Acessibilidade / Reportar erro

Notas sobre a diversidade étnica e patrimonial nas missões indígeno-jesuíticas – ou sobre quando se reduzem diversos povos indígenas a apenas um

Notes on ethnic and heritage diversity in indigenous-jesuit missions – or on when several indigenous peoples are reduced to just one

Resumo

Este estudo recupera três notas sobre a diversidade étnica e patrimonial nas ‘missões jesuíticas dos Guaranis no Paraguai colonial’, como ficou conhecida aquela experiência dos séculos XVII e XVIII. As notas procuram demonstrar que os estudos etnológicos e históricos contemporâneos correm o risco de tomar informações de outros grupos como se fossem sobre os Guarani, bem como escamoteiam dados de outros coletivos que estiveram presentes naquele processo. Nascidas a partir de trabalhos de campo e de pesquisa documental realizados no Museu das Missões e nos manuscritos da coleção De Angelis, as notas estão divididas em: a) os paradigmas que regem as interpretações tradicionais sobre aquele processo e os impactos da inclusão de diversos grupos étnicos que compuseram as missões no que diz respeito à sua nominação; b) a construção de um mapa dos povoados missionais pautado na diversidade étnica; c) problemas de pesquisa a partir da diversidade étnica aplicada em questões patrimoniais relacionadas ao passado missional. Em conjunto, apontam possibilidades sobre a construção etnológica, histórica e patrimonial relativa às missões do Paraguai quando interessadas no reconhecimento e na promoção da diversidade étnica, ampliando, com isso, o horizonte cultural daquela experiência.

Palavras-chave
Missões; Paraguai; Diversidade étnica; Indígenas; Jesuítas

Abstract

This study recovers three notes on ethnic and heritage diversity in the ‘Jesuit missions of the Guaranis in colonial Paraguay’, as that experience of the 17th and 18th centuries became known. The notes seek to demonstrate that contemporary ethnological and historical studies run the risk of taking information from other groups as if they were about the Guarani, as well as concealing data from other groups that were present in that process. Born from fieldwork and documentary research carried out at the Museu das Missões and on manuscripts from the De Angelis Collection, the notes are divided into: a) the paradigms that govern traditional interpretations of that process and the impacts of the inclusion of different groups ethnic groups who made up the missions with regard to their nomination; b) the construction of a map of missional villages based on ethnic diversity; c) research problems based on ethnic diversity applied to heritage issues related to the missional past. Together, they point out possibilities regarding the ethnological, historical and heritage construction related to Paraguayan missions when interested in the recognition and promotion of ethnic diversity, thus expanding the cultural horizon of that experience.

Keywords
Missions; Paraguay; Ethnic diversity; Indigenous people; Jesuits

De modo intercalado entre os anos de 2009 e 2018, vivenciei o cotidiano das diversas famílias mbyá-guarani que vendem artesanato no alpendre do Museu das Missões. Este museu, localizado no extremo sul do Brasil, é uma instituição federal dedicada à salvaguarda dos objetos sobreviventes de uma experiência que ficou conhecida como ‘missões jesuíticas dos Guarani’. Está ao centro do sítio arqueológico São Miguel Arcanjo, onde residem os remanescentes arquitetônicos e arqueológicos de uma missão que chegou a ter mais de vinte mil indígenas moradores no século XVIII, seu apogeu, até ser desarticulada pela fome e peste da década de 1730 e pelos demarcadores do Tratado de Madri, em 1756. As famílias indígenas que frequentam o sítio e o museu residem na aldeia Tekoá Koenju, distante pouco mais de trinta quilômetros, e declaram-se herdeiras daquele patrimônio. Embora nos primeiros anos que ali estive para realizar projetos para o museu a temática da pesquisa fosse outra, desde o princípio anotava em meu caderno de campo uma série de observações e reflexões que tratavam de uma configuração cultural que falava de um estimulante horizonte plural.

De fato, tanto na aldeia, quanto no alpendre do Museu das Missões, observei a circulação de outros Guarani que não apenas os Mbyá, indivíduos Kaingang, ‘mestiços’ Guarani-Kaingang e, de modo ainda mais surpreendente, acompanhei o ressurgimento de sujeitos autointitulados Charrua – grupo até então considerado extinto – que teriam vivido refugiados entre os Guarani por gerações, escondidos dos brancos. Além disso, não raro anotei sobre tarefas sendo executadas por ambos os sexos, bem como conheci indígenas chamados jocosamente de revy, palavra que, com muitos senões, poderia ser traduzida por ‘homossexual’, ou melhor, ‘homens que têm relações sexuais anais com outros homens’ (ver Cariaga, 2015Cariaga, D. (2015). Gênero e sexualidades indígenas: alguns aspectos das transformações nas relações a partir dos Kaiowa no Mato Grosso do Sul. Cadernos de Campo, 24(24), 441-464. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v24i24p441-464
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
). Um panorama diverso, de fato, manifestava-se no cotidiano da comunidade, muito além do entendimento de uma unidade étnica dura ou de divisões de trabalho limitadas pelo uso do arco e do cesto, conforme preconizavam estudos etnológicos e históricos e, consequentemente, leituras patrimoniais que prosperavam pelo sítio e pelo museu.

Paralelamente, investia em uma pesquisa documental nos manuscritos da coleção De Angelis, importante corpus colonial reunido na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, e a que tive acesso em sua versão microfilmada pelo Centro de Pesquisas Históricas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Sobretudo quando investigava em documentos não publicados e sobre os quais passaria mais de quinze anos debruçado, encontrava fartas informações a respeito de múltiplos grupos étnicos que teriam vivido na experiência que ficou conhecida na historiografia e na etnologia como exclusivamente guarani. De fato, os jesuítas daqueles tempos geraram abundantes registros sobre a diversidade étnica e cultural e que por sorte estavam em minhas mãos em documentos – na verdade, em microfilmes – ainda não publicados.

Hoje percebo que a leitura de um mundo plural se vinculava também aos múltiplos avanços políticos e culturais daqueles primeiros anos de pesquisa, o empolgante início do século XXI: o debate sobre a implantação das cotas raciais nas universidades, a geração da Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_a...
, dedicada à obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Indígena nas escolas, as conquistas dos movimentos indígenas, entre outros fatores, davam a impressão de que enfim vivíamos uma primavera democrática em que os povos indígenas seriam bem-vindos em suas próprias terras originais. Além disso, pessoalmente eu experimentava minha ‘saída do armário’, passando a viver como sujeito gay, bem como reencontrava minha etnicidade, até então afetada pela noção de que minha alteridade indígena não era condizente não apenas com o fato de ter nascido em uma cidade, mas também com minha sexualidade dissidente. A leitura de um passado plural que invadia meu caderno de campo parecia, portanto, dever em muito às experiências pessoais que vivenciava em um país que respirava democracia, enquanto sonhava em ser distinto de seu passado repressor.

Penso nisso enquanto estou a pesquisar no Canadá, um país multicultural, e a residir em um bairro onde se fala quatro idiomas. Aqui percebo a potência da diversidade em oposição à ascensão da extrema-direita global, como a que recentemente tomou de assalto a República do Brasil e seguirá a nos assombrar. Se no início do século XXI era estimulante reconhecer a diversidade, na atualidade parece necessária a produção etnográfica, histórica e patrimonial dedicada ao passado indígena se vinculando justamente à promoção desse diverso.

A partir disso, meus estudos passaram a delinear a categoria de diversidade enquanto categoria político-cultural com potencial analítico. Sigo aqui a observação de Nunes (2010)Nunes, E. S. (2010). De corpos duplos: mestiçagem, mistura e relação entre os Karajá de Buridina (Aruanã-GO). Cadernos de Campo, 19(19), 113-134. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p113-134
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133....
sobre os Karajá de Buridina, então a conceberem que uma relação entre diferentes não gera um indivíduo dominado por outro, sequer um sujeito mestiço ou híbrido, mas, sim, a ‘mistura’, ou seja, um ser no qual é possível a coexistência de mais de uma forma de vida. Nesta perspectiva, a problemática de minha pesquisa passa a entender o pensamento ameríndio como que a “atrair uns aos outros pelas nossas diferenças”, como diz Krenak (2019, p. 33)Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo. Companhia das Letras., ou volta-se a uma “abertura ao Outro”, como prefere Lévi-Strauss (1993, p. 14)Lévi-Strauss, C. (1993). História de Lince. Companhia das Letras.. Em não poucos casos, este pensamento está envolto em relações de “predação familiarizante”, como aponta Fausto (1997Fausto, C. (1997). A dialética da predação e da familiarização entre os Parakanã da Amazônia oriental: por uma teoria da guerra ameríndia [Tese de doutorado, Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro]., 2002Fausto, C. (2002). Banquete de gente: comensalidade e canibalismo na Amazônia. Mana, 8(2), 7-44. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200001
https://doi.org/10.1590/S0104-9313200200...
, 2008)Fausto, C. (2008). Donos demais: maestria e domínio na Amazônia. Mana, 14(2), 329-366. https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200003
https://doi.org/10.1590/S0104-9313200800...
, promovendo relações onde a diferença tende a ser canibalizada. A categoria de diversidade aqui discute com essa reciprocidade da alteridade, com esse desejo de canibalizar o outro para tê-lo em si, promovendo alianças, domesticação, fidelidade e uma importante categoria para a investigação sobre tais sociedades, culturas e patrimônios em tempos que se desenham monocromáticos. Além de se valer da recuperação de alguns aspectos de artigo onde foram publicados resultados preliminares (Santos & Baptista, 2007Santos, M. C., & Baptista, J. T. (2007). Reduções jesuíticas e povoados de índios: controvérsias sobre a população indígena. Revista História UNISINOS, 4(2), 240-251. https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/5904/3089
https://revistas.unisinos.br/index.php/h...
) e de minha tese (Baptista, 2007Baptista, J. T. (2007). Fomes, pestes e guerras: dinâmicas dos povoados missionais em tempos de crise (1610-1750) [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2545#preview-link0
https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede...
) publicada posteriormente (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., 2015Baptista, J. T. (2015). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 2. ed.). Instituto Brasileiro de Museus. https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2015/09/Dossie_missoes_Temporal.pdf
https://www.museus.gov.br/wp-content/upl...
), investiga-se a diversidade nas missões a partir de estudos já clássicos, como os de Becker (1976)Becker, Í. I. B. (1976). O Índio kaingang no Rio Grande do Sul. Instituto Anchietano de Pesquisas., Melià (1983)Melià, B. (1983, abr.). Informação etnográfica e histórica sobre os Kaingang do Rio Grande do Sul. Instituto Socioambiental. https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/informacao-etnografica-e-historica-sobre-os-kaingang-de-rio-grande-do-sul
https://acervo.socioambiental.org/acervo...
, Bracco (2004)Bracco, D. (2004). Charrúas, guenoas y guaraníes: interacción y destrucción – indígenas en el Rio de la Plata. Linardi y Risso. e Ortega et al. (2008)Ortega, A., Morinico, J., & Benites, G. (Diretores). (2008). Mokoi Tekoá Petei Jeguatá: duas aldeias, uma caminhada [Vídeo]. DVD., bem como se soma a investigações recentes sobre a diversidade étnica nas missões (Silva, 2011Silva, A. L. F. (2011). Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Grande Dourados]. https://www.ppghufgd.com/wp-content/uploads/2017/06/Andr%C3%A9-Luis-Freitas-da-Silva.pdf
https://www.ppghufgd.com/wp-content/uplo...
; Moura, 2013Moura, G. R. (2013). ‘Señores de la palabra’: histórias e representações na obra de Antonio Ruiz de Montoya (1612-1652) [Dissertação de mestrado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos]. http://repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/6790
http://repositorio.jesuita.org.br/handle...
; Pinto & Maurer, 2014Pinto, M., & Maurer, R. (2014). Quando a geo-história avança sobre os significados de um espaço urbano. EURE, 40(120), 135-158. http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612014000200007
https://doi.org/10.4067/S0250-7161201400...
; Fontella, 2017Fontella, L. (2017). As Missões Guaraníticas num contexto de cultura de contato [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5751236
https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/p...
).

A partir disso, este texto reúne três notas retiradas de meus cadernos de campo: a primeira, a considerar sobre os paradigmas que regem as interpretações tradicionais sobre aquele processo e os impactos da inclusão de diversos grupos étnicos que compuseram as missões no que diz respeito à sua nominação, onde se exploram os principais conceitos empregados ao longo das três notas; em seguida, apresenta os resultados de uma leitura do mapa dos povoados missionais quando pautado na diversidade étnica a partir de registros documentais; por fim, a exemplificar a formulação de problemas de pesquisa a partir da diversidade étnica, discorre sobre questões patrimoniais, não sem indicar algumas possibilidades quando se relaciona tal debate às ontologias da predação. O objetivo destas notas é demonstrar o impacto da noção de diversidade étnica nos estudos sobre missões.

Antes, duas ressalvas: este texto se dedica a discutir as missões que se tornaram conhecidas como unicamente pertencentes aos povos Guarani e que se distribuíam entre os atuais países Paraguai, Brasil, Argentina e Uruguai, não tendo fôlego para se dedicar a outros empreendimentos jesuíticos; apesar disso, este artigo pretende produzir uma análise sobre a redução da diversidade étnica a uma só, fenômeno a afetar diversos estudos etnológicos, arqueológicos, históricos ou, sobretudo, discursos museológicos e patrimoniais, onde se corre o risco de ignorar que, por trás da ideia de um grupo indígena fechado em si mesmo, está-se, em verdade, diante de muitos outros mais.

DIVERSIDADE ÉTNICA NAS MISSÕES INDÍGENO-JESUÍTICAS

A forma de nominar a experiência missional reflete um conjunto de paradigmas interpretativos contemporâneos a pesarem o passado quando se tem (ou não) em perspectiva a diversidade étnica. Nascidos entre grupos acadêmicos com ideologias próprias, contextos políticos específicos e com interesses hegemônicos, os paradigmas ‘jesuítico, guarani e mestiço/missioneiro’, como os chamo, podem ser problematizados quando se procuram construir etnologias, histórias e discursos patrimoniais interessados no reconhecimento e na promoção da diversidade.

‘Missões jesuíticas’ é a forma mais tradicional para se denominar aquela experiência. Tal denominação baseia-se naquilo que denomino como ‘paradigma jesuítico’ (Baptista & Boita, 2019Baptista, J. T., & Boita, T. (2019). Patrimônios indígenas nos 80 anos do Museu das Missões. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(1), 189-205. https://doi.org/10.1590/1981.81222019000100012
https://doi.org/10.1590/1981.81222019000...
), ou seja, um conjunto de percepções historiográficas etnocêntricas no qual os jesuítas são considerados protagonistas do processo missional. Nesse horizonte, as missões seriam uma história de padres e massas indígenas infantis convertidas, extintas ou diluídas ao cristianismo – uma história da Igreja ou da conversão, enfim. Bom exemplo deste paradigma é a obra historiográfica de Aurelio Porto de 1943, responsável por fundamentar o pedido de tombamento do sítio de São Miguel Arcanjo e a criação da primeira exposição permanente do Museu das Missões (Bauer, 2007Bauer, L. (2007). O arquiteto e o zelador: patrimônio cultural, história e memória. Nuevo Mundo Mundos Nuevos. https://doi.org/10.4000/nuevomundo.3807
https://doi.org/10.4000/nuevomundo.3807...
). Nessa obra, aquele passado é tratado a partir da “civilização jesuítica” que “domesticou” as “crianças grandes” que viviam nas “matarias selvagens”, “indolentes”, tomadas de “preguiça” e “incapazes de se dirigir” (Porto, 1954Porto, A. (1954). História das missões orientais do Uruguai (Vol. 3). Livraria Selbach., pp. 13-14, 73). Apesar da visível estratégia racial de Porto, alocando os brancos católicos no topo da civilização e humanidade e os indígenas em outra extremidade, sua obra segue sendo amplamente utilizada na historiografia regional e o paradigma jesuítico possui um fôlego impressionante. Bom exemplo disso reside na nominação da arte desenvolvida para classificar o acervo do Museu das Missões, ‘Barroco jesuítico’, como se falará mais à frente, ou até mesmo na nominação do principal evento da área, hoje nominado “Jornadas Internacionais Jesuíticas” — nomeações onde se exclui a presença indígena de um processo no qual foram justamente majoritários.

Quando efetivamente os estudos etno-históricos passaram a propor um novo modelo interpretativo ao processo, em particular a partir das obras do antropólogo Bartomeu Melià, a nomeação da experiência foi afetada: ‘missões guarani’, ‘missões guaraníticas’ ou ‘missões jesuíticas-guaranis’ foram algumas das possibilidades que passaram a circular entre as pesquisas, ansiosas por superarem o paradigma jesuítico. Criava-se, assim, o ‘paradigma guarani’. Nesse, apesar dos avanços ofertados pela crítica ao etnocentrismo e à inclusão dos Guarani enquanto protagonistas, passava-se a representar as populações indígenas missionais de modo monocromático, mormente sem considerações sobre a diversidade entre os próprios Guarani, menos ainda sobre os outros povos que participaram ativamente da mesma experiência.

Vale lembrar que alguns estudos e discursos patrimoniais orientados pelo ‘paradigma guarani’ passaram a propor denominações que superassem a centralidade nos jesuítas. Assim, viu-se multiplicarem-se categorias como ‘Barroco guaranítico’, ‘Barroco guarani’ ou ‘Barroco jesuítico-guarani’. Tais expressões procuravam demonstrar o quanto do universo guarani em cada acervo poderia ser percebido por meio de símbolos e significados equivalentes em forma e conteúdo registrados na etnologia, exercício arriscado no que diz respeito à produção de anacronismos propostos pela analogia de fontes dos séculos XVII e XVIII com a antropologia do século XX.

A partir das experiências de campo que realizava e dos documentos históricos que encontrava em meu doutoramento, o paradigma guarani apresentava um problema que me intrigava: aquelas missões contaram com populações massivas de povos Jê, Charrua, Minuano, Yaró, bem como em nenhum momento parecia ser possível se referir a uma unidade cultural entre os próprios Guarani, então divididos entre diversas ‘parcialidades’, conforme termo das fontes. Não se tratava de uma informação desconhecida. Em um artigo de Melià (1983)Melià, B. (1983, abr.). Informação etnográfica e histórica sobre os Kaingang do Rio Grande do Sul. Instituto Socioambiental. https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/informacao-etnografica-e-historica-sobre-os-kaingang-de-rio-grande-do-sul
https://acervo.socioambiental.org/acervo...
, publicado nos anais do “V Simpósio Nacional de Estudos Missioneiros”, apoiando-se em pesquisas históricas então precursoras, como as de Becker (1976)Becker, Í. I. B. (1976). O Índio kaingang no Rio Grande do Sul. Instituto Anchietano de Pesquisas., já se evidenciava que, entre as populações indígenas do Guairá (atual estado do Paraná, Brasil) contatadas pelos jesuítas na primeira metade do século XVII, estavam também grupos Jê.

De fato, no estudo supracitado de Melià (1983)Melià, B. (1983, abr.). Informação etnográfica e histórica sobre os Kaingang do Rio Grande do Sul. Instituto Socioambiental. https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/informacao-etnografica-e-historica-sobre-os-kaingang-de-rio-grande-do-sul
https://acervo.socioambiental.org/acervo...
, a presença jê nos povoados missionais estaria findada tão logo se completasse a total destruição da experiência nas terras do atual Paraná brasileiro, ainda em 1631, pelos paulistas que saqueavam e sequestravam os moradores das missões. A partir de então, conforme interpretação recorrente no paradigma guarani, os grupos étnicos como os Jê sobreviventes teriam se ‘dispersado’ pelo território e somente retornariam para a arena historiográfica no século XIX, nascendo daí novos etnônimos, tal qual Kaingang. Nesta abordagem, não existiria uma história jê nas missões, mas, sim, uma história kaingang antes mesmo da etnogênese kaingang (a se efetivar somente no século XIX), equívoco insustentável para os estudos históricos. Assim se percebe, ao menos nas palavras de Becker (1976, p. 11)Becker, Í. I. B. (1976). O Índio kaingang no Rio Grande do Sul. Instituto Anchietano de Pesquisas., onde as informações sobre os Jê nas missões seriam mais um episódio sobre “o índio Kaingang através do tempo”.

Vale lembrar que a noção de diluição dos povos não Guarani era respaldada pelo conceito de ‘guaranização’. Surgido na antropologia e arqueologia, o conceito difundiu-se e segue potente nos estudos sobre missões para solucionar com rapidez o problema da diversidade étnica. Por meio dele, se entende a cultura guarani como dominante, capaz de subalternizar as demais, quando não de apagar outras, análise que, em uma perspectiva focada nas relações étnico-raciais, pode deixar boas dúvidas. Particularmente, sempre percebi nessa leitura uma tentativa de equacionar as formas guarani de se relacionar com o outro como se o fizessem ao modo de europeus colonizadores: ‘guaranização’, assim, seria sinônimo de ‘colonização’. Em concordância com Silva (2011, p. 16)Silva, A. L. F. (2011). Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Grande Dourados]. https://www.ppghufgd.com/wp-content/uploads/2017/06/Andr%C3%A9-Luis-Freitas-da-Silva.pdf
https://www.ppghufgd.com/wp-content/uplo...
e Combès e Villar (2007)Combès, I., & Villar, D. (2007). Os mestiços mais puros: representações chiriguano e chané da mestiçagem. Mana, 13(1), 41-62. https://doi.org/10.1590/S0104-93132007000100002
https://doi.org/10.1590/S0104-9313200700...
, a guaranização atualmente parece muito mais um fenômeno narrativo sobre os povos indígenas, e não uma realidade ontológica.

A historiografia, de modo geral, resolveu o problema da ‘guaranização’ aderindo a outro importante conceito, o de mestiçagem. Diluídos, convertidos e subalternizados, tal qual ‘índios misturados’ do imaginário da sociedade envolvente contemporânea (Oliveira, 1998Oliveira, J. P. (1998). Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. Mana, 4(1), 47-77. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003
https://doi.org/10.1590/S0104-9313199800...
), os mais variados grupos étnicos missionais tornavam-se, ao fim, convertidos, destituídos de sua história indígena. A expressão mais comum da noção de mestiçagem diluente nos estudos sobre missões é o vocábulo ‘missioneiro’, presente tanto na produção acadêmica, quanto no imaginário popular. Mais tarde, o conceito de mestiçagem foi atualizado em estudos como o de Gruzinski (2001)Gruzinski, S. (2001). O pensamento mestiço. Companhia das Letras., que, paralelo ao conceito de ocidentalização do mesmo, elevaram o entendimento de que culturas – por vezes entendidas como híbridas, como se vê em Canclini (2006)Canclini, N. (2006). Culturas híbridas. Edusp. – explicavam a formação da América Latina mestiça. A este fenômeno interpretativo denomino de ‘paradigma mestiço ou missioneiro’.

Este paradigma viria ainda a ser redimensionado perante o conceito de etnogênese. Recorrente em fins do século XX e início do XXI para se explicar o fenômeno dos redimensionamentos identitários dos povos indígenas em estudos sobre a América portuguesa (Cunha, 1992Cunha, M. C. (1992). Introdução a uma história indígena. In Autor (Org.), História dos índios no Brasil (pp. 9-24). Companhia das Letras., p. 11; Monteiro, 1999Monteiro, J. (1999). Armas e armadilhas. In A. Novaes (Org.), A outra margem do Ocidente (pp. 237-249). Companhia das Letras., p. 241; Boccara, 2001Boccara, G. (2001). Mundos nuevos en las fronteras del Nuevo Mundo. Nuevo Mundo Mundos Nuevos. https://doi.org/10.4000/nuevomundo.426
https://doi.org/10.4000/nuevomundo.426...
; Almeida, 2003Almeida, M. C. (2003). Metamorfoses indígenas. Arquivo Nacional., p. 259), logo surgiram os primeiros estudos sobre missões do Paraguai que optaram por este caminho, como minha tese (Baptista, 2007Baptista, J. T. (2007). Fomes, pestes e guerras: dinâmicas dos povoados missionais em tempos de crise (1610-1750) [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2545#preview-link0
https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede...
) ou a de Wilde (2009)Wilde, G. (2009). Religión y poder en las misiones de Guaraníes. Talleres Gráficos Mitre e Salvay.. Nessas abordagens, noções de identidade e cultura vislumbravam-se sujeitas às conjunturas, em especial as que apresentavam contextos dramáticos que exigiam a realocação das populações ameríndias coloniais, configurando-se, assim, em um dos avanços interpretativos mais significativos nos estudos recentes.

Olhando de hoje, o emprego de conceitos como ‘guaranização’, ‘mestiçagem’ e ‘etnogênese’, a despeito de suas contribuições, pode tropeçar em questões particulares da história missional. Dois exemplos, entre tantos: alguns grupos étnicos, em particular os Charrua, Minuano e Yaró, seguiram sendo lembrados até o final do processo missional enquanto distintos dos Guarani, ainda que vivendo em povoados próprios ou compartilhados (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., pp. 106-122); além disso, no interior da diversidade dos próprios Guarani, determinados grupos, como os Guayaqui, não ingressaram na identidade hegemônica que se construía dos falantes da mesma língua; pelo contrário, há diversos indícios que apontam para o fato de que se esforçavam para não serem confundidos com seus “primos” (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., p. 117). Vale considerar que, em nome de um conceito aplicado com sucesso em outros cenários de pesquisa, bem como que tenha desfrutado de certo prestígio ao seu tempo em determinado meio acadêmico, é preciso sempre ter cautela em relação às particularidades locais dos ambientes onde venham a ser aplicados.

O que hoje se pode perceber é uma tensão contraditória entre os paradigmas: a historiografia tradicional sobre missões havia se sustentado no ‘paradigma jesuítico’, modelo em que os jesuítas seriam a referência central, os protagonistas civilizadores; já as leituras populares teriam preferido se valer de uma noção rápida de mestiçagem, tal qual se vê no ‘paradigma mestiço/missioneiro’; ao passo que o ‘paradigma guarani’ opunha-se ao etnocentrismo ao promover o indígena como sujeito central do processo, mas como efeito colateral acabava por homogeneizar os mais variados grupos étnicos presentes nos povoados missionais, encapsulando-os em apenas uma etnia.

Disso, uma impressão: parece ser possível gerar uma crítica a denominações clássicas (‘missões jesuíticas’ ou ‘missões jesuíticas-guarani’, entre outras), tornando-se necessário pensar em uma categoria para aquela experiência quando há o interesse no reconhecimento e na promoção da diversidade indígena. ‘Missões indígenas’ foi o termo que adotei em meus estudos, ou, ainda, ‘missões indígeno-jesuíticas’ (Baptista & Boita, 2019Baptista, J. T., & Boita, T. (2019). Patrimônios indígenas nos 80 anos do Museu das Missões. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(1), 189-205. https://doi.org/10.1590/1981.81222019000100012
https://doi.org/10.1590/1981.81222019000...
). Ambas as denominações demonstram a potência diversa daquela experiência, a primeira a ressaltar a diversidade étnica, a superioridade numérica e o protagonismo indígena em relação aos jesuítas, a segunda a evitar que uma prática discursiva excludente seja substituída por outra. Mas quantas outras propostas nominais podem ocorrer quando se considera a presença da diversidade étnica nos povoados missionais?

UM MAPA DIVERSO DAS MISSÕES

A constatação documental sobre a presença de grupos não Guarani naquela experiência de modo expressivo e reconhecidos do início ao fim do processo como distintos dos Guarani levanta um questionamento: sendo as missões espaço de múltiplos grupos étnicos, não seria possível produzir etnologia, história, arqueologia e discurso patrimonial sobre o passado colonial capazes de contemplar tal diversidade?

Para mim, as duas maiores consequências da redução da diversidade étnica nos estudos sobre missões são percebidas em dois problemas: a tomada de determinada informação como sendo de um grupo, mas esquecendo-se que pode muito bem se referir a outro; e a possibilidade de se imaginar a construção de uma narrativa histórica onde sejam consideradas as particularidades das trajetórias de cada grupo étnico naquele contexto.

De fato, as missões costumam ser berço de informações que alimentam estudos etnográficos e históricos sobre os Guarani. Mediante o prisma da diversidade étnica, contudo, esta função passa a ser questionada, tornando-se possível levantar a necessidade de se gerar subsídios para preencher lacunas de conteúdo histórico não apenas dos Jê e dos próprios Guarani, mas também dos Charrua, Minuano e Yaró, entre outros povos ali envolvidos. Em outras palavras, qualquer dado oriundo da experiência missional, mormente considerado como algo restrito aos Guarani, pode tratar justamente de uma outra etnia.

A partir desses problemas, passei a utilizar um procedimento metodológico em três passos, aplicado à documentação colonial, interessado na construção do reconhecimento e da promoção de distintos grupos étnicos nas missões: 1) a identificação por meio de documentação colonial da distribuição geográfica das sociedades indígenas conectadas aos jesuítas a partir de seus etnônimos coloniais; 2) o acompanhamento documental do deslocamento dessas populações dentro do espaço missional, entendendo as migrações provocadas pelos paulistas como diásporas; 3) a catalogação da constante inserção (pacífica ou não) de novos indivíduos ou coletivos destes ou daqueles grupos nas missões, em especial a partir do final do século XVII e da primeira metade do século XVIII, quando as missões passaram a promover as “Carcerías Espirituais” (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., p. 124).

Reunindo, portanto, as informações a partir destes procedimentos metodológicos aplicados aos manuscritos da coleção De Angelis, tornou-se possível observar o mapa missional não como um conjunto de cidades guarani, mas, sim, como seio da diversidade étnica em plena interação colonial. Não se trata, portanto, de se produzir um novo mapa das missões a partir de sua diversidade étnica, exercício que seria vão, como se demonstrará, mas, sim, de compreender que a etnocartografia missional é permedada por diversos povos. Esta nova forma de compreender o mapa das missões pode evitar a tomada de informações consideradas dos Guarani sem que o sejam, como tem ocorrido, bem como serve como uma indicação segura de onde se poderia encontrar informações sobre as múltiplas etnias que compunham as missões, entre outras possibilidades.

No que diz respeito, portanto, aos dados contidos nos manuscritos da coleção De Angelis e apresentados em minha tese, os seguintes povoados missionais contaram com uma história de grupos Jê no Guairá: Nossa Senhora del Acaray, também conhecido como Concepção de Nossa Senhora dos Guañanas ou somente Acaray, onde Gualachos e Guañanas, dois etnônimos coloniais referentes a grupos Jê, viveram em conjunto; a missão de São Pedro, também ocupada pelos Gualachos e Guañanas; São Miguel e Encarnación são povoados exclusivos dos Coroados, grupo também Jê; Los Angeles do Tayobá, onde aproximadamente 60 a 80 caciques jê e guarani conviveram. Tais dados já eram conhecidos e haviam sido demonstrados por Becker (1976)Becker, Í. I. B. (1976). O Índio kaingang no Rio Grande do Sul. Instituto Anchietano de Pesquisas. e Melià (1983)Melià, B. (1983, abr.). Informação etnográfica e histórica sobre os Kaingang do Rio Grande do Sul. Instituto Socioambiental. https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/informacao-etnografica-e-historica-sobre-os-kaingang-de-rio-grande-do-sul
https://acervo.socioambiental.org/acervo...
, como indicado anteriormente.

Contudo, ainda não havia se acompanhado o deslocamento desses grupos após as invasões paulistas, fator necessário para indicar que a história jê nas missões não se encerrara com a destruição dos povoados do Guairá em uma perspectiva diaspórica. De fato, em 1631, os grupos Jê e Guarani do Guairá partem para povoados Guarani no seio daquilo que viria a se tornar o Paraguai e norte argentino moderno. Em estudos anteriores (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., pp. 108-117), demonstrei que há registros seguros de que São Ignácio Guazu, Anunciación, Loreto e São Ignácio Mini, importantes povoados do empreendimento, receberam levas consideráveis de grupos Jê provindos do Guairá. Mas foi no povoado de Corpus que encontrei um conjunto de documentos mais sólidos sobre sua diversidade étnica, sendo possível acompanhar sua constituição não apenas durante o período da transmigração dos Jê de Acaray para o Paraguai, como também após este período: por sua proximidade a ervais e pinhais, grupos Jê frequentam o território, muitos sendo convidados a se integrar aos povoados em movimento certamente facilitado pela língua comum, bem como potencializado pelas violentas “caçadas espirituais” do século XVIII (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., pp. 112-113).

Deste modo, qualquer informação tomada desses importantes povoados cravados no coração da experiência missional, tanto à história das missões, quanto à história do Paraguai e da Argentina, não pode ser entendida como segura e exclusiva sobre os Guarani. A história desses povoados é também uma história jê, documentada como tal desde a primeira metade do século XVII até o final da presença jesuítica naquelas regiões.

No Tape (atual estado do Rio Grande do Sul brasileiro), um fenômeno semelhante se dá na redução de Santa Tereza, onde grupos Jê também se deslocam para o lado paraguaio na transmigração de 1641, mais uma vez em diáspora em virtude dos ataques dos paulistas (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., p. 113). Até o momento não foi possível identificar para quais povoados este grupo foi alocado, mas certamente é mais um indicativo de que o Paraguai não ficou imune à composição diversa no que diz respeito à sua constituição étnica.

No sul do território por onde as missões se expandem estão as terras dos chamados Charrua, Guenoa/Minuano e Yaró, posteriormente conhecidos como Pampeano (ver Bracco, 2004Bracco, D. (2004). Charrúas, guenoas y guaraníes: interacción y destrucción – indígenas en el Rio de la Plata. Linardi y Risso.). O povoado de Yapeyú, no extremo sul do território missional, não pode ser considerado um povoado guarani em qualquer momento de sua história, mas, sim, desses grupos. Passado o período de ataques paulistas e dada a retomada do território do Tape, os povoados que ali ressurgem – chamados posteriormente de Sete Povos – aglomeram majoritariamente grupos Guarani, mas a eles também se somam os povos do sul. Aliás, é na missão de São Borja que se encontram os documentos mais detalhados sobre o modo administrativo aplicado quando diversos grupos étnicos viviam em um mesmo povoado: a construção de um bairro missional, ou seja, um ‘cacicado’, conforme termo jesuítico colonial, onde um grupo recebia um território para si, que os separava dos demais e onde seriam batizados com um nome cristão; esta parece ter sido a estratégia mais comum (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., pp. 113-114). Assim se vê com a criação do cacicado de Jesus Maria, construído para ser dedicado apenas aos Guenoa. Primeiramente criado como uma missão para este grupo, o povoado de Jesus Maria torna-se uma adjacência da missão de São Borja, sendo posteriormente distribuído para Loreto (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., p. 114).

Deste ponto, duas considerações: a primeira de que o caso Guenoa representa uma explícita e constante crítica ao projeto missional, o que implicou sucessivas realocações dessa população, sem que ocorresse uma transformação capaz de afetar aspectos étnicos por meio de etnogênese ou de guaranização; a segunda, a indicar Loreto não apenas como um dos maiores e mais prósperos povoados da experiência missional, mas, também, como um exemplo de cidadela que desfrutou de profunda diversidade de múltiplos grupos étnicos, contando com grupos Jê, Guarani e Pampeano ao longo da história missional e, como tal, um importante campo de estudo para se problematizar os impactos da diversidade étnica nos estudos missionais.

Outras pesquisas passaram a explorar e ampliar este mapa. Surgiram importantes análises qualitativas, tal qual se vê sobre os conflitos surgidos a partir da convivência nos povoados, como demonstrei em artigo anterior (Santos & Baptista, 2007Santos, M. C., & Baptista, J. T. (2007). Reduções jesuíticas e povoados de índios: controvérsias sobre a população indígena. Revista História UNISINOS, 4(2), 240-251. https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/5904/3089
https://revistas.unisinos.br/index.php/h...
), ou como se vê sobre o Guairá, em Moura (2013, pp. 82-90), sobre São Borja, em Pinto e Maurer (2014)Pinto, M., & Maurer, R. (2014). Quando a geo-história avança sobre os significados de um espaço urbano. EURE, 40(120), 135-158. http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612014000200007
https://doi.org/10.4067/S0250-7161201400...
, e sobre diversos povoados, em Silva (2011)Silva, A. L. F. (2011). Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Grande Dourados]. https://www.ppghufgd.com/wp-content/uploads/2017/06/Andr%C3%A9-Luis-Freitas-da-Silva.pdf
https://www.ppghufgd.com/wp-content/uplo...
. Estes estudos exploram a noção de diversidade étnica e permitem conhecer um pouco mais da história singular de várias reduções por meio de fontes impressas em avanços interpretativos que vão muito além de aspectos geopolíticos – demonstram, com isso, a possibilidade de se construir histórias sobre as trajetórias próprias dos grupos em questão.

Por outro lado, algumas autorias esforçaram-se em avançar nos dados quantitativos, como se vê, sobretudo, em Fontella (2017, p. 119), a concluir, em uma tese de fôlego no que diz respeito ao Tape e ao Guairá, que 1/3 das reduções contaram com povos não Guarani.

Atualmente, vejo os esforços para uma nova leitura do mapa missional como um exercício para evidenciar a diversidade étnica nas missões e para subsidiar trajetórias particulares de cada grupo. Percebo, também, uma base interessante para os estudos, em especial a partir de três aspectos: a noção de redes às quais as missões estavam envolvidas, a possibilidade de que muitos outros povoados também foram diversos embora não tenham sido localizadas até o momento documentações próprias, e de que a identidade Guarani, ao menos enquanto unidade, também estava em plena construção, sem ter alcançado um panorama monocromático ao longo da história das missões.

Mediante isso, parece mesmo ser mais prudente considerar as missões enquanto um fenômeno pautado na diversidade étnica não apenas neste ou naquele povoado, mas, sim, em todo seu sistema – tal constatação apenas demonstra que se torna inválida a construção de um mapa apontando para este ou aquele povoado, uma vez que a diversidade étnica está documentada em praticamente toda experiência.

Olhar para os mapas missionais e reconhecê-los como expressão da pluralidade étnica somente se torna possível mediante a compreensão de que a documentação da coleção De Angelis é um campo a ser explorado a partir de preocupações pautadas na diversidade. Assim, parece importante à investigação manter um distanciamento estratégico dos documentos que falam da área central dos povoados, das oficinas, das igrejas, do Cotiguaçu, das escolas, da língua Guarani comum que se construía de modo ininterrupto, das performances do cristianismo que também se construíam pelos congregantes e artistas, para, então, percorrer melhor os espaços coletivos e as vivências familiares em bairros, chácaras e estâncias, ou seja, espaços habitados por famílias extensas, reunidas conforme sua origem étnica e nominadas conforme seus santos padroeiros. De fato, ao menos desde o início do século XVIII, cada família missional extensa passou a possuir sua capela em seu bairro, onde realizavam suas celebrações ao tempo em que deveriam ir à Igreja (“Estado de las doctrinas del Uruguay”, 1715Estado de las doctrinas del Uruguay. (1715). [Manuscritos da coleção De Angelis]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.), enquanto que, durante o período de plantio, tal qual ocorria em Apóstoles, ‘por vontade própria’ cada família construía uma ‘capela’ de barro em suas plantações – ali pela manhã e fim da tarde oravam, cantavam e dançavam ao som de tambores durante os seis meses em que permaneciam distantes da igreja central e dos jesuítas (“Annua de la doctrina...”, 1713Annua de la doctrina de los SS. Apostoles San Pedro y Pablo. (1713). [Manuscritos da coleção De Angelis]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.). Nessas chácaras, capelas e campos distantes da área central se encontravam distintos grupos, cada qual com seus trajes, línguas, técnicas de caça, crenças, danças e cantos, percebendo, com isso, que as etnias já não eram mais o que foram antes, do mesmo modo que não haviam se tornado o que a Igreja delas esperava (Baptista, 2010Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus., p. 169).

De cenas como essas se pode mensurar que a denominação genérica Guarani se tratava muito mais de uma identidade que se construía para ser usada no mundo colonial, ao menos durante o período das missões –, ao que parecia ser mais seguro aos indígenas e jesuítas validar a identidade guarani perante o mundo colonial, uma vez que não se confundiam com grupos considerados indômitos, que andavam a cavalo e que não se rendiam ao cristianismo, tal qual havia se cristalizado no imaginário colonial sobre os Guañana, Charrua, Minuano e Yaró, entre outros. A identidade guarani missional era, assim, muito mais uma alternativa política dialógica com a colônia do que propriamente uma formação cultural interna às missões.

Se procedem tais afirmações, alcançamos aqui o entendimento de “predação familiarizante”, proposto por Fausto (1997)Fausto, C. (1997). A dialética da predação e da familiarização entre os Parakanã da Amazônia oriental: por uma teoria da guerra ameríndia [Tese de doutorado, Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro]., ou seja, “esquema pelo qual relações predatórias convertem-se em relações assimétricas de controle e proteção” (Fausto, 2008Fausto, C. (2008). Donos demais: maestria e domínio na Amazônia. Mana, 14(2), 329-366. https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200003
https://doi.org/10.1590/S0104-9313200800...
, p. 330). Tornar-se Guarani nas missões, ou ‘índio dos padres’, era o meio mais seguro para sobreviver naquele contexto em relação às pressões coloniais, ao mesmo tempo em que eram canibalizados os signos do Ocidente. Nesse sentido, parece mesmo ser possível o estudo das categorias de identidade, diferença e diversidade étnica nas missões a partir das ontologias das predações.

DIVERSIDADE ÉTNICA E PATRIMÔNIOS INDÍGENAS NAS MISSÕES

O reconhecimento e a promoção da diversidade étnica nas missões não são demandas de caráter exclusivo desta pesquisa. É, em verdade, uma pauta dos movimentos sociais, de artistas e intelectuais indígenas que estão a reivindicar a segurança de um mundo plural há gerações e atualmente não perdem de vista a retomada de seus patrimônios.

Neste sentido, as produções cinematográficas de cineastas como Ariel Ortega e Patricia Ferreira revelam-se como as mais potentes perspectivas indígenas da contemporaneidade sobre o passado das missões (ver Ortega et al., 2008Ortega, A., Morinico, J., & Benites, G. (Diretores). (2008). Mokoi Tekoá Petei Jeguatá: duas aldeias, uma caminhada [Vídeo]. DVD.; Ortega & Ferreira, 2011Ortega, A., & Ferreira, P. (Diretores). (2011). Bicicletas de Ñanderu [Vídeo]. DVD.). Por meio de seus filmes, parece realmente possível pensar um estudo sobre missões superando a noção de povos sem história, ou, ainda, sem suas próprias noções de tempo. Quando os cineastas indígenas analisam como uma ‘aldeia de pedra’ habitada por seres ancestrais aquilo que para os não indígenas é um sítio arqueológico, está-se diante de uma nova forma de entender patrimônio.

A crítica dos cineastas indígenas afeta duramente uma recorrente frase do campo patrimonial sobre o sítio arqueológico São Miguel Arcanjo: ‘A Igreja de São Miguel foi construída pelo arquiteto Gian Batista Primoli’. Ignorando a diferença entre os verbos construir e projetar, escamoteando que a imensa igreja havia sido erguida ao longo de dez anos por mais de mil indígenas e escancarando o preconceito já desconstruído por Bertolt Brecht (1986)Brecht, B. (1986). Perguntas de um trabalhador que lê: poemas (Trad. Paulo Cesar Souza). Brasiliense., em “Perguntas de um trabalhador que lê”, essa infame frase ainda segue escandalosamente no site do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), mas ao menos no sítio foi apagada de uma placa pelas intempéries (ver Baptista & Boita, 2019Baptista, J. T., & Boita, T. (2019). Patrimônios indígenas nos 80 anos do Museu das Missões. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(1), 189-205. https://doi.org/10.1590/1981.81222019000100012
https://doi.org/10.1590/1981.81222019000...
, p. 194).

Por outro lado, a política patrimonial promovida pelo IPHAN, quando afetada por uma mudança de mentalidades nas instituições patrimoniais percebida no final do século XX e início do XXI (Saladino & Wichers, 2015Saladino, A., & Wichers, C. A. M. (2015). Os museus vão por aqui e o patrimônio arqueológico por ali: desafios para a continuidade dos processos de preservação no Brasil. Memorias: Revista Digital de Historia y Arqueologia desde el Caribe Colombiano, (27), 107-144. https://doi.org/10.14482/memor.27.7536
https://doi.org/10.14482/memor.27.7536...
), realizou o Inventário Nacional de Referências Culturais Mbyá-Guarani, Tava Miri, na Aldeia de Pedra. Neste processo, os Mbyá-Guarani, enfim, passaram a ser oficialmente reconhecidos como integrantes de seu próprio patrimônio (Freire, 2007Freire, B. (2007). A aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais junto aos Mbyá-Guarani em São Miguel das Missões: possibilidades de diálogo com o presente. In S. Pesavento, A. Meira & B. Freire (Orgs.), Fronteiras do mundo ibérico: patrimônio, território e memória das missões (pp. 119-125). UFRGS.; Ortega et al., 2008Ortega, A., Morinico, J., & Benites, G. (Diretores). (2008). Mokoi Tekoá Petei Jeguatá: duas aldeias, uma caminhada [Vídeo]. DVD.; Souza, 2007Souza, J. (2007). Tava Miri São Miguel Arcanjo, Sagrada Aldeia de Pedra: os Mbyá-Guarani nas Missões. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.). Este passo multiculturalista no campo das políticas patrimoniais (ver Marchi & Ferreira, 2018Marchi, D. M., & Ferreira, M. L. M. (2018). Patrimônios mundiais em contextos nacionais distintos: construindo paralelos entre Brasil e Portugal através dos casos de São Miguel das Missões e do Centro Histórico de Évora. Anais do Museu Paulista, 26, e18. https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26e18
https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26...
), ainda que o multiculturalismo tenha sido duramente criticado por diversas autorias, como Walsh (2019)Walsh, C. (2019). Interculturalidade e decolonialidade do poder: um pensamento e posicionamento “outro” a partir da diferença colonial. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas, 5(1), 6-38. https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/revistadireito/article/view/15002
https://periodicos.ufpel.edu.br/index.ph...
, abria caminho para que outras etnias indígenas pudessem ser incluídas no discurso expositivo do sítio e do Museu das Missões. Contudo, a recente ascensão fundamentalista no Brasil derrubou as propostas plurais. No momento, os projetos que pairam sobre o sítio e o Museu das Missões falam do ‘retorno dos jesuítas’, conforme expressão ufanista utilizada por políticos ultraconservadores regionais, interessados em desenvolver o turismo familiar e cristão na região. Mais do que nunca, o reconhecimento e a promoção da diversidade indígena no campo patrimonial brasileiro estão profundamente ameaçados.

A rede de remanescentes arquitetônicos dos povoados missionais também parece ter se rendido às denominações compartilhadas. Trinidad e Loreto, por exemplo, são dois sítios arqueológicos onde se associa jesuítas e Guarani em seus econômicos discursos expositivos. Contudo, no caso de Loreto, povoado que foi historicamente compartilhado tanto por grupos Guarani quanto por grupos Jê e Pampeano, como já demonstrado, surge uma oportunidade para o reconhecimento de um sítio arqueológico pautado na diversidade étnica. Além das especificidades documentadas sobre cada sítio, se considerarmos o processo missional dotado de diversidade étnica de um modo geral, o mesmo não poderia acontecer com demais sítios, museus e acervos? Afinal, ao atribuir exclusivamente autoria guarani aos bens patrimoniais oriundos do processo missional, não se estaria colaborando justamente ao que o ‘paradigma guarani’ anseia em combater, gerando um processo de esquecimento de modo tão violento quanto aquele proposto pelo ‘paradigma jesuítico’? Penso que sim.

Aqui se encaminha para uma análise das representações dos povos indígenas nos discursos expositivos dos museus dedicados ao tema. De fato, a herança material dos povoados missionais em incontáveis bens em madeira e pedra é comumente tratada por instituições do Brasil, da Argentina, do Uruguai e do Paraguai como representações diretas da hagiografia ocidental. Nessa perspectiva, cada entidade ali representada nada mais seria do que um santo europeu a cruzar o Atlântico para converter indígenas sem uma visão própria do processo colonial. Acompanha essa cruzada de conversão plástica o já citado conceito de Barroco, associado mormente aos jesuítas, no afamado ‘Barroco jesuítico’, noção capaz de excluir todos os artistas indígenas que produziram aquelas obras. Bem verdade, como já dito, que algumas instituições museológicas se esforçam em superar tal reducionismo, algumas propondo o uso do ‘Barroco jesuítico-guarani’, ‘Barroco guarani’, ‘Barroco missioneiro’, entre outras expressões que, tão logo se compreenda o ‘Barroco’ como padrão-ouro da colonização, já poderiam ser substituídas por categorias contemporâneas mais adequadas à realidade daqueles objetos. Categorias como ‘patrimônios indígenas’ (van Velthem, 2017van Velthem, L. H. (2017). Patrimônios culturais indígenas. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (35), 227-244. http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/revpat_35.pdf
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publi...
; Roca, 2018Roca, A. (2018). Patrimônios indígenas e histórias nacionais: a exposição Speaking to Memory e o caso canadense. Etnográfica, 22(3), 503-529. https://doi.org/10.4000/etnografica.5854
https://doi.org/10.4000/etnografica.5854...
; Baptista & Boita, 2019Baptista, J. T., & Boita, T. (2019). Patrimônios indígenas nos 80 anos do Museu das Missões. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(1), 189-205. https://doi.org/10.1590/1981.81222019000100012
https://doi.org/10.1590/1981.81222019000...
) ou ‘indianização’ ou ‘indigenização’ dos museus/patrimônios (Phillips, 2011Phillips, R. B. (2011). Museum Pieces: toward the Indigenization of Canadian Museums. McGill-Queen’s University Press.; Roca, 2015Roca, A. (2015). Acerca dos processos de indigenização dos museus: uma análise comparativa. Mana, 21(1), 123-155. https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n1p123
https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21...
), entre outras possibilidades, podem ter potencial menos invasivo por contemplar a diversidade étnica e a função de comunicação que tais esculturas possuíam entre homens indígenas das oficinas, diretamente interessados em produzir um discurso para o restante da ‘chusma’ dos povoados. Homens esses que sequer sabemos como se reconheciam etnicamente.

Atribuir a produção material aos homens indígenas – as mulheres nas missões estavam proibidas de produzir esculturas – requer uma problematização um pouco mais detida mediante noções próprias da diversidade quando interseccionada às questões de gênero e sexualidade.

No que diz respeito às questões de gênero, recentemente alguns estudos interessados nas missões passaram a tratar as mulheres para além de ‘coisas dos homens’ ou sujeitos em estado permanente de resistência (ver em Baptista et al., 2019Baptista, J. T., Wichers, C., & Boita, T. (2019). Mulheres indígenas nas Missões: patrimônio silenciado. Revista Estudos Feministas, 27(3), 1-14. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n356150
https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v2...
). A partir do entendimento de que as proposições ocidentais sobre gênero encontram entre os povos não europeus outras expressões (ver Strathern, 1988Strathern, M. (1988). The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia. University of California Press.), estas leituras podem ajudar os estudos e o meio dedicados às missões a superarem determinados traços (como a façanha de produzir artigos, dissertações e teses onde sequer se encontra a palavra mulher) e embarcarem rumo à promoção da equidade de gênero, vinculada à promoção da diversidade especialmente em seus conteúdos. Nesta medida, torna-se possível compreender que as indígenas fizeram sim parte da história dos processos missionais (não raro, aliás, constituíram a maioria da população). E não apenas as mulheres guarani: Ramos (2016)Ramos, A. D. (2016). Tribunal de gênero. Oikos., ao analisar a ‘diversidade dentro da diversidade’ a partir do recorte de gênero, identifica, na primeira metade do século XVII, estratégias e acordos gerados entre os missionários, homens e mulheres indígenas, revelando particularidades étnicas de cada processo.

No que diz respeito à sexualidade, distintas corporalidades e práticas ameríndias sofreram um processo de colonização, como bem demonstrou Fernandes (2017)Fernandes, E. R. (2017). Ser índio e ser gay: tecendo uma tese sobre homossexualidade indígena no Brasil. Etnográfica, 21(3), 639-647. https://doi.org/10.4000/etnografica.5090
https://doi.org/10.4000/etnografica.5090...
. De fato, quando pensamos o mundo colonial, estamos falando de um período de globalização da masculinidade ocidental (Connell, 2005Connell, R. W. (2005). Globalization, imperialism, and masculinities. In M. S. Kimmel, J. Hearn & R. W. Connel (Eds.), Handbook of studies on men and masculinities (pp. 71-89). Thousand Oaks.; Connell & Messerschmidt, 2013Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
https://doi.org/10.1590/S0104-026X201300...
). Trata-se de um contexto em que sujeitos que os colonizadores consideravam dissidentes da matriz sexual ocidental passaram a sofrer um conjunto de perseguições, muitos deles sendo obrigados a aderir a uma heterossexualização compulsória. Um dos resultados destes esforços coloniais pode ser visto na construção de narrativas históricas, etnológicas, arqueológicas e museológicas pautadas na representação dos ‘indígenas heterocentrados’, ou seja, elucubrações acadêmicas onde os indígenas representariam de forma isonômica as configurações de gênero e sexualidade cristãs-europeias. Tal centralidade, assim, passa a ser solidificada como fenômeno natural, concebendo-se o masculino e o feminino historicamente enquanto o ‘mesmo’, incapazes de mudar, de ser diverso conforme contextos e culturas e de compartilhar com seus diferentes.

A invenção dos corpos abjetos indígenas, como as ‘mulheres viris’, armadas com arco-flecha e lanças, e os ‘afeminados’ indígenas, conforme expressões jesuíticas, são exemplos do impacto violento da inserção das categorias de gênero e sexualidade ocidentais nas missões (Baptista, 2021Baptista, J. (2021). “Machorras” e “afeminados” indígenas: corpos abjetos nas missões e Paraguai. Revista Estudos Feministas, 29(3), 1-15. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n371060
https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v2...
; Baptista & Boita, 2024Baptista, J. T., & Boita, T. (2024). Indigenous bodies, gender, and sexuality in the Jesuit Missions of South America (17th–18th centuries). Humanities and Social Sciences Communications, 11, 624. https://doi.org/10.1057/s41599-024-02925-6
https://doi.org/10.1057/s41599-024-02925...
). A partir disso, foi possível evidenciar o quanto os jesuítas das primeiras décadas do projeto missional se empenharam em mapear as sexualidades por eles consideradas pecaminosas, embora entre os indígenas de distintas etnias tais práticas pareciam desfrutar de outro estatuto moral. De todo modo, pode-se apontar de modo seguro que foi a partir da década de 1660 que nas missões se passou a construir uma política rígida e violenta contra os ‘afeminados’, ‘invertidos’, ‘sodomitas’, ‘nefandos’, ‘tiviros’ ou outras formas de colonizar indivíduos que possuíam performances distintas da concepção de masculinidade hegemônica em plena construção naquela experiência. Ao menos no que interessa ao tema central deste artigo, vale apontar que há registros jesuíticos que demonstram a diversidade dessas dissidências sexuais da matriz sexual do Ocidente em diversos grupos étnicos, tal qual foi observado entre os Guayaqui conectados pelas missões no início do século XVII: ali, os padres observavam a presença de (em termos jesuíticos) “homens vestidos de mulheres”, algo próximo daquilo que Clastres (1978Clastres, P. (1978). O arco e o cesto. In Autor, A sociedade contra o Estado (T. Santiago, Trad.) (pp. 71-89). Francisco Alves., pp. 71-89, 1986)Clastres, P. (1986). Crónica de los índios Guayaquís. Alta Fulla. viria a encontrar séculos depois.

Da relação entre diversidade de gênero e sexualidade, ao menos uma lição aos estudos patrimoniais: os próprios grupos Tupi-Guarani, diversos entre si, não podem ser tomados como consensuais no modo como construíram os regimes corporais naquele contexto. Isso nos leva a pensar que leituras patrimoniais ou museológicas que seguem atribuindo arcos aos homens e cestos às mulheres estão meramente pautadas nas genitálias dos sujeitos e ignoram que valia mais aos ameríndios as performances corporais do que os órgãos biológicos para se definir o papel social de cada um, tal qual os estudos queer indígenas têm demonstrado (ver Roscoe, 1991Roscoe, W. (1991). The Zuni man-woman. University of New Mexico Press.; Finley, 2011Finley, C. (2011). Decolonizing the queer native body. In Q. Driskill, C. Finley, B. J. Gilley & S. L. Morgensen (Eds.), Queer indigenous studies: critical interventions in theory, politics, and literature (pp. 97-111). University of Arizona.; Campuzano, 2009Campuzano, G. (2009). Andróginos, hombres vestidos de mujer, maricones... el Museo Travesti del Perú. Bagoas - Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades, 3(4), 79-93. https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2297
https://periodicos.ufrn.br/bagoas/articl...
).

Assim, percebe-se que, ao menos nos estudos sobre as missões em questão, a autoria indígena dos objetos hoje expostos em instituições como o Museu das Missões, portanto, não pode ser atribuída a esta ou a aquela etnia em detrimento de outras, assim como não pode ser genereficada de modo tão imediato quanto aos seus usos e expressões.

O que até o momento se pode depreender desses esforços é que, quando se promovem as intersecções entre diversidade com categorias como etnia, gênero e sexualidade, pode-se avaliar a amplitude dos horizontes que se abrem a envolverem múltiplas possibilidades epistemológicas a serem construídas.

Por fim, um dos campos mais instigantes a se investigar as missões em uma perspectiva da diversidade étnica reside nas ‘cosmologias de conversão’, ou seja, a inclusão de entidades cristãs ou a “produção de uma mistura de divindades e espíritos de diversas tradições” em contextos próprios de evangelização (Wright, 1999Wright, R. (1999). O tempo de Sophie: história e cosmologia da conversão baníwa. In Autor, Transformando os deuses: os múltiplos sentidos da conversão dos povos indígenas no Brasil (pp. 155-215). Unicamp.; Wright & Kapfhammer, 2004Wright, R., & Kapfhammer, W. (2004). Apresentação. In R. Wright (Org.), Transformando os deuses (Vol. 2, pp. 7-18). Unicamp., p. 24). Neste campo, podemos perceber não apenas o empenho de evangelização missionária, mas especialmente o quanto a predação familiarizante fez-se presente no plano cosmológico, perspectiva que nos abre uma gama de possibilidades analíticas a partir do prisma da diversidade.

Não restam dúvidas de que nas missões produziram-se entidades próprias daquele contexto, proto-imagens de deidades hoje vivas em países como o Paraguai e aldeias Guarani, Kaingang e Charrua. Contudo, naquele processo parece mesmo possível que tenham sido elaborados distintos significados para um (aparente) mesmo símbolo. Este entendimento afeta não apenas a leitura cosmológica das missões, compreendida no interior do ‘paradigma jesuítico’ como um espaço de conversão ao cristianismo, mas também as categorias de gênero que os padres tentavam implantar.

Bom exemplo deste processo se dá na análise da construção de Maria, personagem profundamente difundida pela área central dos povoados missionais a partir de discursos orais (sermões, casos de edificação, procissões, penitências etc.) e imagéticos (esculturas, pinturas, músicas, vestimentas etc.).

Em uma perspectiva pautada no ‘paradigma jesuítico’, a profusão de imagens marianas e relatos históricos sobre suas aparições, curas e milagres remonta ao sucesso da conversão. Nessa abordagem, os jesuítas teriam convencido as populações indígenas que tal entidade era poderosa, legitimando, com isso, a profusão do cristianismo na América. Já em uma perspectiva baseada na leitura interessada no reconhecimento dos Guarani enquanto agentes atuantes no processo, informações linguísticas que apontam que tal entidade era, em verdade, chamada de Nande Sy ou Tupãn Sy no cotidiano missional levantam a possibilidade de canibalização, indianização ou guaranização das entidades ocidentais. Outras autorias interpretariam este tipo de fenômeno como uma ressignificação ou até mesmo um redimensionamento simbólico tipicamente colonial mestiço, leitura própria do ‘paradigma missioneiro’.

Já em uma perspectiva interessada no reconhecimento e na promoção da diversidade étnica daquele passado, informações sobre a presença de outros grupos podem nos remeter a uma variada quantidade de narrativas indígenas sobre tal cosmologia de conversão. Neste sentido, um importante documento não publicado pertencente aos manuscritos da coleção De Angelis assegura que no povoado de Concepción, onde havia “diversas parcialidades”, Maria era denominada por meio de vários verbetes conforme a etnia, modos esses traduzidos das línguas indígenas pelo missionário por “Mi Madre, Santíssima, Mi Señora, Mi Reyna, etc.” (“Annua de la reduccion de Corpus”, 1629Annua de la reduccion de corpus. (1629). [Manuscritos da coleção De Angelis]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.). Esse esforço de tradução, reforçado pelo ‘etc.’ ao fim da frase, levanta o problema de quantas não seriam as entidades que estariam por trás de cada uma dessas denominações – em consequência, quantos processos predatórios não estariam a se expressar ao serem produzidos no interior de cosmologias próprias às missões a partir de diversos grupos étnicos?

Assim, quando um museu expõe uma escultura missional que supostamente representa Maria, poderia se preocupar de imediato com o reducionismo que tais atribuições hagiográficas podem conter em si, ao desconsiderarem as relações simbólicas ali emudecidas. Em outro prisma, pode-se questionar que, ao se apresentar tal escultura como uma entidade guarani, se está tão somente reduzindo a uma única etnia todas as potencialidades diversas que tal escultura apresenta quando se problematiza os modos que demais povos interagiram com uma determinada entidade feminina.

Procedendo estas notas, pode-se falar do vivo interesse desses grupos em trazerem seus próprios termos para o debate sobre o novo mundo que se construía. Nesta perspectiva, aqueles povos estariam colaborando com a construção de uma experiência nem cristã, nem guarani ou mestiça, mas, sim, etnicamente diversa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurei aqui apresentar três notas retiradas de meus cadernos de campo e pesquisa durante os anos de trabalho junto ao Museu das Missões e aos manuscritos da coleção De Angelis.

Reuni, assim, notas sobre o quanto paradigmas investigativos clássicos têm sido superados em esforços para se construir uma história das missões pautada no reconhecimento e na promoção da diversidade étnica indígena. Indica-se, com isso, a possibilidade de se construir uma narrativa etnológica, histórica e patrimonial que contemple trajetórias e perspectivas dos variados grupos étnicos que ali estiveram presentes. O objetivo dessas notas foi o de ampliar o horizonte cultural daquela experiência, reconhecer e promover a diversidade étnica, em particular por perceber um contexto ultraconservador refratário à diversidade a cercar aqueles espaços e sociedades.

A nominação atribuída ao processo histórico, o reconhecimento do mapa das missões como um cenário etnicamente diverso, a multiplicidade conceitual, a documentação colonial e os estudos temáticos (tal qual as abordagens patrimoniais, de gênero/sexualidade e de cosmologia), são algumas das notas que demonstram o papel amplificador que o prisma da diversidade étnica pode exercer nos estudos sobre as missões em questão. Do mesmo modo, demonstram o quanto contextos etnológicos, históricos e, consequentemente, patrimoniais podem ser muito mais plurais na medida em que se permite verificar as relações interétnicas ali presentes.

Não se trata, contudo, de uma abordagem que nos traga conclusões de qualquer modalidade. A proposição de uma metodologia que considere a diversidade étnica missional – ao fim, é isto que procurei demonstrar até aqui – levanta muito mais questionamentos do que apresenta respostas. Mas, afinal, quando é que a diversidade traz, de fato, uma única resposta para as mais variadas questões que levanta? Não seria justamente seu papel o de não encontrar um único caminho, mas, somente, apontar para diversas possibilidades?

  • Baptista, J.T. (2024). Notas sobre a diversidade étnica e patrimonial nas missões indígenas-jesuíticas – ou sobre quando se reduzem diversos povos indígenas a apenas um. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(2), e20230061. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0061.

REFERENCIAS

  • Almeida, M. C. (2003). Metamorfoses indígenas Arquivo Nacional.
  • Annua de la doctrina de los SS. Apostoles San Pedro y Pablo. (1713). [Manuscritos da coleção De Angelis]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
  • Annua de la reduccion de corpus. (1629). [Manuscritos da coleção De Angelis]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
  • Annua de la Doctrina de los SS. Apostoles San Pedro y Pablo. (1713). [Manuscritos da coleção De Angelis]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
  • Baptista, J. (2021). “Machorras” e “afeminados” indígenas: corpos abjetos nas missões e Paraguai. Revista Estudos Feministas, 29(3), 1-15. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n371060
    » https://doi.org/10.1590/1806-9584-2021v29n371060
  • Baptista, J. T. (2007). Fomes, pestes e guerras: dinâmicas dos povoados missionais em tempos de crise (1610-1750) [Tese de doutorado, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul]. https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2545#preview-link0
    » https://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/2545#preview-link0
  • Baptista, J. T. (2010). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 1. ed.). Instituto Brasileiro de Museus.
  • Baptista, J. T. (2015). O temporal: sociedades e espaços missionais (Dossiê Missões, Vol. 1, 2. ed.). Instituto Brasileiro de Museus. https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2015/09/Dossie_missoes_Temporal.pdf
    » https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2015/09/Dossie_missoes_Temporal.pdf
  • Baptista, J. T., & Boita, T. (2019). Patrimônios indígenas nos 80 anos do Museu das Missões. Boletim Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 14(1), 189-205. https://doi.org/10.1590/1981.81222019000100012
    » https://doi.org/10.1590/1981.81222019000100012
  • Baptista, J. T., Wichers, C., & Boita, T. (2019). Mulheres indígenas nas Missões: patrimônio silenciado. Revista Estudos Feministas, 27(3), 1-14. https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n356150
    » https://doi.org/10.1590/1806-9584-2019v27n356150
  • Baptista, J. T., & Boita, T. (2024). Indigenous bodies, gender, and sexuality in the Jesuit Missions of South America (17th–18th centuries). Humanities and Social Sciences Communications, 11, 624. https://doi.org/10.1057/s41599-024-02925-6
    » https://doi.org/10.1057/s41599-024-02925-6
  • Bauer, L. (2007). O arquiteto e o zelador: patrimônio cultural, história e memória. Nuevo Mundo Mundos Nuevos https://doi.org/10.4000/nuevomundo.3807
    » https://doi.org/10.4000/nuevomundo.3807
  • Becker, Í. I. B. (1976). O Índio kaingang no Rio Grande do Sul Instituto Anchietano de Pesquisas.
  • Boccara, G. (2001). Mundos nuevos en las fronteras del Nuevo Mundo. Nuevo Mundo Mundos Nuevos. https://doi.org/10.4000/nuevomundo.426
    » https://doi.org/10.4000/nuevomundo.426
  • Bracco, D. (2004). Charrúas, guenoas y guaraníes: interacción y destrucción – indígenas en el Rio de la Plata. Linardi y Risso.
  • Brecht, B. (1986). Perguntas de um trabalhador que lê: poemas (Trad. Paulo Cesar Souza). Brasiliense.
  • Campuzano, G. (2009). Andróginos, hombres vestidos de mujer, maricones... el Museo Travesti del Perú. Bagoas - Estudos Gays: Gêneros e Sexualidades, 3(4), 79-93. https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2297
    » https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/2297
  • Cariaga, D. (2015). Gênero e sexualidades indígenas: alguns aspectos das transformações nas relações a partir dos Kaiowa no Mato Grosso do Sul. Cadernos de Campo, 24(24), 441-464. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v24i24p441-464
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v24i24p441-464
  • Canclini, N. (2006). Culturas híbridas. Edusp.
  • Clastres, P. (1978). O arco e o cesto. In Autor, A sociedade contra o Estado (T. Santiago, Trad.) (pp. 71-89). Francisco Alves.
  • Clastres, P. (1986). Crónica de los índios Guayaquís Alta Fulla.
  • Combès, I., & Villar, D. (2007). Os mestiços mais puros: representações chiriguano e chané da mestiçagem. Mana, 13(1), 41-62. https://doi.org/10.1590/S0104-93132007000100002
    » https://doi.org/10.1590/S0104-93132007000100002
  • Connell, R. W. (2005). Globalization, imperialism, and masculinities. In M. S. Kimmel, J. Hearn & R. W. Connel (Eds.), Handbook of studies on men and masculinities (pp. 71-89). Thousand Oaks.
  • Connell, R. W., & Messerschmidt, J. W. (2013). Masculinidade hegemônica: repensando o conceito. Revista Estudos Feministas, 21(1), 241-282. https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
    » https://doi.org/10.1590/S0104-026X2013000100014
  • Cunha, M. C. (1992). Introdução a uma história indígena. In Autor (Org.), História dos índios no Brasil (pp. 9-24). Companhia das Letras.
  • Estado de las doctrinas del Uruguay. (1715). [Manuscritos da coleção De Angelis]. Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.
  • Fausto, C. (1997). A dialética da predação e da familiarização entre os Parakanã da Amazônia oriental: por uma teoria da guerra ameríndia [Tese de doutorado, Museu Nacional/Universidade Federal do Rio de Janeiro].
  • Fausto, C. (2002). Banquete de gente: comensalidade e canibalismo na Amazônia. Mana, 8(2), 7-44. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200001
    » https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200001
  • Fausto, C. (2008). Donos demais: maestria e domínio na Amazônia. Mana, 14(2), 329-366. https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200003
    » https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200003
  • Fernandes, E. R. (2017). Ser índio e ser gay: tecendo uma tese sobre homossexualidade indígena no Brasil. Etnográfica, 21(3), 639-647. https://doi.org/10.4000/etnografica.5090
    » https://doi.org/10.4000/etnografica.5090
  • Finley, C. (2011). Decolonizing the queer native body. In Q. Driskill, C. Finley, B. J. Gilley & S. L. Morgensen (Eds.), Queer indigenous studies: critical interventions in theory, politics, and literature (pp. 97-111). University of Arizona.
  • Fontella, L. (2017). As Missões Guaraníticas num contexto de cultura de contato [Tese de doutorado, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5751236
    » https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=5751236
  • Freire, B. (2007). A aplicação do Inventário Nacional de Referências Culturais junto aos Mbyá-Guarani em São Miguel das Missões: possibilidades de diálogo com o presente. In S. Pesavento, A. Meira & B. Freire (Orgs.), Fronteiras do mundo ibérico: patrimônio, território e memória das missões (pp. 119-125). UFRGS.
  • Gruzinski, S. (2001). O pensamento mestiço Companhia das Letras.
  • Krenak, A. (2019). Ideias para adiar o fim do mundo Companhia das Letras.
  • Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008 Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
    » https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm
  • Lévi-Strauss, C. (1993). História de Lince Companhia das Letras.
  • Marchi, D. M., & Ferreira, M. L. M. (2018). Patrimônios mundiais em contextos nacionais distintos: construindo paralelos entre Brasil e Portugal através dos casos de São Miguel das Missões e do Centro Histórico de Évora. Anais do Museu Paulista, 26, e18. https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26e18
    » https://doi.org/10.1590/1982-02672018v26e18
  • Melià, B. (1983, abr.). Informação etnográfica e histórica sobre os Kaingang do Rio Grande do Sul Instituto Socioambiental. https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/informacao-etnografica-e-historica-sobre-os-kaingang-de-rio-grande-do-sul
    » https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/informacao-etnografica-e-historica-sobre-os-kaingang-de-rio-grande-do-sul
  • Monteiro, J. (1999). Armas e armadilhas. In A. Novaes (Org.), A outra margem do Ocidente (pp. 237-249). Companhia das Letras.
  • Moura, G. R. (2013). ‘Señores de la palabra: histórias e representações na obra de Antonio Ruiz de Montoya (1612-1652) [Dissertação de mestrado, Universidade do Vale do Rio dos Sinos]. http://repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/6790
    » http://repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/6790
  • Nunes, E. S. (2010). De corpos duplos: mestiçagem, mistura e relação entre os Karajá de Buridina (Aruanã-GO). Cadernos de Campo, 19(19), 113-134. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p113-134
    » https://doi.org/10.11606/issn.2316-9133.v19i19p113-134
  • Oliveira, J. P. (1998). Uma etnologia dos ‘índios misturados’? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais. Mana, 4(1), 47-77. https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003
    » https://doi.org/10.1590/S0104-93131998000100003
  • Ortega, A., Morinico, J., & Benites, G. (Diretores). (2008). Mokoi Tekoá Petei Jeguatá: duas aldeias, uma caminhada [Vídeo]. DVD.
  • Ortega, A., & Ferreira, P. (Diretores). (2011). Bicicletas de Ñanderu [Vídeo]. DVD.
  • Phillips, R. B. (2011). Museum Pieces: toward the Indigenization of Canadian Museums McGill-Queen’s University Press.
  • Pinto, M., & Maurer, R. (2014). Quando a geo-história avança sobre os significados de um espaço urbano. EURE, 40(120), 135-158. http://dx.doi.org/10.4067/S0250-71612014000200007
    » https://doi.org/10.4067/S0250-71612014000200007
  • Porto, A. (1954). História das missões orientais do Uruguai (Vol. 3). Livraria Selbach.
  • Ramos, A. D. (2016). Tribunal de gênero Oikos.
  • Roca, A. (2015). Acerca dos processos de indigenização dos museus: uma análise comparativa. Mana, 21(1), 123-155. https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n1p123
    » https://doi.org/10.1590/0104-93132015v21n1p123
  • Roca, A. (2018). Patrimônios indígenas e histórias nacionais: a exposição Speaking to Memory e o caso canadense. Etnográfica, 22(3), 503-529. https://doi.org/10.4000/etnografica.5854
    » https://doi.org/10.4000/etnografica.5854
  • Roscoe, W. (1991). The Zuni man-woman University of New Mexico Press.
  • Saladino, A., & Wichers, C. A. M. (2015). Os museus vão por aqui e o patrimônio arqueológico por ali: desafios para a continuidade dos processos de preservação no Brasil. Memorias: Revista Digital de Historia y Arqueologia desde el Caribe Colombiano, (27), 107-144. https://doi.org/10.14482/memor.27.7536
    » https://doi.org/10.14482/memor.27.7536
  • Santos, M. C., & Baptista, J. T. (2007). Reduções jesuíticas e povoados de índios: controvérsias sobre a população indígena. Revista História UNISINOS, 4(2), 240-251. https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/5904/3089
    » https://revistas.unisinos.br/index.php/historia/article/view/5904/3089
  • Silva, A. L. F. (2011). Reduções Jesuítico-Guarani: espaço de diversidade étnica [Dissertação de mestrado, Universidade Federal da Grande Dourados]. https://www.ppghufgd.com/wp-content/uploads/2017/06/Andr%C3%A9-Luis-Freitas-da-Silva.pdf
    » https://www.ppghufgd.com/wp-content/uploads/2017/06/Andr%C3%A9-Luis-Freitas-da-Silva.pdf
  • Souza, J. (2007). Tava Miri São Miguel Arcanjo, Sagrada Aldeia de Pedra: os Mbyá-Guarani nas Missões Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
  • Strathern, M. (1988). The gender of the gift: problems with women and problems with society in Melanesia University of California Press.
  • van Velthem, L. H. (2017). Patrimônios culturais indígenas. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, (35), 227-244. http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/revpat_35.pdf
    » http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/revpat_35.pdf
  • Walsh, C. (2019). Interculturalidade e decolonialidade do poder: um pensamento e posicionamento “outro” a partir da diferença colonial. Revista Eletrônica da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pelotas, 5(1), 6-38. https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/revistadireito/article/view/15002
    » https://periodicos.ufpel.edu.br/index.php/revistadireito/article/view/15002
  • Wilde, G. (2009). Religión y poder en las misiones de Guaraníes. Talleres Gráficos Mitre e Salvay.
  • Wright, R. (1999). O tempo de Sophie: história e cosmologia da conversão baníwa. In Autor, Transformando os deuses: os múltiplos sentidos da conversão dos povos indígenas no Brasil (pp. 155-215). Unicamp.
  • Wright, R., & Kapfhammer, W. (2004). Apresentação. In R. Wright (Org.), Transformando os deuses (Vol. 2, pp. 7-18). Unicamp.
Responsabilidade editorial: Priscila Faulhaber Barbosa

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2023
  • Aceito
    06 Fev 2024
MCTI/Museu Paraense Emílio Goeldi Coordenação de Pesquisa e Pós-Graduação, Av. Perimetral. 1901 - Terra Firme, 66077-830 - Belém - PA, Tel.: (55 91) 3075-6186 - Belém - PA - Brazil
E-mail: boletim.humanas@museu-goeldi.br