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Etnologia indígena na Alemanha: do legado bastiano até o cenário atual

Americanist ethnology in Germany: From Bastian’s legacy to the present situation

Resumo

O objetivo deste artigo é apresentar e explicar a conceituação, o surgimento e as transformações da etnologia indígena no contexto de um país que nunca teve colônias ultramarinas nas Américas. Na etnologia alemã, que pode ser considerada uma antropologia ex-hegemônica, a etnologia indígena se manifesta tradicionalmente em vários americanismos com especializações regionalistas. O argumento principal é de que suas transformações históricas só se tornam mais inteligíveis quando conectadas com o contexto mais abrangente da disciplina na Alemanha desde o final do século XIX. No decorrer de quase um século e meio, podem ser constatadas transformações profundas nas relações com as antropologias latino-americanas: inicialmente, uma posição hegemônica (até a década de 1930), depois, um declínio considerável até uma relativa invisibilidade, mas, a partir da década de 1970, uma crescente influência temática e teórica latino-americana que permite diagnosticar uma inversão nas relações tradicionalmente assimétricas entre uma antropologia europeia e as diversas antropologias latino-americanas.

Palavras-chave
Etnologia alemã; Americanismos; História da antropologia

Abstract

The objective of this article is to introduce and explain the conceptualization, the rise, and the transformations of the ethnology of Amerindian peoples in a country that has never had overseas colonies in the Americas. In German ethnology, which can be considered a former hegemonic anthropology, the ethnology of Amerindian peoples traditionally appears in the form of various Americanisms with regional differentiations. The main point is that its historical transformations only become intelligible when connected with the more comprehensive context of the discipline in Germany since the end of the 19th century. During almost 150 years far-reaching changes can be observed in the relations with Latin-American anthropologies: initially a hegemonic position (until the 1930s), then a considerable decline to a relative invisibility, but since the 1970s a growing Latin-American thematic and theoretical influence, which allows us to diagnose an inversion in the traditionally asymmetrical relations between a European and various Latin-American anthropologies.

Keywords
German ethnology; Americanism; History of anthropology

INTRODUÇÃO1 1 Este artigo é uma versão avançada de um trabalho apresentado no Grupo de Trabalho (GT) 46 “História(s) da(s) Antropologia(s): temas e tendências”, na 33ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 28 de agosto a 03 de setembro de 2022, em formato remoto. Ideias iniciais para o artigo foram apresentadas em 2015, numa comunicação durante a V Reunião Equatorial de Antropologia (REA)/XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste (ABANNE), realizada em Maceió.

Para a maioria dos antropólogos formados em universidades brasileiras hoje em dia, a paisagem intelectual e institucional da etnologia alemã representa algo tão distante das obrigações curriculares quanto conhecer um mapa dos principais territórios étnicos no Afeganistão. As ementas de disciplinas de história e teoria antropológica em grades curriculares da graduação e pós-graduação geralmente focalizam três grandes tradições nacionais hegemônicas, segundo a terminologia proposta por Ribeiro (2006)Ribeiro, G. L. (2006). Antropologias mundiais: para um novo cenário global na antropologia. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21(60), 147-165. https://doi.org/10.1590/S0102-69092006000100009
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, a estadunidense, a britânica e a francesa, além da brasileira, com algumas digressões pontuais nas obras de autores de outras linhagens. Até para muitos pesquisadores seniores na antropologia brasileira, a etnologia alemã, antiga e atual, representa uma terra incógnita. No entanto, como constatam Eriksen e Nielsen (2007, p. 26)Eriksen, T. H., & Nielsen, F. S. (2007). História da antropologia. Vozes., “De qualquer modo, devemos observar que a institucionalização da antropologia começou em áreas de língua alemã, e não na França ou na Inglaterra – um fato que muitas vezes é negligenciado nos relatos históricos da antropologia”. Uma observação confirmada e aprofundada pelo trabalho contundente de Vermeulen (2015)Vermeulen, H. F. (2015). Before boas: the genesis of ethnography and ethnology in the German enlightenment. University of Nebraska Press., baseado, sobretudo, em fontes alemãs e russas.

Esta situação era bastante diferente na primeira metade do século XX e ainda, em forma residual, nas décadas de 1950 e 1960, quando uma parte dos antropólogos brasileiros falava e lia alemão por ser imigrante ou por ter descendência alemã. Isto tem muito a ver com a etnologia indígena praticada por etnólogos alemães no Brasil e em outros países latino-americanos.

Enquanto em muitos cenários acadêmicos atuais a etnologia alemã é vista como representando uma tradição hoje em dia ‘periférica’ (Cardoso de Oliveira, 1988Cardoso de Oliveira, R. (1988). Por uma etnografia das antropologias periféricas. In Autor, Sobre o pensamento antropológico (pp. 143-159). CNPq.), ou ex-hegemônica, a autopercepção do establishment da própria área na Alemanha pode ser muito diferente. Assim, João de Pina Cabral observou, em 2002, durante um evento no Instituto Max Planck de Antropologia Social, um centro de excelência de pesquisa antropológica em Halle (Saale), no leste da Alemanha: “. . . o Instituto convidou vários colegas para apresentarem uma série de conferências sobre as fontes da antropologia. O encontro chamou-se ‘Quatro tradições’: escusado será dizer, francesa, inglesa, alemã e americana” (Cabral, 2004Cabral, J. P. (2004). Uma história de sucesso: a antropologia brasileira vista de longe. In W. Trajano Filho & G. L. Ribeiro (Orgs.), O campo da antropologia no Brasil (pp. 249-265). Associação Brasileira de Antropologia., p. 261). Um colega da Universidade de Bonn, Christoph Antweiler, chamou esta postura de ‘provincianismo presunçoso’ (comunicação pessoal, 2002). As críticas a este tipo de autorrepresentação historicamente explicável, porém anacrônico no contexto atual, são articuladas tanto por diversos representantes da própria área no contexto universitário quanto por vozes de uma antropologia crítica não vinculada ao establishment universitário e museal2 2 Para exemplo, ver Petermann (2010). .

O tema deste artigo, no entanto, não é nem a situação atual ou passada da etnologia alemã, nem sua percepção em outros contextos nacionais, mas a etnologia indígena na Alemanha e suas transformações históricas até a atualidade. Meu argumento principal é de que a percepção da etnologia indígena praticada na Alemanha está vinculada à percepção da etnologia alemã em termos mais abrangentes no contexto internacional. A abordagem ao tema é uma revisão histórica da etnologia indígena na Alemanha até o cenário atual. Para facilitar a leitura, optei por uma estruturação histórico-cronológica, focalizando diversos períodos na história da etnologia na Alemanha.

COMO A ETNOLOGIA INDÍGENA É ENTENDIDA NOS PAÍSES DE LÍNGUA ALEMÃ

Na Alemanha, a denominação oficial mais comum da antropologia (social e/ou cultural) era até recentemente Ethnologie, mas também há vários institutos de Kulturanthropologie ou Sozialanthropologie, por exemplo na Universidade de Marburg, onde a área hoje em dia é chamada Fachgebiet Sozial- und Kulturanthropologie (Área Antropologia Social e Cultural). Ethnologie tinha se tornado a principal denominação a partir da década de 1970, para progressivamente substituir o antigo nome da área, Völkerkunde (literalmente, estudo dos povos), o qual se referia ao estudo das culturas de povos não europeus, enquanto seu antônimo, Volkskunde, era o estudo das culturas populares na própria sociedade. Embora Volkskunde frequentemente tenha o folclore como tema principal, sobretudo até a década de 1970, não seria correto definir a área como um sinônimo de folclore. Na Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha - RFA), a partir da década de 1970, os institutos de Volkskunde foram rebatizados em institutos de etnologia europeia (Europäische Ethnologie) ou antropologia cultural da Europa (Kulturanthropologie Europas), enquanto nos institutos de etnologia (não europeia) as pesquisas no continente europeu só começaram a ser aceitas a partir da década de 1980, inicialmente com uma certa relutância3 3 Naquela época, no Instituto de Etnologia da Universidade de Colônia, a diretora, Ulla Johansen, proclamou autoritariamente que a etnologia ‘começa ao sul dos Alpes’. Porém, poucos anos mais tarde ela se tornou protagonista na coordenação de pesquisas sobre o tema etnicidade com migrantes turcos na sociedade alemã, agora recebendo críticas de colegas de outras instituições de ter abandonado a etnologia a favor de uma ‘sociologia’. . No caso dos museus etnológicos, as mudanças foram diferentes. A velha denominação Völkerkunde foi mantida, por algum tempo, nos nomes de alguns museus (por exemplo, Museum für Völkerkunde Hamburg), enquanto outros foram rebatizados, seguindo tendências globais, em ‘museus das culturas do mundo’ (por exemplo, Rautenstrauch-Joest-Museum – Kulturen der Welt, em Colônia).

Petschelies (2019, p. 22)Petschelies, E. (2019). As redes da etnografia alemã no Brasil (1884-1929) [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. https://acervo.socioambiental.org/sites/default/files/documents/k4t00004.pdf
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observou corretamente:

Enquanto durante o idealismo alemão, a Aufklärung, a Völkerkunde era sinônimo de Ethnographie, no final do século XIX a Ethnographie foi reduzida apenas às suas características empírico-descritivas, opondo-se ao caráter analítico-teórico da Ethnologie, com a Völkerkunde abarcando ambas as áreas.

A maioria dos leitores brasileiros familiarizados com a distinção entre etnografia e etnologia, no entanto, geralmente a conhece pelas palavras de Lévi-Strauss (1967 [1958], pp. 14-15)Lévi-Strauss, C. (1967 [1958]). Antropologia estrutural (Biblioteca Tempo Universitário, n. 7). Tempo Brasileiro., em “História e Etnologia”. A tradução direta de antropologia por Anthropologie é problemática no contexto alemão, já que esta denominação costuma ser entendida, desde o século XIX, como sinônimo de antropologia física e/ou biológica. Por este motivo, é preferível falar neste artigo de etnologia, e não de antropologia, alemã.

Embora, na prática, Ethnologie e Völkerkunde fossem usadas como sinônimos na segunda metade do século passado, sobretudo uma parte dos seniores profissionais dava preferência à antiga denominação de origem germânica, um pouco por questões identitárias, para destacar no nome uma tradição nacional própria. Mas, a partir da década de 1970, a maioria dos profissionais mais novos e dos alunos e uma grande parte do público leigo começaram a enxergar a antiga denominação como ultrapassada, representando um passado a ser superado para acompanhar as transformações da área no cenário internacional.

A denominação histórica ainda foi mantida, até 2017, no nome da associação dos etnólogos alemães, Deutsche Gesellschaft für Völkerkunde (DGV), apesar de ter-se tornado obsoleta nas práticas de autoidentificação e autorrepresentação4 4 A DGV foi fundada em 1929, em Leipzig, tendo no americanista Fritz Krause (1881-1963) seu principal idealizador. O nome da associação inicialmente era apenas Gesellschaft für Völkerkunde, para sublinhar sua orientação transnacional. De fato, nos primeiros anos faziam parte, entre seus sócios, antropólogos de diversas nacionalidades, como Franz Boas, Alfred Kroeber ou Edward E. Evans-Pritchard, o que mudou a partir de 1933. Ainda não foi publicado nenhum estudo abrangente sobre a história da DGV, o que se apresenta como um desafio instigante por causa das enormes transformações políticas, majoritariamente dramáticas e traumáticas, pelas quais passou a Alemanha durante o século XX e que afetaram os rumos e as políticas internas da associação. Por enquanto, apenas existem trabalhos menores que oferecem boas sínteses, como o artigo de Lentz e Thomas (2015) ou, em inglês, em versão menos detalhada, Lentz e Thomas (2018). A Volkskunde também tem uma associação própria, a Deutsche Gesellschaft für Volkskunde, fundada em 1963, em Marburg, mas sua sigla se escreve com minúsculas (dgv). . Em 2017, numa reunião dos sócios da associação em Berlim, foi decidido, num afã de exorcismo do passado e de aproximação às antropologias anglófonas, rebatizar o nome da associação em Deutsche Gesellschaft für Sozial- und Kulturanthropologie (DGSKA), o que provocou reações veementes de uma série de sócios, sobretudo seniores, detalhadamente documentadas em Antweiler et al. (2019)Antweiler, C., Knecht, M., Voss, E., & Zillinger, M. (Eds.). (2019). What’s in a Name? Die Kontroverse um die Umbenennung der Deutschen Gesellschaft für Völkerkunde. Boasblogs..

Enquanto a denominação oficial da área passou por mudanças, os etnólogos na Alemanha e na Áustria continuam a pesquisar majoritariamente culturas e sociedades não europeias, em especializações regionais. Desse modo, a formação curricular tradicional, que obriga os alunos a optar por enfoques temáticos (antropologia econômica ou política, por exemplo) e regionais (Oriente Médio ou América Central, por exemplo), não foi abandonada, apesar da aceitação tácita de que também é possível praticar uma anthropology at home. Isto ajuda a entender a conceituação da etnologia indígena nos países de língua alemã, ou seja, como uma especialização regional.

Até existe uma área chamada Altamerikanistik (ancient America studies), que estuda as culturas pré-colombianas das Américas. É uma área interdisciplinar que agrega pesquisas arqueológicas, linguísticas, filológicas, etnológicas e históricas. Seu enfoque tradicional são as sociedades indígenas estratificadas do México, da América Central e dos Andes dos períodos pré-colombiano e colonial. Nas últimas duas décadas, a área encolheu consideravelmente no contexto das reestruturações da paisagem universitária, as quais afetaram, em particular, as ciências humanas menores. Segundo o portal Arbeitsstelle Kleine Fächer5 5 Ver Portal Kleine Fächer (n.d.). , atualmente ainda é possível se formar em Altamerikanistik em duas universidades (Universidade Livre de Berlim e Universidade de Bonn), onde há, no total, apenas quatro cátedras de professor titular, ou seja, permanentes para a área. A possibilidade de cursar a área não existe mais nas universidades de Hamburgo e Göttingen, onde os institutos foram fechados e as cátedras, extintas, depois da aposentadoria dos professores ocupantes dos cargos. O último instituto antropológico com Altamerikanistik como principal enfoque curricular e de pesquisa fica na Universidade de Bonn. O autor destas linhas, por exemplo, fez seu doutorado na Universidade de Bonn (Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn) em Ethnologie unter besonderer Berücksichtigung der Altamerikanistik (etnologia com consideração especial das culturas indígenas antigas das Américas), sob orientação do mexicanista Hanns J. Prem (1941-2014).

Nos países de língua alemã, a etnologia indígena não existe com esta denominação, mas suas pesquisas tradicionalmente fazem parte das especializações regionais, ou seja, são expressões dos diversos americanismos etnológicos com suas subdivisões (etnologia andina ou etnologia mexicanista, por exemplo). Desse modo, há, por exemplo, institutos com concentração regional na América Latina, com especialistas em culturas indígenas e/ou não indígenas do México, das regiões andinas ou da Amazônia. O Geist das pesquisas etnológicas alemãs focalizadas nos indígenas americanos não tem sido contribuir, direta e explicitamente, para as ideologias ou políticas do nation-building dos estados-nações americanos. Ao menos, isto não se percebe em suas obras publicadas, nem nas versões acadêmicas nem naquelas escritas para o público geral. Suas pesquisas geralmente tinham, e às vezes ainda têm, objetivos bastante idealistas, pautados, principalmente, em ideais cujas origens podem ser identificadas nas tradições que se manifestam nas obras de Adolf Bastian (1826-1905)6 6 Bastian foi um dos primeiros etnólogos profissionais na Alemanha, fundador e primeiro diretor do Museu Real de Etnologia (Königliches Museum für Völkerkunde; hoje Museu de Etnologia), em Berlim, em 1873. Viajante, colecionador e autor incansável, foi formador e apoiador de toda uma geração de etnólogos alemães, inclusive de Boas. e Franz Boas (1858-1942). No entanto, é fácil imaginar que publicações sobre o passado das culturas indígenas centro-americanas e andinas tenham sido lidas por grupos das elites mexicanas e peruanas, por exemplo, como subsídios para suas ideologias nacionais conceituadas como continuidades parciais do passado indígena (Bolfarini, 2016Bolfarini, B. B. (2016). Usos políticos do passado na construção nacional peruana: o lugar do indígena no projeto nacionalista de José Carlos Mariátegui. Revista Simbiótica, 3(2), 18-35. https://periodicos.ufes.br/simbiotica/article/view/15064
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; Florescano, 2005Florescano, E. (2005). Imágenes de la patria a través de los siglos. Taurus.; Krause, 2005Krause, E. (2005). La presencia del pasado: la huella indígena, mestiza y española de México. Tusquets.).

Também havia, no final do século XIX e na primeira metade do século XX, os financiadores das expedições e pesquisas de campo etnológicas, com seus próprios interesses. Geralmente eram museus etnológicos em diversas cidades alemãs interessados em aumentar e complementar suas coleções e, com isto, seu prestígio no contexto nacional e internacional, frequentemente pressionando os etnólogos a produzir resultados primordialmente colecionistas (Kraus, 2004Kraus, M. (2004). Bildungsbürger im Urwald: die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929). Curupira.). Em outras palavras, os contextos financeiros e políticos acadêmicos impuseram uma série de limites aos ideais científicos de muitos etnólogos de língua alemã.

É legítimo se perguntar em que medida esses etnólogos se deram conta de seu papel no contexto das expansões de fronteiras de colonização promovidas pelos governos imperiais e republicanos brasileiros. Suas expedições e pesquisas de campo frequentemente produziram conhecimentos sobre regiões ainda afastadas do controle do estado naqueles períodos. As diversas expedições alemãs à região das cabeceiras do Xingu certamente representam o melhor exemplo neste sentido. Karl von den Steinen (1855-1929), para citar apenas o exemplo mais conhecido, recebeu para sua primeira expedição o apoio financeiro, logístico e até militar do governo imperial, por intermediação direta do Imperador D. Pedro II, o que em diversos momentos causou conflitos de interesses tanto em campo quanto na avaliação dos resultados (Petschelies, 2018Petschelies, E. (2018). Karl von den Steinen’s ethnography in the context of the Brazilian empire. Sociologia & Antropologia, 8(2), 543-569. https://doi.org/10.1590/2238-38752017v828
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).

DO SÉCULO XIX ATÉ A DÉCADA DE 1960

O que distinguia a maioria das atividades dos etnólogos americanistas alemães daquelas de seus conterrâneos africanistas e oceanistas é que eles não pesquisavam em territórios coloniais do Kaiserreich (Império) ou de outras potências coloniais, embora houvesse, evidentemente, diversas regiões no continente americano com contingentes expressivos de população colonizadora de língua alemã que tinham se estabelecido por diversas razões, seja por convites e incentivos de governos latino-americanos (o caso do Império brasileiro), seja com base em projetos religiosos (o caso dos menonitas no Chaco paraguaio) ou até ideológicos7 7 Um dos exemplos históricos mais absurdos foi certamente o projeto da colônia Nueva Germania, no Paraguai, fundada em 1886, sob a liderança de Bernhard Förster (1843-1889), cunhado de Friedrich Nietzsche (1844-1900) (Fischer, 2015). Förster, agitador antissemita, queria criar no Paraguai pós-guerra um microcosmo arianista, no entanto sofreu um fracasso contundente com seus planos e cometeu suicídio em 1889. É importante frisar que o projeto de Förster não tem nada a ver com as ideias filosóficas do cunhado, apesar dos esforços incansáveis da viúva, a irmã de Nietzsche, de vincular a filosofia do irmão à ideologia arianista quando ele já estava em estado avançado de demência e, depois, post mortem. . O tema principal dos etnólogos americanistas de língua alemã até a década de 1960 foram as culturas indígenas contemporâneas ou passadas nos estados americanos pós-independência. Maior interesse pelas culturas de origem africana nas Américas surgiu apenas na segunda metade do século XX8 8 Pode ser citada, por exemplo, a obra internacionalmente conhecida de Hubert Fichte (1935-1986), sobretudo o etnopoético “Xangô” (Fichte, 1976). , como se tivesse existido uma regra tácita que reza: ‘Se interessa por culturas africanas? Então, vá para a África!’.

Na etnologia americanista alemã, os recortes temáticos preferenciais eram religião, xamanismo, mitologia, línguas e cultura material, e menos organização social e política ou práticas econômicas (Pinheiro et al., 2019Pinheiro, C. C., Schröder, P., & Vermeulen, H. F. (2019). Introduction: the German tradition in Latin American anthropology. Revista de Antropologia, 62(1), 64-96. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.157872
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, p. 72). Neste sentido, até havia uma certa convergência entre as pesquisas alemãs americanistas e africanistas, no entanto os conhecimentos sobre as línguas africanas, produzidos por etnólogos, linguistas e missionários alemães, estavam muito mais avançados do que aqueles sobre as línguas ameríndias, como mostram as informações históricas detalhadas dos verbetes no dicionário de línguas africanas de Jungraithmayr e Möhlig (1983)Jungraithmayr, H., & Möhlig, W. J. G. (Eds.). (1983). Lexikon der Afrikanistik: afrikanische Sprachen und ihre Erforschung. Dietrich Reimer.. Em termos gerais, é possível constatar tanto convergências quanto divergências temáticas e teóricas. As diferenças temáticas tinham a ver, sobretudo, com características das sociedades africanas. Desse modo, os africanistas estudavam temas como realeza sagrada, nomadismo pastoril, sistemas de classes de idade9 9 Também existem sistemas de classes de idade em algumas sociedades indígenas sul-americanas, como entre os Xavante e Xerente, mas só no período depois da Segunda Guerra Mundial eles receberam a devida atenção (Bernardi, 1985). Por isso, o estudo desses sistemas geralmente ficou conhecido na história da antropologia como parte das tradições africanistas. A monografia de Curt Nimuendajú (1883-1945) (Nimuendajú, 1942) foi pioneira entre as pesquisas sobre o sistema de classes de idade dos Xerente. , cultos de ancestrais, sociedades secretas ou as histórias de estados africanos pré-coloniais dos séculos XVIII e XIX, para citar apenas alguns exemplos mencionados na obra etnológica panorâmica de Beuchelt (1981)Beuchelt, E. (1981). Die Afrikaner und ihre Kulturen. Ullstein..

No que diz respeito às orientações teóricas dos americanistas alemães no final do século XIX até a Segunda Guerra Mundial, predominavam teorias difusionistas em diversas facetas, sintetizadas por Müller (1980)Müller, K. E. (1980). Grundzüge des ethnologischen Historismus. In W. Schmied-Kowarzik & J. Stagl (Eds.), Grundfragen der Ethnologie: Beiträge zur gegenwärtigen Theorie-Diskussion (pp. 193-231). Reimer. pela denominação ‘historismo etnológico’. Existia algo como um consenso de que é possível ‘mapear’ culturas, ou seja, elaborar cartografias que mostram ou a distribuição geográfica de certas culturas ou de suas partes ou de conjuntos de culturas, como um dos legados dos ensinamentos de Friedrich Ratzel (1844-1904) e Adolf Bastian (Santini, 2018Santini, C. (2018). Can humanity be mapped? Adolf Bastian, Friedrich Ratzel and the cartography of culture. History of Anthropology Review, 42. https://histanthro.org/notes/can-humanity-be-mapped/
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). Enquanto a maioria dos americanistas alemães preferia cautelosas abordagens indutivas para propor áreas culturais (no sentido de ‘áreas onde as culturas se assemelham’) com base em crescentes informações empíricas, o continente africano foi um dos grandes campos de atuação de representantes da ‘doutrina de círculos culturais’ (Kulturkreislehre), o que se manifesta na enorme influência da obra de Hermann Baumann (1902-1972) (Baumann, 1934Baumann, H. (1934). Die afrikanischen Kulturkreise. Africa, 7(2), 129-139. https://doi.org/10.2307/1155527
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; Baumann et al., 1940Baumann, H., Thurnwald, R., & Westermann, D. (1940). Völkerkunde von Afrika: mit besonderer Berücksichtigung der kolonialen Aufgabe. Essener Verlagsanstalt.), com a apresentação de 27 ‘províncias culturais’ (Kulturprovinzen) na África, construídas com base nas informações etnográficas disponíveis na época. A ‘morfologia cultural’ (Kulturmorphologie), de Leo Frobenius (1873-1938), outra vertente do difusionismo alemão, também teve no continente africano seu campo de atuação preferido. Entre os americanistas alemães, por sua vez, havia poucos representantes da ‘doutrina de círculos culturais’. Entre estes, o Padre Martin Gusinde (1886-1969) certamente é o autor mais conhecido por causa de sua obra secular sobre os indígenas da Terra do Fogo (Gusinde, 1939Gusinde, M. (1939 [1931]). Die Feuerland-Indianer. Anthropos-Verlag. [1931]).

Uma das características de muitos estudos dos representantes da ‘doutrina de círculos culturais’ foram as construções especulativas e temerárias de amplos ‘círculos culturais’, com seus centros de difusão, e às vezes com extensões transcontinentais, com base em objetos etnográficos guardados em museus, ou seja, usando critérios seletivos bastante reduzidos e, por isso, questionáveis. Não é por acaso que a doutrina teve suas origens em espaços museais em Colônia e Viena. No entanto, seria precipitado afirmar, com base em tendências de concentrações continentais das orientações teóricas na etnologia alemã da época, com suas epistemologias e metodologias diferenciadas, que existia um tipo de suposta oposição binária entre ‘americanistas empiristas’ e ‘africanistas estudiosos de gabinete’. Por um lado, nem todos os representantes da ‘doutrina de círculos culturais’ eram antropólogos de gabinete (o exemplo do Padre Gusinde); por outro lado, também havia entre os africanistas estudiosos precursores do modelo de pesquisa de campo intensiva de longa duração, posteriormente idealizada por Bronisław Malinowski (1884-1942)10 10 Ver Rosa e Vermeulen (2022). , por exemplo Günter Tessmann (1884-1969) (Mary, 2023Mary, A. (2023). Un “roi blanc” au cœur des ténèbres de la forêt équatoriale: Günter Tessmann et son grand œuvre, Die Pangwe (1913). Bérose: Encyclopédie Internationale des Histoires de l’Anthropologie. https://www.berose.fr/article2818.html?lang=fr
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).

Na etnologia alemã, há uma longa tradição de estudos sobre os indígenas americanos que remonta às viagens e expedições de naturalistas e aos inícios da institucionalização da área em espaços museais no século XIX. Apenas uma parte das antigas expedições tinha como objetivo principal estudar a vida contemporânea e passada dos ameríndios (Hermannstädter, 2002aHermannstädter, A. (2002a). Brasilien – Land der Zukunft: naturkundliche Expeditionen 1800-1831. In Staatliche Museen, Preußischer Kulturbesitz & Ethnologisches Museum (Eds.), Deutsche am Amazonas: Forscher oder Abenteurer? Expeditionen in Brasilien 1800 bis 1914 (pp. 26-43). Staatliche Museen.). No século XIX, predominava um colecionismo eufórico com base no pensamento de poder representar tanto o conjunto da diversidade cultural humana por objetos, a serem guardados e expostos em museus como peças características e indicativas de determinados ‘tipos’ culturais, quanto a evolução cultural da humanidade (Penny, 2002Penny, G. H. (2002). Objects of culture: ethnology and ethnographic museums in Imperial Germany. The University of North Carolina Press.). Os museus etnológicos em diversas cidades, em parte criados e sustentados por doações da burguesia local, concorreram entre eles pelo prestígio das coleções etnográficas adquiridas. Tal colecionismo pode ser interpretado em termos de modelos explícitos de evolução cultural unilinear, tão comuns no século XIX, mas Viertler (2018)Viertler, R. B. (2018). Os fundamentos da teoria antropológica alemã: etnologia e antropologia em países de língua alemã: 1700-1950. Annablume. nos chama a atenção para outra faceta do mesmo fenômeno, isto é, sua origem no iluminismo alemão, com a ambição de explicar tanto a diversidade quanto a unidade da humanidade por coletar incansavelmente conhecimentos sobre a diversidade cultural e linguística da humanidade, num afã enciclopédico. Não há figura que melhor represente esta tradição do que Adolf Bastian (Figura 1).

Figura 1
Busto de Adolf Bastian no Museu Etnológico de Berlim.

Bastian não só era um dos primeiros antropólogos profissionais na Alemanha, em sua função de diretor do Museu Etnológico de Berlim, mas também elaborou uma teoria dos objetos própria que dava suporte teórico a seu colecionismo frenético e incansável de objetos e informações (Hermannstädter, 2002bHermannstädter, A. (2002b). Symbole kollektiven Denkens: Adolf Bastians Theorie der Dinge. In Staatliche Museen, Preußischer Kulturbesitz & Ethnologisches Museum (Eds.), Deutsche am Amazonas: Forscher oder Abenteurer? Expeditionen in Brasilien 1800 bis 1914 (pp. 44-55). Staatliche Museen.). Ao contrário de outras teorias da época, o pensamento de Bastian não se baseava numa ideia de evolução unilinear, porém em um modelo de espiral, com períodos de avanços, estagnações e retrocessos. Mas, afinal de contas, o rolo compressor da civilização ocidental venceria (Köpping, 2001Köpping, K. P. (2001). Adolf Bastian and the psychic unity of mankind: the foundations of anthropology in nineteenth century Germany (History and Theory of Anthropology/Geschichte und Theorie der Ethnologie, No. 1). LIT.). Como outros, Bastian tinha a convicção de que as culturas indígenas estavam condenadas à extinção e a grande tarefa da etnologia seria registrar, para a literatura especializada, os museus e o público letrado, e com urgência, todas essas manifestações, antes que elas ficassem perdidas para sempre (Bastian, 1881Bastian, A. (1881). Der Völkergedanke im Aufbau einer Wissenschaft vom Menschen und seine Begründung auf ethnologische Sammlungen. F. Dümmlers., p. 181). Eis aí, o espírito salvacionista da etnologia alemã em sua versão mais nítida. A disposição infatigável de registrar, num esforço individual quixotesco, todas as manifestações culturais não ocidentais no mundo da época, no entanto sem chegar a uma síntese explicativa, tornou-se um traço biográfico não reproduzido por seus sucessores (Figura 2).

Figura 2
Mapa com as viagens de Bastian em uma parede do Museu

Bastian faleceu em Port of Spain, Trinidad, durante sua nona viagem, caracterizada, como as anteriores, por ambições enciclopédicas, as quais ainda hoje em dia encontram sua expressão na quantidade impressionante de objetos depositados no Museu Etnológico de Berlim, um dos maiores de sua categoria no mundo inteiro. Das grandes coleções americanistas, fazem parte cerca de 35 mil objetos das terras baixas da América do Sul, principalmente da Amazônia, do Gran Chaco, da Patagônia e da Terra do Fogo (König, 2003König, V. (Ed.). (2003). Ethnologisches Museum Berlin (Prestel Museumsführer). Prestel., p. 8). A etnologia praticada por Bastian tinha ambições de história cultural universal e suas ideias oscilavam entre empirismo, romantismo e psicologia. Para Bastian, objetos culturais expressavam características mentais coletivas, o que permite entender o antigo enfoque de pesquisa na etnologia alemã em estudar tanto as manifestações culturais materializadas quanto os aspectos não materializados da vida religiosa. Isto ainda pode ser percebido nas expedições colecionistas e de pesquisa etnográfica empreendidas por Curt Nimuendajú com financiamento de museus etnológicos alemães em 1928, 1929 e 1930 (Schröder, 2019aSchröder, P. (2019a). “Three long rows of empty shelves” to fill: Curt Nimuendajú as collector and researcher for ethnological museums in Germany, 1928-1930. Revista de Antropologia, 62(1), 217-240. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.157040
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)11 11 Nas correspondências de Nimuendajú com seus interlocutores em Leipzig, Dresden e Berlin, arquivadas nos museus etnológicos destas cidades, são explícitas suas preocupações de representar adequadamente determinadas culturas indígenas por meio da organização de coleções etnográficas (Schröder, 2019b). Apenas a partir da colaboração posterior com Robert Lowie (1883-1957), os estudos de sistemas de parentesco e das organizações sociais indígenas tornaram-se um novo enfoque de suas pesquisas etnográficas. Para um verbete com as informações básicas sobre o etnólogo brasileiro de origem alemã, ver Schröder (2023). .

Vários americanistas ou foram discípulos de Bastian ou trabalharam temporariamente no Museu Etnológico de Berlim sob sua direção: Karl von den Steinen, Konrad Theodor Preuss (1869-1938), Theodor Koch-Grünberg (1872-1924), Max Schmidt (1874-1950), Herrmann Meyer (1871-1932) e Wilhelm Kissenberth (1878-1944). Franz Boas, aliás, também foi discípulo de Bastian, mas discutir a influência bastiana em sua trajetória e obra excederia muito o escopo deste artigo.

O período entre a década de 1880 e a Primeira Guerra Mundial pode ser, em revisão histórica, tido como o mais glorioso da etnologia americanista alemã, entendido como um conjunto de pesquisas de caráter pioneiro que abriria novos caminhos e deixaria um rico legado de publicações com informações etnográficas. Este período foi analisado com base em pesquisas documentais na tese brilhante de Michael Kraus (Kraus, 2004Kraus, M. (2004). Bildungsbürger im Urwald: die deutsche ethnologische Amazonienforschung (1884-1929). Curupira.) sobre as expedições etnológicas alemãs na Amazônia. Além dos nomes mencionados no parágrafo anterior, também merecem ser citados Paul Ehrenreich (1855-1914) e Fritz Krause (1881-1960). Estes etnólogos também podem ser citados como organizadores importantes de coleções de origem brasileira depositadas no Museu Etnológico de Berlim, já que o museu era o principal facilitador e financiador das expedições. Esta fase colecionista terminou definitivamente com a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Enquanto na etnologia alemã predominava, até a Segunda Guerra Mundial, o pensamento difusionista, uma parte dos americanistas publicou críticas contundentes às teorias articuladas no âmbito da ‘doutrina de círculos culturais’, sob a liderança do Padre Wilhelm Schmidt (1868-1954). Os exemplos mais conhecidos encontram-se nas publicações de Fritz Krause e Max Schmidt. Em sua tese de doutorado, M. Schmidt (1917Schmidt, M. (1917). Die Aruaken: ein Beitrag zum Problem der Kulturvergleichung (Studien zur Ethnologie und Soziologie, No. 1). Veit & Comp.; cf. Petschelies & Schröder, 2021Petschelies, E., & Schröder, P. (Orgs.). (2021). Os Aruaques: Max Schmidt. Hedra.) rejeitou completamente a proposta do Padre W. Schmidt de ‘círculos culturais’ para a América do Sul (W. Schmidt, 1913Schmidt, W. (1913). Kulturkreise und Kulturschichten in Südamerika. Zeitschrift für Ethnologie, 45, 1014-1124.) e apresentou uma teoria própria para explicar a expansão dos Aruaques nas mais diversas partes do subcontinente. Fritz Krause, por sua vez, foi ainda mais ambicioso ao propor e elaborar uma ‘doutrina estrutural’ (Strukturlehre) como contraponto à ‘doutrina de círculos culturais’ (Wolfrath, 2011Wolfrath, U. (2011). Ethnologie und Psychologie: Die Leipziger Schule der Völkerpsychologie. Reimer., pp. 103-122)12 12 Apresentar a teoria estrutural de Krause neste artigo extrapolaria seu escopo. Krause conceituou culturas como sistemas dinâmicos, com subsistemas denominados ‘círculos de vida’ (Lebenskreise). Sua teoria representou não apenas uma alternativa ao difusionismo da Escola de Viena, mas também ao funcionalismo estrutural britânico da época (Wolfrath, 2011). Será uma tarefa meritória apurar em outro trabalho por que até recentemente sua teoria ficou quase esquecida na história da antropologia. . A antropologia clerical centrada em Viena, contudo, representava um dos maiores centros de poder da etnologia de língua alemã na primeira metade do século XX até o período pós-guerra, ou seja, até meados da década de 1960, com exceção do período do nazismo.

As políticas indigenistas geralmente não eram assunto dos estudos etnológicos alemães da época: nem aquela do Império brasileiro, nem aquela da Velha República, nem aquelas de outros países latino-americanos, sendo os trabalhos de Nimuendajú a principal exceção. As culturas indígenas costumavam ser descritas e analisadas numa abordagem atemporal que ignorava, majoritariamente, as influências dos ambientes sociais, econômicos e políticos não indígenas. Apenas em correspondências particulares alguns etnólogos emitiram comentários sobre os caminhos e desmandos de políticas indigenistas nacionais. Isto fica evidente, por exemplo, na correspondência entre Theodor Koch-Grünberg e Curt Nimuendajú, de 1915 a 1924, arquivada na Universidade de Marburg13 13 Ver Fach Sozial- und Kulturanthropologie, Philipps-Universität Marburg (n.d.). . Enquanto Koch-Grünberg manifestou, nas cartas, seu idealismo acadêmico à l’ancienne, até sugerindo que gostaria de ingressar no Serviço de Proteção aos Índios (SPI), Nimuendajú relatou com comentários cáusticos suas experiências com o órgão indigenista.

O acompanhamento apenas relutante dos debates internacionais e das transformações teóricas por parte do establishment universitário e museal da etnologia alemã, depois da Primeira Guerra Mundial, teve como consequência uma estagnação teórica que ainda podia ser observada na segunda metade do século XX, inclusive na etnologia americanista (Pinheiro et al., 2019Pinheiro, C. C., Schröder, P., & Vermeulen, H. F. (2019). Introduction: the German tradition in Latin American anthropology. Revista de Antropologia, 62(1), 64-96. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.157872
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).

Além disso, a derrota dos impérios alemão e austro-húngaro na Primeira Guerra Mundial, a perda das colônias e as reparações economicamente estranguladoras estipuladas no Tratado de Versalhes tiveram consequências dramáticas para as atividades científicas, em particular nas áreas das ciências humanas, nos dois países, de modo que se pode constatar que a etnologia, inclusive a americanista, sofreu um declínio abrangente nos anos que seguiram a derrota militar. A crise financeira permanente na República de Weimar afetou de forma dramática os fomentos de pesquisas etnológicas, com algumas exceções. Foi neste período complicado para a sobrevivência da etnologia universitária e museal na Alemanha que os museus de Leipzig, Dresden e Hamburgo se juntaram para financiar, com muitas dificuldades, duas expedições e pesquisas de campo de Nimuendajú para organizar coleções e coletar informações etnográficas entre povos indígenas no norte do atual estado do Tocantins e no centro do Maranhão, em 1928/1929 e 1930 (Schröder, 2019aSchröder, P. (2019a). “Three long rows of empty shelves” to fill: Curt Nimuendajú as collector and researcher for ethnological museums in Germany, 1928-1930. Revista de Antropologia, 62(1), 217-240. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2019.157040
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).

Durante o Terceiro Reich, a etnologia, com poucas exceções, foi considerada uma ciência relativamente periférica, embora novas cátedras fossem inauguradas. Os indígenas americanos não faziam parte das populações para as quais se dirigia o interesse principal do regime nazista14 14 Uma parte dos leitores, contudo, pode se lembrar da expedição liderada por Otto Schultz-Kampfhenkel (1910-1989) entre setembro de 1935 e março de 1937 (Flachowsky & Stoecker, 2011). No entanto, a Expedição Amazonas-Jari, como ela ficou conhecida, foi um episódio isolado e Schultz-Kampfhenkel não era etnólogo, embora ele tenha levado para a Alemanha cerca de mil objetos etnográficos, posteriormente entregues ao Museu Etnológico de Berlim, dos quais apenas 445 ficaram registrados nos livros de entrada do museu (Haas, 2017). . Aquela parte dos etnólogos americanistas que não emigraram (Fritz Krause, por exemplo) se adaptou silenciosamente às pressões do regime ou o apoiou descaradamente. Lentz e Thomas (2015, pp. 234-235) informam sobre as diversas tentativas durante o período nazista de revitalizar, por estímulo de instâncias governamentais, a antiga antropologia colonial, a qual deveria ser atuante num império colonial a ser recuperado. No entanto, a maioria dos etnólogos americanistas teria reagido com uma certa reserva e relutância ao entusiasmo dos profissionais envolvidos, interpretando-o como teatro oportunista.

O envolvimento de etnólogos alemães e austríacos com o nazismo tornou-se objeto de estudos críticos e detalhados apenas a partir da década de 1980, com novas gerações de etnólogos revoltados com o silêncio que por mais de três décadas tinha marcado o campo profissional nos institutos universitários e museus com relação ao período de 1933 a 1945 (Hauschild, 1995Hauschild, T. (Org.). (1995). Lebenslust und Fremdenfurcht: Ethnologie im Dritten Reich. Suhrkamp.; Menne, 2011Menne, J. (2011). Kultur, Volk und Rasse: die deutsche Ethnologie im Nationalsozialismus und ihre Aufarbeitung. Anthropos, 106(2), 529-545. http://dx.doi.org/10.5771/0257-9774-2011-2-529
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; Gingrich & Rohrbacher, 2021Gingrich, A., & Rohrbacher, P. (Orgs.). (2021). Völkerkunde zur NS-Zeit aus Wien (1938-1945): Institutionen, Biographien und Praktiken in Netzwerken (Veröffentlichungen zur Sozialanthropologie, No. 27). Verlag der Österreichischen Akademie der Wissenschaften.).

Depois da guerra, o establishment da etnologia alemã e austríaca geralmente agiu como se nada tivesse acontecido nos anos do regime nazista, tentando dar continuidade a estilos e enfoques de pesquisa do período anterior ao nazismo. Isto, no entanto, funcionou apenas nos círculos internos, onde os catedráticos podiam exercer uma forte pressão de adaptação sobre os jovens etnólogos em formação, profissionalmente dependentes da aprovação de seus professores/orientadores (Oberdiek, 2013Oberdiek, U. (2013). Hierarchie und Gehorsam im Fach Ethnologie: ihr Einfluss auf die Theorieproduktion in Deutschland seit 1950. LIT.). Uma consequência dessa opção política de não enfrentar o próprio passado era desconectar o cenário nacional dos debates internacionais, condenando a área a um provincianismo estagnado em sua presunção. A obra de Lévi-Strauss, por exemplo, foi rejeitada de forma contundente ou simplesmente ignorada por muitos catedráticos até a década de 1980. As críticas publicamente articuladas contra o estruturalismo francês (de representar meros exercícios intelectualistas sem embasamento empírico) até fazem lembrar um pouco os comentários de Herbert Baldus (1899-1970), em sua “Bibliografia crítica da etnologia brasileira” (Baldus, 1954Baldus, H. (1954). Bibliografia crítica da etnologia brasileira. Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo., pp. 392-395), sobre os trabalhos de Lévi-Strauss, embora as críticas de Baldus tivessem motivos peculiares, em parte relacionados com o ambiente acadêmico paulistano. Apenas uma minoria dos professores e uma série de etnólogos críticos não vinculados ao establishment leram atentamente e elogiaram a obra lévi-straussiana (Oppitz, 1975Oppitz, M. (1975). Notwendige Beziehungen: Abriß der strukturalen Anthropologie (Suhrkamp Taschenbuch Wissenschaft). Suhrkamp., por exemplo), enquanto muitos representantes de outras ciências humanas na Alemanha celebraram os livros do autor, sendo que todos foram traduzidos para o alemão e publicados pela conceituada editora Suhrkamp, de Frankfurt.

O establishment da etnologia alemã é responsável, direta e indiretamente, por uma marginalização da área no cenário institucional pós-guerra e na sociedade alemã. Esta posição marginal até hoje só foi superada em parte. Uma das melhores referências atuais sobre a etnologia alemã na antiga República Federal (RFA) é o livro de Dieter Haller (2012)Haller, D. (2012). Die Suche nach dem Fremden: Geschichte der Ethnologie in der Bundesrepublik 1945-1990. Campus. que realizou numerosas entrevistas com testemunhas15 15 O livro é resultado de um projeto de pesquisa ambicioso e muito interessante. Uma parte do material de pesquisa, sobretudo as entrevistas, pode ser acessada através do portal Interviews with German Anthropologists (n.d.). . Haller estabeleceu uma periodização com as denominações seguintes: reconstrução (1945-1955), consolidação (1955-1967), rebelião (1967-1977) e estagnação (1977-1990). O período atual recebeu o rótulo ‘economização’, referência a tendências de produtivismo neoliberal mais gerais nas diversas áreas acadêmicas do país depois da reunificação.

O que foi dito sobre a etnologia alemã em termos gerais também pode ser constatado sobre sua parte americanista praticada no período pós-guerra. Os interesses etnológicos principais continuavam a ser contribuições histórico-culturais sobre culturas indígenas consideradas ‘intactas’ ou pouco ‘afetadas’ pelos contatos com as sociedades nacionais, ou manifestações culturais vistas como ‘ameaçadas’, para caracterizar seus estudos como tarefa com certa urgência devido ao perigo de seu desaparecimento irrevogável (por exemplo, Becher, 1962Becher, H. (1962). Dringende ethnologische Forschungsaufgaben in Nordwestbrasilien. Bulletin of the International Committee on Urgent Anthropological Ethnological Research, (5), 117-125.). Em outras palavras, foi praticada uma etnologia americanista com feições que estavam se tornando cada vez mais anacrônicas no cenário internacional. Exemplos ilustrativos desse americanismo são alguns trabalhos do etnólogo Hans Becher (1918--) com problemáticas difusionistas que hoje em dia nos parecem exóticas e pouco inteligíveis, como aquelas sobre a ‘posição do socó’ (Cascudo, 2002Cascudo, L. C. (2002). Made in Africa (4. ed.). Global.), ou one-leg resting position (Nilotenstellung, em alemão, ‘posição de nilotas’), entre os Surára e Pakidái, dois subgrupos dos Yanomami. Mas Becher, que frequentemente se apresentava como discípulo de Baldus, também era um etnógrafo sério, com publicação de estudos pioneiros sobre dois grupos indígenas visitados por ele na década de 1950.

Isto nos remete, por sua vez, ao lado forte da etnologia americanista na Alemanha (Ocidental) da época: a tradição etnográfica, vinculada a trabalhos de campo prolongados, com forte saturação empírica. O que explica, indiretamente, a rejeição da obra lévi-straussiana16 16 Até uma reação cômica por ser citada como exemplo. O mexicanista e especialista em etno-história asteca, Peter Tschohl (1935-2007), em uma aula, assistida pelo autor deste artigo, no Instituto de Etnologia da Universidade de Colônia, na década de 1980, respondeu a um aluno que ‘ousou’ se referir ao estruturalismo francês para abordar uma questão debatida em sala de aula: “Verschonen Sie uns mit diesem Nebelgiganten! [nos poupe desse gigante da nebulosidade]”. Observação: Tschohl era um pesquisador extremamente criterioso, rigoroso e exigente no trabalho com fontes históricas e, ao mesmo tempo, um teórico sempre aberto para discutir inovações teóricas e metodológicas na área. .

Como um exemplo por excelência de etnografias americanistas, tão detalhistas quanto diversos estudos do próprio Boas, pode ser citada a monografia de Zerries e Schuster (1974)Zerries, O., & Schuster, M. (1974). Mahekodotedi: Monographie eines Dorfes der Waiká-Indianer (Yanoama) am oberen Orinoco (Venezuela). Renner. sobre uma aldeia dos Waiká no alto Orinoco, na Venezuela. Em mais de 400 páginas, são apresentados os mais diversos aspectos da vida dos moradores, registrados detalhadamente e organizados por tópicos que podem ser consultados, como se fosse um catálogo ou uma lista telefônica. Seria uma tarefa ingrata para os adeptos do pós-modernismo ir à procura de recursos literários em obras desse tipo.

Outro aspecto importante dos americanismos antropológicos praticados na Alemanha Ocidental depois da Segunda Guerra Mundial eram as contribuições aos estudos das culturas indígenas antigas da América Central e da região andina no âmbito da Altamerikanistik. Nesta área, a etnologia de língua alemã conseguiu conquistar mais projeção internacional do que na própria etnologia americanista voltada para as sociedades indígenas contemporâneas. Para citar apenas um exemplo, destaco as contribuições de Nikolai Grube (1962--), do Departamento de Altamerikanistik, da Universidade de Bonn, para a decifração da língua maia clássica nas décadas de 1980 e 1990.

Nos trabalhos das etnologias americanistas de língua alemã do período pós-guerra, as políticas indigenistas dos estados-nação americanos inicialmente entraram apenas como informações complementares. A preocupação com suas instituições e atuações era um assunto periférico nas publicações, embora não seja possível afirmar se a mesma observação pode ser feita sobre as informações não publicadas que circularam entre os profissionais na época. Mas é uma ironia da história que a política indigenista brasileira na década de 1960 serviu de gancho e estopim para uma revolta estudantil contra o establishment da área.

1969 – A SITUAÇÃO DOS INDÍGENAS BRASILEIROS COMO ESTOPIM DE UMA REVOLTA ESTUDANTIL E DA RUPTURA INTERGERACIONAL

A 11ª Reunião da DGV, realizada na Universidade de Göttingen, em 1969, entrou na história da etnologia alemã como um evento extraordinário e geralmente é interpretada como um divisor de águas. Braukämper (2002)Braukämper, U. (2002). Trauma einer Ethnologen-Generation? Die Tagung der Deutschen Gesellschaft für Völkerkunde in Göttingen ١٩٦٩. Zeitschrift für Ethnologie, 127, 301-319. https://www.jstor.org/stable/25842870
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indagou se ela não representou algo como um trauma para toda uma geração de etnólogos, enquanto Kramer (2016)Kramer, D. (2016). Abschied von der Nachkriegsethnologie: der Fall der DGV-Tagung von 1969. Paideuma, 62, 223-241. https://www.jstor.org/stable/44243094
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a enxerga como uma tempestade de efeito purificador. Uma das principais diferenças entre estes dois autores é que o primeiro escreveu sobre o evento com base numa pesquisa documental, enquanto o segundo foi testemunha. Mas o que aconteceu?

A reunião da DGV não foi realizada nem no auge das grandes mobilizações estudantis, em 1968, nem em seu epicentro principal, Berlim Ocidental, mas um ano mais tarde, numa cidade universitária profundamente provinciana, no sul da Baixa Saxônia. Ao contrário das reuniões anteriores da DGV, não foram os professores catedráticos e diretores de museus etnológicos que dominaram o evento, mas discentes revoltados. Desde 1961, sócios estudantis da associação já tinham o direito ao voto nas assembleias gerais, mas, devido ao isolamento proposital das discussões inovadoras no cenário internacional e em outras ciências humanas na própria RFA e ao silenciamento constrangedor sobre o passado da área e de seus representantes, surgiram demandas e tensões intergeracionais que se descarregaram no cenário da reunião. A opção do establishment por pesquisas e publicações focadas em temas avaliados pelas gerações mais novas como inócuos e irrelevantes ganhou o apelido de ‘pesquisa de anzóis’ (Angelhakenforschung), uma referência a estudos comparativos de cultura material desvinculados de seus contextos sociais e políticos. Foi o destino das populações visitadas por etnólogos que começou a entrar na pauta dos interesses estudantis, ou seja, o contexto político em que as pesquisas estavam inseridas.

Poucos dias antes da reunião, a “Frankfurter Rundschau”, um jornal de circulação nacional e de linha editorial centro-esquerda, tinha publicado uma matéria sobre o genocídio dos indígenas sob a ditadura militar brasileira. A solicitação dos sócios estudantis de inserir o tema na pauta da reunião até foi aceita pela diretoria da associação, preocupada com uma pequena aproximação às demandas dos futuros etnólogos para desanuviar o clima do evento antecipadamente, mas a estratégia falhou. Ironicamente, como observou Kramer (2016, p. 232)Kramer, D. (2016). Abschied von der Nachkriegsethnologie: der Fall der DGV-Tagung von 1969. Paideuma, 62, 223-241. https://www.jstor.org/stable/44243094
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, o único participante competente para informar sobre o assunto era o etnólogo austríaco Georg Grünberg (1943--), enquanto dois outros especialistas na etnologia das terras baixas sul-americanas, Hans Becher e Otto Zerries (1914-1999), reagiram de uma maneira que pode ser interpretada como jogar lenha na fogueira.

Becher tentou impedir a votação e publicação de uma moção contra a política indigenista da ditadura militar brasileira, porque o Brasil seria um país com o qual a RFA mantinha boas relações diplomáticas, afirmando que o efeito concreto de tal moção seria algo questionável. Na realidade, a preocupação com futuras autorizações de pesquisa no Brasil pode ter sido o motivo principal da posição de Becher17 17 Talvez outros interesses, pouco acadêmicos, também estivessem envolvidos. A revista de circulação nacional “Der Spiegel” (Hamburgo) publicou, em sua edição n. 39, de 17/09/1967, nas pp. 88-89 (ver Der Spiegel, 1967), uma matéria horripilante sobre uma viagem organizada pela empresa Wagons-Lits Cook para turistas abastados, oferecendo uma “viagem dos sonhos e das superlativas. . . aos últimos índios”, guiada por Becher. O destino eram as aldeias dos Surára e Pakidái, onde o etnólogo tinha realizado sua pesquisa de campo na década anterior, mas o órgão indigenista não autorizou a visita, mesmo com a dúzia de turistas alemães já estando em Manaus. Depois de diversas peripécias e conflitos internos, envolvendo insultos, álcool e acusações mútuas, o grupo até chegou a visitar os Waiká, mas, ao que parece, o turismo indígena com acompanhamento etnológico foi um fracasso total e acabou em ação judicial contra Becher na RFA. É difícil avaliar a partir da matéria o que aconteceu de fato durante a viagem, mas a descrição jornalística sugere algo como uma opera buffa com ranços coloniais. . Seja como for, sua reação foi interpretada como uma provocação. Kramer (2016, p. 233)Kramer, D. (2016). Abschied von der Nachkriegsethnologie: der Fall der DGV-Tagung von 1969. Paideuma, 62, 223-241. https://www.jstor.org/stable/44243094
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, inclusive, chama a atenção para o contexto histórico: a defesa de relações amigáveis com uma ditadura militar evocou as lembranças da visita do Xá da Pérsia, Reza Pahlavi, a Berlim Ocidental em junho de 1967, um evento-chave para a eclosão das revoltas estudantis.

A objeção de Zerries, relatada por Kramer (2016, p. 233)Kramer, D. (2016). Abschied von der Nachkriegsethnologie: der Fall der DGV-Tagung von 1969. Paideuma, 62, 223-241. https://www.jstor.org/stable/44243094
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, deixa, por sua vez, entrever certa concepção das atribuições da etnologia. O conhecido etnólogo contestou as notícias sobre o genocídio de determinado grupo indígena, porque este já teria sido ‘aculturado’, o que permitiu ao público presente fazer duas indagações: ou a ‘aculturação’ protegia indígenas de serem vítimas de genocídios no Brasil ou se interessar pelos destinos de ‘aculturados’ não fazia parte do trabalho etnológico. Seja qual for o motivo do comentário – ingenuidade, falta de reflexão ou simplesmente um desvio proposital do olhar –, o estrago foi feito e não havia mais condições de acalmar os ânimos.

O evento em Göttingen ficou marcado por debates acalorados, reivindicações por transformações radicais no sistema universitário, diversas acusações políticas e interrupções barulhentas de conferências. No final, depois da ocupação do plenário e dos pódios pelos estudantes, a reunião foi implodida e os representantes do establishment a abandonaram. A moção votada foi encaminhada para a imprensa, mas, antes de o evento terminar, a diretoria da associação já tinha recebido um telegrama do embaixador do Brasil na RFA (naquela época, a embaixada do Brasil ficava em Bonn), exigindo uma lista dos participantes do evento e dos signatários da moção, como Lentz e Thomas (2015, pp. 244-245)Lentz, C., & Thomas, S. (2015). Die Deutsche Gesellschaft für Völkerkunde: Geschichte und aktuelle Herausforderungen. Zeitschrift für Ethnologie, 140(2), 225-253. https://www.jstor.org/stable/24888267
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conseguiram verificar na documentação arquivada da DGV. O novo presidente da DGV, Ernst Wilhelm Müller, no entanto, decidiu não responder nem ceder à cobrança.

Mas os acontecimentos do evento alcançaram outro patamar. Segundo Lentz e Thomas (2015)Lentz, C., & Thomas, S. (2015). Die Deutsche Gesellschaft für Völkerkunde: Geschichte und aktuelle Herausforderungen. Zeitschrift für Ethnologie, 140(2), 225-253. https://www.jstor.org/stable/24888267
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, apenas três dias depois do evento o ministro do Interior do Brasil enviou uma circular às representações diplomáticas do país, acusando os etnólogos alemães de praticar ‘sensacionalismo tendencioso’. Enquanto isso, o governo federal em Bonn solicitou esclarecimentos junto à embaixada alemã no Rio de Janeiro e uma sessão de perguntas e questionamentos (Fragestunde) no parlamento (Bundestag) teve a política indigenista brasileira na pauta, no entanto, sem resultados concretos.

Os acontecimentos na reunião da DGV em Göttingen afetaram todo o clima institucional na área até meados da década de 1970. A ‘revolução’ foi encenada e continuada em alguns institutos e departamentos, como em Marburg, cuja etnologia tradicionalmente tem orientação sul-americanista desde os tempos de von den Steinen e Koch-Grünberg. O diretor do instituto em Marburg, de 1963 a 1988, Horst Nachtigall (1924-2013), foi impedido temporariamente de entrar em seu instituto, onde os estudantes rebeldes instalaram uma autoadministração, inclusive das disciplinas curriculares. Porém, o fôlego revolucionário apagou-se nos anos seguintes (Figura 3).

Figura 3
O Kugelhaus, uma casa do ano 1491, no endereço Kugelgasse 3, Marburg, local do Instituto de Etnologia da Universidade até 2014, quando este mudou para um novo endereço.

DE 1970 À DÉCADA DE 1990

A década de 1970 trouxe uma série de novidades para a etnologia americanista, inclusive o início de uma mudança de gerações. A Declaração de Barbados, resultado do simpósio realizado na ilha caribenha em janeiro de 1971, teve forte influência entre os etnólogos latino-americanistas18 18 Georg Grünberg foi o único participante do simpósio, e signatário da declaração, de um país de língua alemã. Naquela época, ele atuava na Universidade de Berna, na Suíça. . As relações dos indígenas americanos com as sociedades não indígenas e com as instituições dos estados-nação americanos tornaram-se assuntos quase inevitáveis para a etnologia nas universidades e nos museus. Um dos expoentes mais destacados dos novos rumos de uma etnologia crítica e engajada na Alemanha (Ocidental) tem sido Mark Münzel (1943--), o qual, a partir da década de 1970, publicou uma série de trabalhos, em parte para a divulgação científica e informação política, sobre os genocídios e etnocídios praticados em diversos países latino-americanos (Münzel, 1978Münzel, M. (Ed.). (1978). Die indianische Selbstverweigerung: Lateinamerikas ureinwohner zwischen Ausrottung und Selbstbestimmung (Rororo aktuell). Rowohlt., por exemplo). Como Kustos (ou curador) do Museu de Etnologia em Frankfurt, entre 1973 e 1989, Münzel também organizou exposições que denunciaram os destinos de diversos povos indígenas na América Latina e as recorrentes violações de direitos humanos das quais eles foram vítimas19 19 Como exemplo de um catálogo de uma exposição em Frankfurt, ver Münzel (1983). (Figura 4).

Figura 4
Capa do guia da exposição sobre a história e situação contemporânea dos Aché no leste paraguaio, Museu de Etnologia de Frankfurt am Main, 1983. O título, gejagte Jäger, significa ‘caçadores caçados’, alusão direta ao genocídio do qual os Aché foram vítimas.

Münzel teve a coragem de denunciar, junto com o jesuíta e antropólogo espanhol Bartomeu Melià (1932-2019), as incontáveis violações dos direitos indígenas e dos direitos humanos fundamentais cometidas contra os Aché pelas instituições paraguaias sob o regime do ditador Alfredo Stroessner (1912-2006), o que o transformou não só em inimigo do governo paraguaio, mas também mobilizou o apoio ao regime pelas autoridades da RFA. Segundo a reportagem da jornalista Gaby Weber (Weber, 2016Weber, G. (2016). Die “angebliche” Indianerverfolgung in Paraguay. [Audio]. Hörspiel und Feature. https://www.hoerspielundfeature.de/aus-dem-archiv-des-auswaertigen-amtes-die-angebliche-100.html
https://www.hoerspielundfeature.de/aus-d...
), havia tentativas do Ministério de Relações Exteriores da RFA de processar Münzel, com a alegação de colocar em risco as relações diplomáticas amigáveis com Assunção.

Em 2014, Münzel foi homenageado com uma medalha, em Madri, junto com Bartomeu Melià, por ter sido um dos primeiros que denunciaram o genocídio contra os Aché no Paraguai. Como diretor do Instituto de Etnologia na Universidade de Marburg, de 1989 até sua aposentadoria, em 2008, Münzel contribuiu, de forma bem-sucedida, para abrir as portas para uma maior internacionalização da etnologia alemã com enfoque regional latino-americano, principalmente por dialogar com diversas antropologias latino-americanas. Desse modo, ‘internacionalização’ não foi entendida como sinônimo de olhar para as antropologias hegemônicas do hemisfério norte. Tendências parecidas podiam ser observadas em outros institutos com enfoque americanista, como em Bonn e, sobretudo, em Berlim (Ocidental).

Trabalhos acadêmicos sobre as políticas indigenistas dos estados-nação americanos progressivamente tornaram-se aceitáveis nos meios universitários e museais, em particular a partir da década de 1980. Desse modo, o autor deste artigo pôde defender sua tese de doutorado na Universidade de Bonn, em 1993, sobre o surgimento de novas modalidades de organizações políticas indígenas no Brasil a partir da década de 1970 (Schröder, 1993Schröder, P. (1993). União e organização: Zur Entstehung modernen indigenen Widerstands in Brasilien. Eine vergleichende Untersuchung anhand von Fallbeispielen [Tese de doutorado, Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität Bonn].). Estas políticas, indígenas e indigenistas, hoje em dia representam assuntos plenamente aceitos na etnologia alemã, mas também são abordadas, frequentemente, por sociólogos de orientação latino-americanista.

Além dos ambientes acadêmicos e museais, também é necessário mencionar as atividades de etnólogos de língua alemã em organizações não governamentais ambientalistas, de desenvolvimento e de direitos humanos, onde as políticas indigenistas nas Américas têm representado temas constantes nas agendas. Podem ser citadas organizações como a Gesellschaft für bedrohte Völker (GfbV)20 20 A Associação para os Povos Ameaçados (GfbV) é uma organização de direitos humanos internacional que tem suas origens em ações iniciadas em 1968 para denunciar o genocídio em Biafra (Nigéria). Seu trabalho concentra-se em ações contra a discriminação de minorias étnicas, linguísticas e religiosas no mundo inteiro. Desde 1993, ela tem status de conselheira junto ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Para mais informações, ver Gesellschaft für bedrohte Völker (n.d.). ou o Institut für Ökologie und Aktions-Ethnologie (Infoe)21 21 O Instituto de Ecologia e Antropologia da Ação (Infoe) é uma organização não governamental, fundada, em 1987, como associação registrada, com escritórios em Colônia e Zurique. O enfoque de seu trabalho são direitos humanos, principalmente de minorias étnicas, em todas as partes do mundo. A ‘filosofia’ do instituto tem sua inspiração mais importante na action anthropology do antropólogo americano Karl H. Schlesier (1927-2015). Para mais informações, ver Institut für Ökologie und Aktions-Ethnologie (n.d.). .

Vários etnólogos com formação americanista também encontraram empregos na chamada ‘indústria do desenvolvimento’ (development industry). Para estas agências e organizações, os povos indígenas nas Américas representavam, por várias décadas, um assunto irrelevante, em comparação com outros, definidos como prioritários. Apenas na década de 1990 foi possível constatar uma maior abertura da ‘indústria’ por temas que dizem respeito a minorias étnicas, etnicidade e, em termos mais gerais, ‘cultura’. Um dos resultados dessas mudanças nas agendas de uma das agências mais importantes da cooperação técnica alemã é uma coletânea com o título “Indigene Völker in Lateinamerika und Entwicklungszusammenarbeit” (GTZ, 2004Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ). (Ed.). (2004). Indigene Völker in Lateinamerika und Entwicklungszusammenarbeit. GTZ.), com contribuições de diversos etnólogos.

DO OUTRO LADO DA FRONTEIRA: ETNOLOGIA INDÍGENA NA RDA

As informações sobre a etnologia alemã, e sobre a etnologia indígena, depois da Segunda Guerra Mundial ficariam incompletas sem falar da situação na antiga República Democrática Alemã (RDA, ou Deutsche Demokratische Republik - DDR), porque os cenários descritos até agora se referiram apenas à RFA e à Alemanha reunificada. Uma das principais diferenças entre as etnologias nos dois estados alemães era o fato de que na RDA não existia nenhuma separação institucional entre uma versão da área estudando culturas e sociedades em outros continentes e outra voltada para a produção de conhecimentos sobre a própria sociedade. Em outras palavras, Völkerkunde e Volkskunde foram ensinadas e praticadas nos mesmos institutos sob a mesma denominação oficial, Ethnographie. Esta convergência não teve sua origem, como talvez se possa supor, em ideias elaboradas sob o socialismo real na RDA, mas, ao contrário, foi consequência da conceituação soviética da área, pautada no conceito do ‘etnos’22 22 Os nomes dos institutos e museus, no entanto, podiam ser diferentes. Em 1953, por exemplo, o Institut für Völkerkunde, da Universidade Humboldt, em Berlim Oriental, não foi rebatizado como Institut für Ethnographie, mas como Institut für Völkerkunde und deutsche Volkskunde (ver Anderson et al., 2019). . O periódico oficial dos etnólogos na RDA era a “Ethnographisch-Archäologische Zeitschrift” (EAZ), publicado a partir de 1960, cujo volume final foi lançado em 2018, ou seja, ele sobreviveu à reunificação por 27 anos. O título do periódico expressou o objetivo geral da pesquisa etnológica como doutrina de contribuir para elucidar os caminhos da humanidade desde a Urgesellschaft (sociedade primordial) até o comunismo.

Ainda não foi publicada nenhuma sinopse da história da etnologia na RDA, enquanto o livro de Haller (2012)Haller, D. (2012). Die Suche nach dem Fremden: Geschichte der Ethnologie in der Bundesrepublik 1945-1990. Campus. trata principalmente das transformações na RFA. Atualmente, os trabalhos de Ingrid Kreide-Damani representam os estudos mais avançados sobre o assunto (ver Kreide-Damani, 2020Kreide-Damani, I. (2020). Ethnology in the German Democratic Republic (GDR): (Re-)Migration and transfer of knowledge behind the ‘Iron Curtain’. Bérose: Encyclopédie Internationale des Histoires de l’Anthropologie. https://www.berose.fr/article1855.html?lang=fr
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). Além disso, há diversas análises de histórias institucionais locais, por exemplo, uma coletânea sobre etnologia e geografia em Leipzig (Deimel et al., 2009Deimel, C., Lentz, S., & Streck, B. (Eds.). (2009). Auf der Suche nach Vielfalt: Ethnographie und Geographie in Leipzig. Leibniz-Institut für Länderkunde.), com vários artigos que apresentam informações sobre a etnologia naquela cidade, entre 1945 e 1989.

O ambiente institucional era menor do que na RFA, embora alguns museus etnológicos tivessem um staff maior do que teria sido possível no lado capitalista. Os etnólogos da RDA tinham que respeitar certas restrições teóricas e pragmáticas para realizar suas pesquisas. Por um lado, praticamente não existiam opções de inovação teórica além dos parâmetros metateóricos do materialismo dialético e histórico da doutrina marxista-leninista (aliás, matéria obrigatória no ensino superior). Transformações teóricas provocadas por pesquisas de caráter indutivo simplesmente não estavam previstas nos moldes do trabalho científico nas ciências humanas. Por outro lado, as opções de escolher lugares para pesquisas de campo etnológicas também sofriam fortes restrições. Os ‘países fraternais socialistas’ (sozialistische Brüderländer) no Leste europeu, na Ásia e na África eram ideais em comparação com a (quase) totalidade do continente americano, onde, em vários países, a RDA nem gozava de reconhecimento diplomático. Desse modo, pesquisas de campo tinham um papel secundário na prática profissional dos etnólogos da RDA. Etnólogos americanistas, como Klaus-Peter Kästner (1944--), no Museu Etnológico de Dresden, ou Rolf Krusche, no Grassi Museum, em Leipzig, tinham que esperar até a queda do Muro e a reunificação para poder realizar suas pesquisas de campo junto aos Zoé, no norte do Pará, em 1993, 1994 e 1995. Um dos principais resultados, uma descrição etnográfica muito detalhada e bem ilustrada dos Zoé (Kästner, 2007Kästner, K. P. (2007). Zoé – Materielle Kultur, Brauchtum und kulturgeschichtliche Stellung eines Tupí-Stammes im Norden Brasiliens (Abhandlungen und Berichte der Staatlichen Ethnographischen Sammlungen Sachsen, Vol. 53). Verlag für Wissenschaft und Bildung.), apresenta informações contemporâneas atualizadas, mas, ao mesmo tempo, causa estranheza aos leitores de etnografias brasileiras ou internacionais atuais, porque ela foi redigida num formato e com base em questões de história cultural que, inevitavelmente, trazem reminiscências das etnografias alemãs das décadas de 1950 a 1970.

A etnologia indígena, americanista, podia ser praticada principalmente como uma vertente histórica da área, apoiando-se em etnografias antigas, objetos etnográficos (em museus) e leituras atentas de trabalhos científicos importados. Enquanto havia concentrações regionais americanistas em alguns institutos universitários, como em Leipzig, onde Eva Lips (1906-1988), especialista na etnologia da América do Norte indígena, ocupava o cargo de professora catedrática e diretora do instituto23 23 Em Leipzig, Eva Lips deu continuidade, com suas pesquisas sobre ‘modos de produção’, à elaboração e à discussão do conceito de ‘povos colheiteiros’ (Erntevölker), inicialmente proposto por Julius Lips (1895-1950), para se referir a um estágio intermediário, de transição, entre os ‘modos de produção’ de caça e coleta e agricultura. Um exemplo frequentemente citado são os Ojíbuas (Ojibwa) históricos no Canadá e nos EUA (ver Kreide-Damani, 2022). , também existiam grandes coleções etnográficas de proveniências americanas nos museus etnológicos, como em Leipzig e Dresden, com as quais foram realizados estudos históricos e exposições voltadas ao público em geral (ver Staatliches Museum für Völkerkunde Dresden, 1983Staatliches Museum für Völkerkunde Dresden. (1983). Indianer Brasiliens: Ausstellung des Staatlichen Museums für Völkerkunde Dresden zum 100. Geburtstag des Jenenser Indianerforschers Curt Unckel-Nimuendajú. Autor.).

Este quadro mudou radicalmente com a reunificação.

A ETNOLOGIA INDÍGENA NA ALEMANHA ATUAL

Segundo o portal “Arbeitsstelle Kleine Fächer”, atualmente é possível cursar etnologia em 23 universidades na Alemanha, onde os cursos (bachelor, master, doutorado) são oferecidos com diversas denominações24 24 Ver Portal Kleine Fächer (n.d.). Denominações referentes à área, em ordem alfabética: Entwicklungssoziologie und Kulturanthropologie (Sociologia do Desenvolvimento e Antropologia Cultural), Ethnologie, Ethnologie und Kulturanthropologie, Historische Ethnologie, Kultur- und Sozialanthropologie, Kulturwissenschaft mit Schwerpunkt Ethnologie (Ciência da Cultura com enfoque em Etnologia), Sozialanthropologie, Vergleichende Sozial- und Kulturanthropologie (Antropologia Social e Cultural Comparativa), Völkerkunde. . Há institutos em 12 dos 16 estados (Bundesländer), e em seis há mais de um instituto, porém em muitas universidades há apenas um professor titular ou catedrático (isto é, permanente) para a área. Além disso, há diversos museus etnológicos e outros museus com coleções etnográficas. Ironicamente, o maior instituto de etnologia de língua alemã não fica na Alemanha, mas na Áustria, em Viena, sendo, no entanto, o único do país.

Nas últimas três décadas, as especializações regionais dos institutos universitários passaram por transformações. No cenário atual, as regiões do mundo melhor representadas na etnologia alemã universitária são a África Ocidental, Oriental e Meridional, a Ásia Meridional, o Sudeste Asiático e a Ásia Oriental. Embora isto pareça ser, à primeira vista, algum vestígio do antigo império colonial, é importante dizer que o Kaiserreich não tinha colônias no sul e sudeste asiático. A etnologia americanista, por sua vez, não cresceu. Sobraram três institutos com enfoque latino-americanista: na Philipps-Universität Marburg (uma cátedra, Figura 5), na Leibniz-Universität Hannover (também apenas uma cátedra) e na Universidade Livre de Berlim. Em Berlim, porém, a etnologia americanista faz parte das atividades curriculares e de pesquisa do Lateinamerika-Institut (LAI), o qual é interdisciplinar. Nos institutos nas universidades de Hamburgo, Colônia e Munique, é possível se especializar em uma região na América Latina, porém esta não faz parte das principais concentrações regionais. Na Universidade de Leipzig, depois da aposentadoria do diretor Bernhard Streck (1945--), em 2010, não é mais oferecida a especialização regional em América Latina, que, desde meados da década de 1990, caracterizou o Instituto de Etnologia, em particular depois da reunificação.

Figura 5
Corredores no atual Departamento de Antropologia Cultural e Social da Universidade de Marburg, no prédio da antiga Clínica Universitária de Otorrinolaringologia.

A etnologia das culturas indígenas da América do Norte (Nordamerikanistik) praticamente não existe mais na paisagem universitária, enquanto alguns museus, de vez em quando, ainda organizam exposições sobre os indígenas no Canadá e nos EUA. Na Alemanha atual, parece haver mais ‘especialistas’ sobre os indígenas norte-americanos nos ‘clubes de índios’ de hobby e lazer do que em museus e universidades, ou seja, em ambientes onde os indígenas são folclorizados de uma maneira frequentemente contrária à woke culture, ignorando o que muitos consideram politicamente correto. Por outro lado, a existência de um grupo de trabalho permanente com 57 integrantes sobre a América do Norte indígena no âmbito da DGSKA indica que o interesse acadêmico pelos indígenas norte-americanos não desapareceu e até tem chances de revigoramento (DGKSA, 2022Deutsche Gesellschaft für Sozial- und Kulturanthropologie (DGKSA). (2022). Mitteilungen, 55. https://www.dgska.de/wp-content/uploads/2022/06/DGSKA_Mitteilungen_55.pdf
https://www.dgska.de/wp-content/uploads/...
, pp. 62-63).

Concentrações regionais na América Latina, no entanto, não são um sinônimo de etnologia americanista. Os interesses direcionados para a América Latina existem nos mais diversos ambientes universitários na Alemanha, muitas vezes concentrados em cursos ou institutos interdisciplinares. Um dos institutos mais antigos e internacionalmente conhecidos continua a ser o Instituto Ibero-Americano em Berlim (IAI)25 25 Ver Ibero-Amerikanisches Institut (n.d.). , onde é editado e organizado o anuário “Indiana”, dedicado aos estudos das sociedades e culturas indígenas e multiétnicas da América Latina e do Caribe, tanto no passado como na atualidade26 26 Tanto o anuário “Indiana” quanto uma série temática vinculada a ele, “Estudios Indiana”, podem ser acessados e baixados gratuitamente (ver Indiana, 2021). . O anuário oferece um espaço especialmente receptivo para autores latino-americanos, permitindo publicar artigos e resenhas em espanhol e português.

Apesar de a etnologia americanista ter perdido muitos territórios na paisagem institucional alemã, passando a impressão de uma profunda crise e de um tipo de retirada para os últimos pontos defensáveis, podem ser observadas tendências muito interessantes que ainda não foram devidamente analisadas em suas consequências por se tratar de processos em andamento. Eles dizem respeito aos movimentos de docentes e discentes, a transformações de temas e às influências teóricas.

A mais antiga destas tendências, nas relações entre as antropologias alemã e latino-americanas, diz respeito à circulação de pessoas entre seus ambientes acadêmicos, tanto universitários quanto museais, e começou no início do século XX. Nas décadas de 1950 e 1960, tanto Hans Becher quanto Georg Grünberg passaram um tempo em São Paulo no contexto de suas pesquisas de doutorado, enquanto Mark Münzel, também como doutorando, ficou oficialmente vinculado ao Museu Paraense Emílio Goeldi para sua pesquisa de campo entre os Kamaiurá do Alto Xingu, tendo Eduardo Galvão (1921-1976) como supervisor (Münzel, 2009Münzel, M. (2009). Nicht alles verstehen. Paideuma, 55, 7-26.).

A mobilidade de discentes alemães para universidades brasileiras, em geral para um a dois semestres, aumentou consideravelmente nas últimas três décadas. O Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), para citar apenas um exemplo, tem recebido regularmente, desde 2000, diversos alunos das universidades de Hamburgo, Leipzig e Marburg, sobretudo em nível de mestrado. Quanto à mobilidade discente em direção à Alemanha, o LAI e o IAI, em Berlim, representam destinos conhecidos para numerosos discentes latino-americanos desde a década de 1970, mas uma informação surpreendente vem da Universidade de Bonn. No atual Instituto de Arqueologia e Antropologia Cultural (Institut für Archäologie und Kulturanthropologie) da universidade, são oferecidos, respectivamente, quatro cursos de bacharelado e de mestrado27 27 Ver Universität Bonn e Institut für Archäologie und Kulturanthropologie (n.d.). . Segundo Antje Gunsenheimer (comunicação pessoal, 22 fev. 2023), docente no instituto, nos cursos de mestrado em Anthropology of the Americas, coorganizado por arqueólogos e etnólogos, e Kulturstudien zu Lateinamerika (Estudos Culturais sobre a América Latina), coorganizado por etnólogos e romanistas, aproximadamente 80% do alunado são latino-americanos, o que certamente tem a ver com o fato de as línguas de ensino serem espanhol e inglês, ou seja, trata-se de um instituto cujo perfil curricular foi transformado a partir da década de 1990 para atender a demandas de maior internacionalização, num sentido não reduzido à anglofonia.

Por enquanto, não estão disponíveis estatísticas sobre a mobilidade discente entre as antropologias alemã e latino-americana em comparação histórica, o que exigiria realizar levantamentos em diversos órgãos de fomento, no entanto é possível constatar, nas últimas décadas, uma mudança quantitativa expressiva com efeitos prometedores no que diz respeito aos fluxos de ideias, temas e teorias.

Com relação à mobilidade temporária (como professores visitantes, por exemplo) ou à migração de antropólogos entre a Alemanha e diversos países latino-americanos, seria necessário realizar um levantamento histórico abrangente, o que ainda não foi feito, porém talvez não seja muito difícil devido ao universo reduzido. Os casos de Nimuendajú e Baldus, no Brasil, e de Paul Kirchhoff (1900-1972), no México, certamente representam alguns dos exemplos históricos mais conhecidos de etnólogos alemães que optaram pela emigração para países latino-americanos. Biografias de antropólogos latino-americanos que escolheram a Alemanha para sua carreira profissional, no entanto, são menos conhecidas. Podem ser citados os exemplos de María Susana Cipoletti (1947--), antropóloga argentina, que atuou na Universidade de Bonn até sua aposentadoria, em 2013; Teresa Valiente-Catter (1944--), antropóloga peruana que ensina na Universidade Livre de Berlim; ou de Tiago de Oliveira Pinto (1957--), etnomusicólogo brasileiro que atuou nas universidades de Weimar, Jena, Hamburgo e na Universidade Livre de Berlim. Pode ser afirmado, mesmo sem conhecer os números exatos, que a migração de etnólogos alemães para a América Latina tem sido maior do que a de antropólogos latino-americanos para a Alemanha, por uma razão evidente: as grandes dificuldades de alcançar estabilidade profissional no sistema universitário alemão, garantida apenas a partir do cargo de professor catedrático. Estes cargos que, aliás, dão o direito exclusivo ao uso do título de ‘professor’, ainda exigem, sobretudo nas ciências humanas, a elaboração e defesa de uma segunda tese, de ‘habilitação’ (Habilitationsschrift), correspondendo à antiga tese de livre-docência no Brasil, e depois passar por concursos raros e bastante demorados.

Enquanto no início do século XX etnólogos alemães escolheram diversas regiões na América do Sul como destino para suas expedições e pesquisas de campo para depois difundir os conhecimentos adquiridos, transformados em monografias ou outros trabalhos, para o mundo acadêmico transnacional, inclusive para os países onde as pesquisas tinham sido realizadas, no início do século XXI os fluxos parecem estar invertidos, já que os temas predominantes nas antropologias latino-americanas hoje em dia são reencontrados na etnologia latino-americanista alemã. Desse modo, encontramos etnólogos que estudam etnicidade e movimentos étnicos e sociais na América Central e no México – Wolfgang Gabbert (1959--), na Universidade Leibniz, de Hannover –, transformações sociais e culturais entre os Yanomami – Gabriele Herzog-Schröder (1957--), na Universidade Ludwig-Maximilian, de Munique – ou migrações e políticas identitárias na América Central e no Caribe – Ingrid Kummels (1956--), no LAI da Universidade Livre de Berlim –, para citar apenas alguns exemplos.

O que talvez surpreenda menos é a influência temática latino-americana entre os americanistas alemães, que já podia ser observada a partir da década de 1970, mas sobretudo a migração de teorias. Esta tendência ficou evidente inicialmente com a recepção positiva dada aos trabalhos dos antropólogos mexicanos Guillermo Bonfil Batalla (1935-1991) e Rodolfo Stavenhagen (1932-2016, nascido na Alemanha) ou dos brasileiros Darcy Ribeiro (1922-1997) e Roberto Cardoso de Oliveira (1928-2006), entre outros, mas em particular no caso das teorias geralmente conhecidas pelos rótulos de perspectivismo ameríndio e virada ontológica.

Tanto em Marburg (Figura 6) quanto em Berlim, elas foram recebidas de braços abertos e se tornaram, para citar apenas um exemplo, objeto de discussão de um volume inteiro de “Indiana”28 28 Ver Halbmayer (2012). . No Brasil, as influências do perspectivismo ameríndio e da virada ontológica já atravessaram os limites da etnologia indígena e começaram a ser interpretadas como uma nova macroteoria mainstream para a área ou um tipo de passe-partout para os mais diversos temas, como mostra o volume organizado por Meurer e Eitel (2021)Meurer, M., & Eitel, K. (Eds.). (2021). Ecological ontologies: approaching human-environmental engagements (Berliner Blätter, Vol. 84). Gesellschaft für Ethnographie.. No entanto, de maneira parecida com a situação brasileira, estas opções teóricas também são assuntos de análises críticas bastante diferenciadas, às vezes adversas. Mark Münzel, por exemplo, atualmente professor catedrático aposentado (Emeritus) da Universidade de Marburg, certamente foi um dos profissionais mais responsáveis por abrir as portas para a obra de Eduardo Viveiros de Castro (1951--) na etnologia alemã, como se vê na tese de doutorado de Thote (2008)Thote, H. (2008). Die ironische Wissenschaft: über die Brüche in der Völkerkunde (Borges, Greenblatt, Viveiros de Castro). Curupira., orientada por Münzel. Ao mesmo tempo, ele publicou recentemente dois trabalhos (Münzel, 2017Münzel, M. (2017). Jaguar und Wildschwein, eine Fabel für Menschen. Oder: der Aufstieg des Jaguars zum Himmel, ein Karriereleitfaden für Wissenschaftler (GISCA Occasional Papers, No. 9). Institute of Social and Cultural Anthropology., 2019Münzel, M. (2019). Nietzsche, un Apóstol Tomás entre jabalíes. Disparidades: Revista de Antropología, 74(2), e017. https://doi.org/10.3989/dra.2019.02.017
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) em que articulou críticas muito severas e contundentes contra o perspectivismo ameríndio, acusando-o de oferecer a falsa ilusão de um acesso facilitado às cosmovisões indígenas inspirando-se em filosofias europeias29 29 O tom irônico e às vezes cáustico é perceptível logo no resumo do artigo de 2019: “En el siglo XVI los europeos reconocían en los mitos indígenas ciertos aspectos del cristianismo, lo que les parecía la prueba de que el apóstol Tomás había predicado en Sudamérica. En esta misma tradición de interpretatio romana, hoy algunos antropólogos reconocen a Nietzsche al escuchar los mitos indígenas. En la primera parte de este ensayo aporto un ejemplo del modo como prefiero interpretar dos textos indígenas: sobre la base de su contexto histórico no-europeo. Muestro las dificultades que existen para su digestión, puesto que su lectura es difícil si no son deformados para hacer su consumo más fácil, ya sea por los cristianos o por los nietzscheanos. En la segunda parte, describo el camino contrario: cómo se puede vencer lo extraño de un texto hasta que sea de acceso universal tan fácil de consumir como una hamburguesa. Es el proyecto de un perspectivismo que, a pesar de llamarse indígena (amerindio en el Brasil), adopta una perspectiva, no tanto indígena sino nietzscheana, en un acercamiento fascistoide a Nietzsche. En la tercera parte, vuelvo a una explicación del texto indígena según los datos” (Münzel, 2019, p. 1). . É necessário frisar que o alvo principal das críticas de Münzel explicitamente não é a obra de Viveiros de Castro, mas os trabalhos de seus seguidores, ou seja, usando uma analogia, não é Freud que é criticado, mas os freudianos.

Figura 6
Parede de uma sala de aula decorada com retratos de ancestralidades e atualidades na área de Antropologia Cultural e Social da Universidade de Marburg. O arranjo foi feito sem pretensões de ordem genealógica. Para os leitores que podem achar estranha a imagem de Hans Staden (Staden, 1557Staden, H. (1557). Warhaftige Historia und Beschreibung eyner Landschafft der Wilden/Nacketen/Grimmigen Menschenfresser Leuthen/ in der Newenwelt America gelegen. Marburg.): seu famoso livro foi publicado em Marburg, em 1557.

Para concluir, podemos constatar transformações profundas nas relações da etnologia americanista alemã com as antropologias latino-americanas, no decorrer de quase um século e meio: inicialmente, uma posição hegemônica (até a década de 1930), depois, um declínio considerável até uma relativa invisibilidade, mas, a partir da década de 1970, uma crescente influência temática e teórica latino-americana que permite diagnosticar uma inversão nas relações tradicionalmente assimétricas entre uma antropologia europeia e as diversas antropologias latino-americanas. Será necessário observar a continuidade das tendências constatadas nas últimas décadas para poder confirmar se se trata de transformações definitivas. Além disso, também será necessário verificar eventuais transformações parecidas em outras ciências humanas, já que etnologia das culturas e sociedades indígenas nas Américas continua a ser uma subárea bastante marginalizada na Alemanha atual, apesar dos méritos de suas pesquisas, no passado e no presente. Será uma tarefa meritória para um trabalho futuro investigar se, na subárea da etnologia indígena, as relações entre a etnologia alemã e as antropologias latino-americanas não passaram por um processo lento de decolonização, rompendo com padrões antigos e estruturas hegemônicas estabelecidas.

AGRADECIMENTOS

Este artigo é resultado parcial de um projeto de pesquisa financiado com recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na modalidade Produtividade em Pesquisa (PQ): “Curt Unckel Nimuendajú: por uma biografia científica em perspectiva transnacional. Uma contribuição à história da Antropologia no Brasil no cenário internacional” (processo n. 306567/2019-9; 2020-2023). O presente trabalho também foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) – código de financiamento 001, no âmbito do programa PROBRAL (CAPES/DAAD), edital n. 09/2023 (processo n. 88887.895125/2023-01, “As relações entre as antropologias de língua alemã e brasileira no século XX)”. Também agradeço ao referee anônimo deste artigo por sua leitura atenta e suas sugestões. Agradeço tanto aos dois órgãos de fomento pelos auxílios quanto aos pareceristas anônimos pelos comentários e sugestões.

  • 1
    Este artigo é uma versão avançada de um trabalho apresentado no Grupo de Trabalho (GT) 46 “História(s) da(s) Antropologia(s): temas e tendências”, na 33ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 28 de agosto a 03 de setembro de 2022, em formato remoto. Ideias iniciais para o artigo foram apresentadas em 2015, numa comunicação durante a V Reunião Equatorial de Antropologia (REA)/XIV Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste (ABANNE), realizada em Maceió.
  • 2
    Para exemplo, ver Petermann (2010)Petermann, W. (2010). Anthropologie unserer Zeit. Peter Hammer..
  • 3
    Naquela época, no Instituto de Etnologia da Universidade de Colônia, a diretora, Ulla Johansen, proclamou autoritariamente que a etnologia ‘começa ao sul dos Alpes’. Porém, poucos anos mais tarde ela se tornou protagonista na coordenação de pesquisas sobre o tema etnicidade com migrantes turcos na sociedade alemã, agora recebendo críticas de colegas de outras instituições de ter abandonado a etnologia a favor de uma ‘sociologia’.
  • 4
    A DGV foi fundada em 1929, em Leipzig, tendo no americanista Fritz Krause (1881-1963) seu principal idealizador. O nome da associação inicialmente era apenas Gesellschaft für Völkerkunde, para sublinhar sua orientação transnacional. De fato, nos primeiros anos faziam parte, entre seus sócios, antropólogos de diversas nacionalidades, como Franz Boas, Alfred Kroeber ou Edward E. Evans-Pritchard, o que mudou a partir de 1933. Ainda não foi publicado nenhum estudo abrangente sobre a história da DGV, o que se apresenta como um desafio instigante por causa das enormes transformações políticas, majoritariamente dramáticas e traumáticas, pelas quais passou a Alemanha durante o século XX e que afetaram os rumos e as políticas internas da associação. Por enquanto, apenas existem trabalhos menores que oferecem boas sínteses, como o artigo de Lentz e Thomas (2015)Lentz, C., & Thomas, S. (2015). Die Deutsche Gesellschaft für Völkerkunde: Geschichte und aktuelle Herausforderungen. Zeitschrift für Ethnologie, 140(2), 225-253. https://www.jstor.org/stable/24888267
    https://www.jstor.org/stable/24888267...
    ou, em inglês, em versão menos detalhada, Lentz e Thomas (2018)Lentz, C., & Thomas, S. (2018). German anthropological association/Deutsche Gesellschaft für Sozial- und Kulturanthropologie (DGSKA). In H. Callan (Ed.), The International Encyclopedia of Anthropology (pp. 1-11). John Wiley & Sons.. A Volkskunde também tem uma associação própria, a Deutsche Gesellschaft für Volkskunde, fundada em 1963, em Marburg, mas sua sigla se escreve com minúsculas (dgv).
  • 5
    Ver Portal Kleine Fächer (n.d.)Portal Kleine Fächer. (n.d.). Departamento Pequenas Áreas. http://www.kleinefaecher.de/
    http://www.kleinefaecher.de/...
    .
  • 6
    Bastian foi um dos primeiros etnólogos profissionais na Alemanha, fundador e primeiro diretor do Museu Real de Etnologia (Königliches Museum für Völkerkunde; hoje Museu de Etnologia), em Berlim, em 1873. Viajante, colecionador e autor incansável, foi formador e apoiador de toda uma geração de etnólogos alemães, inclusive de Boas.
  • 7
    Um dos exemplos históricos mais absurdos foi certamente o projeto da colônia Nueva Germania, no Paraguai, fundada em 1886, sob a liderança de Bernhard Förster (1843-1889), cunhado de Friedrich Nietzsche (1844-1900) (Fischer, 2015Fischer, M. (2015). Images from the colony Nueva Germania in Paraguay. In M. Fischer & M. Kraus (Eds.), Exploring the archive: historical photography from Latin America: the collection of the Ethnologisches Museum Berlin (pp. 318-337). Böhlau Verlag.). Förster, agitador antissemita, queria criar no Paraguai pós-guerra um microcosmo arianista, no entanto sofreu um fracasso contundente com seus planos e cometeu suicídio em 1889. É importante frisar que o projeto de Förster não tem nada a ver com as ideias filosóficas do cunhado, apesar dos esforços incansáveis da viúva, a irmã de Nietzsche, de vincular a filosofia do irmão à ideologia arianista quando ele já estava em estado avançado de demência e, depois, post mortem.
  • 8
    Pode ser citada, por exemplo, a obra internacionalmente conhecida de Hubert Fichte (1935-1986), sobretudo o etnopoético “Xangô” (Fichte, 1976Fichte, H. (1976). Xangô: die afroamerikanischen Religionen - Bahia, Haiti, Trinidad. Fischer.).
  • 9
    Também existem sistemas de classes de idade em algumas sociedades indígenas sul-americanas, como entre os Xavante e Xerente, mas só no período depois da Segunda Guerra Mundial eles receberam a devida atenção (Bernardi, 1985Bernardi, B. (1985). Age class systems: social institutions and polities based on age. Cambridge University Press.). Por isso, o estudo desses sistemas geralmente ficou conhecido na história da antropologia como parte das tradições africanistas. A monografia de Curt Nimuendajú (1883-1945) (Nimuendajú, 1942Nimuendajú, C. (1942). The Šerente. Southwest Museum.) foi pioneira entre as pesquisas sobre o sistema de classes de idade dos Xerente.
  • 10
    Ver Rosa e Vermeulen (2022)Rosa, F. D., & Vermeulen, H. F. (Eds.). (2022). Ethnographers before Malinowski: pioneers of anthropological fieldwork, 1870-1922. Berghahn Books..
  • 11
    Nas correspondências de Nimuendajú com seus interlocutores em Leipzig, Dresden e Berlin, arquivadas nos museus etnológicos destas cidades, são explícitas suas preocupações de representar adequadamente determinadas culturas indígenas por meio da organização de coleções etnográficas (Schröder, 2019bSchröder, P. (2019b). Nimuendajú e o Museu Etnológico de Berlim: história de uma coleção (quase) esquecida. Bérose: Encyclopédie Internationale des Histoires de l’Anthropologie. https://www.berose.fr/article1647.html?lang=fr
    https://www.berose.fr/article1647.html?l...
    ). Apenas a partir da colaboração posterior com Robert Lowie (1883-1957), os estudos de sistemas de parentesco e das organizações sociais indígenas tornaram-se um novo enfoque de suas pesquisas etnográficas. Para um verbete com as informações básicas sobre o etnólogo brasileiro de origem alemã, ver Schröder (2023)Schröder, P. (2023). Curt Nimuendajú. Enciclopédia de Antropologia. https://ea.fflch.usp.br/autor/curt-nimuendaju
    https://ea.fflch.usp.br/autor/curt-nimue...
    .
  • 12
    Apresentar a teoria estrutural de Krause neste artigo extrapolaria seu escopo. Krause conceituou culturas como sistemas dinâmicos, com subsistemas denominados ‘círculos de vida’ (Lebenskreise). Sua teoria representou não apenas uma alternativa ao difusionismo da Escola de Viena, mas também ao funcionalismo estrutural britânico da época (Wolfrath, 2011Wolfrath, U. (2011). Ethnologie und Psychologie: Die Leipziger Schule der Völkerpsychologie. Reimer.). Será uma tarefa meritória apurar em outro trabalho por que até recentemente sua teoria ficou quase esquecida na história da antropologia.
  • 13
    Ver Fach Sozial- und Kulturanthropologie, Philipps-Universität Marburg (n.d.)Fach Sozial- und Kulturanthropologie, Philipps-Universität Marburg. (n.d.). Nachlass Theodor Koch-Grünberg. https://www.uni-marburg.de/de/fb03/ivk/fachgebiete/sozial-und-kulturanthropologie/ethnographische-sammlung/nachlass-koch-gruenberg
    https://www.uni-marburg.de/de/fb03/ivk/f...
    .
  • 14
    Uma parte dos leitores, contudo, pode se lembrar da expedição liderada por Otto Schultz-Kampfhenkel (1910-1989) entre setembro de 1935 e março de 1937 (Flachowsky & Stoecker, 2011Flachowsky, S., & Stoecker, H. (Orgs.). (2011). Vom Amazonas an die Ostfront: der Expeditionsreisende und Geograph Otto Schultz-Kampfhenkel (1910-1989). Böhlau Verlag.). No entanto, a Expedição Amazonas-Jari, como ela ficou conhecida, foi um episódio isolado e Schultz-Kampfhenkel não era etnólogo, embora ele tenha levado para a Alemanha cerca de mil objetos etnográficos, posteriormente entregues ao Museu Etnológico de Berlim, dos quais apenas 445 ficaram registrados nos livros de entrada do museu (Haas, 2017Haas, R. (2017). The Apalai and Wayana collection in the Ethnologisches Museum Berlin: history of the collection, research approaches and digitization. In B. Hoffmann & K. Noack (Eds.), APALAI – TIRIYÓ – WAYANA: objects collections databases (pp. 109-130) (Bonner Amerikanistische Studien, No. 52). Shaker Verlag. https://www.shaker.de/Online-Gesamtkatalog-Download/2024.06.21-23.27.39-177.65.140.4-radC25EA.tmp/3-8440-4812-X_INH.PDF
    https://www.shaker.de/Online-Gesamtkatal...
    ).
  • 15
    O livro é resultado de um projeto de pesquisa ambicioso e muito interessante. Uma parte do material de pesquisa, sobretudo as entrevistas, pode ser acessada através do portal Interviews with German Anthropologists (n.d.)Interviews with German Anthropologists. (n.d.). Interviews with German anthropologists: video Portal for the History of German Anthropology post 1945. www.germananthropology.com
    www.germananthropology.com...
    .
  • 16
    Até uma reação cômica por ser citada como exemplo. O mexicanista e especialista em etno-história asteca, Peter Tschohl (1935-2007), em uma aula, assistida pelo autor deste artigo, no Instituto de Etnologia da Universidade de Colônia, na década de 1980, respondeu a um aluno que ‘ousou’ se referir ao estruturalismo francês para abordar uma questão debatida em sala de aula: “Verschonen Sie uns mit diesem Nebelgiganten! [nos poupe desse gigante da nebulosidade]”. Observação: Tschohl era um pesquisador extremamente criterioso, rigoroso e exigente no trabalho com fontes históricas e, ao mesmo tempo, um teórico sempre aberto para discutir inovações teóricas e metodológicas na área.
  • 17
    Talvez outros interesses, pouco acadêmicos, também estivessem envolvidos. A revista de circulação nacional “Der Spiegel” (Hamburgo) publicou, em sua edição n. 39, de 17/09/1967, nas pp. 88-89 (ver Der Spiegel, 1967Der Spiegel. (1967, set. 17). Tränen im Busch. Spiegel. https://www.spiegel.de/politik/traenen-im-busch-a-7a3f702d-0002-0001-0000-000046369370?context=issue
    https://www.spiegel.de/politik/traenen-i...
    ), uma matéria horripilante sobre uma viagem organizada pela empresa Wagons-Lits Cook para turistas abastados, oferecendo uma “viagem dos sonhos e das superlativas. . . aos últimos índios”, guiada por Becher. O destino eram as aldeias dos Surára e Pakidái, onde o etnólogo tinha realizado sua pesquisa de campo na década anterior, mas o órgão indigenista não autorizou a visita, mesmo com a dúzia de turistas alemães já estando em Manaus. Depois de diversas peripécias e conflitos internos, envolvendo insultos, álcool e acusações mútuas, o grupo até chegou a visitar os Waiká, mas, ao que parece, o turismo indígena com acompanhamento etnológico foi um fracasso total e acabou em ação judicial contra Becher na RFA. É difícil avaliar a partir da matéria o que aconteceu de fato durante a viagem, mas a descrição jornalística sugere algo como uma opera buffa com ranços coloniais.
  • 18
    Georg Grünberg foi o único participante do simpósio, e signatário da declaração, de um país de língua alemã. Naquela época, ele atuava na Universidade de Berna, na Suíça.
  • 19
    Como exemplo de um catálogo de uma exposição em Frankfurt, ver Münzel (1983)Münzel, M. (1983). Gejagte Jäger, Teil 1: die Aché in Ostparaguay (Roter Faden zur Ausstellung, Vol. 6). Museum für Völkerkunde..
  • 20
    A Associação para os Povos Ameaçados (GfbV) é uma organização de direitos humanos internacional que tem suas origens em ações iniciadas em 1968 para denunciar o genocídio em Biafra (Nigéria). Seu trabalho concentra-se em ações contra a discriminação de minorias étnicas, linguísticas e religiosas no mundo inteiro. Desde 1993, ela tem status de conselheira junto ao Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC). Para mais informações, ver Gesellschaft für bedrohte Völker (n.d.)Gesellschaft für bedrohte Völker. (n.d.). Associação para os Povos Ameaçados. https://www.gfbv.de/
    https://www.gfbv.de/...
    .
  • 21
    O Instituto de Ecologia e Antropologia da Ação (Infoe) é uma organização não governamental, fundada, em 1987, como associação registrada, com escritórios em Colônia e Zurique. O enfoque de seu trabalho são direitos humanos, principalmente de minorias étnicas, em todas as partes do mundo. A ‘filosofia’ do instituto tem sua inspiração mais importante na action anthropology do antropólogo americano Karl H. Schlesier (1927-2015). Para mais informações, ver Institut für Ökologie und Aktions-Ethnologie (n.d.)Institut für Ökologie und Aktions-Ethnologie. (n.d.). Instituto de Ecologia e Antropologia da Ação. www.infoe.de
    www.infoe.de...
    .
  • 22
    Os nomes dos institutos e museus, no entanto, podiam ser diferentes. Em 1953, por exemplo, o Institut für Völkerkunde, da Universidade Humboldt, em Berlim Oriental, não foi rebatizado como Institut für Ethnographie, mas como Institut für Völkerkunde und deutsche Volkskunde (ver Anderson et al., 2019Anderson, D. G., Arzyutov, D. V., & Alymov, S. S. (Eds.). (2019). Life histories of Etnos theory in Russia and beyond. Open Book Publishers.).
  • 23
    Em Leipzig, Eva Lips deu continuidade, com suas pesquisas sobre ‘modos de produção’, à elaboração e à discussão do conceito de ‘povos colheiteiros’ (Erntevölker), inicialmente proposto por Julius Lips (1895-1950), para se referir a um estágio intermediário, de transição, entre os ‘modos de produção’ de caça e coleta e agricultura. Um exemplo frequentemente citado são os Ojíbuas (Ojibwa) históricos no Canadá e nos EUA (ver Kreide-Damani, 2022Kreide-Damani, I. (2022). The grand dame of ethnology in Leipzig: a biography of Eva Lips. Bérose: Encyclopédie Internationale des Histoires de l’Anthropologie. https://www.berose.fr/article2582.html?lang=fr
    https://www.berose.fr/article2582.html?l...
    ).
  • 24
    Ver Portal Kleine Fächer (n.d.)Portal Kleine Fächer. (n.d.). Departamento Pequenas Áreas. http://www.kleinefaecher.de/
    http://www.kleinefaecher.de/...
    . Denominações referentes à área, em ordem alfabética: Entwicklungssoziologie und Kulturanthropologie (Sociologia do Desenvolvimento e Antropologia Cultural), Ethnologie, Ethnologie und Kulturanthropologie, Historische Ethnologie, Kultur- und Sozialanthropologie, Kulturwissenschaft mit Schwerpunkt Ethnologie (Ciência da Cultura com enfoque em Etnologia), Sozialanthropologie, Vergleichende Sozial- und Kulturanthropologie (Antropologia Social e Cultural Comparativa), Völkerkunde.
  • 25
    Ver Ibero-Amerikanisches Institut (n.d.)Ibero-Amerikanisches Institut. (n.d.). Preußischer Kulturbesitz. https://www.iai.spk-berlin.de/pt/home.html
    https://www.iai.spk-berlin.de/pt/home.ht...
    .
  • 26
    Tanto o anuário “Indiana” quanto uma série temática vinculada a ele, “Estudios Indiana”, podem ser acessados e baixados gratuitamente (ver Indiana, 2021Indiana. (2021). Anthropologische Studien zu Lateinamerika und der Karibik. Ibero-Amerikanisches Institut. https://www.iai.spk-berlin.de/pt/publicacoes/indiana.html
    https://www.iai.spk-berlin.de/pt/publica...
    ).
  • 27
    Ver Universität Bonn e Institut für Archäologie und Kulturanthropologie (n.d.)Universität Bonn & Institut für Archäologie und Kulturanthropologie. (n.d.). https://www.iak.uni-bonn.de/de
    https://www.iak.uni-bonn.de/de...
    .
  • 28
    Ver Halbmayer (2012)Halbmayer, E. (2012). Debating animism, perspectivism and the construction of ontologies. Indiana, 29, 9-23..
  • 29
    O tom irônico e às vezes cáustico é perceptível logo no resumo do artigo de 2019: “En el siglo XVI los europeos reconocían en los mitos indígenas ciertos aspectos del cristianismo, lo que les parecía la prueba de que el apóstol Tomás había predicado en Sudamérica. En esta misma tradición de interpretatio romana, hoy algunos antropólogos reconocen a Nietzsche al escuchar los mitos indígenas. En la primera parte de este ensayo aporto un ejemplo del modo como prefiero interpretar dos textos indígenas: sobre la base de su contexto histórico no-europeo. Muestro las dificultades que existen para su digestión, puesto que su lectura es difícil si no son deformados para hacer su consumo más fácil, ya sea por los cristianos o por los nietzscheanos. En la segunda parte, describo el camino contrario: cómo se puede vencer lo extraño de un texto hasta que sea de acceso universal tan fácil de consumir como una hamburguesa. Es el proyecto de un perspectivismo que, a pesar de llamarse indígena (amerindio en el Brasil), adopta una perspectiva, no tanto indígena sino nietzscheana, en un acercamiento fascistoide a Nietzsche. En la tercera parte, vuelvo a una explicación del texto indígena según los datos” (Münzel, 2019Münzel, M. (2019). Nietzsche, un Apóstol Tomás entre jabalíes. Disparidades: Revista de Antropología, 74(2), e017. https://doi.org/10.3989/dra.2019.02.017
    https://doi.org/10.3989/dra.2019.02.017...
    , p. 1).
  • Schröder, P. (2024). Etnologia indígena na Alemanha: do legado bastiano até o cenário atual. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 19(2), e20230067. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2023-0067.

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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Ago 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2023
  • Aceito
    20 Fev 2024
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