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Os nomes jocosos, seus significados e usos entre os Tuyuka: uma reflexão sobre o humor ameríndio a partir dos apelidos

Nicknames of the Tuyuka, their meaning and use: a reflection on Amerindian humor

Resumo

A reflexão que propomos neste artigo consiste em uma investigação sobre os nomes jocosos – buere wame, na língua tuyuka, ‘apelidos’, em português –, no âmbito mais amplo dos nomes pessoais e coletivos. A reflexão sobre a criação, a atribuição e o uso dos apelidos busca entender como esses processos podem responder a interrogações sobre relacionalidade e socialidade, que se expressam nas relações entre consanguíneos e afins, homens e mulheres, indígenas e não indígenas, humanos e não humanos. A abordagem adotada aqui está, portanto, ligada às relações de afinidade e de gênero, à sexualidade e à identidade individual e coletiva, pensadas particularmente através do humor. Buscaremos entender o sentido dos apelidos, analisando sobretudo aspectos linguísticos e sociológicos através do estudo das lógicas inerentes à sua atribuição e ao seu uso nos contextos do cotidiano e festivos. Para investigar essas questões, apresentamos alguns exemplos etnográficos de apelidos pessoais pensados através de princípios de criação, bem como dos ‘relatos de origem’ associados a esses nomes.

Palavras-chave
Nomes; Etnologia indígena; Alto rio Negro; Parentesco

Abstract

The reflection that we propose in this article consists in an interrogation about the nicknames, buere wame in the Tuyuka language, “apelidos” in Portuguese, in the broader context of personal and collective names. Reflection on the creation, attribution, and use of nicknames will aim to understand how these processes can respond to questions about relationality and sociality, which are expressed in the relationships of consanguinity and affinity, between male and female, indigenous and non-indigenous, human and non-human. The approach adopted here is therefore connected with kinship and gender relations, sexuality, and individual and collective identity, seen particularly through humor. We will seek to understand the meaning of nicknames by analyzing mainly linguistic and sociological aspects, through the study of the logics inherent to their attribution and their use in everyday and festive contexts. To investigate these issues, we will present some ethnographic examples of personal nicknames viewed through the lens of principles of creation, as well as of the “stories of the origins” of these names.

Keywords
Names; Indigenous ethnology; Upper Rio Negro; Kinship

INTRODUÇÃO

Et souvenons-nous que les Indiens américains tiennent pour spécialement sacrées des histoires qui, à nous, paraissent vulgaires sinon même obscènes ou franchement scatologiques

(Lévi-Strauss, 1985Lévi-Strauss, C. (1985). La potière jalouse. Plon., p. 266).

Os saberes novos surgem entre falas sérias intercaladas com gostosas piadas. As seriedades, brincadeiras, gargalhadas, apelidos são ingredientes que dão bom sabor aos ambientes dos saberes

(Justino Sarmento Rezende citado em Barreto, 2013Barreto, J. P. L. (2013). Waimahsã: peixes e humanos, um ensaio de Antropologia Indígena [Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Amazonas]. https://tede.ufam.edu.br/handle/tede/4629, p. 11).

Os Tuyuka ou Utãpinoponã, ‘filhos da Cobra de Pedra’, são um povo indígena de língua tukano oriental cuja população foi recentemente estimada em aproximadamente 1.050 pessoas, mas que seguramente ultrapassa 1.200 pessoas (Hugh-Jones & Cabalzar, 2014Hugh-Jones, S., & Cabalzar, A. (2014). Tuyuka. In: Instituto Socioambiental (ISA). Povos Indígenas no Brasil. https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Tuyuka). Eles vivem no noroeste da Amazônia, principalmente na bacia do Uaupés, ao longo dos cursos superiores dos rios Tiquié, Papuri e afluentes, dos dois lados da fronteira entre Brasil e Colômbia, e também na região do Pira-Paraná e nas cidades de São Gabriel da Cachoeira (Brasil), Mitú (Colômbia), Manaus, entre outras localizadas no Brasil e na Colômbia. As reflexões desenvolvidas neste artigo têm como origem pesquisas de campo realizadas com dois conjuntos distintos de coletivos tuyuka. De um lado, os Tuyuka do alto Tiquié, com os quais tenho contato desde a minha pesquisa de mestrado, realizada em 2012, principalmente com a comunidade de São Pedro (Mopoea), mas também grupos que residem nas comunidades de Cachoeira Comprida, Assunção do Igarapé Onça e Bella Vista (Colômbia). De outro, os Tuyuka que vivem ao longo do curso do rio Inambu, afluente do alto Papuri, região mais próxima do território de origem deste povo (Cachoeira Yurupari, a montante de Mitú), mais particularmente com o grupo que reside na comunidade de Santa Cruz do Inambu (Ñokõapakaratudi), com quem tive contato desde abril de 2013, única comunidade deste rio, em relação ao lado brasileiro da fronteira, próximo à foz do Inambu.

A reflexão que proponho neste texto consiste em uma interrogação sobre os nomes jocosos, buere wame, na língua tuyuka, ‘apelidos’, em português, no âmbito mais amplo dos nomes pessoais e coletivos. Como já demonstraram estudos clássicos sobre os povos da região de Vaupés, para os Barasana (S. Hugh-Jones, 1979Hugh-Jones, S. (1979). The Palm and the Pleiades: initiation and cosmology in Northwest Amazonia. Cambridge University Press., 2002Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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) e para os Makuna (Århem, 1981Århem, K. (1981). Makuna social organization: a study in descent, alliance, and the formation of corporate groups in the north-western Amazon. Almqvist and Wiksell.); ou para os Bará (Jackson, 1983Jackson, J. (1983). The fish people: linguistic exogamy and Tukanoan identity in Northwest Amazonia. Cambridge University Press.), as pessoas pertencentes aos coletivos Tukano orientais possuem tradicionalmente três nomes: um ‘nome de benzimento’ masculino ou feminino (baserige wame), também chamado de ‘nome de espírito’ ou ‘nome de coração’; um apelido (buere wame) – mais comum para os homens do que para as mulheres, e em declínio em alguns grupos –; e, desde a chegada dos missionários à região, um ‘nome branco’ ou nome de batismo (pekasã wame). A primeira categoria, a dos ‘nomes de benzimento’, foi objeto de vários estudos, começando com o trabalho inicial de S. Hugh-Jones (1979)Hugh-Jones, S. (1979). The Palm and the Pleiades: initiation and cosmology in Northwest Amazonia. Cambridge University Press., que aborda esse tema sob o prisma dos ritos de iniciação masculina entre os Barasana, seguido de uma reflexão mais ampla sobre os nomes no noroeste amazônico (Hugh-Jones, 2002Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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), passando por F. Cabalzar (2010)Cabalzar, F. (2010). Até Manaus, até Bogotá. Os Tuyuka vestem seus nomes como ornamentos: geração e transformação de conhecimentos a partir do alto rio Tiquié (noroeste Amazônico) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07052010-122546
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, que aborda os ‘nomes de benzimento’ entre os Tuyuka em relação ao universo de conhecimentos e práticas de especialistas em rituais e, mais recentemente, Andrello (2016)Andrello, G. (2016). Nomes, posições e (contra) hierarquia: coletivos em transformação no Alto Rio Negro. Ilha, 18(2), 57-97. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n2p57
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, o qual considera a questão dos nomes (em particular nomes coletivos) no que concerne às relações entre coletivos e à hierarquia no alto rio Negro. Ainda mais recentemente, Pedroso (2019)Pedroso, D. (2019). O que faz um nome: etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
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analisou os nomes pessoais e coletivos entre os Cubeo, particularmente os ‘nomes de benzimento’ (pupui amiya, em Cubeo). Embora Pedroso (2019)Pedroso, D. (2019). O que faz um nome: etnografia dos Kubeo do alto Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2019.tde-29072019-115635
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também tenha abordado os apelidos, até recentemente a categoria de nomes jocosos entre as populações Tukano Oriental foi muito pouco estudada, assim como a categoria de ‘nomes brancos’.

A reflexão sobre a criação, a atribuição e o uso dos apelidos busca entender como esses processos podem responder às interrogações sobre relacionalidade e socialidade, que se expressam nas relações entre consanguíneos e afins, homens e mulheres, indígenas e não indígenas, humanos e não humanos. A abordagem adotada aqui está, portanto, ligada às relações de afinidade e de gênero, à sexualidade e às identidades individual e coletiva, pensadas particularmente através do humor. Buscamos entender o sentido dos apelidos, analisando, sobretudo, aspectos linguísticos e sociológicos por meio do estudo das lógicas inerentes à sua atribuição e ao seu uso nos contextos do cotidiano e festivo. Para investigar essas questões, apresentamos alguns exemplos etnográficos de apelidos pessoais pensados através de princípios de criação, bem como os ‘relatos de origem’ associados a esses nomes.

Aquilo que, no começo da pesquisa, parecia ser simples brincadeiras sobre apelidos, adquiriu aos poucos a forma de interação social altamente significativa, tratando-se de nomes que participam da construção e da definição da identidade das pessoas e dos coletivos. Certa vez, um homem tuyuka da comunidade de São Pedro me falou a respeito dos apelidos, informando que eram como uma forma de fazer ‘considerações’1 1 Pela expressão ‘considerações’, os Tuyuka se referem, na língua portuguesa, ao conceito nativo de akasuore (também traduzido pelo termo ‘respeito’). Como mostrei em trabalhos anteriores (Richard, 2021a, 2021b), esse conceito é central na definição das relações de parentesco entre pessoas e entre coletivos, que se expressa sobretudo, mas não somente, pelo conhecimento e pelo uso correto dos termos de referências usados para fazer referência oralmente a uma pessoa ou a um conjunto de pessoas. Esses termos marcam, sobretudo, se a pessoa com quem o locutor interage é um afim ou um consanguíneo, assim como sua posição dita ‘hierárquica’ no âmbito da família, do grupo de descendência ou linguístico. , levando-me a refletir sobre a importância de repensar o significado e o lugar desses nomes jocosos. Os apelidos poderiam ser pensados, portanto, como muito mais do que simples heterônimos, cujos sentido e uso seriam idênticos aos dos apelidos que existem nas sociedades ocidentais, maneira pela qual eles foram tratados na maioria dos estudos clássicos sobre povos ameríndios do Uaupés. Com efeito, conforme Jackson (1983)Jackson, J. (1983). The fish people: linguistic exogamy and Tukanoan identity in Northwest Amazonia. Cambridge University Press., os sentidos sociológico e cosmológico dos apelidos tukano oriental pareceriam óbvios. Os apelidos bará se definiriam simplesmente pelo fato de – segundo Jackson (1983, p. 106), que parece ter em mente a sociedade norte-americana – eles serem, “como em nossa própria sociedade, menos sérios por definição do que os nomes pessoais”2 2 Tradução livre. . Seria preciso, no entanto, questionar o que poderia significar, do ponto de vista tuyuka, um nome ‘sério’ e um nome jocoso, ‘para brincar’, e o sentido destas diferentes categorias de nomes nos universos cosmológico e sociológico próprios a essa cultura. Indo mais além, ou melhor, partindo da base dos conceitos, sem preconceitos etnocêntricos, não seria importante se questionar antes de tudo sobre a própria existência e o sentido real dos conceitos de ‘sério’ e de ‘engraçado’ ou ‘cômico’, segundo o ponto de vista dos Tuyuka?

A partir daí, com a condição de que estes conceitos tenham sentido do ponto de vista nativo, seria possível pensar sua aplicabilidade no caso dos apelidos e de outros nomes pessoais e coletivos usados pelos Tuyuka, sem considerar que esses conceitos seriam traduzíveis e transponíveis de uma maneira óbvia, tal como ocorre no processo de tradução do pensamento ocidental para o pensamento ameríndio. Sem esquecer os questionamentos ora levantados, buscamos demonstrar, tomando como ponto de partida as maneiras de pensar e a relacionalidade ameríndia, que os buere wame parecem efetivamente participar da definição e da construção das relações de parentesco entre os Tuyuka e entre os Tuyuka e seus afins, bem como da definição da identidade das pessoas e dos coletivos. Para entender essas questões, precisamos, antes de tudo, pensar no sentido do humor e no seu lugar entre essas populações indígenas.

Duas ordens de fenômenos devem ser analisadas para se compreender melhor o sentido dos apelidos e de seu uso e, através deles, o humor dos Tuyuka. O foco da análise está, por um lado, nos próprios nomes jocosos, pensados segundo o ponto de vista linguístico com o objetivo de decifrar procedimentos humorísticos na semântica e na simbologia destes, compreensíveis à luz de especificidades do pensamento tuyuka, como se expressam, por exemplo, nos relatos míticos. Por outro lado, a análise debruça-se sobre o humor da forma como ele se apresenta em todos os fenômenos ligados ao uso dos nomes jocosos no contexto da linguagem oral, através das provocações, dos jogos com os apelidos, nos quais as pessoas se respondem, e também através da gestualidade, da performance, das reações emocionais e da etiqueta social relacionadas ao uso dos nomes jocosos.

NOTA SOBRE O HUMOR E O RISO ENTRE OS TUYUKA

Desde os primeiros contatos, e mais ainda quando se frequenta o território dos Tuyuka durante um longo período, parece óbvio que eles tenham um gosto pelas brincadeiras tanto no cotidiano quanto nas festas. Os Tuyuka são, de fato, conhecidos regionalmente pelos indígenas e não indígenas como um povo brincalhão. Ao longo das minhas observações, pude constatar o quanto a sociabilidade masculina passava pelo uso dos apelidos. Este fato se revelou, por exemplo, na minha integração entre os homens, que passou pela aprendizagem dos apelidos de cada um e do seu uso adequado, ou seja, saber responder para um homem que me interpelava a partir de meu apelido, o chamando também por seu apelido, e vice-versa. No começo, eu não conseguia memorizar os apelidos de cada pessoa, ficando, então, numa situação desconfortável. As interpelações pelo meu apelido, às vezes em série, acompanhadas de ostensivas gargalhadas, ficavam sem respostas por minha parte por causa da minha incapacidade de memorizar todos os apelidos dos meus interlocutores. Mais tarde, progressivamente, consegui me lembrar dos apelidos de cada um, e pude então não apenas responder às provocações ou brincadeiras a mim direcionadas através do uso do meu apelido, mas também tomar a iniciativa de chamar os meus interlocutores por seus apelidos, ganhando, assim, um pouco da sua cumplicidade e o sentimento de pertencer um pouco mais àquela sociedade. As diversas formas de interações entre os homens na comunidade de São Pedro, onde convivem principalmente os Tuyuka e seus afins Yebamasã3 3 Yebamasã ou Yibá Masa corresponde a um nome de clã do povo Makuna, além de corresponder, segundo Århem (1981), junto com os Ide Masã, a um dos dois grandes conjuntos que formam o grupo linguístico Makuna. Os dois conjuntos seriam definidos, segundo Århem (1981), como fratrias exogâmicas. Segundo Cayón (2013), porém, os Ide Masã e os Yibá Masa constituem dois grupos étnicos distintos, estes últimos “falam Makuna, mas são ‘irmãos’ dos Barasana (que falam barasana), e sua etnohistória é testemunha de que eles antes também falavam barasana” (Chacon & Cayón, 2013, p. 13). , são marcadas pelo uso dos apelidos, e as relações de amizade são expressas graças ao uso deles também. Mas como se apresentam os apelidos dos Tuyuka e dos seus vizinhos tukano, bará, yebamasã etc., que provocam os risos durante as reuniões e conversas entre homens e mulheres? Tentaremos agora participar da brincadeira para entender melhor o sentido e as regras que regem este divertido jogo praticado através do uso dos apelidos.

Um primeiro fato a se destacar a respeito dos apelidos é que eles parecem, muitas vezes, estar ligados aos jogos sobre as línguas, ao humor e à sexualidade. Estes temas podem soar, à primeira vista, como muito triviais para um estudo antropológico, porém, ao meu ver, é pertinente debruçar-se sobre eles pelo fato de estarem presentes nas conversas dos velhos ‘conhecedores’, nos mitos e nos eventos rituais e cotidianos. A proposta de tentar decifrar o humor dos Tuyuka e as ‘regras do jogo’ a ele associadas, por mais divertida que possa parecer, se apresenta como uma tarefa árdua e de longo prazo.

Se, por um lado, o humor e o riso parecem apresentar um potencial universal – através de fenômenos que potencialmente provocam a hilaridade em qualquer pessoa, como fatos fisiológicos (flatulências etc.) e alguns procedimentos humorísticos comuns a muitas culturas distintas –, por outro, especificidades linguísticas, sociológicas e culturais fazem do humor, do riso e, mais ainda, do contexto e de seus usos adequados fenômenos complexos, difíceis de apreender. Trata-se, portanto, ao meu ver, de uma categoria boa para se pensar na etnologia. Para voltar ao tema do humor com relação aos apelidos, antes de abordar a análise de exemplos concretos de apelidos e dos fenômenos ligados a eles, trato do primeiro aspecto importante do humor tuyuka que já mencionei aqui, o jogo sobre as diferentes línguas. Este fato se revelou, por exemplo, durante uma festa de caxiri4 4 Festa na qual é consumido o caxiri, palavra da língua geral (nheengatu), ou peyuru, no idioma tuyuka, que designa a bebida fermentada, preparada com base de mandioca, servida em ocasiões de simples trabalhos ou em festas comunitárias, sem motivo ritual ou até em grandes cerimônias de dabucuri, com ou sem uso dos instrumentos sagrados (flautas), chamados de yurupari na língua geral, que acontecem no máximo uma vez por ano, bem descritas nos trabalhos de autores clássicos que trabalharam na região (S. Hugh-Jones, 1979). , na comunidade de Santa Cruz do Inambu (alto Papuri), na qual um homem tuyuka me interpelou com a palavra siklovakio5 5 Não tenho certeza quanto à ortografia desta palavra, que é uma transcrição fonética aproximativa do que meu interlocutor quis me comunicar, em uma situação cacofônica (para um ouvido não indígena) e de suave ebriedade (soporífica, no meu caso), característica das festas com a bebida caxiri. O ponto principal levantado por este acontecimento é a curiosidade e o gosto que os Tuyuka manifestam na aprendizagem e no uso de palavras de diversas línguas, das mais próximas geográfica e estruturalmente até as mais distantes, o que se revelou também através do interesse dos jovens frente à minha proposta de ensinar os idiomas francês e inglês nas escolas indígenas de São Pedro e Santa Cruz do Inambu. , a qual ele pronunciou de uma maneira muito articulada, com o intuito de chamar a atenção para ela. Essa expressão, que eu nunca tinha escutado, suscitou o meu interesse, e questionei o homem sobre o significado dela, palavra que provinha, segundo ele, de uma língua indígena do Putumayo e que significaria em português ‘tudo bem’. Meu interlocutor havia trazido de uma das suas viagens naquela região este pequeno ‘troféu linguístico’, esta palavra curiosa, com uma sonoridade original para um falante de língua tukano oriental, e que provocou, graças à performance do narrador, a hilaridade para os convidados da festa que estavam participando da nossa conversa.

Além do tema das línguas estrangeiras ou que se tornam estranhas por meio de jogos de palavras, a sexualidade também constitui um dos assuntos principais das brincadeiras entre homens tuyuka e os povos vizinhos; esses dois registros (língua e sexo) se misturam também nas brincadeiras. A exemplo de um momento do qual fiz parte, ocorrido durante uma festa de encerramento de uma oficina do Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA)6 6 Processo ligado ao Plano Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI), acionado por instituições como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e o Instituto Socioambiental (ISA), com o objetivo de garantir a aplicação dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Um dos aspectos dessa política de consulta e participação das comunidades indígenas consiste na realização de oficinas nesses lugares, que podem durar vários dias, das quais participei como assessor externo, e que se encerram com eventos festivos, organizados pelos moradores da comunidade. na comunidade de São Pedro, no rio Tiquié, da qual participaram também grupos tuyuka vizinhos, grupos tukano e hupd’äh. Quando a festa já estava bem avançada, e os convidados embriagados de caxiri (eram cerca de três horas da madrugada), um homem tuyuka passou a brincar com outros participantes sentados nos bancos da maloca, durante uma das pausas entre a dança de cariçu. Foi então que ele pronunciou a expressão tubu han, que significa ‘pênis grande’, na língua hupd’äh, direcionada a um homem hupd’äh. Este último se esforçou para retornar essa apelação para aquele homem que tinha assim o chamado. O homem tuyuka, querendo me incluir na brincadeira, me incentivou então a interpelar desta maneira o homem hupd’äh, para que ele me chamasse da mesma forma, em retorno. Qualificar um homem em relação ao tamanho, à forma e ao aspecto específico do seu pênis é uma brincadeira comum entre os homens tuyuka (partindo, às vezes, das mulheres). No entanto, pude observar que, em todos os casos em que presenciei um homem ser qualificado pelo tamanho do seu pênis – o que, em relação às normas ocidentais do século XXI, apareceria como um elogio –, a reação provocada era sistematicamente de negar essa atribuição e de retorná-la à pessoa que a originou.

O que reter desses dois exemplos de humor, cujo estilo característico será encontrado mais adiante, no caso dos apelidos? Primeiramente, eles introduzem e dão uma ideia da estética humorística de um povo ameríndio, e do seu uso em situação de fala. Segundo, em um nível mais profundo, eles mostram que o humor e as brincadeiras através das quais os Tuyuka se expressam revelam traços sociais e culturais importantes.

O primeiro exemplo, da brincadeira ligada às línguas, mostra como os Tuyuka e seus vizinhos são povos que, imersos em um contexto de multilinguismo, têm grande curiosidade em relação às outras línguas e um gosto pronunciado para aprendizagem destas últimas, sejam elas indígenas ou não, e para praticar as idiossincrasias e rir delas. Conforme mostramos em outros contextos (Richard, 2021aRichard, E. (2021a). Le système des “considérations” chez les Tuyuka du haut Rio Negro (Brésil-Colombie): parenté, fêtes, genre et onomastique en Amazonie [Tese de doutorado, Université Paris Nanterre]. https://theses.hal.science/tel-03508304v2), a língua está no centro da socialidade tuyuka, como nas relações conjugais nas quais maridos e esposas devem aprender a se conhecer e a se compreender, ultrapassando as diferenças linguísticas em um processo recíproco de familiarização com o outro.

O segundo exemplo, o da brincadeira sobre o pênis grande, abertamente sexual, e que poderia ser entendida como uma simples brincadeira ‘clássica’ de caráter sexual, como existe em muitas (senão todas) sociedades humanas, se revela como a expressão de alguns traços interessantes da cultura e da socialidade ameríndia. Do ponto de vista da estética corporal e do que poderia ser chamado de moralidade, essa brincadeira poderia sugerir que um grande sexo seria para um homem algo associado a uma sexualidade não controlada, oposta ao exercício de capacidades xamânicas, que requerem numerosas restrições alimentares e sexuais, mas também aparentemente ao exercício da chefia, sob alguns aspectos. Com efeito, na região do rio Negro, como mostra Journet (1995)Journet, N. (1995). La paix des jardins: structures sociales des Indiens curripaco du haut Rio Negro (Colombie) (Mémoires de l’Institut d’Ethnologie, n. 31). Institut d’Ethnologie-Musée de l’Homme., no caso dos Koripako, essa ideia transparece também nos relatos míticos que opõem a figura de Iapirikuri, herói cultural, criador da humanidade, chefe incapaz de se reproduzir sexualmente, “por causa do tamanho pequeno do seu pênis”, em relação a Kaarritari, herói fundador das roças, cuja atividade sexual parece excessiva (Journet, 1995Journet, N. (1995). La paix des jardins: structures sociales des Indiens curripaco du haut Rio Negro (Colombie) (Mémoires de l’Institut d’Ethnologie, n. 31). Institut d’Ethnologie-Musée de l’Homme., pp. 110-11, 241-242)7 7 A ideia de um pênis pequeno estar associado aos grupos de ‘chefes’ e de um pênis grande, aos grupos de ‘servos’ também foi expressa para os Desana, na análise simbólica proposta por Reichel-Dolmatoff (1973), a partir das declarações do seu informante. . No pensamento ameríndio, a figura do homem com o sexo desmedido pode também remeter a uma ausência de controle do desejo sexual, que leva muitas vezes a graves rupturas nas relações de parentesco, como no mito rio-negrino de Kamaueni.

OS APELIDOS DAS PESSOAS

Durante minha pesquisa de campo entre os Tuyuka, tive a oportunidade de repertoriar uma certa quantidade de apelidos que, em seguida, foram classificados segundo princípios estilísticos de criação, os quais remetem a diversos universos: animais/espíritos da floresta; características pessoais (físicas, sexuais) ou relativas às mulheres (ou ao sexo delas); mundo dos ‘brancos’; jogos de palavras; referências explícitas ou implícitas à sexualidade; apelidos femininos.

A tipologia resultante dessa investigação, baseada em critérios de ordem estilísticos, semânticos e sociológicos mais do que em diferenças essenciais entre os nomes assim classificados, visa a elucidar princípios humorísticos encontrados no processo de criação dos apelidos e que não são exclusivos, pois muitas vezes se encontram mesclados em um só nome. Ela constitui uma ferramenta de análise antropológica e não corresponde a categorias explicitamente formuladas no discurso nativo, tendo como objetivo mais especificamente, como aparecerá no decorrer da reflexão, entender o sentido dos apelidos do ponto de vista de uma lógica relacional. Por mais que eles correspondam mais a estilos do que a diferentes classes de nomes, que seriam definidos por sua natureza e sua função, esses princípios parecem, todavia, corresponder intimamente ao que se poderia qualificar de ‘espírito onomástico’ dos Tuyuka, que privilegia, no caso dos apelidos, destacar singularidades para a atribuição de um nome a uma pessoa.

Em certas ocasiões – como resposta a uma interrogação minha ou pela iniciativa própria dos meus interlocutores, de uma maneira descritiva e um tom relativamente neutro ou, ainda, na forma de brincadeira –, foram relatados para mim o que poderiam ser chamados de ‘relatos de origem’ de alguns apelidos, narrações sobre os motivos, o contexto e a maneira pela qual eles tinham sido atribuídos. Existem naturalmente, muitas vezes, vários relatos e motivos invocados para explicar a atribuição de certos apelidos. Novos relatos podem ser sempre inventados, sendo o único limite a criatividade do narrador casual deste ‘mito de origem’ do nome em questão, este último podendo ser ele mesmo a pessoa que carrega o nome ou uma terceira pessoa. Ademais, vários apelidos podem ser atribuídos a uma pessoa ao longo de sua vida, o que também pode ocorrer de maneira sincrônica. Existem, finalmente, o que eu chamaria de ‘apelidos exclusivos’, atribuídos e usados por uma só pessoa para se chamar o portador do nome, que pode ou não também chamar seu nomeador exclusivo por um apelido exclusivo.

Também observamos a existência de uma forma de jogo em torno do caráter de segredo (talvez por ser íntimo) dos apelidos de cada pessoa e das razões pelas quais eles foram atribuídos. De fato, o portador do apelido ou as pessoas presentes costumam não revelar com facilidade o apelido e a sua origem, ou então fazem uso de fórmulas opacas para colocar a pessoa não iniciada (quem não conhece o apelido) na dúvida. Alguns apelidos parecem inexplicáveis e outros não parecem ter nenhum motivo nem origem clara, o que aumenta o caráter misterioso desses nomes. O foco desta análise foi colocado nos apelidos para os quais coletei uma ou várias versões sobre a sua origem.

O QUE É UM APELIDO PARA OS TUYUKA?

Como veremos adiante, ao repertoriar os apelidos de pessoas tuyuka e de outros grupos linguísticos da região, me dei conta de que boa parte deles remete a figuras de animais ou de espíritos da floresta. Esse tipo de apelido se aproximaria, à primeira vista, do que S. Hugh-Jones (2002, p. 52) designa como “nomes jocosos verdadeiros. . . . a maioria dos quais se refere ao mundo dos mamíferos, pássaros e peixes [e nos quais] as palavras perdem seus referentes originais: aquele que é chamado ‘jiboia’ não é de modo algum uma cobra”. Em uma reflexão sobre o tema da onomástica no noroeste amazônico, resultado das suas observações com os Barasana, S. Hugh-Jones (2002)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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diferencia três categorias de apelidos. Além da categoria já citada, encontraríamos uma segunda, situada numa posição intermediária no ‘espectro’ proposto por S. Hugh-Jones (2002)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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e que corresponderia aos nomes jocosos que fazem uma “referência direta ou oblíqua à vida, aos hábitos, à aparência física ou [ao] caráter do portador” (S. Hugh-Jones, 2002Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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, p. 52). Enfim, na ponta oposta deste espectro, teríamos os apelidos que S. Hugh-Jones (2002)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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qualifica de “nomes comuns, veneráveis, semi-sagrados” (S. Hugh-Jones, 2002Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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, p. 52) e seriam derivados, segundo a hipótese formulada, dos nomes da primeira categoria (o seu conteúdo semântico é similar). Estes últimos teriam, contudo, como especificidade o fato de formar um par com os ‘nomes de espíritos’ (basere wame) e seriam transmitidos junto com estes últimos.

Não tive a oportunidade, durante as minhas observações e conversas com os Tuyuka, de identificar nomes que pertenceriam à terceira categoria delineada por S. Hugh-Jones (2002)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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. É possível, porém, que, entre apelidos formados a partir de nomes de animais ou espíritos que repertoriei, se encontrem tais nomes ‘semi-sagrados’. Contudo, seria preciso entender melhor a maneira pela qual eles são atribuídos e usados em comparação com as outras classes de apelidos identificadas pelo autor. A existência de nomes jocosos ‘semi-sagrados’ pode parecer, à primeira vista, paradoxal, já que ela constitui uma fusão entre, de um lado, um nome com caráter muito pessoal e secreto, o basere wame, e, de outro, um nome com caráter aparentemente ‘público’ e ‘profano’, o buere wame. Esta categoria de apelidos tal como existia entre os Barasana, e ainda parece existir para este mesmo povo e outros grupos tukano orientais8 8 A existência, na época contemporânea à minha pesquisa, dessa categoria de apelidos associados aos nomes ditos de ‘benzimento’ me foi confirmada para os Cubeo, do alto Uaupés, em território brasileiro (Diego Rosa, comunicação pessoal, dez. 2019). Estes apelidos, apesar de serem designados como tais, não seriam mais usados nos dias de hoje como vocativos, o que sugere que não podem mais ser considerados como nomes jocosos propriamente ditos. , levanta, portanto, várias interrogações. Por qual motivo tais tipos de apelidos seriam dados a alguns (ou todos) indivíduos? Que tipo de uso e que contexto de atribuição caracterizam esta classe de apelidos em comparação com as outras? Existe um uso ‘público’ para estes apelidos?

O ponto para o qual adotaremos uma posição distinta da análise de S. Hugh-Jones (2002)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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diz respeito à ideia de que os apelidos da primeira categoria delineada pelo autor não comportariam nenhuma ligação com a especificidade do portador (um homem que recebeu o apelido de cobra não apresentaria nenhuma semelhança com o dito animal), enquanto os apelidos da segunda categoria teriam uma ligação com o percurso biográfico ou as características de uma pessoa. Como será revelado no estudo dos processos de atribuição e nos ‘relatos de origem’ dos apelidos baseados em nomes de animais e de espíritos, estes parecem remeter – na maioria dos casos, entre os Tuyuka e seus vizinhos do Tiquié e do Papuri – a aspectos biográficos ou à personalidade do portador. É preferível, ao meu ver, evitar formulações de categorias estritas e fechadas no domínio dos nomes jocosos ao menos. Em primeiro lugar, pelo fato de a correspondência entre as categorias de nomes enquanto ferramentas analíticas do antropólogo e as categorias existentes no pensamento indígena carecer de demonstração. Em segundo lugar, por, como já foi evocado neste texto, existirem fenômenos de fusão, de passagem de um nome ao outro, o que demonstra o interesse de se buscar os princípios onomásticos, mais do que as categorias de nomes. Alguns nomes ‘de benzimento’ correspondem a nomes de animais, como ocorre com Buu, nome de ‘benzimento’ que significa ‘tucunaré’ (Cichla spp.) e que é portado por homens tukano. Tanto no caso de basere wame quanto no dos apelidos me parece que nenhum destes nomes seja neutro, e diferentemente do que afirma Jackson (1983)Jackson, J. (1983). The fish people: linguistic exogamy and Tukanoan identity in Northwest Amazonia. Cambridge University Press., os nomes de benzimento não parecem ser simples rótulos, sem relação com o caráter ou as competências da pessoa, já que podem ser associados à agência da pessoa, à sua função ritual (cf. F. Cabalzar, 2010Cabalzar, F. (2010). Até Manaus, até Bogotá. Os Tuyuka vestem seus nomes como ornamentos: geração e transformação de conhecimentos a partir do alto rio Tiquié (noroeste Amazônico) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07052010-122546
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).

Além das funções de classificar ou individualizar, me parece que estes nomes também possuem vários outros sentidos e funções, no caso dos baserige wame, uma função cosmológica, ligada ao mundo ancestral e à saúde da pessoa, e com relação aos apelidos, uma função sociológica fundamental.

APELIDOS QUE REMETEM A NOMES DE ANIMAIS OU A ESPÍRITOS DA FLORESTA

Este princípio de atribuição de apelidos, como já foi mencionado, é o que se encontra na maior quantidade de apelidos. Ele está presente em mais de um terço dos apelidos masculinos do repertório9 9 Identifiquei, até aqui, 90 apelidos masculinos, dos quais 32 pertencem a essa categoria. , sendo essa proporção mais importante ainda se considerarmos o número absoluto de apelidos, já que alguns deles, como weku (‘anta’) ou wãti (‘diabo’/‘espírito da floresta’), são portados por duas ou mais pessoas. Essa forma de criar apelidos parece ser ainda mais representada nos apelidos femininos10 10 Não tratarei aqui da questão dos apelidos femininos, por falta de espaço. Na grande maioria (seis, de um total de oito), os apelidos femininos que recolhi são nomes de animais (weku, ‘anta’; yese, ‘porco-do-mato’), especificamente de animais noturnos (kã, ‘inhambu’, gênero Crypturellus), animais venenosos (aña, ‘jararaca’; mekã, ‘formiga grande comestível’) ou Boraró, ‘criatura do mato’. . Tendo como referência meu conhecimento global sobre os apelidos nos grupos tukano orientais que frequentei, me pareceu que esta tendência estatística corresponderia a uma predominância real de apelidos formados segundo tal princípio, de uma forma geral. Em muitos momentos, os apelidos ligados aos nomes de animais ou ‘espíritos do mato’ parecem ser atribuídos por haver uma similaridade entre o portador e o ser da floresta, ou pelo comportamento deste último. Do ponto de vista da semelhança física, evocaremos o caso de um homem tukano da comunidade de São Miguel do Papuri, que recebeu o apelido de buko, que significa ‘tamanduá-bandeira’ (Myrmecophaga tridactyla). Um homem tuyuka, afim deste último, me explicou que ele tinha recebido este apelido por causa da semelhança com o animal, particularmente devido à sua corpulência e ao tamanho pequeno dos seus pés.

No que diz respeito à semelhança de caráter, um homem tuyuka me contou sobre o irmão dele, cujo apelido é seburo (‘caracará-preto’, Daptrius ater), que tinha recebido este apelido por causa dos gritos que ele emitia quando criança, parecidos com aqueles que caracterizam o som produzido por este pássaro quando ele está com fome: ‘See! See!’. A respeito de um homem tuyuka da comunidade de Cachoeira Comprida (alto Tiquié) cujo apelido é ñuñu (‘mutuca’), um outro homem tuyuka me explicou que tal apelido vinha do fato de o portador gostar de beliscar as mulheres, da mesma maneira como a mutuca pica.

Em algumas circunstâncias, o relato que faz a ligação entre o animal e o portador do apelido epônimo remete a eventos biográficos, e a associação só pode ser compreendida à luz de características comportamentais ou morais atribuídas a tal animal no pensamento tuyuka, tal como ela se expressa particularmente nos mitos. Por exemplo, no caso de um homem tuyuka (já casado e com filhos casados) cujo apelido é bu (‘cotia’), homens da sua comunidade me contaram que o nome lhe foi atribuído na época em que ele conheceu a sua atual esposa, quando uma tia (irmã do pai) tinha perguntado se ele já tinha engravidado a mulher dele, ao que ele respondeu que tinha sido uma cotia a responsável por isso. A cotia me parece ser associada, no pensamento tukano oriental, a um animal ladrão e, por extensão, pode também corresponder à figura de um ‘ladrão de mulher’.

Abordaremos agora os apelidos que se referem aos seres sobrenaturais que povoam a floresta, designados pelos Tuyuka pelo termo ‘espírito’, em português. Apesar de ter recolhido aqui apenas dois exemplos (wãti e Boraró), estes apelidos têm grande importância e visibilidade por serem casos mais comuns. Ademais, vale ressaltar que alguns apelidos são formados a partir de nomes de animais que têm forte ligação com o mundo sobrenatural e que são associados com os espíritos, como oso (‘morcego’). Este último, que Reichel-Dolmatoff (1973, p. 127)Reichel-Dolmatoff, G. (1973). Desana: le symbolisme universel des Indiens Tukano du Vaupés. Gallimard. descreve como acompanhador e anunciador dos espíritos, também é um apelido bastante comum (repertoriei apenas no alto Tiquié dois homens, um Tuyuka e um Tukano, com este apelido). Conheci diretamente ou indiretamente vários homens (pelo menos três) tuyuka e tukano com apelido wãti11 11 Os seres chamados de wãti são tradicionalmente designados na literatura etnológica e na tradução nativa como ‘espíritos da floresta’. Reichel-Dolmatoff (1973, p. 111) se refere a esses seres como “espíritos perigosos”, “demônios” ou “monstros” que “podem perseguir os homens e matá-los”, e que se diferenciam dos wai-masã – que mandam doenças para os seres humanos – pelo fato de eles matarem o seu alvo imediatamente. . Em todos esses episódios, não pude recolher uma interpretação ou um ‘relato de origem’ desses nomes que permitiriam explicar claramente o seu significado. Todavia, me parece que, em alguns momentos, tais apelidos poderiam estar ligados com a aparência física do portador (é o caso, em particular, de um homem tuyuka de Cachoeira Comprida), um caráter subversivo no seu comportamento (caso de um homem tukano de Melo Franco), ou ainda a capacidades xâmanicas (caso de um homem tuyuka da comunidade de São Pedro que se estabeleceu há muitos anos em São Gabriel da Cachoeira). No que concerne aos Boraró12 12 Boraró é um ser da floresta que os Tuyuka ligam à figura pan-amazônica do Curupira. Boraró é muitas vezes qualificado como ‘chefe’ ou ‘dono’ dos animais, e tem ligações fortes com figuras animais como o jaguar, o tamanduá (comparado a essas criaturas) e os porcos-do-mato, sendo protetor desses últimos. Igualmente aos wãti, ele age enganando homens e mulheres que acabam enxergando este animal como humano. Para uma descrição do Boraró e das suas atribuições, ver Reichel-Dolmatoff (1973, pp. 111-116). , apelido que eu mesmo recebi, mas que também observei ser aplicado para dois homens tukano e uma mulher tuyuka, este nome me parece também se referir a características físicas da pessoa (pilosidade, silhueta) ou comportamentais.

A respeito do ‘relato de origem’ do meu próprio apelido, que me foi contado muitos anos depois da minha primeira visita a São Pedro, a ligação com minha aparência física parece óbvia. Nos primeiros dias após minha chegada à comunidade, eu tinha ido tomar banho na cachoeira do igarapé Umari Norte, e as crianças da comunidade teriam ficado assustadas por uma visão de horror: uma criatura humanoide, com muitos pelos e o cabelo comprido e preto escondendo o rosto, que parecia estar coberta por pelo de um animal (eu tinha desde aquela época um cabelo trançado, tipo dreadlocks), que só podia ser Boraró. As crianças, então, correram para avisar as mães delas sobre esse encontro assustador. Foi quando o líder tradicional da comunidade, um homem do clã Opaya, que eu tinha conhecido em São Gabriel da Cachoeira, ao ficar sabendo do caso, me batizou pelo meu apelido13 13 O meu apelido ilustra bem a ideia, que será desenvolvida mais adiante, de que a atribuição dos apelidos se baseia no encontro e na relação de diversas figuras da alteridade: um homem branco visto por crianças indígenas e descrito para suas mães, evento que leva o líder da comunidade a atribuir o apelido. Mas é também a ilustração da complexidade dos atores e das relações envolvidas neste jogo. . De uma forma sintética, os apelidos ligados aos ‘espíritos do mato’ poderiam remeter, portanto, às pessoas que teriam capacidade de transitar entre o mundo dos humanos e dos não humanos, que teriam uma relação privilegiada com seres que habitam a floresta, o que se manifestaria em aspectos corporais (pilosidade, olhar, traços), provas visíveis de formas de relacionalidade invisíveis que os caracterizam14 14 Essa interpretação condiz com a noção de corpo como feixe de afeições, elemento central do perspectivismo multinaturalista desenvolvido por autores como Viveiros de Castro, Stolze Lima ou Fausto. .

Existem, portanto, vários procedimentos que levam à atribuição dos buere wame discutidos até então; se, em alguns casos, não parece existir um vínculo claro entre o apelido de animal ou espírito e o portador, muitos deles têm ligação próxima ou distante com especificidades físicas, morais ou biográficas de quem é nomeado.

APELIDOS LIGADOS A CARACTERÍSTICAS PESSOAIS (FÍSICAS)

Os apelidos descritos a seguir denotam características específicas do portador, físicas (e, em muitas situações, sexuais), ou, ainda, relativas a uma outra pessoa na visão do portador. Muitos apelidos criados dessa maneira são recebidos na infância do portador ou na juventude, durante os primeiros contatos visuais, eróticos ou sexuais com pessoas do sexo oposto, e podem ou não ser conservados até a idade adulta.

Entre os jovens, em particular, pude repertoriar vários exemplos de buere wame ligados a características físicas ou comportamentais, sendo, às vezes, pejorativos. De fato, durante uma festa de caxiri, fiquei sabendo do apelido de um jovem tuyuka, então ainda solteiro, da comunidade de Santa Cruz do Inambu: putiri15 15 Esse termo também poderia remeter a um tipo de beiju cujo nome é putiro, feito ‘de massa de tapioca misturada com pouco amido’ (cf. Barnes, 2012) e que poderia, portanto, se parecer com a pele do portador, quando criança. , que seria, segundo o homem que me revelou este nome, um termo referente ao aspecto ‘mofado’ da pele do jovem. O tio paterno, que o classificou assim, para me explicar a origem deste apelido, me disse que, quando era criança, o portador deste apelido era ‘sujo’, pois tinha uma doença de pele e por isso tinha a aparência da bolsa que os Hupd’äh carregam. Foi por este motivo que ele recebeu esse apelido. Outros exemplos de apelidos de jovens tuyuka e yebamasã de São Pedro, como ñere (‘cabelo desarrumado’), yukewi (‘chorão’) ou xixi, referem-se diretamente a características físicas ou comportamentais (infantis, no que diz respeito aos dois últimos), assim como no caso de um homem tukano de São Miguel (alto Papuri) cujo apelido é gudi, que significaria ‘baixinho’.

Em relação aos apelidos que foram citados acima, cujos portadores são jovens adolescentes ou já em idade de casar-se – a exemplo dos jovens apelidados de putiri e ñere, os dois têm mais de 25 anos e ainda eram solteiros durante minha última pesquisa de campo, e também do homem apelidado de gudi, ainda solteiro, passando dos 30 anos –, é interessante salientar o aspecto pejorativo desses termos, ou mesmo fortemente depreciativo. Portanto, o uso de tais apelidos se aproxima mais de uma zombaria, e me parece que eles são raramente empregados e com mais cuidado quando se trata de homens que já não são mais adolescentes (enquanto para os jovens apelidados de yukewi e xixi, ainda adolescentes, os apelidos são usados sem precaução).

O fato ora mencionado parece revelar um fenômeno interessante que consiste em um processo de evolução na atribuição e no uso dos nomes jocosos que ocorreria ao longo do ciclo de vida de um homem, em particular depois do casamento. De fato, me pareceu que os jovens não casados carregam frequentemente apelidos pejorativos, ligados ao mundo da infância e usados mais na forma de uma zombaria, podendo provocar no portador um sentimento de vergonha. Os homens casados parecem ter apelidos mais neutros (como os ligados aos nomes de animais ou espíritos) ou ligados com a sexualidade (como os ligados com a aparência das genitálias, ou com as relações sexuais ou de sedução). Os apelidos de homens casados parecem ser usados, de forma geral, de maneira muito mais aberta – apesar de isso variar de uma pessoa para outra –, revelando e constituindo a marca de que o homem alcançou certa maturidade, o que representa uma afirmação de sua identidade e de seu status social. Os apelidos e a relação que o portador mantém com eles seriam, portanto, caracterizados por uma variação ao longo da vida da pessoa, conformando-se aos eventos biográficos importantes (casamento, em particular), até a obtenção de apelidos mais fixos e mais aceitos. Vale salientar que essas observações correspondem mais a tendências do que a regras, que são não obstante reveladoras de aspectos importantes da sociabilidade dos Tuyuka, especificamente no caso masculino.

Abordaremos agora exemplos de homens já adultos e casados cujo apelido se refere aos seus genitais (ao seu aspecto ou a uma anedota referente a isso). Por exemplo, um homem tuyuka, que não conheci diretamente, tem como apelido soãrigu. Este nome jocoso, que me foi indicado por um homem tuyuka, parente do portador, significa literalmente ‘vermelho’ e se refere mais especificamente à cor do pênis do portador. De forma parecida, um homem tuyuka do alto Tiquié, já falecido, tinha como apelido buku nuri, que significa ‘pênis do velho’ ou ‘pênis velho’. Apesar de não ter tido uma confirmação clara, parece também ser a ocorrência, de uma forma mais contornada, de um homem tuyuka do alto Tiquié cujo apelido é kutawi, que me foi traduzido pelo adjetivo ‘enferrujado’, cuja menção sempre provoca gargalhadas nos ouvintes. A referência é também parcialmente implícita para um homem tuyuka de São Pedro cujo apelido tubo é muito provavelmente uma referência ao aspecto do seu pênis16 16 Os tubos têm um lugar central nas narrativas míticas e nas concepções acerca da fertilidade. Ver, a respeito, S. Hugh-Jones (2017). . Há também um homem tuyuka da comunidade de Santa Cruz do Inambu que é chamado exclusivamente por um outro homem tuyuka da comunidade pelo apelido puto, termo que designa a base do tronco de uma árvore (cf. Barnes, 2012Barnes, J. (Org.). (2012). Diccionario bilingüe: tuyuca-español, español-tuyuca. Fundación para el Desarrollo de los Pueblos Marginados., p. 257), e que faz referência, como me explicou o nomeador, ao formato do sexo do portador. Ou, ainda, um homem hupd’äh do igarapé Umari Norte (próximo à comunidade de São Pedro) que tem o apelido de sãmi, correspondendo na língua tukano a algo com um formato pontudo. Um outro homem tuyuka da comunidade de Santa Cruz do Inambu que ocupou durante muito tempo a função de capitão da comunidade tem um apelido altamente cômico e popular: nuri weto (em tukano), também usado em português, ‘pica balançando’. O próprio portador e os seus irmãos menores classificatórios relataram durante as festas de caxiri – certas vezes, através de performances gestuais e sonoras – várias versões da origem deste apelido conhecido regionalmente, o qual faz muito sucesso entre os indígenas e não indígenas.

Outro procedimento de atribuição dos nomes jocosos consiste em apelidar um homem em função da visão (no sentido de percepção visual e de concepção imaginária ou simbólica) que ele tem da genitália feminina, de uma mulher em particular ou das mulheres de uma forma geral. Este procedimento também se encontra, de forma recíproca, na criação de apelidos femininos. Para ilustrar os apelidos masculinos, consideramos o exemplo de um homem tuyuka da comunidade de Puerto Ibacaba, localizada no rio Inambu, do lado colombiano da fronteira, a montante de Santa Cruz, que recebeu o apelido de wasia17 17 A explicação a respeito do significado deste apelido, bem como da sua origem, me foi fornecida por um homem da comunidade. , cujo significado é ‘separado/a’. O portador do apelido teria o recebido depois de ter comentado a respeito do aspecto da vulva de uma mulher hupd’äh com a qual teve relações sexuais. Na mesma linha de raciocínio, a origem do apelido sawero (‘orelha’), atribuído a um homem tuyuka que reside na comunidade de São Pedro, me foi contada pelo seu irmão. O portador deste nome jocoso teria saído para uma expedição de pesca com um outro homem da comunidade, para quem ele teria comentado a respeito do aspecto da vulva das mulheres (ou de uma mulher em particular), comparando-a a uma orelha. Após o parceiro de pesca ter relatado esse episódio publicamente, o homem teria ganhado seu apelido, que permaneceu até então. Neste exemplo, existe também um procedimento de jogo semântico (que será analisado mais detalhadamente a seguir), pois a palavra sawero se parece com sawĩro – variante pela qual o portador é também chamado –, remetendo a uma associação simbólica deste nome com o tema do encontro mítico entre homens e mulheres, e possivelmente com a própria aparência da genitália feminina18 18 O campo semântico da palavra sawĩro pode ser encontrado à luz da sua etimologia, assim como das narrativas míticas e do ritual. Com efeito, um dos significados da palavra sawĩro no idioma tuyuka é referente às “antenas” de certos insetos, como formigas ou borboletas (cf. Barnes, 2012, p. 265). Como observa A. Cabalzar (2009, p. 37), sawĩro também é o nome de “um yurupari pequeno feito da casca do cipó dikada”, utilizado nos dabucuris de hinã. No relato da retomada dos instrumentos pelos homens feito por um dos meus interlocutores tuyuka, depois de eles terem caído nas mãos das mulheres, esses objetos as assustam, graças às flautas que se parecem com os ditos jurupari, sendo que, durante o ocorrido, algumas mulheres tentam esconder os instrumentos, introduzindo-os em suas vaginas. A embocadura dos instrumentos ainda pareceria visível na genitália feminina, desvelando, assim, a origem do clitóris. Teríamos aqui, talvez, a explicação da associação entre as antenas (orelhas de insetos) e a genitália feminina, contida na variante do apelido sawĩro, que seria, portanto, uma referência ao clitóris. . Alguns apelidos, formados segundo este mesmo procedimento, são ligados mais especificamente ao tema da pilosidade, que ocupa um lugar importante na cosmovisão e no humor tuyuka (cf. S. Hugh-Jones, 2017Hugh-Jones. S. (2017). Body tubes and synaesthesia. Mundo Amazónico, 8(1), 27-78. http://dx.doi.org/10.15446/ma.v8n1.64299
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). Esse é, por exemplo, o caso de um homem tukano do Tiquié cujo apelido me foi traduzido como ‘pelo pubiano da mulher’; de um homem tukano também do Papuri que tem como apelido puãpoari, ‘dois pelos pubianos’; ou ainda de um homem tuyuka da comunidade de São Pedro cujo apelido é ‘barba’. Nestas três situações, me foi explicado que os apelidos foram atribuídos depois de o homem ter visto, quando criança ou adolescente, o púbis de uma mulher e ter relatado seu aspecto (mais ou menos peludo), como nos dois primeiros casos, ou, ainda, devido à sua semelhança com a pilosidade facial dos homens, como no último exemplo. Em relação ao homem cujo apelido é puãporari, um Tukano da comunidade de Melo Franco, este apelido – que parece ser empregado de forma exclusiva por um outro homem tukano da comunidade vizinha de São Miguel – estaria ligado ao relato feito por seu portador acerca de um romance ocorrido vivido em uma viagem durante o qual ele teria tido uma relação sexual com uma mulher cubeo cuja especificidade era sua escassa pilosidade pubiana. No caso do homem que tem como apelido ‘barba’, finalmente, este nome jocoso muito provavelmente está ligado ao fato de o próprio portador ter uma barba, particularidade sempre comentada com humor pelos Tuyuka, para os quais isso constitui uma raridade19 19 Encontramos, na literatura sobre povos do alto rio Negro, numerosos exemplos de apelidos e nomes de grupos formados a partir da visão dos homens sobre a genitália feminina, particularmente sobre sua pilosidade. No volume 4 da coleção “Narradores indígenas do rio Negro” (ver Barbosa & Garcia, 2000), com base em um grupo do povo Tariano, tratam-se de apelidos oriundos da visão que tiveram uns rapazes sobre a vagina de uma mulher. O famoso apelido tukano Wauro também tem este sentido: o termo é traduzido por ‘zoque-zogue’ (macaco do gênero Callicebus), cujo pelo é parecido com os pelos pubianos femininos. O apelido veio do hábito do portador de espiar as mulheres tomando banho. Na tese de doutorado de Rodrigues (2019, p. 29), sobre os Tukano do baixo Uaupés, encontramos um exemplo interessante desse princípio de nomeação: o nome do clã tukano Inapé porã, ‘filhos da formiguinha preta’, está relacionado ao fato de a esposa do portador ter uma vagina apertada, como o buraco do formigueiro (agradeço a G. Andrello pelas ricas indicações bibliográficas contidas nesta nota). .

APELIDOS LIGADOS AO MUNDO DOS ‘BRANCOS’

O terceiro princípio de criação de apelidos destacado aqui corresponde a nomes jocosos que têm em comum com muitos apelidos já citados o fato de remeter a um processo de construção da personalidade e da identidade por meio da relação com diversas figuras da alteridade. Este universo não é mais o das relações com entidades do mundo não humano ou da relação com pessoas do sexo oposto, que já foram analisadas, mas sim com o mundo não indígena ou, de forma mais genérica, com o mundo ‘dos brancos’, representado por figuras características de personagens ou de objetos da cultura material. Esses apelidos são, em muitos casos, usados nos idiomas não indígenas (português ou espanhol).

Podemos citar apelidos que se referem a profissões e atividades emblemáticas dos ‘brancos’ presentes na região, associadas de uma maneira humorística, e às vezes irônica, às especificidades no percurso biográfico ou a atividades exercidas pelo portador, no contexto da sua própria sociedade ou com os ‘brancos’. É o caso, por exemplo, de um homem idoso tuyuka, do Inambu, que recebeu ‘tenente’ como apelido; de um homem tukano do Tiquié cujo apelido é ‘federal’ (em referência à polícia federal brasileira); ou ainda de um outro homem tukano do Tiquié cujo apelido é ‘drogado’, referência ao trabalho realizado nas plantações de coca durante a época da cocaína20 20 Podemos citar aqui um outro exemplo de apelido nessa linha de ideia, o apelido tukano ‘papéra’ (papel), dado porque o portador tomava a postura de alguém que escreve em uma folha de papel (Geraldo Andrello, comunicação pessoal, jul. 2020). .

A respeito dos apelidos que se referem aos bens materiais dos ‘brancos’, podemos citar um tukano do Tiquié cujo apelido é sobo (‘sabão’, em tukano), um outro apelidado de ‘rabeta’21 21 “Pequeno motor de propulsão que, acoplado na traseira de pequenas embarcações ou barcos, é conduzido manualmente, com a ajuda de um bastão que determina as direções. [Por extensão] pequena embarcação com esse motor; canoa motorizada” (Dicionário Online de Português, n.d.). e um jovem tuyuka cujo apelido é weriga (‘anzol’, em tuyuka). Neste último exemplo, o potencial humorístico do apelido reside na ideia de que um bem material dos ‘brancos’ foi usado pelo homem indígena para seduzir uma mulher indígena. A referência é explícita aqui, pois remete à figura do marupiara, expressão regional que designa um pescador feliz na pesca, mas também um homem sedutor e mulherengo22 22 Mais uma vez, de forma não fortuita, este homem tem como particularidade ser casado com uma mulher do mesmo grupo linguístico, caso até então único entre os Tuyuka do Tiquié. Esse fato dá uma outra dimensão ao apelido do portador: sua capacidade de seduzir mulheres proibidas, do seu próprio grupo linguístico, fenômeno presente tanto na origem de brincadeiras, como em graves tensões sociais e até políticas. . A ideia de usar um objeto, um perfume ou, mais tradicionalmente, uma planta ou artefato de origem animal para seduzir sua presa (caso de um caçador ou de um pescador) ou sua parceira (e vice-versa para as mulheres) – substâncias chamadas na língua geral de puçanga – é conhecida na região. A atribuição e o uso de tais apelidos, os quais remetem a substâncias poderosas provenientes de objetos manufaturados não indígenas, revelam mais uma vez que o mundo dos ‘brancos’, da mesma forma que o mundo não humano dos animais e das entidades sobrenaturais das florestas e dos rios, constitui um universo da alteridade que contém muitos perigos, mas é também atraente, podendo ser usado por homens e mulheres nas relações com seus pares ou com diversas figuras outras.

Os relatos apresentados acima tratam da atribuição de apelidos ligados aos bens materiais dos ‘brancos’, introduzindo uma última série de nomes jocosos atribuídos a homens numa lógica semelhante, na qual, contudo, é o próprio portador que é associado à figura de um ‘branco’ sedutor. Por exemplo, durante uma festa de caxiri na comunidade de Santa Cruz do Inambu, anotei o apelido de um Tuyuka de Puerto Esperanza, comunidade localizada na parte colombiana do rio Inambu. A respeito deste homem cujo apelido é llanero, me foi contado que ele o teria recebido depois de ter conhecido sua futura esposa e de ter se apresentado como um ‘llanero’, um colombiano da região de Guaviare, subentendido ‘branco’ ou ‘caboclo’. Esta estratégia de sedução consistiu em uma resposta às afirmações da mulher, que declarou ter interesse apenas em homens brancos, e não nos indígenas23 23 Podemos citar também um exemplo análogo presente em Rodrigues (2019), com um clã tukano chamando de Duca porã (‘filho de Duca’), cujo nome vem de Luca, ou Lucas, comerciante branco com quem a esposa do portador, ancestral desse grupo, gostaria de ter tido um caso amoroso. . Outro exemplo me foi dado durante uma festa de dança nesta mesma comunidade, na qual um homem me contou a história da origem do apelido kuta (‘frango’), atribuído ao seu cunhado, um Desana de uma comunidade de alto Papuri. Durante uma festa, ele teria tido uma relação amorosa com a filha de um Tuyuka de Santa Cruz e teria declarado a ela que ia matar um frango para ela, com o intuito de convencê-la a ter uma relação com ele.

Na série de nomes apresentada neste tópico, encontramos, mais uma vez, uma forte presença, no campo semântico dos apelidos, da relação de sedução ou erótica entre homens e mulheres, articulada por marcadores materiais ou corporais da diferença, e a maneira pela qual eles são vistos pelas pessoas de ambos os sexos. Nestes procedimentos humorísticos, também há a expressão do ponto de vista dos homens indígenas da região frente ao casamento, com a ideia de que, nos dias atuais, algumas mulheres indígenas preferiam casar-se com homens não indígenas, enquanto os homens indígenas que não têm atividade remunerada se encontrariam ‘penalizados’ no ‘mercado matrimonial’ local.

REFERÊNCIA EXPLÍCITA OU IMPLÍCITA À SEXUALIDADE

Se o tema da sexualidade já apareceu na discussão sobre os apelidos ligados ao aspecto do órgão genital masculino ou feminino e de alguns apelidos relacionados ao mundo dos ‘brancos’, ele ocorre mais ainda entre os apelidos que fazem referência direta ou indireta à sexualidade, assunto que abordo agora. Entre os apelidos que repertoriei como referência explícita à sexualidade, cito akaro, atribuído a um homem tuyuka da comunidade de Santa Cruz, sepo, atribuído a um Tuyuka de São Pedro, e seperopu, apelido de um Tuyuka do Inambu. Nenhum deles aparece como sexual segundo quem não é falante de Tuyuka, e é preciso conhecer especificidades linguísticas e fonéticas deste idioma para entender a origem e o sentido desses nomes, que, para os nativos, pareceriam óbvios. A respeito do homem cujo apelido é akaro, de quase trinta anos e ainda solteiro durante minha primeira estada em Santa Cruz, um dos seus tios paternos classificatórios deste apelido que reside na comunidade me relatou que o nome lhe foi dado em razão de o jovem portador, quando estava fazendo sexo com uma mulher, ter gritado ‘akaro’. Igualmente ao caso do apelido Boraró, o potencial cômico deste reside no fato de ser pronunciado com voz alta, acentuando-se a segunda sílaba, ‘ka’, e prolongando o som da última vogal, ‘o’, para evocar um grito de gozo24 24 Sobre Boraró, este procedimento fonético visa a reproduzir o próprio grito do Curupira. . No que concerne a sepo, apelido de um homem já falecido, que havia completado sessenta anos durante minha última estada em São Pedro, me foi relatado que este nome lhe tinha sido atribuído porque o portador gostava de fazer sexo em uma posição na qual sua parceira ficava em cima dele. O apelido seperopu – cujo portador é mais novo (na faixa dos trinta anos durante minha última estada no Inambu), solteiro e conhecido por ser mulherengo – parece remeter ao mesmo campo semântico e à mesma ideia. Foi uma tarefa complexa a tentativa de entender a ligação entre o termo seperopu, do idioma tuyuka, e o relato feito por certos homens sobre a origem deste apelido – como no caso de outros nomes jocosos, somente pude deduzi-lo de forma hipotética. Sepero designa, em tuyuka e de uma maneira genérica, as ‘lagartas’, mas também pode corresponder ao adjetivo ‘plano/chato’ e qualificar mais particularmente uma coisa de formato “plano e flexível” (cf. Barnes, 2012Barnes, J. (Org.). (2012). Diccionario bilingüe: tuyuca-español, español-tuyuca. Fundación para el Desarrollo de los Pueblos Marginados., p. 462). A ideia de uma posição sexual na qual o homem se encontraria em formato ‘plano’, deitado de costas, e a sua parceira em cima dele, parece ser inusitada no repertório sexual tuyuka, fato confirmado pelos comentários dos homens da comunidade a respeito da originalidade que representa o gosto do portador deste apelido por essa posição. Os apelidos sepero e seperopu poderiam, então, significar ‘quem faz sexo na posição plana’.

O exemplo do homem cujo apelido é seperopu ilustra o fato de muitos homens jovens e ainda solteiros terem a reputação de mulherengos25 25 Como veremos adiante, o apelido ‘tucano’, dado pelas mulheres desana aos seus afins, tem essa mesma conotação. , sendo frequentemente associados ao gosto pelas brigas. Alguns deles são conhecidos por multiplicarem as conquistas femininas e por buscarem experiências ‘exóticas’, como o homem que teve uma relação com uma mulher cubeo quando jovem. É também o que ocorre com um homem tukano da comunidade de Melo Franco (portador também do apelido puãpoari) cujo outro apelido, maru, teria sido atribuído, segundo um afim potencial tuyuka, depois de uma mulher hupd’äh, que queria ter relações sexuais com ele, o ter chamado desta maneira.

Encontramos, neste último exemplo, um procedimento que me parece fundamental na formação dos apelidos: a ideia de que estes não apenas provêm muito frequentemente do universo da alteridade e das relações com diversas figuras de ‘outros’, mas também a compreensão de que os apelidos ganham sentido e potência quando são dados por ‘outros’. Como observou Andrello (2016)Andrello, G. (2016). Nomes, posições e (contra) hierarquia: coletivos em transformação no Alto Rio Negro. Ilha, 18(2), 57-97. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n2p57
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, o próprio nome Tukano, considerado como apelido pelo mesmo povo, cujo nome verdadeiro é Ye’pa-masa, ‘gente terra’, teria sido atribuído pelas mulheres desana, afins dos Tukano. Citando o autor:

Tukano seria um epíteto atribuído por outros, de uso corrente, sobretudo, entre seus cunhados próximos, os Desana, Tariano, Pira-Tapuia e outros. Mais especificamente, trata-se de um apelido a eles atribuído por seus cônjuges potenciais pertencentes a esses outros grupos. Segundo elas, esses homens que andam em bandos, sempre muito ávidos por comida e prontos a agarrá-las, se parecem com tucano, isto é, com a ave cujos hábitos ofereceriam uma perfeita comparação com os modos desses comilões mulherengos. Via de regra, os assim chamados Tukano afirmam que o apelido foi cunhado por mulheres desana, mas não é impossível que tenha sido rapidamente incorporado por mulheres de outros grupos, já que os Tukano vieram progressivamente ampliando seu leque de alianças – são hoje o maior grupo do Uaupés, cuja língua, como mencionamos, vai se tornando língua franca nessa área

(Andrello, 2016Andrello, G. (2016). Nomes, posições e (contra) hierarquia: coletivos em transformação no Alto Rio Negro. Ilha, 18(2), 57-97. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n2p57
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, p. 79).

Esta lógica exonímica presente na atribuição de nome de grupos ou de pessoas está contida também em diversos nomes jocosos, como veremos adiante. Afirmar, como propõe S. Hugh-Jones (2002)Hugh-Jones, S. (2002). Nomes secretos e riqueza visível: nominação no noroeste amazônico. Mana, 8(2), 45-68. https://doi.org/10.1590/S0104-93132002000200002
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, que os apelidos correspondem a um plano do universo da onomástica tukano oriental, definido exclusivamente como exonímico, me parece, contudo, abusivo. Com efeito, como vimos a respeito do meu próprio apelido, a atribuição dos nomes jocosos é complexa e, muitas vezes, não provém de uma só pessoa ou um só coletivo. Mais representativo ainda dessa complexidade é o caso dos apelidos que chamamos de ‘exclusivos’, que podem caracterizar uma relação de intimidade e de amizade entre homens muito próximos, agnatos de um mesmo clã e corresidente da mesma comunidade.

APELIDOS CRIADOS A PARTIR DE JOGOS DE PALAVRAS

Como já foi evocado a respeito do humor dos Tuyuka, o tema das línguas e da linguagem constitui um quadro predileto para as brincadeiras e o uso de apelidos no cotidiano e, mais ainda, quando é consumido o caxiri. Certa vez, quando questionava homens de diversas etnias reunidos para uma festa de caxiri, na comunidade de Caruru do Tiquié26 26 Comunidade tukano localizada no alto Tiquié a jusante da comunidade de São Pedro cuja população mantém com os Tuyuka do alto Tiquié – em particular de São Pedro – fortes vínculos através de alianças matrimoniais, trocas diversas e participação comum em festas e rituais. , um homem me fez observar que um dos procedimentos comuns para a atribuição dos nomes jocosos consistia em dar um apelido semelhante ao nome de ‘branco’ do portador. Observei este tipo de apelido, por exemplo, no caso de um homem tukano do rio Papuri cujo apelido de ‘dez metro’ foi atribuído por causa da semelhança fonética com seu nome Demétrio. Este mesmo procedimento se encontra no apelido dado a um antropólogo brasileiro que trabalha na região do Tiquié desde os anos 1990: arruzo – que representa a pronúncia em tuyuka da palavra arroz –, uma corruptela do nome do portador, Aloisio. Há uma ideia semelhante no que concerne a um jovem Tuyuka da comunidade de Santa Cruz do Inambu que tem como nome de ‘branco’ Jonaci, e recebeu o apelido de José Inácio depois que sua namorada, uma moça tukano, teria o chamado desta maneira27 27 Como na ocasião em que o homem que recebeu o apelido de bu (‘cotia’), observamos a importância das mulheres e principalmente das afins na atribuição de apelidos masculinos, procedimento já evidenciado anteriormente neste artigo como algo que ocupa um lugar importante na atribuição de apelidos. De uma forma geral, há a ideia de que apelidos dados por mulheres são os mais sujeitos a se tornarem duráveis ou definitivos para um homem: esses apelidos ‘não falham’, ‘pegam mesmo’, frases que foram frequentemente afirmadas pelos meus interlocutores, o que já foi assinalado para os homens de Iauaretê por Andrello (2016). .

Resumindo, este procedimento também ocorre no caso de um homem tuyuka da comunidade de São Pedro cujo apelido é ‘litro’, bastante comum na região, o qual é construído na base de um jogo de palavras ligado ao nome do portador, José, que em espanhol é frequentemente chamado de Joselito, do qual deriva ‘José-litro’, que se refere ao gosto que tem pela bebida. Um fato interessante a respeito disso – que também ocorre regularmente com outros apelidos – é que, para responder aos homens que o chamam de ‘litro’, o portador do apelido replica sistematicamente qualificando-os da mesma forma, evocando, assim, um jogo de provocações em forma de um concurso para decidir quem é o maior bebedor de caxiri (ou outras bebidas que hoje em dia são importadas da cidade).

Outros apelidos são formados na base de jogos com sonoridades, onomatopeias ou polissemia de alguns sons ou palavras, às vezes no contexto de contato entre as línguas. No registro sonoro, por exemplo, o apelido de um jovem Tuyuka de Santa Cruz do Inambu, saku, designaria, segundo as explicações de um homem da comunidade, o barulho que o anzol faz quando é retirado da água. Outra explicação me foi dada a respeito deste apelido como uma referência ao barulho que a vespa faz quando pica. Este nome jocoso é um exemplo de onomatopeia – muito usada pelos Tuyuka quando narram diversas situações – e que, nos dois casos evocados, parece comportar um aspecto sexual.

Com efeito, tanto a imagem do anzol quanto a da picada de vespa expressas na onomatopeia saku parecem evocar um ato de penetração, o que explicaria as risadas provocadas nos meus interlocutores quando este apelido é enunciado, já que tal nome não parece comportar de outra forma algum potencial cômico. A conotação sexual expressa no universo da pesca e dos peixes, já observada no caso do jovem tuyuka apelidado de weriga (‘anzol’), é comum nas imagens míticas da região (ver Journet, 1995Journet, N. (1995). La paix des jardins: structures sociales des Indiens curripaco du haut Rio Negro (Colombie) (Mémoires de l’Institut d’Ethnologie, n. 31). Institut d’Ethnologie-Musée de l’Homme., sobre os Curripaco) e é mais presente ainda na ideia da picada de vespa, concebida como expressão máxima da inseminação nos mitos que se referem aos instrumentos sagrados de jurupari (ver Karadimas, 2008Karadimas, D. (2008). La métamorphose de Yurupari: flûtes, trompes et reproduction rituelle dans le Nord-Ouest amazonien. Journal de la Société des Américanistes, 94(1), 127-169. https://doi.org/10.4000/jsa.9253
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). Esta mesma conotação sexual ligada a insetos picadores se encontra também no apelido ñuñu (‘mutuca’), já evocado, ou ainda possivelmente no caso de um homem tuyuka da comunidade de Pupunha (alto Tiquié colombiano) que recebeu o apelido de mumiã (‘abelha’). No caso de um jovem Tuyuka, filho do meu anfitrião, residente na comunidade de São Pedro, o apelido é baseado em um jogo de polissemia na língua tuyuka. De fato, como me explicou um homem da comunidade, o dito apelido, omãwu, designa uma espécie de rã (Hyla lanciformis), mas remete também ao verbo õmã, que designa a ação de carregar (ou ser carregado) nas costas de alguém28 28 Este motivo remete também à análise mítica de Lévi-Strauss (1968) sobre um conjunto de mitos oriundos de populações das terras baixas amazônicas, no qual encontramos o personagem de uma rã grudada nas costas de outro personagem (mais especificamente, uma mulher grudada nas costas do seu marido, porém o autor trata também de casos de personagens masculinos nos mitos da América do Norte). Aqui, o motivo seria aplicado para caracterizar um filho grudado à sua mãe, além, talvez, da ideia de feiura associada ao animal e que reforçaria o caráter de zombaria deste apelido infantil (agradeço a P. Lolli pela sugestão). . Este apelido, pertencente à classe dos apelidos infantis, também pode sugerir uma semelhança física entre o jovem adolescente e uma rã; ou entre a maneira como ele chorava quando criança e os sons emitidos; mas remete também a um caráter imaturo evocado pela imagem de um bebê humano ou a um animal carregado nas costas por sua mãe (cf. Barnes, 2012Barnes, J. (Org.). (2012). Diccionario bilingüe: tuyuca-español, español-tuyuca. Fundación para el Desarrollo de los Pueblos Marginados., p. 216).

Outro jogo de palavras, desta vez em um encontro entre línguas ameríndias, se dá no apelido de um homem velho da etnia yebamasã que reside na comunidade de São Pedro, chamado de biiguda. Este nome jocoso significa, em tuyuka, “ser/estar de tal maneira” (cf. Barnes, 2012Barnes, J. (Org.). (2012). Diccionario bilingüe: tuyuca-español, español-tuyuca. Fundación para el Desarrollo de los Pueblos Marginados., p. 69), mas significaria também, no idioma yebamasã, segundo afirmações dos meus interlocutores, ‘cocô de rato’. Vale notar que, no caso deste homem reconhecido como especialista ritual pelos seus saberes xamânicos acerca dos benzimentos (basese), quando não chamado pelas designações de parentesco ou pelo diminutivo afetivo do seu ‘nome de branco’, ‘Joãozinho’, ele é principalmente conhecido e chamado pelo seu apelido, o que não parece constituir uma marca de desrespeito com relação a este velho ‘conhecedor’, pelo menos quando usado por homens adultos, em contexto cotidiano e ritual. Abordaremos agora a questão dos limites do uso dos apelidos.

LIMITES DO USO DE APELIDOS E RELAÇÕES DE PARENTESCO

Os apelidos pessoais parecem situar-se no cruzamento das relações classicamente definidas na literatura etnológica como ‘afinidade’ e ‘consanguinidade’. Os apelidos pessoais são frequentemente atribuídos pela relação de afinidade, mas também, em alguns casos, por consanguíneos.

Além disso, eles são usados tanto no contexto das interações cotidianas entre parentes próximos, consanguíneos – corresidentes, do mesmo sib –, quanto no contexto das interações com afins próximos – ou seja, entre comunidades geograficamente próximas, com as quais são mantidas alianças matrimoniais frequentes e/ou de longa data, paralelamente às quais são feitas visitas e com as quais ocorrem trocas materiais (alimentos, artesanato, mercadorias) ou de conhecimentos da ordem do saber-fazer ou do ritual. Essas duas categorias de parentes próximos, consanguíneos e afins, representam o ambiente sociológico privilegiado para o uso de apelidos.

No entanto, o uso de apelidos também pode, às vezes, ser considerado no contexto de relações com ‘outros’ que estão mais distantes no que concerne ao parentesco (parentes consanguíneos ou afins geográfica ou genealogicamente distantes) ou até mesmo ‘outros’ que pertencem ao que pode ser descrito, do ponto de vista indígena, como ‘categorias distintas de humanidade’, como os nativos de ‘tribos’ inimigas (Baniwa, Curripaco) ou tribos desconhecidas, os Hupd’äh, e os ‘brancos’. Isso levanta uma questão central, a do uso de apelidos em relação à definição de posições relacionais: com quem os nomes jocosos podem e devem ser usados? Com quem, por outro lado, esses nomes não podem e nem devem ser usados?

Abordarei um limite no uso de nomes jocosos que não é expresso por uma proibição formal, mas que é indicativo de relações entre parentes próximos ligados por agnação. Esse limite diz respeito às interações entre agnatos, seja dentro de um grupo doméstico, entre parentes consanguíneos corresidentes (em um mesmo grupo local) ou entre membros de um mesmo sib ou do mesmo grupo linguístico, corresidentes ou não. Nesses casos diversos, o uso do apelido pode constituir uma ultrapassagem de limites, sendo considerado desrespeitoso, especialmente no contexto de relações entre gerações distintas e nas relações entre pessoas do sexo oposto. Como mostra o discurso de Genivaldo, a seguir reproduzido, os apelidos estariam sendo usados indevidamente pelos jovens nos dias de hoje.

Genivaldo29 29 O nome do entrevistado, bem como os nomes dos homens citados neste trecho foram modificados. , um homem tuyuka residente da comunidade de São Pedro e pertencente ao sib Opaya, ‘irmãos maiores’ dos Tuyuka do Tiquié, fala sobre o que seu pai costumava dizer sobre os jovens não precisarem sentir vergonha, mas ao mesmo tempo terem de respeitar as pessoas de sua geração tanto quanto os anciões:

G.: “Meu pai falava que não era para ter medo ou vergonha. Medo ou vergonha. Agora respeitar, tinha que respeitar. Aí, esse... Sinônimo de respeito, também eles exigiam com as filhas dos outros, com os filhos dos outros. Aí, se eu começar a respeitar, eu não vou poder namorar, também. Acho que eu senti assim. Tem essa educação para repassar, pois todos os da geração do meu pai estão repassando este diálogo com os filhos, né? Estão tendo esse diálogo com os filhos”.

E.R: “Eles colocam essa importância de respeitar...”.

G.: “De respeitar os outros. As filhas dos outros. Os filhos dos outros. Os mais velhos”.

E.R: “Mas eu ouvi falar também que os jovens não têm mais respeito pelas moças”.

G.: “É. Do lado mais assim, da consideração. Eles levam mais assim, pelo apelido mesmo. Tendo mesmo... Assim, respeitar eles respeitam, mas agora eles levam mais do lado, ao invés de chamar de titia, eles já chamam pelo nome mesmo, ou, muitas vezes, apelido. Então, acaba perdendo esse... Essa última geração é uma geração que brinca muito, não tem aquela... Primeiro que não carregam lata de ipadu. Não tem essa postura de homem conhecedor, que busca informar os conhecimentos... Esses conhecedores, que dizem que são conhecedores, hahaha o filho chega brincando, chamando o apelido para um, apelido para o outro... Quem que vai ter esse respeito com esse moleque? Então, os jovens, qualquer um jovem ou até o pequeninho, já chama “hé Abel Oga!” A mulher... “hé Oga!”. Perdeu o sentido. Abel era para ter uma postura. Enrico era para ter uma postura, de estar repassando informações. Que formem os mais jovens para ter respeito, para considerar, ter relacionamentos mais amplos com a comunidade... Brincando assim. Pode perceber que os jovens, esses jovens, todos vão chamar de... O Bernardo, quem tiver aqui de mais velho, vão estar chamando de nome de apelido”

(Genivaldo, comunicação pessoal, abr. 2017).

Nota-se, neste discurso, que Genivaldo condena o uso de apelidos de homens ou mulheres adultos por pessoas mais jovens, seja no caso de um filho ou uma filha para com seu pai ou sua mãe, seja no caso de membros mais jovens da comunidade para com os mais velhos, especialmente no caso dos ‘conhecedores de rituais’. Esses usos são geralmente deplorados tanto por homens adultos quanto por homens mais velhos, em discussões cotidianas e em conversas com o antropólogo. Como mostra a fala de Genivaldo, do ponto de vista dos homens tuyuka, esse uso excessivo de nomes jocosos pelos mais jovens parece andar de mãos dadas com a falta de conhecimento, por parte deles, do uso dos termos de consideração.

Com relação ao uso de apelidos entre parentes consanguíneos de grupos locais e de descendência (sibs) distintos, mas do mesmo grupo linguístico, a questão que surge é a possibilidade e a legitimidade de usar um apelido, no vocativo, com um parente pertencente a um sib distinto, ainda mais no caso de um sib ‘maior’. Não há regras formalmente estabelecidas nessa área, mas é a proximidade entre as partes e a personalidade de cada uma que determinará se será usado o termo de consideração (termo de parentesco apropriado) – marcando respeito – ou o nome jocoso – marcando proximidade e intimidade.

Portanto, os limites do possível uso de nomes jocosos entre pessoas de sibs diferentes nem sempre são claramente definidos e podem estar abertos à negociação. Mais do que o critério de ordem ‘hierárquica’, são, sobretudo, a proximidade e a familiaridade entre duas pessoas de clãs diferentes, bem como a intenção de cada um de se aproximar do outro que definem a possibilidade de usar o apelido de forma recíproca, como mostra a comunidade de São Pedro, onde o uso de nomes jocosos ocorre entre Tuyukas de clãs diferentes que são corresidentes, salvo a existência de um laço de compadrio30 30 As relações de compadrio são vínculos criados no momento do casamento e do nascimento dos filhos de um casal, entre um homem e uma mulher e seus padrinhos de casamento, entre seus filhos e seus padrinhos de batismo e entre os pais dos filhos e os padrinhos dos filhos. Tal vínculo, uma vez estabelecido, seja horizontalmente (entre compadres, entre compadre e comadre ou entre comadres) ou verticalmente (entre padrinho/a e afilhado/a), provoca uma alteração nos termos vocativos e de referência usados entre as pessoas unidas por esse novo relacionamento: em vez dos termos tradicionais de parentesco, são usados os que marcam o relacionamento de compadrio, sendo que o uso de apelidos se torna proibido. , que proíbe explicitamente o uso de apelidos.

O mesmo princípio de não usar apelidos entre pessoas de sibs diferentes se aplica aos apelidos coletivos. No decorrer de minha pesquisa, ficou claro que o uso desses apelidos coletivos – em referência e, mais ainda, no vocativo – para designar um grupo de descendência (sib) diferente, especialmente quando se trata de um grupo ‘maior’, é evitado e constituiria uma ofensa. A tensão sempre presente em segundo plano, ligada às consequências potencialmente conflitantes do uso de nomes jocosos para um parente consanguíneo distante ou para um clã distinto do seu em uma dimensão coletiva, revela o potencial dramaticamente ambivalente do humor entre os Tuyuka. De fato, embora o uso de nomes jocosos, como outras formas de humor, possa ser a expressão de um processo de aproximação e familiarização entre indivíduos e grupos, esses fenômenos também podem ser o gatilho para conflitos sérios31 31 Da mesma forma, em sua análise do humor entre os Trumai do alto Xingu, De Vienne (2012) identifica a natureza ambivalente e incerta das piadas, que pode levar tanto à aproximação quanto ao distanciamento entre as pessoas. De acordo com De Vienne (2012, p. 177), “a piada, precisamente por causa da incerteza que gera, é o meio pelo qual estabelecemos a ‘distância certa’ – é uma ferramenta pragmática para aproximar ou distanciar as pessoas, conforme o caso”. Deve-se observar que o potencial de conflito ligado às piadas, identificado por De Vienne (2012), diz respeito principalmente às relações interétnicas e, mais especificamente, à relação entre Trumai e Kamayura. . No passado, conforme relataram meus interlocutores tuyuka de Santa Cruz do Inambu, encontros festivos entre grupos, pontuados por uma alta dose de humor, levaram a guerras fratricidas entre as populações Vaupés, resultando na aniquilação quase total de certos grupos.

À primeira vista, portanto, a escolha entre usar termos clássicos de ‘consideração’ ou nomes jocosos entre parentes do mesmo grupo linguístico parece estar ligada à expressão, no caso dos primeiros, de uma marca de respeito e distância e, no caso dos últimos, de uma marca de intimidade e familiaridade entre duas pessoas. Os termos de parentesco, ou ‘considerações stricto sensu’ – como os chamei na minha tese (Richard, 2021aRichard, E. (2021a). Le système des “considérations” chez les Tuyuka du haut Rio Negro (Brésil-Colombie): parenté, fêtes, genre et onomastique en Amazonie [Tese de doutorado, Université Paris Nanterre]. https://theses.hal.science/tel-03508304v2) –, se refeririam ao polo do formal e ‘sério’, e os apelidos, ao polo do familiar e informal. Entretanto, como já mencionei, de acordo com alguns de meus informantes, o uso de nomes jocosos entre duas pessoas também constituiria a expressão de uma forma de ‘consideração’, igualmente ao que ocorre em relação ao uso de termos apropriados de parentesco.

Uma análise da função sociológica dos nomes jocosos mostra que, como vimos nos exemplos, nas falas êmicas e nas análises antropológicas do uso de apelidos entre parentes consanguíneos ou próximos, o uso livre desses nomes e do humor em geral, quando empregado sem tensão, é a própria expressão de familiaridade, cordialidade e até mesmo de afeto entre as pessoas. É nesse ponto que eles se aproximam dos termos clássicos de parentesco (‘considerações stricto sensu’), na medida em que permitem que dois interlocutores se situem reciprocamente na esfera social das relações interpessoais e são a marca da existência de um determinado modo de relacionamento entre duas pessoas.

O que o uso de apelidos tem em comum nas duas esferas em questão, a das relações entre consanguíneos e a das relações entre afins, parece-me ser um objetivo de pacificação, de redução do potencial de conflito ligado, em particular, ao componente hierárquico da relação, no primeiro caso, e ao componente de inimizade e competição, no segundo caso.

No entanto, a brincadeira com apelidos e o humor em geral, seja entre consanguíneos ou afins, são aspectos versáteis da sociabilidade oriental Tukano, sendo sempre tênue a fronteira entre ‘brincar’ e ‘brigar’. Assim como expresso no contexto por excelência em que é encenado – ou seja, o ambiente festivo, bem como o humor e o riso provocados pelo uso de apelidos e por piadas entre consanguíneos e afins –, tem-se como objetivo reduzir o potencial de conflito ligado a componentes relacionais, como hierarquia, inveja ou ciúme, que são fontes potenciais de ruptura entre coletivos e dentro deles – e, assim, manter a coesão dentro de coletivos e entre eles –, sempre havendo o risco de ser provocado o resultado oposto, o que pode gerar um conflito aberto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A reflexão sobre os apelidos dos Tuyuka e seus vizinhos, e a respeito da lógica humorística e relacional que eles delineiam, nos fez vislumbrar dois aspectos importantes da socialidade desses povos. De que riem, afinal, os Tuyuka? Uma das chaves para entender o sentido e o humor em torno dos apelidos é que eles remetem, ao mesmo tempo, às esferas do íntimo e do ‘público’.

Em primeiro lugar, destaco, na atribuição, integração e aceitação do apelido e das brincadeiras associadas, um processo de construção da pessoa tuyuka, mais particularmente para homens, através de uma aprendizagem da vida social, do olhar e da relação com o ‘outro’, aspectos constitutivos da sua identidade. Como vimos, a origem e o potencial cômico dos nomes jocosos residem, muitas vezes, no tema do encontro e da relação com o ‘outro’, assim como ocorre com a construção do ego. Com efeito, muitos apelidos têm ligação com a aparência física do portador, com eventos biográficos pessoais ou, ainda, com eventos marcados pelo encontro com diversas manifestações da alteridade: o encontro entre gêneros, entre falantes de línguas distintas (afins potenciais), entre os Tuyuka e os Hupd’äh, entre indígenas e ‘brancos’, entre ‘humanos’ e ‘não humanos’. Os apelidos e a forma de humor que eles acarretam nos informam sobre a lógica relacional que rege esses encontros, sobre como a pessoa (o portador) e os coletivos concebem e praticam as relações com essas diversas figuras de alteridade, particularmente através de aspectos como sedução, sexualidade, linguagem, afetos e corporalidade. Vimos, aliás, como foi sugerido na análise dos apelidos masculinos e femininos, que os nomes jocosos portados sucessivamente por um homem ou uma mulher, ao longo da sua trajetória de vida, podem evocar a passagem sucedida – ou, ao contrário, incompleta – do mundo da ‘infância’ até o mundo ‘adulto’, que passa pelo encontro e pela familiarização com o ‘ego’ do ‘outro’, o que se manifesta particularmente na relação conjugal e nas relações de afinidade.

Em segundo lugar, os apelidos se integram ao sistema mais amplo dos nomes, constituídos pelos nomes de ‘benzimento’, nomes de ‘brancos’, mas também pelas ‘considerações’, isto é, pelos termos que marcam as relações de parentesco – enquanto elementos que atuam na definição e na redefinição das posições das pessoas e dos grupos entre si, expressando sua relacionalidade. Antes de tudo, o nome jocoso parece ter correspondido – e ainda corresponde – a um nome que expressa a singularidade de uma pessoa e que pode ser usado para chamar publicamente alguém, enquanto o nome de ‘benzimento’ tende a permanecer na ordem do segredo e do não dito. Porém, o apelido não se limita a esse aspecto, pois se insere em processos de fazer e desfazer os laços de parentesco. Os apelidos poderiam situar-se, portanto, no universo onomástico dos Tuyuka e dos povos com quais eles mantêm relações, como uma ‘outra forma de consideração’, este último conceito sendo entendido à luz das concepções nativas já delineadas (cf. nota 5 neste artigo), isto é, funcionando como um sistema complementar ao uso dos termos de parentesco e que cria nuances na ordem das relações de parentesco. Ele pode expressar, assim, um abrandamento32 32 Sobre a implicação desse conceito na organização social tuyuka, ver F. Cabalzar (2010). das relações ‘hierárquicas’ dentro de uma comunidade de corresidentes, a amizade entre homens (agnatos ou afins), que não poderia ser expressa através dos termos clássicos de parentesco, ou, ainda, a aproximação e a familiarização com pessoas ou grupos distantes, situados fora do horizonte do parentesco, como no caso evocado aqui da relação com o antropólogo. Os nomes jocosos tuyuka parecem, portanto, ter o potencial de se fazer amigos ou inimigos. Um ‘bom uso’ dos apelidos entre consanguíneos ou afins próximos marcaria a amizade, enquanto um ‘mau uso’ dos apelidos entre parentes pode acarretar graves disputas, ruptura de relações (particularmente entre gerações) ou até guerras, como aparece nas ‘histórias dos antigos’.

  • 1
    Pela expressão ‘considerações’, os Tuyuka se referem, na língua portuguesa, ao conceito nativo de akasuore (também traduzido pelo termo ‘respeito’). Como mostrei em trabalhos anteriores (Richard, 2021aRichard, E. (2021a). Le système des “considérations” chez les Tuyuka du haut Rio Negro (Brésil-Colombie): parenté, fêtes, genre et onomastique en Amazonie [Tese de doutorado, Université Paris Nanterre]. https://theses.hal.science/tel-03508304v2, 2021bRichard, E. (2021b). Hiérarchies et considérations chez les Tuyuka du haut Rio Negro: la question des groupes de descendance (sibs), de leurs classements et de leurs relations. Revista Hawò, 2, 1-38.), esse conceito é central na definição das relações de parentesco entre pessoas e entre coletivos, que se expressa sobretudo, mas não somente, pelo conhecimento e pelo uso correto dos termos de referências usados para fazer referência oralmente a uma pessoa ou a um conjunto de pessoas. Esses termos marcam, sobretudo, se a pessoa com quem o locutor interage é um afim ou um consanguíneo, assim como sua posição dita ‘hierárquica’ no âmbito da família, do grupo de descendência ou linguístico.
  • 2
    Tradução livre.
  • 3
    Yebamasã ou Yibá Masa corresponde a um nome de clã do povo Makuna, além de corresponder, segundo Århem (1981)Århem, K. (1981). Makuna social organization: a study in descent, alliance, and the formation of corporate groups in the north-western Amazon. Almqvist and Wiksell., junto com os Ide Masã, a um dos dois grandes conjuntos que formam o grupo linguístico Makuna. Os dois conjuntos seriam definidos, segundo Århem (1981)Århem, K. (1981). Makuna social organization: a study in descent, alliance, and the formation of corporate groups in the north-western Amazon. Almqvist and Wiksell., como fratrias exogâmicas. Segundo Cayón (2013)Cayón, L. (2013). Pienso, luego creo: la teoría makuna del mundo. Instituto Colombiano de Antropología e História., porém, os Ide Masã e os Yibá Masa constituem dois grupos étnicos distintos, estes últimos “falam Makuna, mas são ‘irmãos’ dos Barasana (que falam barasana), e sua etnohistória é testemunha de que eles antes também falavam barasana” (Chacon & Cayón, 2013Chacon, T., & Cayón, L. (2013). Considerações sobre a exogamia linguística no Noroeste Amazônico. Revista de Letras da Universidade Católica de Brasília, 6(1-2), 1-15. https://portalrevistas.ucb.br/index.php/RL/article/view/5051, p. 13).
  • 4
    Festa na qual é consumido o caxiri, palavra da língua geral (nheengatu), ou peyuru, no idioma tuyuka, que designa a bebida fermentada, preparada com base de mandioca, servida em ocasiões de simples trabalhos ou em festas comunitárias, sem motivo ritual ou até em grandes cerimônias de dabucuri, com ou sem uso dos instrumentos sagrados (flautas), chamados de yurupari na língua geral, que acontecem no máximo uma vez por ano, bem descritas nos trabalhos de autores clássicos que trabalharam na região (S. Hugh-Jones, 1979Hugh-Jones, S. (1979). The Palm and the Pleiades: initiation and cosmology in Northwest Amazonia. Cambridge University Press.).
  • 5
    Não tenho certeza quanto à ortografia desta palavra, que é uma transcrição fonética aproximativa do que meu interlocutor quis me comunicar, em uma situação cacofônica (para um ouvido não indígena) e de suave ebriedade (soporífica, no meu caso), característica das festas com a bebida caxiri. O ponto principal levantado por este acontecimento é a curiosidade e o gosto que os Tuyuka manifestam na aprendizagem e no uso de palavras de diversas línguas, das mais próximas geográfica e estruturalmente até as mais distantes, o que se revelou também através do interesse dos jovens frente à minha proposta de ensinar os idiomas francês e inglês nas escolas indígenas de São Pedro e Santa Cruz do Inambu.
  • 6
    Processo ligado ao Plano Nacional de Gestão Ambiental e Territorial Indígena (PNGATI), acionado por instituições como a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) e o Instituto Socioambiental (ISA), com o objetivo de garantir a aplicação dos direitos dos povos indígenas no Brasil. Um dos aspectos dessa política de consulta e participação das comunidades indígenas consiste na realização de oficinas nesses lugares, que podem durar vários dias, das quais participei como assessor externo, e que se encerram com eventos festivos, organizados pelos moradores da comunidade.
  • 7
    A ideia de um pênis pequeno estar associado aos grupos de ‘chefes’ e de um pênis grande, aos grupos de ‘servos’ também foi expressa para os Desana, na análise simbólica proposta por Reichel-Dolmatoff (1973)Reichel-Dolmatoff, G. (1973). Desana: le symbolisme universel des Indiens Tukano du Vaupés. Gallimard., a partir das declarações do seu informante.
  • 8
    A existência, na época contemporânea à minha pesquisa, dessa categoria de apelidos associados aos nomes ditos de ‘benzimento’ me foi confirmada para os Cubeo, do alto Uaupés, em território brasileiro (Diego Rosa, comunicação pessoal, dez. 2019). Estes apelidos, apesar de serem designados como tais, não seriam mais usados nos dias de hoje como vocativos, o que sugere que não podem mais ser considerados como nomes jocosos propriamente ditos.
  • 9
    Identifiquei, até aqui, 90 apelidos masculinos, dos quais 32 pertencem a essa categoria.
  • 10
    Não tratarei aqui da questão dos apelidos femininos, por falta de espaço. Na grande maioria (seis, de um total de oito), os apelidos femininos que recolhi são nomes de animais (weku, ‘anta’; yese, ‘porco-do-mato’), especificamente de animais noturnos (, ‘inhambu’, gênero Crypturellus), animais venenosos (aña, ‘jararaca’; mekã, ‘formiga grande comestível’) ou Boraró, ‘criatura do mato’.
  • 11
    Os seres chamados de wãti são tradicionalmente designados na literatura etnológica e na tradução nativa como ‘espíritos da floresta’. Reichel-Dolmatoff (1973, p. 111)Reichel-Dolmatoff, G. (1973). Desana: le symbolisme universel des Indiens Tukano du Vaupés. Gallimard. se refere a esses seres como “espíritos perigosos”, “demônios” ou “monstros” que “podem perseguir os homens e matá-los”, e que se diferenciam dos wai-masã – que mandam doenças para os seres humanos – pelo fato de eles matarem o seu alvo imediatamente.
  • 12
    Boraró é um ser da floresta que os Tuyuka ligam à figura pan-amazônica do Curupira. Boraró é muitas vezes qualificado como ‘chefe’ ou ‘dono’ dos animais, e tem ligações fortes com figuras animais como o jaguar, o tamanduá (comparado a essas criaturas) e os porcos-do-mato, sendo protetor desses últimos. Igualmente aos wãti, ele age enganando homens e mulheres que acabam enxergando este animal como humano. Para uma descrição do Boraró e das suas atribuições, ver Reichel-Dolmatoff (1973, pp. 111-116)Reichel-Dolmatoff, G. (1973). Desana: le symbolisme universel des Indiens Tukano du Vaupés. Gallimard..
  • 13
    O meu apelido ilustra bem a ideia, que será desenvolvida mais adiante, de que a atribuição dos apelidos se baseia no encontro e na relação de diversas figuras da alteridade: um homem branco visto por crianças indígenas e descrito para suas mães, evento que leva o líder da comunidade a atribuir o apelido. Mas é também a ilustração da complexidade dos atores e das relações envolvidas neste jogo.
  • 14
    Essa interpretação condiz com a noção de corpo como feixe de afeições, elemento central do perspectivismo multinaturalista desenvolvido por autores como Viveiros de Castro, Stolze Lima ou Fausto.
  • 15
    Esse termo também poderia remeter a um tipo de beiju cujo nome é putiro, feito ‘de massa de tapioca misturada com pouco amido’ (cf. Barnes, 2012Barnes, J. (Org.). (2012). Diccionario bilingüe: tuyuca-español, español-tuyuca. Fundación para el Desarrollo de los Pueblos Marginados.) e que poderia, portanto, se parecer com a pele do portador, quando criança.
  • 16
    Os tubos têm um lugar central nas narrativas míticas e nas concepções acerca da fertilidade. Ver, a respeito, S. Hugh-Jones (2017)Hugh-Jones. S. (2017). Body tubes and synaesthesia. Mundo Amazónico, 8(1), 27-78. http://dx.doi.org/10.15446/ma.v8n1.64299
    https://doi.org/10.15446/ma.v8n1.64299...
    .
  • 17
    A explicação a respeito do significado deste apelido, bem como da sua origem, me foi fornecida por um homem da comunidade.
  • 18
    O campo semântico da palavra sawĩro pode ser encontrado à luz da sua etimologia, assim como das narrativas míticas e do ritual. Com efeito, um dos significados da palavra sawĩro no idioma tuyuka é referente às “antenas” de certos insetos, como formigas ou borboletas (cf. Barnes, 2012Barnes, J. (Org.). (2012). Diccionario bilingüe: tuyuca-español, español-tuyuca. Fundación para el Desarrollo de los Pueblos Marginados., p. 265). Como observa A. Cabalzar (2009, p. 37)Cabalzar, A. (2009). Filhos da cobra de pedra: organização social e trajetórias tuyuka no rio Tiquié (noroeste amazônico). UNESP., sawĩro também é o nome de “um yurupari pequeno feito da casca do cipó dikada”, utilizado nos dabucuris de hinã. No relato da retomada dos instrumentos pelos homens feito por um dos meus interlocutores tuyuka, depois de eles terem caído nas mãos das mulheres, esses objetos as assustam, graças às flautas que se parecem com os ditos jurupari, sendo que, durante o ocorrido, algumas mulheres tentam esconder os instrumentos, introduzindo-os em suas vaginas. A embocadura dos instrumentos ainda pareceria visível na genitália feminina, desvelando, assim, a origem do clitóris. Teríamos aqui, talvez, a explicação da associação entre as antenas (orelhas de insetos) e a genitália feminina, contida na variante do apelido sawĩro, que seria, portanto, uma referência ao clitóris.
  • 19
    Encontramos, na literatura sobre povos do alto rio Negro, numerosos exemplos de apelidos e nomes de grupos formados a partir da visão dos homens sobre a genitália feminina, particularmente sobre sua pilosidade. No volume 4 da coleção “Narradores indígenas do rio Negro” (ver Barbosa & Garcia, 2000Barbosa, M. (Kedali) & Garcia, M. (Kali). (2000). Upíperi Kalísi: histórias de antigamente (Narradores indígenas do rio Negro, Vol. 4). UNIRVA.), com base em um grupo do povo Tariano, tratam-se de apelidos oriundos da visão que tiveram uns rapazes sobre a vagina de uma mulher. O famoso apelido tukano Wauro também tem este sentido: o termo é traduzido por ‘zoque-zogue’ (macaco do gênero Callicebus), cujo pelo é parecido com os pelos pubianos femininos. O apelido veio do hábito do portador de espiar as mulheres tomando banho. Na tese de doutorado de Rodrigues (2019, p. 29)Rodrigues, R. (2019). Descendo o rio: memórias, trajetórias e nomes no baixo Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/12050?show=full&locale-attribute=pt_BR, sobre os Tukano do baixo Uaupés, encontramos um exemplo interessante desse princípio de nomeação: o nome do clã tukano Inapé porã, ‘filhos da formiguinha preta’, está relacionado ao fato de a esposa do portador ter uma vagina apertada, como o buraco do formigueiro (agradeço a G. Andrello pelas ricas indicações bibliográficas contidas nesta nota).
  • 20
    Podemos citar aqui um outro exemplo de apelido nessa linha de ideia, o apelido tukano ‘papéra’ (papel), dado porque o portador tomava a postura de alguém que escreve em uma folha de papel (Geraldo Andrello, comunicação pessoal, jul. 2020).
  • 21
    “Pequeno motor de propulsão que, acoplado na traseira de pequenas embarcações ou barcos, é conduzido manualmente, com a ajuda de um bastão que determina as direções. [Por extensão] pequena embarcação com esse motor; canoa motorizada” (Dicionário Online de Português, n.d.Dicionário Online de Português. (n.d.). Rabetas. https://www.dicio.com.br/rabetas/).
  • 22
    Mais uma vez, de forma não fortuita, este homem tem como particularidade ser casado com uma mulher do mesmo grupo linguístico, caso até então único entre os Tuyuka do Tiquié. Esse fato dá uma outra dimensão ao apelido do portador: sua capacidade de seduzir mulheres proibidas, do seu próprio grupo linguístico, fenômeno presente tanto na origem de brincadeiras, como em graves tensões sociais e até políticas.
  • 23
    Podemos citar também um exemplo análogo presente em Rodrigues (2019)Rodrigues, R. (2019). Descendo o rio: memórias, trajetórias e nomes no baixo Uaupés (AM) [Tese de doutorado, Universidade Federal de São Carlos]. https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/12050?show=full&locale-attribute=pt_BR, com um clã tukano chamando de Duca porã (‘filho de Duca’), cujo nome vem de Luca, ou Lucas, comerciante branco com quem a esposa do portador, ancestral desse grupo, gostaria de ter tido um caso amoroso.
  • 24
    Sobre Boraró, este procedimento fonético visa a reproduzir o próprio grito do Curupira.
  • 25
    Como veremos adiante, o apelido ‘tucano’, dado pelas mulheres desana aos seus afins, tem essa mesma conotação.
  • 26
    Comunidade tukano localizada no alto Tiquié a jusante da comunidade de São Pedro cuja população mantém com os Tuyuka do alto Tiquié – em particular de São Pedro – fortes vínculos através de alianças matrimoniais, trocas diversas e participação comum em festas e rituais.
  • 27
    Como na ocasião em que o homem que recebeu o apelido de bu (‘cotia’), observamos a importância das mulheres e principalmente das afins na atribuição de apelidos masculinos, procedimento já evidenciado anteriormente neste artigo como algo que ocupa um lugar importante na atribuição de apelidos. De uma forma geral, há a ideia de que apelidos dados por mulheres são os mais sujeitos a se tornarem duráveis ou definitivos para um homem: esses apelidos ‘não falham’, ‘pegam mesmo’, frases que foram frequentemente afirmadas pelos meus interlocutores, o que já foi assinalado para os homens de Iauaretê por Andrello (2016)Andrello, G. (2016). Nomes, posições e (contra) hierarquia: coletivos em transformação no Alto Rio Negro. Ilha, 18(2), 57-97. https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n2p57
    https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v1...
    .
  • 28
    Este motivo remete também à análise mítica de Lévi-Strauss (1968)Lévi-Strauss, C. (1968). Mythologiques III: l’origine des manières de table. Plon. sobre um conjunto de mitos oriundos de populações das terras baixas amazônicas, no qual encontramos o personagem de uma rã grudada nas costas de outro personagem (mais especificamente, uma mulher grudada nas costas do seu marido, porém o autor trata também de casos de personagens masculinos nos mitos da América do Norte). Aqui, o motivo seria aplicado para caracterizar um filho grudado à sua mãe, além, talvez, da ideia de feiura associada ao animal e que reforçaria o caráter de zombaria deste apelido infantil (agradeço a P. Lolli pela sugestão).
  • 29
    O nome do entrevistado, bem como os nomes dos homens citados neste trecho foram modificados.
  • 30
    As relações de compadrio são vínculos criados no momento do casamento e do nascimento dos filhos de um casal, entre um homem e uma mulher e seus padrinhos de casamento, entre seus filhos e seus padrinhos de batismo e entre os pais dos filhos e os padrinhos dos filhos. Tal vínculo, uma vez estabelecido, seja horizontalmente (entre compadres, entre compadre e comadre ou entre comadres) ou verticalmente (entre padrinho/a e afilhado/a), provoca uma alteração nos termos vocativos e de referência usados entre as pessoas unidas por esse novo relacionamento: em vez dos termos tradicionais de parentesco, são usados os que marcam o relacionamento de compadrio, sendo que o uso de apelidos se torna proibido.
  • 31
    Da mesma forma, em sua análise do humor entre os Trumai do alto Xingu, De Vienne (2012)De Vienne, E. (2012). Make yourself uncomfortable: Joking relationships as predictable uncertainty among the Trumai of Central Brazil. HAU: Journal of Ethnographic Theory, 2(2), 163-187. https://doi.org/10.14318/hau2.2.010
    https://doi.org/10.14318/hau2.2.010...
    identifica a natureza ambivalente e incerta das piadas, que pode levar tanto à aproximação quanto ao distanciamento entre as pessoas. De acordo com De Vienne (2012, p. 177)De Vienne, E. (2012). Make yourself uncomfortable: Joking relationships as predictable uncertainty among the Trumai of Central Brazil. HAU: Journal of Ethnographic Theory, 2(2), 163-187. https://doi.org/10.14318/hau2.2.010
    https://doi.org/10.14318/hau2.2.010...
    , “a piada, precisamente por causa da incerteza que gera, é o meio pelo qual estabelecemos a ‘distância certa’ – é uma ferramenta pragmática para aproximar ou distanciar as pessoas, conforme o caso”. Deve-se observar que o potencial de conflito ligado às piadas, identificado por De Vienne (2012)De Vienne, E. (2012). Make yourself uncomfortable: Joking relationships as predictable uncertainty among the Trumai of Central Brazil. HAU: Journal of Ethnographic Theory, 2(2), 163-187. https://doi.org/10.14318/hau2.2.010
    https://doi.org/10.14318/hau2.2.010...
    , diz respeito principalmente às relações interétnicas e, mais especificamente, à relação entre Trumai e Kamayura.
  • 32
    Sobre a implicação desse conceito na organização social tuyuka, ver F. Cabalzar (2010)Cabalzar, F. (2010). Até Manaus, até Bogotá. Os Tuyuka vestem seus nomes como ornamentos: geração e transformação de conhecimentos a partir do alto rio Tiquié (noroeste Amazônico) [Tese de doutorado, Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07052010-122546
    https://doi.org/10.11606/T.8.2010.tde-07...
    .
  • Richard, E. (2024). Os nomes jocosos, seus significados e usos entre os Tuyuka: uma reflexão sobre o humor ameríndio a partir dos apelidos. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(1), e20230015. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0015

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    » https://doi.org/10.5007/2175-8034.2016v18n2p57
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Editado por

Responsabilidade editorial: Lucia Hussak van Velthem

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Mar 2023
  • Aceito
    03 Jan 2024
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