l’étude de l’archéologie du cours supérieur et moyen de l’Amazone. Revista del Museo de la Plata, 32, 145-185., as jarreteiras são uma característica marcante dos grupos Karib. Esse modo de fabricar o corpo também é perceptível no caso de algumas urnas funerárias maracás (Guapindaia, 200820 Guapindaia, V. L. C. (2008). Além da margem do rio: A ocupação konduri e pocó na região de porto trombetas, PA. [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo].).
No entanto, na coleção estudada, destacam-se as estatuetas antropomorfas que apresentam uma perspectiva transmutacional do corpo. São elas as estatuetas-chocalho, como os exemplares BR 58, CBL 104, CBL 147 e ARM 546, e aquelas em que há uma clara associação na fabricação de corpos híbridos de seres humanos e animais, como os exemplares ARM 60, ARM 64, ARM1 407 e CAB 151 (Apêndice 1). Este modo de figurar o corpo nas sociedades amazônicas é construtivista, como bem lembrou Santos-Granero (2012)48 Santos-Granero, F. (2012). Introducción. In F. Santos-Granero (Ed.), La vida oculta de las cosas: Teorías indígenas de la materialidad y la personeidad (pp. 13-54). Ediciones Abya-Yala.. Nesse sentido, possivelmente, o significado do conjunto destas estatuetas é o xamânico, assim como pontuaram Roosevelt (1988)46 Roosevelt, A. C. (1988). Interpreting certain female images in prehistoric art. In V. Miller (Ed.), The Role of gender in Pre-Columbian art and architecture (pp. 1-34). University Press of America., Gomes (2001)17 Gomes, D. M. C. (2001). Santarém: Symbolism and power in the tropical forest. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon, Culture and Nature in Ancient Brazil (pp. 134-154). The British Museum Press., Schaan (2001a49 Schaan, D. P. (2001a). Estatuetas antropomorfas Marajoara: O simbolismo de identidades de gênero em uma sociedade complexa amazônica. Boletim do Museu Paraense Emilio Goeldi, 17(2), 437-477., 2001b)50 Schaan, D. P. (2001b). Into the labyrinths of Marajoara Pottery: Status and cultural identity in prehistoric Amazonia. In C. McEwan, C. Barreto & E. G. Neves (Eds.), Unknown Amazon (pp. 108-133). British Museum. e Barreto (20143 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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, 2017)5 Barreto, C. N. G. B. (2017). Figurine Traditions from the Amazon. In T. Insoll (Ed.), The Oxford Handbook of Prehistoric Figurines (pp. 1-26). Oxford University Press. para as estatuetas amazônicas em geral.
Logo, o xamanismo é um “. . . sistema coherente de creencias y prácticas religiosas, que trata de organizar y explicar las inter-relaciones entre el cosmos, la naturaliza y el hombre” (Reichel-Dolmatoff, 198845 Reichel-Dolmatoff, G. (1988). Orfebrería y chamanismo: Un estudio iconográfico del Museo del Oro. Editorial Colina., p. 23). O xamã, nesse contexto, é quem tem um conhecimento sensível das ações humanas sobre a natureza, como os curandeiros e rezadeiros que, a partir das tradições mitológicas, atuam sobre os cosmos através de danças, cantos e reuniões coletivas, momentos em que essa narrativa se consagra e se perpetua na memória social do grupo.
Práticas xamanísticas com estatuetas foram registradas por Basso (1973)6 Basso, E. B. (1973). The Kalapalo Indians of Central Brazil. Holt, Rhinehart & Winston., entre os grupos Karib e Arawak; para os mesmos grupos, Carneiro (1982)8 Carneiro, R. L. (1982). Dwellers of the rainforest. In R. S. Bennett (Ed.), Lost Empires Living Tribes (pp. 283-323). National Geographic Society. e Gregor (1977)19 Gregor, T. (1977). Mehinaku. University of Chicago Press. etnografaram o uso de estatuetas para o reestabelecimento da saúde do enfermo. Stahl (1986)53 Stahl, P. W. (1986). Hallucinatory imagery and the origin of early South American Figurine Art. World Archaeology, 18(1), 134-150. atribui a hibridez de seres humanos e animais das estatuetas xamânicas aos rituais com uso de substâncias alucinógenas que presenciou na América do Sul, uma vez que “. . . the figurines may hav served as mundane abodes for summoned spitits within the contexto of an analogous prehistoric religion” (Stahl, 198653 Stahl, P. W. (1986). Hallucinatory imagery and the origin of early South American Figurine Art. World Archaeology, 18(1), 134-150., p. 146).
As estatuetas-chocalho, por sua vez, possuem bolotas de argila em seu interior, sugerindo o uso como maracás. Zerries (1981, p. 11)59 Zerries, O. (1981). Atributos e instrumentos do Xamã na América do Sul não-andina e seu significado. In T. Hartmann & V. Penteado (Orgs.), Contribuições a Antropologia em homenagem ao Prof. Egon Schaden (Coleção Museu Paulista, Série Ensaios, Vol. 4, pp. 319-360). Museu Paulista. assinala que o maracá sempre foi o instrumento xamânico mais importante nas culturas das terras baixas da América do Sul não andinas, uma vez que “. . . el ruido de las piedritas o semillas en su interior es interpretado como la voz de los espíritus y las piedras e sí como su manifestación”. Recentemente, Barreto (2014)3 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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chamou atenção para a capacidade agentiva de produzir o som destes artefatos, os quais possivelmente eram usados pelos xamãs em rituais de cura.
Etnograficamente falando, o maracá é feito a partir de uma cuia e está associado a um instrumento musical que, no caso dos Xikrin, revela a coesão social do grupo indígena, uma vez que é:
. . . redondo como o universo, como as aldeias circulares, como o círculo dos homens sentado no conselho, à noite, no meio do pátio, apontando na sua verticalidade para o céu, morada dos antigos em tempos primordiais e morada das aves, criadas e invejadas pela humanidade terrestre
(Vidal, 2000a55 Vidal, L. B. (2000a). Ngôkon: Maracá ou Chocalho dos Kayapó-Xikrin. In J. P. Brito (Org.), Os índios e nós (pp. 130-133). Museu Nacional de Etnologia., p. 130).
Estatuetas têm a forma alongada de uma cuia e também podem ser alusão a estes recipientes. O maracá como agência pode, desse modo, figurar o corpo de uma gestante por meio do formato redondo do artefato. Assim, as pedrinhas de chocalho podem ser “. . . o sêmen masculino ou a vida dentro do útero materno” (Barreto, 20143 Barreto, C. N. G. B. (2014). Corpo e identidade na Amazônia antiga: Um estudo comparativo de estatuetas cerâmicas. https://www.academia.edu/37601984/CORPO_E_IDENTIDADE_NA_AMAZ%C3%94NIA_ANTIGA_UM_ESTUDO_COMPARATIVO_DE_ESTATUETAS_CER%C3%82MICAS_Relat%C3%B3rio_final_de_projeto_de_pesquisa_de_p%C3%B3s_doutorado_Outubro_2014_Museu_de_Arqueologia_e_Etnologia_UNIVERSIDADE_DE_S%C3%83O_PAULO
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, p. 67). A estatueta ARM1 376 parece estar grávida, com suas mãos sobre o ventre (Apêndice 1). Vale observar, aqui, a energia fluida da gravidez (Lagrou, 200725 Lagrou, E. M. (2007). The big drink: Feast and Forum in the Upper Amazon. TopBooks.), uma vez que o ânus retratado nesse exemplar, assim como a boca, seria um orifício ou um tubo corporal por onde podem entrar e sair substâncias, um canal de energia sinestésica, como postulou Hugh-Jones (2017)22 Hugh-Jones, S. (2017). Body tubes and Synaesthesia. Mundo Amazónico, 8(1), 27-78. https://doi.org/10.15446/ma.v8n1.64299
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O maracá, portanto, faz parte da parafernália xamânica porque é capaz de emitir som, forma de comunicação presente entre os diferentes mundos onde o xamã atua. Esses instrumentos sonoros estão presentes em grande parte dos registros etno-históricos do período colonial na região do Maranhão, a exemplo das obras de Daniel (2004)12 Daniel, J. (2004). Tesouro descoberto no Máximo Rio Amazonas. Contraponto., D’Abbeville (2008 [1614])11 D’Abbeville, C. (2008 [1614]). História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão. Conselho Editorial do Senado Federal. e D’Évreux (2007 [1864])14 D’Évreux, Y. (2007 [1864]). Continuação da História das coisas mais memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos 1613 e 1614. Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/580734/000805923_Historia_Maranhao_1613-1614.pdf
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, e também foram etnografados por antropólogos do início do século XX (Nimuendajú, 194140 Nimuendajú, C. (1941). Mapa etno-histórico do Brasil e regiões adjacentes. IBGE.), como observam alguns relatos, por exemplo o que segue, neste caso, entre os Tupi do Maranhão:
Para dançar usam apenas a cantoria. Para observar a cadência e marcar o compasso, usam um instrumento ou chocalho chamado maracá; é feito de um fruto pequeno, alongado e semelhante a um melão de tamanho médio, mas inteiramente liso; esse fruto cresce na região, e dentro dele colocam os índios inúmeros grãozinhos pretos e muito duros
(D’Abbeville, 2008 [1614]11 D’Abbeville, C. (2008 [1614]). História da missão dos padres capuchinhos na ilha do Maranhão. Conselho Editorial do Senado Federal., p. 237).
Em uma análise feita por meio de microscópio de varredura RAMAN, pôde-se perceber que, dentro da estatueta-coruja correspondente ao exemplar ARM1 454 (Apêndice 1), foram colocadas sete pequenas bolotas de argila dentro de sua cabeça (Figura 11). Chama a atenção a forma de confecção do artefato. Obedecendo à tecnologia de modelado empregada, a colocação das bolotas de argila na cabeça do exemplar deveria ter ocorrido através da base da cabeça, que depois seria fechada. Mas a microscopia de varredura RAMAN mostrou que as bolotas foram introduzidas pela boca, após a base da cabeça ter sido selada (Figura 12). Por que a boca? Novamente, mencionamos a sinestesia proposta por Hugh-Jones (2017)22 Hugh-Jones, S. (2017). Body tubes and Synaesthesia. Mundo Amazónico, 8(1), 27-78. https://doi.org/10.15446/ma.v8n1.64299
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. Entende-se que esse processo não obedeceu à tecnologia esperada, e sim ao cognitivo, cuja boca é uma das expressões do poder xamânico, um tubo sinestésico por onde a energia viaja. Desse modo, o poder de cura se dá também pela fala do xamã. Nesse sentido, sobre os pajés no Maranhão colonial, D’Évreux (2007 [1864], p. 237)14 D’Évreux, Y. (2007 [1864]). Continuação da História das coisas mais memoráveis acontecidas no Maranhão nos anos 1613 e 1614. Senado Federal. https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/580734/000805923_Historia_Maranhao_1613-1614.pdf
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relatou que “. . . seu instrumento é somente a voz, tão estranha aos que não estão acostumados”.
Com relação ao último conjunto de estatuetas, as zoomorfas, esta categoria parece aludir à fabricação do corpo figurando seres auxiliares xamânicos não humanos. No conjunto apresentado, as aves e os mamíferos se destacaram. Com relação às estatuetas de macaco (ARM 61 e CBL 15 – Apêndice 1), esta última figura um possível macaco-da-noite (Aotus infulatus), que, segundo Navarro e Silva Júnior (2019)37 Navarro, A. G., & Silva Júnior, J. S. (2019). Cosmologia e adaptação ecológica: O caso dos apliques-mamíferos das estearias maranhenses. Anthropológicas, 30(2), 203-233. https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.240627
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, possui olhos conspícuos para captar a luz noturna, ou seja, enxerga muito bem na escuridão. A visão pronunciada é uma característica xamânica per se. Além disso, possui um orifício na região do umbigo, indicando um possível uso para aspersão de alucinógenos – que bem poderia ter sido consumido pelo xamã –, como os de aplicação de inaladores, documentados etnograficamente (Reichel-Dolmatoff, 197244 Reichel-Dolmatoff, G. (1972). The cultural context of an aboriginal hallucinogen: Banisteriopsis Caapi. In P. T. Furst (Ed.), Flesh of the Gods: The ritual use of hallucinogens (pp. 84-113). Praeger.; Porro, 201043 Porro, A. (2010). Arte e simbolismo xamânico na Amazônia. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 5(1), 129-144. https://doi.org/10.1590/S1981-81222010000100009
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).
Quanto às estatuetas de coruja, esta ave é uma auxiliar do xamã, pois lhe permite realizar o que Reichel-Dolmatoff (1988)45 Reichel-Dolmatoff, G. (1988). Orfebrería y chamanismo: Un estudio iconográfico del Museo del Oro. Editorial Colina. chama de ‘voo xamânico’. A coruja, neste contexto, seria o animal que ajuda o xamã em seu voo, contribuindo com o desligamento do espírito do corpo humano. Para os Warao, por exemplo, que ainda vivem em palafitas no delta do Orinoco, na Venezuela, os maracás têm forças espirituais, e suas formas humanas lembram o xamã ancestral que visitou o céu na forma de ave, tendo sido dotado com este instrumento o Grande Espírito desses povos da água (Wilbert, 196358 Wilbert, J. (1963). Vestidos y ornamentos de los Indios Warao. Antropologica 12(1), 6-26.). Além disso, destaca-se o aspecto noturno dessa ave. Segundo Schaan (2009)51 Schaan, D. P. (2009). Cultura Marajoara. SENAC., as corujas com traços femininos estão representadas nas urnas funerárias, sendo estas aves, portanto, associadas ao mundo dos mortos. Para Roosevelt (1991)47 Roosevelt, A. C. (1991). Moundbuilders of the Amazon: Geophysical archaeology on Marajo Island, Brazil. Academic Press., as aves de rapina figuradas em enterramentos secundários estariam relacionadas ao processo de descarnificação dos esqueletos, já que é isso o que estes animais fazem com suas presas na natureza, uma ação necessária para a alma do morto descansar. Por fim, as corujas atuam como animal mensageiro, destacando-se pela grande capacidade de visão, típica característica xamânica. A estatueta ARM 64 possivelmente é a figuração de uma das maiores corujas da Amazônia, o murutucucu, que se caracteriza pelos grandes olhos redondos aplicados, como se estivesse à espreita da presa (Apêndice 1).
Um possível cachorro-do-mato, também identificado por Navarro e Silva Júnior (2019)37 Navarro, A. G., & Silva Júnior, J. S. (2019). Cosmologia e adaptação ecológica: O caso dos apliques-mamíferos das estearias maranhenses. Anthropológicas, 30(2), 203-233. https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.240627
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como Speothos venaticus, está figurado em duas peças (BR 055 e BR 056 – Apêndice 1) e pode ser associado ao que Hugh-Jones (1974)21 Hugh-Jones, S. (1974). Barasana Initiation: Male initiation and cosmology among the Barasana Indians of the Vaupés Area of Colombia. Cambridge University. chamou de ‘cachorro do xamã’. Segundo o referido autor, este mamífero é recorrente nos mitos dos povos de floresta tropical e propiciaria a cura de doenças. Junto da onça, os cachorros-do-mato também seriam animais protetores dos xamãs. Os exemplares aqui estudados estão em posição de estação, ou seja, de ataque.
Nesse sentido, esse grupo específico em que se destaca a agência de animais pode indicar a figuração de seres auxiliares do xamã nos rituais, evidenciando a agência perspectivista e animista destes seres (Descola, 200113 Descola, P. (2001). Naturaleza y sociedad: perspectivas antropológicas. Siglo Veintiuno.; Viveiros de Castro, 200257 Viveiros de Castro, E. (2002). A inconstância da alma selvagem. Cosac & Naif.).
CONCLUSÃO
Este artigo apresentou, pela primeira vez na literatura arqueológica das terras baixas da América do Sul, uma análise inédita das estatuetas das estearias maranhenses. A análise tecno-tipológica e os modos de fabricar o corpo das estatuetas dos povos das estearias revelaram uma história de longa duração, que começa no início da era cristã e se estende até o ano 1000. A partir de uma perspectiva arqueológica regional, apesar da semelhança com o modo de figurar estatuetas com os povos da fase Marajoara, aquelas das palafitas parecem constituir um estilo mais local e próprio. Nesse sentido, alguns traços compartilhados, como o modelado em forma de T na fronte de alguns exemplares, revelam movimentos de fluxos estilísticos que estavam operando entre esses grupos. Tais traços possivelmente não se restringiram à ilha de Marajó e parecem estar presentes também em uma esfera de interação social entre diversos povos indígenas que ocuparam o baixo Amazonas.
Os sítios de estearias parecem compreender uma sociedade homogênea do ponto de vista cultural e com identidade bem definida. Os elementos tecno-tipológicos e estilísticos apresentados, como a presença do antiplástico de caco moído em todos os exemplares estudados, ratificam essa unidade cultural, como vem afirmando Navarro (2018a33 Navarro, A. G. (2018a). New evidente for the late first millennium AD stilt-house settlements in Eastern Amazonia. Antiquity, 92(366), 1586-1603. https://doi.org/10.15184/aqy.2018.162
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, 2018b)34 Navarro, A. G. (2018b). Morando no meio dos rios e lagos: Mapeamento e análise cerâmica de quatro estearias do Maranhão. Revista de Arqueologia, 31(1), 73-103. https://doi.org/10.24885/sab.v31i1.535
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Assim, o modo de fabricar o corpo entre os povos das estearias está em consonância com a ontologia cosmológica amazônica, que recai sobre o perspectivismo ameríndio e o animismo. Os corpos podem ser pintados, intencionalmente deformados ou, ainda, metamorfizados. Nesse sentido, são fabricados de acordo com a agência da pluralidade de seres que atuam no cosmos, sendo eles humanos, não humano, híbridos e, ao que parece, também sobrenaturais, revelando a importância do xamanismo.
A maioria das estatuetas da coleção do LARQ-UFMA é antropomorfa. Esses exemplares figuram seres individualizados, como as mulheres que possivelmente utilizaram adornos do tipo jarreteiras para deformar as panturrilhas. Assim como foi descrito pela comparação etnográfica, as mulheres Karib praticavam essa deformação corporal em rituais de puberdade. As estatuetas antropozoomorfas parecem evidenciar processos de metamorfose corporal. As estatuetas-chocalho podem ter sido utilizadas em rituais xamânicos de cura, assim como também revelou a analogia etnográfica. O som parece ter tido um poder agentivo importante. Já as estatuetas híbridas, com traços humanos e não humanos, também podem evidenciar os modos transmutacionais de figurar o corpo de diferentes seres que povoaram distintos mundos, as quais podem aludir à própria transformação corporal do xamã para alcançar essas esferas a partir do uso de alucinógenos. Por fim, as estatuetas zoomorfas também podem pertencer à parafernália ritual xamânica, uma vez que os animais são os auxiliares dos xamãs em seus diferentes mundos tangíveis. A preferência pela figuração de corujas, um animal noturno e com grande capacidade de visão, é uma alusão dessa metáfora corporal que o ser humano adquire durante os rituais de xamanismo.
Finalmente, a variabilidade artefatual composta pelas estatuetas dos povos das estearias parece figurar os traços identitários que foram fabricados no corpo, local da vivência social. Nesse sentido, as estatuetas legitimam a história das memórias coletivas de um grupo social através do corpo socialmente fabricado.
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer à minha maior incentivadora para escrever este artigo, a Profa. Dra. Anna C. Roosevelt, da University of Illinois at Chicago. Agradeço ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), pela autorização e pelas renovações da coleta arqueológica, através do processo 01494.000442/2013-37. A Fullbright Commission, pela bolsa concedida na modalidade Visiting Professor Award, na University of Illinois at Chicago. Às instituições onde pesquisei: Smithsonian Institution (Washington), Penn Museum (Filadélfia) e American Museum of Natural History (Nova York), onde pude consultar as estatuetas marajoaras e santarenas. À Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão (FAPEMA), pela concessão de diversos editais que fomentaram as pesquisas das estearias. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pela bolsa de produtividade (processo 303620/2021-8). Ao Prof. Dr. José de Sousa Silva Júnior, zoólogo do Museu Paraense Emílio Goeldi, agradeço pela identificação das espécies Aotus infulatus e Speothos venaticus figurando estatuetas zoomorfas. Ao Prof. Dr. Heimo Mikolla, zoólogo da University of Eastern Finland, quem me ajudou na identificação da espécie Pulsatrix perspicillata, que figura várias estatuetas zoomorfas e antropomorfas. Aos Profs. Dr. Taran Grant e Miguel Trefault, zoólogos da Universidade de São Paulo (USP), pela análise de varredura em microscopia RAMAN. Ao museólogo Helder Bello de Mello (LARQ-UFMA), pelo zeloso trabalho de catalogação das peças. À Mayara Dias, colaboradora do LARQ-UFMA, pelo esmero no trabalho de diagramação das estatuetas. Estendo meus agradecimentos à Dra. Cristiana Barreto, aos pareceristas anônimos e a Secretaria do Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, que contribuíram para o aperfeiçoamento do manuscrito.
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A desfiliação da fase Marajoara da terra preta arqueológica (TPA) não será abordada neste artigo, uma vez que requer uma discussão complexa. Sobre o assunto, ver Barreto (2016)4 Barreto, C. N. G. B. (2016). O que a cerâmica Marajoara nos explica sobre fluxo estilístico na Amazônia?. In C. Barreto, H. Lima & C. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: Rumo a uma nova síntese (pp. 115-124). IPHAN., Almeida (2016)1 Almeida, F. O. (2016). Arqueologia dos Tupi-Guarani no baixo Amazonas. In C. Barreto, H. Lima & C. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: Rumo a uma nova síntese (pp. 171-182). IPHAN. e Neves (2016)39 Neves, E. G. (2016). Não existe neolítico ao sul do Equador: As primeiras cerâmicas amazônicas e sua falta de relação com a agricultura. In C. Barreto, H. P. Lima & C. J. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: Rumo a uma nova síntese (pp. 32-39). IPHAN..
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Navarro, A. G. (2022). Modos de fabricar o corpo nas estearias: estudo arqueológico das estatuetas dos povos palafíticos do Maranhão. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 17(1), e20210005. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2021-0005
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4Barreto, C. N. G. B. (2016). O que a cerâmica Marajoara nos explica sobre fluxo estilístico na Amazônia?. In C. Barreto, H. Lima & C. Betancourt (Orgs.), Cerâmicas arqueológicas da Amazônia: Rumo a uma nova síntese (pp. 115-124). IPHAN.
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37Navarro, A. G., & Silva Júnior, J. S. (2019). Cosmologia e adaptação ecológica: O caso dos apliques-mamíferos das estearias maranhenses. Anthropológicas, 30(2), 203-233. https://doi.org/10.51359/2525-5223.2019.240627
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Apêndice 1 Tipologia das estatuetas. Crédito das imagens: acervo do LARQ-UFMA e Costa et al. (2016)10 Costa, A. F., Hissa, S. B. V., Azevedo, L. W., Tramasoli, F., & Amatuzzi, L. J. (2016). O universo cotidiano e simbólico da cerámica das estearias: Uma análise da Coleção Raimundo Lopes (MN-UFRJ). Revista de Arqueologia, 29(1), 161-187. https://doi.org/10.24885/sab.v29i1.447
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
27 Abr 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
15 Jan 2021 -
Aceito
14 Jun 2021