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A Santa Sé frente aos ‘escândalos de Putumayo’, no Peru: a viagem apostólica de Giovanni Genocchi à América (1911-1912)

The Holy See in the face of the Putumayo scandals in Peru: the apostolic journey of Giovanni Genocchi to America (1911-1912)

Resumo

Este artigo analisa a viagem apostólica de Giovanni Genocchi a Argentina, Chile, Peru e Brasil, realizada entre os anos de 1911 e 1912, para investigar as denúncias de escravizações, extermínios e torturas de indígenas que ocorriam na região de Putumayo, no Peru, e em vários países latino-americanos. Outros objetivos da viagem eram estudar a viabilidade de criar uma missão religiosa em Putumayo e propor um plano de reorganização das missões entre os indígenas, assim como da Igreja Católica na América Latina. A Santa Sé pretendia promover reformas que favorecessem a expansão institucional e a evangelização dos indígenas e de toda a sociedade. Para tal, enfoco as narrativas apostólicas de Genocchi para problematizar a lógica da colonialidade. As fontes foram obtidas no Arquivo Apostólico do Vaticano e no Archivio Storico di Propaganda Fide, entre outros.

Palavras-chave
Amazônia; Santa Sé; Igreja Católica; Putumayo; Escravidão; Indígenas

Abstract

This article analyses the apostolic journey of Giovanni Genocchi to Argentina, Chile, Peru and Brazil, carried out between the years 1911 and 1912. The goal of this journey was to investigate the denunciations of enslavement, extermination and torture of indigenous people that were taking place in the region of Putumayo, in Peru, and in several Latin American countries. Other objectives of the trip were to study the feasibility of creating a religious mission in Putumayo and to propose a plan for reorganizing the missions among the indigenous people as well as the Catholic Church in Latin America. The Holy See intended to promote reforms that would favour institutional expansion and the evangelization of the indigenous people and the whole of society. To this end, I focus on Genocchi’s apostolic narratives in order to problematize the logic of coloniality. Sources were obtained from the Vatican Apostolic Archive and the Archive of Propaganda Fide, among others.

Palavras-chave
Amazonia; Holy See; Catholic Church; Putumayo; Slavery; Indigenous people

Este artigo analisa a viagem apostólica realizada por Giovanni Genocchi a Argentina, Chile, Peru e Brasil, entre os anos de 1911 e 1912, a fim de averiguar as denúncias de escravizações, extermínios, torturas e maus-tratos de indígenas que ocorriam na região de Putumayo, no Peru, e em outros países da América Latina. Outros objetivos eram avaliar as circunstâncias civis e religiosas das missões católicas, ver a viabilidade de fundar uma missão em Putumayo e elaborar propostas que permitissem a Santa Sé intervir na reorganização eclesiástica da Igreja na América Latina. Durante o percurso, Genocchi enviou 12 relatórios à Secretaria de Estado, além de inúmeras correspondências e telegramas a familiares e amigos.

Ao revisitar as narrativas apostólicas de Genocchi, não se pretende inquirir “seus métodos, motivos e resultados . . . falhas lógicas ou ideológicas, exigindo deles o que [ele] não se [propôs]”, mas analisar como ele enfocou o “objeto, as ideias básicas que organizam a representação desse objeto e sua posição no tempo e lugar” e captar suas práticas enquanto “dotadas de sentido, peso político e significado histórico na dinâmica da sociedade (Sader et al., 1983Sader, E., Paoli, M. C., & Telles, V. (1983). Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico. Revista Brasileira de História, 3(6), 129-149. https://www.anpuh.org/revistabrasileira/view?id_revista_brasileira=34
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, pp. 130-131). Para tal, problematiza-se a lógica da colonialidade, presente nas narrativas de Genocchi, a partir das contribuições de Quijano (1992Quijano, A. (1992). Colonialidad y modernidad/racionalidad. Perú Indigena, 13(29), 11-20. https://www.lavaca.org/wp-content/uploads/2016/04/quijano.pdf
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, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas (pp. 107-130). CLACSO. https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf
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, 2012)Quijano, A. (2012). “Bien vivir”: entre el “desarrollo” y la des/colonialidad del poder. Viento Sur, (122), 46-56. https://vientosur.info/wp-content/uploads/spip/pdf/VS122_A_Quijano_Bienvivir---.pdf
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, Dussel (2005)Dussel, E. (2005). Europa, modernidade e eurocentrismo. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais - perspectivas latino-americanas (pp. 25-34). CLACSO., Mignolo (2017)Mignolo, W. D. (2017). Colonialidade: o lado mais escuro da modernidade. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(94), e329402. https://doi.org/10.17666/329402/2017
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e Ballestrin (2013)Ballestrin, L. (2013). América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, (11), 89-117. https://doi.org/10.1590/S0103-33522013000200004
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.

Genocchi reproduziu e endossou as imagens sobre a América e a Amazônia veiculadas, desde a colonização europeia, pelos navegadores, missionários, militares, estadistas, homens da ciência1 1 Naturalistas, zoólogos, botânicos, topógrafos, ictiólogos, agrimensores, médicos, mineralogistas etc. e viajantes nacionais e estrangeiros (euro-norte-americanos) que procuraram captar a América e a Amazônia, mas sem as absorver. Essas imagens fomentaram a subalternidade e a marginalização da América em relação à Europa e aos Estados Unidos, isto é, às sociedades qualificadas como ‘civilizadas’, ‘cristãs’ e capitalistas. O ‘mito amazônico’, por exemplo, forjou marcas distintivas, as quais foram ‘petrificadas’ e transformadas em ‘clichês’ e ‘estereótipos’, mas que legitimavam a dominação, o controle e a exploração (Siganos, 2002Siganos, A. (2002). O mito amazônico: algumas preocupações teóricas e operacionais. Leituras da Amazônia: Revista Internacional de Arte e Cultura, 2(2)., p. 154).

A viagem apostólica foi objeto dos estudos celebrativos, tais como os de Ceresi (1934)Ceresi, V. (1934). Padre Genocchi. Tipografia Poliglotta Vaticana. e Turvasi (1988)Turvasi, F. (1988). Giovanni Genocchi and the Indians of South America, 1911-1913. Gregorian Biblical Bookshop., que eram confrades na Sociedade dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus, e os de Bedeschi (1968)Bedeschi, L. (1968). La curia romana durante la crisi modernista: episodi e metodi di governo. Guanda., Cerrato (1999)Cerrato, R. (1999). Giovanni Genocchi. In Dizionario biografico degli italiani (Vol. 53, pp. 134-138). Istituto della Enciclopedia Italiana. e Bonizzi (2012)Bonizzi, C. (2012). La visita apostolica in America Latina di Giovanni Genocchi. Rassegna di Teologia, 53, 299-305.. Grignani (2013Grignani, M. L. (2013). En pro de la religión y de la dignidad humana. Las fuentes chilenas de la encíclica “Lacrimabili statu Indorum” de Pío X y la solicitud pastoral de la Santa Sede. Teología y Vida, 54(2), 339-374. http://dx.doi.org/10.4067/S0049-34492013000200007
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, 2018)Grignani, M. L. (2018). Per gl’indi del Sudamerica. Missione pontificia di studio: relazioni e scritti di Giovanni Genocchi visitatore apostolico in America Latina (1911-1913). Edizioni di Storia e Letteratura., por sua vez, reuniu os documentos relativos à visita apostólica.

AS DENÚNCIAS SOBRE ESCRAVIZAÇÃO E EXTERMÍNIO DE INDÍGENAS EM PUTUMAYO, NO PERU

Putumayo, no Peru, compreendia a região banhada por dois afluentes do rio Putumayo, os rios Igaraparaná e o Caraparaná – que desembocavam no Putumayo antes da sua junção com o rio Amazonas –, tendo, aproximadamente, 10.000 milhas quadradas. Era limitada a oeste pelo Equador, a norte pela Colômbia, a sul pelo Peru e a leste pelo Brasil, sendo que o seu território era reivindicado pelo Peru e pela Colômbia2 2 Em 1901, devido ao acirramento das disputas territoriais, o governo peruano estabeleceu uma alfândega e um posto militar no rio Putumayo e enviou uma comissão para confeccionar mapas e levantamentos sobre a região, a fim de assegurar a posse. Com isso, a violência aumentou com ataques a brasileiros, colombianos e norte-americanos que adentravam no território peruano para explorar o látex ou para escravizar indígenas. Diante disso, o governo brasileiro instalou uma alfândega na foz do rio Amônia, na fronteira entre o Brasil e o Peru. . A região pertencia ao departamento de Loreto, cuja capital era Iquitos.

Em 1902, o peruano Julio César Araña del Águila criou a empresa J. C. Arana e Hermanos, conhecida como Casa Arana, que passou a controlar grande quantidade de terras em Putumayo. A sede da empresa localizava-se em Iquitos, mas tinha uma sucursal em Manaus (que funcionou entre os anos 1903 e 1914) e escritórios nas cidades de Londres e New York. Em 1908, Julio César vendeu ações a britânicos e franceses, convertendo sua empresa na Peruvian Amazon Rubber Company, com sede em Londres. A empresa praticamente monopolizava a produção de borracha no Peru, que era escoada para o mercado industrial internacional pelos portos de Manaus e Belém. Os principais compradores eram a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, que demandavam matéria-prima para a produção de pneumático.

No Peru, era vista como uma empresa que levava civilização e progresso a Putumayo, além de assegurar a soberania nacional nas fronteiras internacionais e, por isso, usufruía de ampla autonomia do governo. Sua milícia era mais presente e equipada do que as tropas peruanas e colombianas. Os efetivos eram formados por indígenas e barbadianos, e seu papel era escravizar indígenas, manter a disciplina de trabalho e afastar os intrusos (a fim de manter o monopólio da Peruvian).

As populações indígenas foram escravizadas, com a anuência das autoridades peruanas, e tornaram-se vítimas de tráfico nacional e internacional pelos agentes da Peruvian, por traficantes e seringalistas de diversos países. Outros crimes cometidos foram as execuções, as explorações sexuais (haréns de mulheres, estupros, prostituição), as torturas (açoitar, atear fogo, amputar, afogar, privar de alimentação) etc. Os assédios e a ocupação dos territórios indígenas tiveram outros efeitos, como a escassez de alimentos e, consequentemente, a morte por fome e desnutrição de milhares de indígenas. Em suma, ocorriam em Putumayo um brutal e criminoso genocídio, a pilhagem e espoliação extrativista e as acumulações globalizadas de capitais.

Em 1907, Benjamín Saldaña Rocca denunciou os crimes da Peruvian nos jornais “La Felpa”, “La Sancion”, “El Comercio” e “La Prensa”. Nesse ano, surgiram acusações no “Jornal do Commercio” e na “Folha do Norte”, editados em Manaus (Marin, 2023Marin, J. R. (2023). As repercussões internacionais do genocídio das populações indígenas em Putumayo, no Peru, e as reações da Santa Sé. Revista Territórios & Fronteiras, 16(1), 178-208. https://doi.org/10.22228/rtf.v16i1.1108
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). Entre setembro e novembro de 1909, Walter Ernest Hardenburg, que viajou pela região de Putumayo, levou as acusações e a necessidade de apurar as responsabilidades por tais crimes ao público britânico, ao divulgar várias reportagens no jornal escocês “The Herald” e na revista londrina “Truth”, cuja manchete era “The devil’s paradise” (O paraíso do diabo) (Hardenburg, 1912Hardenburg, W. E. (1912). The Putumayo, the devil’s paradise: travels in the Peruvian Amazon region and an account of the atrocities committed upon the Indians therein. T. Fisher Unwin.). Posteriormente, os jornais ingleses “The Daily Telegraph” e “The Times” e o norte-americano “The New York Times” deram ampla publicidade ao caso, assim como jornais de diversos países. O peruano Vicente Olarte Camacho reforçou as denúncias, ao afirmar que 30.000 indígenas, inclusive bebês recém-nascidos, crianças, idosos e mulheres, eram caçados e escravizados, sofrendo maus-tratos e torturas (Camacho, 1910Camacho, V. O. (1910). Las crueldades en el Putumayo y en el Caquetá. Imprenta Eléctrica.). Camacho (1910)Camacho, V. O. (1910). Las crueldades en el Putumayo y en el Caquetá. Imprenta Eléctrica. defendia que havia uma crise humanitária e, como solução, propôs uma intervenção internacional pelos governos da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e do Brasil. Joseph F. Woodroffe, delegado da Anti-Slavery and Aborígines Protection, que esteve na região de Putumayo por oito anos, reforçou as incriminações da Peruvian. Seu relatório foi enviado ao Ministério das Relações Exteriores da Grã-Bretanha e teve ampla repercussão na Europa e na América.

Os crimes e as violações cometidos em Putumayo representaram “um grande peso na consciência da humanidade civilizada”, sobretudo da europeia (Casement, 2016Casement, R. (2016). Diário da amazônia de Roger Casement [Edição Angus Mitchell; Organização Laura P. Z. Izarra e Mariana Bolfarine]. Edusp., p. 201; “British bluebook”, 1913 [1912])British bluebook. Correspondence respecting the treatment of British colonial subjects and native Indians employed in the collection of rubber in the Putumayo District (Presented to both houses of Parliament by command of his Majesty). (1913 [July, 1912]). In United States. Department of State (Ed.), Slavery in Peru: message from the President of the United States, transmitting report of the secretary of state, with accompanying papers, concerning the alleged existence of slavery in Peru... (Part III). U.S. Government Printing Office. https://brittlebooks.library.illinois.edu/brittlebooks_open/Books2009-06/unitst0001slaper/unitst0001slaper.pdf
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. A presença de acionistas ingleses e o envolvimento nos crimes de cerca de 35.000 barbadianos, que eram súditos britânicos, aumentaram as exigências do governo britânico para punir os responsáveis (United States/Department of State, 1913United States/Department of State (Ed.). (1913). Slavery in Peru: message from the President of the United States, transmitting report of the secretary of state, with accompanying papers, concerning the alleged existence of slavery in Peru... (Part II). U.S. Government Printing Office. https://brittlebooks.library.illinois.edu/brittlebooks_open/Books2009-06/unitst0001slaper/unitst0001slaper.pdf
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, pp. 107, 139). Em 21 de julho de 1910, Edward Grey, secretário do Ministério das Relações Exteriores, solicitou informações ao cônsul Stuart J. Fuller, que atuava em Iquitos, e enviou a Putumayo o cônsul-geral no Brasil, Roger David Casement, a fim de averiguar os boatos, investigar de forma imparcial e independente, juntar provas e sugerir providências. A partir do mês de janeiro de 1911, chegaram os informes, as fotografias e os depoimentos.

Casement comprovou in loco as acusações de Rocca e Hardenburg e descreveu a brutalidade das práticas extrativas, comerciais e produtivas da Peruvian, considerando-as brutais, trágicas, vergonhosas, desumanas, cruéis, atrozes, terríveis e ilegais. Os indígenas eram torturados, castrados, mutilados e assassinados, além de sofrerem outras crueldades, tais como atirar com arma de fogo em indígenas por diversão, usar instrumentos de tortura até provocar o falecimento e jogar bebês recém-nascidos contra troncos de árvores ou paredes até que morressem. As mulheres, incluindo crianças, eram aprisionadas para serem escravizadas e utilizadas como mão de obra na Peruvian, nos serviços domésticos das residências e como escravas sexuais. Centenas de mulheres foram vendidas na Europa via tráfico internacional e alguns funcionários da Peruvian tinham haréns com 20 a 30 meninas. Um deles, Elia Martenengui, após descobrir que uma delas estava infectada com sífilis, a amarrou, chicoteou e, em seguida, colocou um tição, isto é, um pedaço de lenha aceso ou meio queimado, na vagina, levando-a a óbito. Casement estimou que cerca de 250.000 indígenas, tanto no Peru como na Bolívia, tiveram suas vidas afetadas (Casement, 1911Casement, R. (1911, mar. 21). Carta de Roger Casement para Edward Grey [Serie I, Divisione 4, fasc. 2]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

Casement sugeriu o estabelecimento de uma missão católica em Iquitos para evitar a repetição de crimes semelhantes. As justificativas foram as dificuldades de acesso e de comunicações a Putumayo e a ausência de quaisquer influências benéficas ou civilizadoras naquela região (Bidwell, 1912Bidwell, M. J. (1912, maio 25). Carta de Manuel J. Bidwell para Giovanni Genocchi. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 146r-147r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Diante disso, defendia que o governo peruano e os diretores da Peruvian fossem pressionados a apoiar a criação da missão, cedendo instalações e recursos. A proposta foi acolhida pelas autoridades civis de Loreto, que teriam descartado a instalação de uma missão protestante (Bidwell, 1912Bidwell, M. J. (1912, maio 25). Carta de Manuel J. Bidwell para Giovanni Genocchi. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 146r-147r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). O Peru era um Estado confessional católico, pois as constituições de 1823, 1826, 1828, 1834, 1839, 1856 e 1860 estabeleceram o catolicismo como a religião oficial e a união entre a Igreja e o Estado, que exercia o padroado3 3 Durante o governo de José Pardo, a Lei n. 2.193, de 11 de novembro de 1915, revogou o 4º artigo da Constituição de 1860, que proibia o exercício público de outras religiões, instituindo a liberdade de culto e religião. O padroado foi vigente de 1826 até 1933, quando foi revogado (Izquierdo, 2013). .

As denúncias de Casement foram notificadas pelo governo britânico às autoridades britânicas, norte-americanas e à Secretaria de Estado da Santa Sé. O objetivo era aumentar as pressões internacionais sobre os países latino-americanos, em prol da defesa da humanidade e da civilização. O primeiro-ministro inglês, Herbert Henry Asquith, declarou que era um ‘dever’ da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos adotarem medidas enérgicas contra o governo peruano e, para isso, deveriam buscar apoio ‘moral ou de outra natureza’ nos governos do Brasil, da Bolívia e da Colômbia. Por fim, concluía que a doutrina de Monroe poderia justificar uma intervenção militar dos Estados Unidos no Peru (Estados Unidos, 1912Estados Unidos (1912, dez. 24). Telegramas. Estados-Unidos. Washington, 23. Jornal do Commercio, 86(358), 1, 2. Fundação Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital, Rio de Janeiro. http://memoria.bn.gov.br/DocReader/364568_10/13885
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, 1913Estados Unidos (1913, fev. 5). Telégrammas. Estados-Unidos. Washington, 7. Jornal do Commercio, 87(38), 2. Fundação Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital Rio de Janeiro. http://memoria.bn.gov.br/DocReader/364568_10/14772
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).

O embaixador britânico no Peru foi informado da gravidade dos crimes e esperava-se que, com isso, os culpados fossem presos e condenados (United States/Department of State, 1913United States/Department of State (Ed.). (1913). Slavery in Peru: message from the President of the United States, transmitting report of the secretary of state, with accompanying papers, concerning the alleged existence of slavery in Peru... (Part II). U.S. Government Printing Office. https://brittlebooks.library.illinois.edu/brittlebooks_open/Books2009-06/unitst0001slaper/unitst0001slaper.pdf
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, pp. 34-43). O governo peruano comprometeu-se em promover mudanças e em punir os responsáveis. Para tal, em 1910, abriu um inquérito judicial, sendo designado o juiz Carlos A. Valcárcel, mas as intervenções das autoridades e as de Julio César criaram obstáculos às investigações. Em 1911, o processo foi interrompido pela Suprema Corte de Iquitos sem que os culpados fossem condenados.

Diante disso, Casement constatou que o governo peruano não estava disposto a promover mudanças nas relações de produção da borracha. Como reação, o primeiro-ministro, Herbert Henry Asquith, criou um comitê parlamentar contra a escravização, que indiciou os sócios da Peruvian. Julio César foi acusado de escravizar e matar dezenas de milhares de indígenas. O comitê solicitou que os governos do Brasil, da Colômbia e da Argentina reforçassem as vigilâncias nas fronteiras para prenderem os “assassinos fugitivos de Putumayo” (Inglaterra, 1910Inglaterra (1910, jul. 26). Telégrammas. Inglaterra. Londres, 25. Jornal do Commercio, 86(207), 1. Fundação Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital, Rio de Janeiro. http://memoria.bn.gov.br/DocReader/364568_10/1725
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). As autoridades brasileiras, além dessa providência, deveriam proibir o comércio de borracha pelo rio Amazonas e enviar médicos à região (Inglaterra, 1910Inglaterra (1910, jul. 26). Telégrammas. Inglaterra. Londres, 25. Jornal do Commercio, 86(207), 1. Fundação Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital, Rio de Janeiro. http://memoria.bn.gov.br/DocReader/364568_10/1725
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).

A SANTA SÉ DIANTE DOS ‘ESCÂNDALOS DE PUTUMAYO’

O papa Pio X e o secretário de Estado Raffaele Merry del Val inteiraram-se das denúncias por meio da imprensa e de relatórios enviados à Santa Sé, porém não houve nenhuma manifestação oficial. A rede comunicacional da Santa Sé envolvia os representantes pontifícios, bispos, prelados e católicos de todos os países e, por isso, era informada dos principais temas que envolviam os interesses da Igreja Católica, assim como de suas repercussões.

Em 15 de junho de 1911, Manuel Bidwell, chanceler da arquidiocese de Westminster, repassou a Merry del Val um memorando de Edward Grey destinado à Santa Sé, que continha informações sigilosas da comissão de investigação e no qual sugeria a criação de uma missão católica, com sede em Iquitos, para acabar com aqueles ‘horrores’. Grey esclareceu que os proprietários da empresa tinham assumido o compromisso de realizar reformas nas relações de trabalho, de incrementar a fiscalização e de apoiar a missão católica (Bidwell, 1911dBidwell, M. J. (1911d, nov. 13). Carta de Manuel Bidwell a Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 4r-6r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.; Drummond, 1910Drummond, D. (1910). Memorando de Edward Grey para Raffaele Merry del Val. [PRO.FO., n. 27718]. Public Record Oppice, Foreing Oppice “Peru, Ecuador” (1909-1913), London, England.). O memorando foi repassado a Merry del Val e ao papa Pio X, que manifestaram suas preocupações com as notícias e com as desorganizações das missões católicas. Diante disso, Pio X desejava buscar meios para criar ações concretas para evangelizar e proteger as populações indígenas. O objetivo era desenvolver um plano completo de reformas para reorganizar todas as missões católicas. Porém, o papa tinha poucas informações sobre as condições em que viviam os indígenas.

Em 4 de outubro de 1910, o prefeito apostólico de San Francisco del Ucayali, no Peru, Agostino M. Alemany, que se encontrava em Roma, escreveu a Girolamo Maria Gotti, prefeito da Propaganda Fide (Congregação para Evangelização dos Povos), sobre as barbáries cometidas por europeus e pelos agentes da Peruvian, além de denunciar que os escravizadores colocavam “sérios obstáculos no caminho do zelo dos missionários e na conversão dos pagãos” (Alemany, 1910Alemany, A. M. (1910, out. 4). Relatório de Agostino M. Alemany para Girolamo Maria Gotti. [Rubrica 151, Vol. 456, pp. 463r-465r; 1910, v. 505, pp. 470r-476v; 478r-478v]. Archivio Storico de “Propaganda Fide”, Nuova Serie, Vaticano.). Ele relatou que, para atender às demandas dos mercados e aos interesses europeus, os indígenas eram submetidos a desumanas condições de trabalho e de vida. O tráfico era alimentado pelo apresamento direto, quando um grupo armado era enviado para as áreas onde viviam os indígenas. O ataque iniciava-se com a queima das casas, seguido da morte dos que resistiam e da apropriação dos seus bens. Os idosos eram mortos, e as crianças, as mulheres e os homens jovens eram aprisionados. Depois, eram vendidos ou conduzidos para os locais de coleta do látex, onde trabalhavam sob rigorosa vigilância e disciplina de trabalho. Caso os escravizados não cumprissem as metas em quilos semanais de látex, eram torturados ou mortos (Alemany, 1910Alemany, A. M. (1910, out. 4). Relatório de Agostino M. Alemany para Girolamo Maria Gotti. [Rubrica 151, Vol. 456, pp. 463r-465r; 1910, v. 505, pp. 470r-476v; 478r-478v]. Archivio Storico de “Propaganda Fide”, Nuova Serie, Vaticano.). David Quattrocchi, encarregado dos trabalhos eclesiásticos no Peru, reforçou as acusações, ao relatar que, numa festividade anual promovida pela Peruvian, uma das atividades de lazer era praticar o “tiro ao alvo em cinquenta nativos”, sendo todos mortos (Quattrocchi, 1911Quattrocchi, D. (1911, ago. 23). Carta de David Quattrocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 46-52]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Ao concluir o relatório, declarou que “poderia citar horrores desse tipo, ou pior, aos milhares” (Quattrocchi, 1911Quattrocchi, D. (1911, ago. 23). Carta de David Quattrocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 46-52]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

A primeira reação da Santa Sé foi encontrar meios diplomáticos para promover ofensivas ‘apostólicas’ e ‘humanitárias’ com os governos dos países latino-americanos. Pio X desejava que os representantes pontifícios e o episcopado tivessem uma atuação mais eficaz e assertiva junto à sociedade civil e aos governos. Quattrocchi foi orientado por Merry del Val a encaminhar apelos diplomáticos às autoridades peruanas, evidenciando a preocupação do pontífice, e a cobrar providências “para os fatos deploráveis, invocando disposições para suprimir abusos não menos contrários à religião, à dignidade e ao prestígio do Peru” (del Val, 1911cdel Val, R. M. (1911c, jul. 15). Carta circular de Raffaele Merry del Val aos representantes pontifícios. [Indice 1159, busta 48, fascicolo 208, p. 168r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Argentina.). O ministro das Relações Exteriores do Peru saudou a solicitude da Santa Sé, mas justificou que aquele cenário se devia às disputas territoriais entre o Peru, a Colômbia, a Bolívia e o Brasil, que dificultavam o controle e a vigilância da área (del Val, 1911cdel Val, R. M. (1911c, jul. 15). Carta circular de Raffaele Merry del Val aos representantes pontifícios. [Indice 1159, busta 48, fascicolo 208, p. 168r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Argentina.; Grey, 1911Grey, E. (1911, jun. 28). Carta de Lucien J. Jerome para Edward Grey. [PRO.FO, n. 31084]. Public Record Oppice, Foreing Oppice “Peru, Ecuador” (1909-1913), London, England.). Enrico Sibilia, internúncio apostólico no Chile, duvidava que o governo chileno apoiasse a causa da Santa Sé, mas acreditava que daria apenas promessas vagas (Sibilia, 1912Sibilia, E. (1912, fev. 11). Minuta n. 147 de Enrico Sibilia a Raffaele Merry del Val. [Indice 1230, busta 19, fascicolo 38, p. 121]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Chile.).

Pio X, diante das pressões internacionais, decidiu enviar um missionário para analisar in loco a situação da Igreja Católica, das missões e dos indígenas. Os objetivos da visita apostólica eram diversificar as opiniões, sobretudo com um olhar externo e isento, recolher informações minuciosas para orientar a política externa da Santa Sé, estudar a viabilidade de criação de uma missão católica em Putumayo e propor reformas e intervenções de interesse religioso, civilizatório e humanitário. Entre as preocupações de Pio X, estavam o extermínio das populações indígenas e a presença inexpressiva da Igreja Católica, resultado da falta de políticas de evangelização, como as missões ad gentes (entre indígenas não batizados).

Pio X escolheu, como delegado apostólico, Giovanni Genocchi4 4 Genocchi era um missionário experiente, uma vez que, a Serviço da Santa Sé, foi secretário do monsenhor Luigi Piavi na delegação apostólica na Síria (1886-1888) e vigário geral em Constantinopla (1888-1892). Posteriormente, participou de missões da Propaganda Fide em Macedônia do Norte, Grécia, Romênia, Sérvia, Bulgária, Montenegro e Papua-Nova Guiné. Era professor de Sagradas Escrituras, escritor e pesquisador, e tinha grande reputação no campo da crítica histórica e bíblica. Ele também militava contra a escravidão e pela defesa da dignidade dos indivíduos. , da Sociedade dos Missionários do Sagrado Coração de Jesus. Suas funções eram defender os direitos da Igreja Católica, garantir a dignidade dos indígenas e dos seus bens e estabelecer relações diplomáticas, políticas e eclesiásticas. Ao ser consultado por Merry del Val, aceitou a empreitada prontamente, por considerar que era uma obra “verdadeiramente digna da Igreja de Jesus Cristo” (Genocchi, 1911gGenocchi, G. (1911g, ago. 26). Carta de Giovanni Genocchi para Andrea Carlo Ferrari. [Carteggio Ferrari, n. 3330]. Archivio Storico Diocesano di Milano, Itália.).

A escolha foi elogiada pelos contemporâneos, seja pelas suas qualidades pessoais, seja pela participação em missões semelhantes na África e na Ásia. Houve também críticas no alto escalão da Santa Sé, ao atribuírem a indicação às relações confidenciais com alguns cardeais. Eles o acusavam de ter introduzido o modernismo em Roma. Pio X o conhecia e o estimava como um padre exemplar, devotado à Igreja Católica, e não o considerava um modernista. A indicação confrontava a opinião dos críticos e soava como uma velada defesa do pontífice (Turvasi, 1974Turvasi, F. (1974). Giovanni Genocchi e la controversia modernista. Ed. Storia e Letteratura.).

Em 6 de julho de 1911, Genocchi foi convocado à Secretaria de Estado, sendo instruído a interrogar pessoas com autoridade e experiência, a fim de obter opiniões diversas. As informações, assim como a sua opinião, deveriam ser encaminhadas à Santa Sé. Para isso, ele deveria visitar a Argentina, o Chile, o Peru, a Bolívia, o Brasil, a Colômbia, o Equador e a Venezuela. Em 13 de julho, recebeu as credenciais para apresentar aos representantes pontifícios e às autoridades latino-americanas. Merry del Val concedeu-lhe total liberdade para visitar os locais e permanecer em cada país, assim como proveu-lhe de recursos financeiros irrestritos, que poderiam ser complementados junto aos representantes pontifícios, caso necessitasse (Genocchi, 1911bGenocchi, G. (1911b, jul. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Alfonso Capecelatro di Castelpagano. [Busta 30, fascicolo 8, pp. 277-278]. Università degli Studi “Carlo Bo”, Fondo Bedeschi, Urbino.). Genocchi, por sua vez, tinha a convicção de que não iria sacrificar “sua missão por uma questão de pressa” (Genocchi, 1911gGenocchi, G. (1911g, ago. 26). Carta de Giovanni Genocchi para Andrea Carlo Ferrari. [Carteggio Ferrari, n. 3330]. Archivio Storico Diocesano di Milano, Itália.).

Merry del Val, em 13 de julho, enviou uma carta circular aos representantes pontifícios na América Latina, onde comunicava a realização da visita apostólica e os admoestava a auxiliarem com informações e propostas, além de colocarem Genocchi em contato com os bispos e as autoridades (del Val, 1911cdel Val, R. M. (1911c, jul. 15). Carta circular de Raffaele Merry del Val aos representantes pontifícios. [Indice 1159, busta 48, fascicolo 208, p. 168r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Argentina.).

Genocchi, em 15 de julho, recebeu instruções de Merry del Val e, na sequência, reuniu-se com José C. Vives y Tuto, prefeito da Congregação para os Religiosos, com Gaetano de Lai, secretário da Congregação Consistorial, com Girolamo Gotti, prefeito da Propaganda Fide e, por fim, com Mariano Rampolla del Tindaro, presidente da Pontifícia Comissão Bíblica. Merry del Val criou 20 cifras para que Genocchi utilizasse nas mensagens telegráficas de Iquitos, nas quais cada número expressava uma mensagem, caso enfrentasse a censura e a vigilância das autoridades peruanas ou condições adversas. As cifras expressavam diferentes situações, entre elas a recepção em Iquitos pelos padres agostinianos e pelos católicos, as possibilidades de continuar com a visita apostólica e as condições pessoais de saúde:

0 = Nada pode ser feito; . . . 6 = Boa esperança; . . . 11= Parto cedo e volto para Lima, pois não há mais nada a fazer em Iquitos; 12 = Ainda ficarei, porque acho que é útil; . . . 13 = Tenho que deixar a Iquitos em breve por razões de saúde; . . . 15 = Uma doença grave me apoderou; 16 = muito sério

(del Val, 1911adel Val, R. M. (1911a, mar.). Appunti relativi al cifrario. [Busta 75, fasc. 266, pp. 182r-182v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

No dia 16 de julho, Genocchi participou de uma audiência com Pio X, que demonstrou sua preocupação com o extermínio dos indígenas e com a incapacidade da Igreja Católica, devido à má organização das missões, de protegê-los e de evangelizá-los. Pio X, emocionado, referiu-se aos indígenas como “aqueles pobres e perseguidos filhos amados”, que estavam em deplorável estado religioso, moral e material (“Los crimines del Putumayo”, 1911Los crimines del Putumayo. (1911, set. 20). [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r]. Jornal Prensa. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Argentina.).

Para obter outras informações acuradas, Merry del Val enviou, entre 22 de maio e 7 de junho de 1911, cartas circulares aos representantes pontifícios de Colômbia, Costa Rica, México, Peru, Argentina, Chile e Brasil. Nelas, ele informava que a Santa Sé não ignorava o “triste estado em que muitos povos indígenas se encontram” na América, onde, devido à extensão territorial e à escassez de padres, a Igreja ainda não se fazia presente. Como decorrência, aquelas populações estariam imersas “na escuridão da ignorância e do erro” (del Val, 1911bdel Val, R. M. (1911b, maio 22). Carta circular de Raffaele Merry del Val aos representantes pontifícios da América Latina. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 9r-10v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Pio X apelava aos representantes pontifícios para que elaborassem relatórios minuciosos sobre as missões católicas, quantidade de ordens e congregações religiosas em cada país, número de padres, atividades desenvolvidas, número de indígenas cristianizados ou ‘pagãos’ e dificuldades para evangelizá-los. Solicitava também dados estatísticos, geográficos, históricos, demográficos e etnológicos, bem como sugestões para sanar os males que afligiam os indígenas (del Val, 1911bdel Val, R. M. (1911b, maio 22). Carta circular de Raffaele Merry del Val aos representantes pontifícios da América Latina. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 9r-10v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Os representantes pontifícios, por sua vez, solicitaram informações adicionais aos arcebispos, bispos, prelados, superiores das ordens e congregações religiosas, padres seculares e religiosos. Inúmeros relatórios, despachos, pareceres, minutas e informes chegaram a Santa Sé entre os anos de 1911 e 1912, além de reportagens publicadas em jornais e revistas de diversos países. O objetivo da rede de informações era confrontar as diferentes opiniões, discussões e propostas com o objetivo de estabelecer quais ações, políticas e reformas deveriam ser adotadas para orientar a política externa da Santa Sé. Buscava-se a eficiência da gestão dos territórios eclesiásticos e das suas populações, bem como favorecer a aproximação entre a Igreja e os governos.

Genocchi, antes de viajar, concedeu entrevistas a jornais italianos, ressaltando a preocupação de Pio X e da Santa Sé diante das denúncias de extermínio de ‘algumas tribos’ indígenas e com a pouca organização das missões católicas5 5 As entrevistas foram dadas aos jornais “Il Corriere d’Italia” e “La Razón”. .

Neste interim, Merry del Val enviou uma resposta ao governo britânico por meio de Manuel John Bidwell que, em 12 de julho de 1911, reuniu-se com Dister Drummond. Na ocasião, declarou que o memorando encaminhado por Grey fortaleceu o desejo da Santa Sé de promover medidas enérgicas para evangelizar milhões de “pagãos” da América, que viviam na completa “ignorância do cristianismo” (Genocchi, 1911cGenocchi, G. (1911c, jul. 17). Carta de Giovanni Genocchi para Alfonso Capecelatro di Castelpagano. [Busta 30, fascicolo 8]. Università degli Studi “Carlo Bo”, Fondo Bedeschi, Urbino.). Bidwell informou que Pio X enviou um delegado apostólico à América (omitindo seu nome), que iria analisar a proposta de criar uma missão em Putumayo e que iria procurar missionários, mas o principal percalço era encontrar recursos financeiros. Diante disso, solicitou a Drummond sugerir quais as estratégias que a Santa Sé deveria adotar junto ao governo peruano.

Drummond e Casement analisaram o memorando de Merry del Val e, por defenderem a urgência de criar a missão em Putumayo, concluíram que seria improdutivo, naquela conjuntura, pressionar o governo peruano para obter apoio financeiro, visto que qualquer ação neste sentido poderia comprometer a viagem apostólica e exigiria repetidas negociações. A solução encontrada foi levantar fundos na Grã-Bretanha, pois eles acreditavam ser uma obrigação moral dos ingleses fazer algo pelos indígenas. Caso fossem criticados pelo fato de a missão ser católica, e não protestante, alegariam que o catolicismo era a religião oficial do Peru (Bidwell, 1911aBidwell, M. J. (1911a, jul. 17). Carta de Manuel J. Bidwell para [Giovanni Genocchi?]. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 64r-66r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., 1911bBidwell, M. J. (1911b, jul. 20). Carta de Manuel J. Bidwell para [Giovanni Genocchi?]. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 67r-69r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Posteriormente, Casement reuniu-se com Bidwell quando demonstrou a importância de criar a missão “o mais rápido possível” e de manter em funcionamento a Peruvian, pois, se a empresa desaparecesse, a exploração e o comércio de borracha seriam controlados por outros peruanos e por colombianos, perpetuando os horrores cometidos (Bidwell, 1911aBidwell, M. J. (1911a, jul. 17). Carta de Manuel J. Bidwell para [Giovanni Genocchi?]. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 64r-66r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., 1911b)6 6 Casement (2016, pp. 257-279) era contrário à liquidação da empresa por acreditar que daria origem a outras empresas que perpetuariam os crimes. A solução seria fiscalizar a empresa por meio da nomeação de um oficial inglês (para vigiar as relações de trabalho), demitir e pagar os salários dos barbadianos e punir os que cometeram crimes. . Na opinião de Casement, nenhuma empresa de exploração de borracha seria capaz de realizar um trabalho civilizador. Além disso, ele tinha negociado o apoio logístico e financeiro da Peruvian à missão católica. Por fim, sugeriu o envio de três missionários irlandeses, porque ele próprio era irlandês e acreditava que o apelo seria bem recebido na Irlanda. O desconhecimento da língua espanhola não seria impedimento, pois os missionários poderiam aprendê-la. Quantos aos fundos, estimava os valores entre 10.000£ e 15.000£ (dez mil a 15 mil libras esterlinas), que seriam arrecadados entre protestantes e católicos da Grã-Bretanha7 7 Essas sugestões foram repassadas a Genocchi para que desse o seu parecer. . Casement, por seu turno, aconselhou não ser oportuno comunicar os diretores da Peruvian sobre a presença de Genocchi e informar Lucien J. Jerome, diplomata inglês no Peru, da viagem apostólica, para que ele cooperasse com o delegado papal (Bidwell, 1911aBidwell, M. J. (1911a, jul. 17). Carta de Manuel J. Bidwell para [Giovanni Genocchi?]. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 64r-66r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., 1911bBidwell, M. J. (1911b, jul. 20). Carta de Manuel J. Bidwell para [Giovanni Genocchi?]. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 67r-69r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Merry del Val autorizou Bidwell a notificar Drummond sobre o nome do visitador apostólico, mas não falar “mais do que o necessário” (Turvasi, 1988Turvasi, F. (1988). Giovanni Genocchi and the Indians of South America, 1911-1913. Gregorian Biblical Bookshop., p. 12).

A VIAGEM APOSTÓLICA DE GIOVANNI GENOCCHI À AMÉRICA

Genocchi partiu de Roma para Gênova em 20 de julho de 1911 e, depois, para Buenos Aires. Durante toda a viagem, fez anotações em um caderno, onde registrava suas atividades e as informações coletadas, e no qual anexava os panfletos e as reportagens de jornais, para servirem de prova dos crimes.

Nesse contexto, vários países latino-americanos instituíram controles sanitários nos portos e nas fronteiras para diminuir as taxas de infecções das epidemias de febre amarela, tifo, varíola, peste bubônica e cólera, entre outras. Eram adotadas medidas como as inspeções das embarcações, quarentenas, vacinação etc. Na Argentina, os imigrantes eram levados à ilha de Martin Garcia, que ficava a 10 km do porto de Buenos Aires, para cumprirem quarentena. No Chile, havia a obrigatoriedade de todos os viajantes se vacinarem. Porém, como Genocchi viajava na primeira classe, teve o privilégio de entrar na Argentina sem passar pela quarentena. No Chile, Genocchi não foi imunizado graças à amizade com um médico inglês que desacreditava as vacinas e que conhecia o profissional de saúde que examinava e inoculava os passageiros. O médico inglês afirmou que: “Eu nunca teria permitido que um cavalheiro como você fosse submetido à vacinação! Especialmente porque eu não acredito nisso!”; Genocchi, por sua vez, comemorou: “Viva a lógica! Entretanto, não tive nenhum problema e estou calmo. Eu acho que a lógica do mundo corre quase sempre como a do meu amigo inglês” (Genocchi, 1911fGenocchi, G. (1911f, ago. 8). Carta de Genocchi para Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 36r-37r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., 1911lGenocchi, G. (1911l, set. 7). Telegrama de Genocchi para Sibilia. [Indice 1230, busta 19, fascicolo 38, pp. 124-133]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Chile.).

Apesar dos surtos epidêmicos de febre amarela e peste bubônica no norte do Brasil, Genocchi não registrou a existência de controles sanitários em Belém e Manaus (Genocchi, 1912nGenocchi, G. (1912n, mar. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Locatelli. [Indice 1159, busta 48, fascicolo 208, pp. 165r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Argentina.). Como tratamento preventivo à febre amarela, ingeria quinino todas as manhãs, tal como fazia na Nova Guiné, apesar de o produto provocar tremores como efeito colateral. Outra medicação ministrada era o ácido clorídrico, usado para curar as diarreias que acreditava serem causadas pelas mudanças climáticas e pela altitude. Genocchi não fez nenhum juízo de valor em relação à culinária, exceto a brasileira, a qual qualificou como “horrível” (Genocchi, 1911jGenocchi, G. (1911j, set. 1). Carta de Giovanni Genocchi para Pasolini dall’Onda. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1911tGenocchi, G. (1911t, dez. 5). Carta de Giovanni Genocchi para Pasolini dall’Onda. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

Em 5 de agosto de 1911, ele se encontrava em Buenos Aires, onde permaneceu durante vinte dias. Durante sua estada, obteve informações sobre as missões, fornecidas pelos salesianos, que atuavam na Patagônia, e pelos franciscanos, que trabalhavam no Chaco. Os dois primeiros relatórios enviados a Merry del Val versavam sobre essas missões. Segundo os documentos, as salesianas estavam melhor estruturadas, mas careciam de padres e de recursos financeiros, uma vez que o governo argentino não repassava as verbas que foram prometidas. As missões dos franciscanos eram pequenas e estavam em estágio inicial, com poucos freis, além de sofrerem de pobreza material. Essas faltas contrastavam com o luxo e a riqueza dos conventos de Buenos Aires.

Com relação ao número de indígenas, Genocchi registrou que na Patagonia eram estimados em 50.000, mais permeáveis à evangelização porque estavam menos expostos à violência e, por isso, ‘menos hostis’. No Chaco, seriam 300.000 indígenas, mas os assédios dos brancos os tornavam mais ‘ferozes’ e refratários à evangelização. Como solução, ele propôs o aumento do número de religiosos europeus, além da criação de novas missões, que deveriam ser confiadas à administração de outras ordens e congregações religiosas, como os jesuítas. Quanto ao impasse com o governo, que não repassava as verbas, sugeriu que o representante pontifício Achille Locatelli intermediasse as negociações, pois ele gozava de excelente reputação nas esferas governamentais, civis e eclesiásticas. Os bispos, ao contrário, foram criticados por estarem presos aos “costumes patriarcais”, em decorrência dos quais havia poucos casamentos cristãos e se disseminavam “a indiferença religiosa” e a “impiedade agressiva” (Genocchi, 1911eGenocchi, G. (1911e, ago. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 36r-37r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., 1911hGenocchi, G. (1911h, ago. 27). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 40r-41r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi observou que o governo e a sociedade argentina não estavam dispostos a debater a situação das populações indígenas, nem a implementar medidas protetivas, e que havia o consenso de que elas iriam desaparecer com o avanço do progresso e da civilização. Ele considerava tais pontos de vista errôneos e, por isso, defendia ser necessária a proteção da Santa Sé:

Voltando a falar dos indígenas, infelizmente, é verdade que, com muitas poucas exceções, não querem ouvir falar deles na Argentina e desejam apenas uma coisa: que desapareçam completamente e rapidamente. Erroneamente, acreditam que isso será inevitável. Mais uma razão pela qual a Santa Sé faz bem em ocupar-se disso com urgência

(Genocchi, 1911hGenocchi, G. (1911h, ago. 27). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 40r-41r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Durante o percurso, ele ficou encantado com os pampas argentinos e com a planura das terras e registrou que, “antigamente”, os indígenas vagavam em busca de caça, mas suas terras foram apropriadas “com tiros de fuzil” por “europeus impiedosos” (Genocchi, 1911dGenocchi, G. (1911d, ago. [30?]). Carta de Giovanni Genocchi para os confrades. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Os sobreviventes, para salvarem suas vidas, foram obrigados a se refugiar em locais remotos. Com isso, aquelas terras estavam sendo ocupadas por imigrantes:

Antes, as tribos dos índios vagavam pelas pampas em busca de caça: agora não há mais, e os sobreviventes se refugiaram em outros lugares, por medo do implacável europeu, que tomou posse de suas terras, perseguindo os antigos proprietários a tiros. Chegará o dia em que as pampas, divididas em pequenas propriedades, plantadas com árvores que atraem a chuva, poderão alimentar outras milhões de famílias que não encontrarão mais lugar na Europa e na Ásia

(Genocchi, 1911dGenocchi, G. (1911d, ago. [30?]). Carta de Giovanni Genocchi para os confrades. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

Dando prosseguimento à viagem, dirigiu-se para o Chile. Mas as nevascas interromperam o tráfego na ferrovia na cidade de Mendonça, obrigando-o a aguardar a melhoria das condições meteorológicas durante três dias. A ferrovia inglesa foi considerada a “mais maravilhosa do mundo” por subir “até o topo dos Andes, no meio da neve, a uma altitude de mais de 3.000 metros” e louvada pelo conforto presente nas “grandes ferrovias europeias” (Genocchi, 1911dGenocchi, G. (1911d, ago. [30?]). Carta de Giovanni Genocchi para os confrades. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Genocchi elogiava a modernidade, os progressos trazidos pelos capitais europeus e o triunfo da civilização trazidos pelas inovações tecnológicas, que dominavam a aspereza da natureza (Genocchi, 1911dGenocchi, G. (1911d, ago. [30?]). Carta de Giovanni Genocchi para os confrades. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1911iGenocchi, G. (1911i, agosto 30). Carta de Giovanni Genocchi para Celeste Gori. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

A viagem de Mendonça até Valparaíso, no Chile, demorou trinta e duas horas, embora fosse realizada normalmente em quinze. De Valparaíso até Santiago, cidade em que chegou em 28 de agosto de 1911, foram necessários três dias de barco. Genocchi preferiu viajar em um vapor inglês, pois não confiava nas empresas chilenas (Genocchi, 1911mGenocchi, G. (1911m, set. 13). Cartas de Genocchi para Celeste Gori. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1911iGenocchi, G. (1911i, agosto 30). Carta de Giovanni Genocchi para Celeste Gori. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Em Santiago, permaneceu durante oito dias e obteve informações por meio do internúncio Enrico Sibilia, visto que as solicitadas aos missionários não haviam chegado (Genocchi, 1911nGenocchi, G. (1911n, set. 17). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 56r-57v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

No terceiro relatório a Merry del Val, datado de 17 de setembro de 1911, Genocchi expôs haver indígenas nas regiões montanhosas “mais ou menos selvagens no Chile”, como os Mapuches, que viviam no centro-sul e no sudoeste da Argentina, mas estavam confinados a algumas regiões das florestas (Genocchi, 1911nGenocchi, G. (1911n, set. 17). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 56r-57v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Entre eles atuavam os capuchinhos alemães, com sede em Valdivia. Entre as dificuldades para evangelizá-los estavam a dependência química ao álcool, a poligamia e o caráter esquivo. No Território de Magalhães e Terra do Fogo, onde atuavam os salesianos, havia poucos indígenas, pois muitos teriam sido vítimas da escravização e do tráfico, pagando-se “uma libra” pelos homens e “cinco xelins por cabeça feminina” (Genocchi, 1911nGenocchi, G. (1911n, set. 17). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 56r-57v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Outro motivo residia no extermínio perpetrado por soldados chilenos:

O comandante do navio inglês que me trouxe para Callao e faz continuamente a rota pela América do Sul (Callao-Liverpool) assegurou-me que, há cerca de uma década, não avista mais canoas de indígenas no Estreito de Magalhães, enquanto anteriormente avistava muitas. É certo que os soldados chilenos disparavam tiros de fuzil contra os índios apenas por diversão, surpreendendo-os enquanto esses trabalhavam no campo. Daquela pobre raça, em breve, não restará nada além de uma memória histórica

(Genocchi, 1911nGenocchi, G. (1911n, set. 17). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 56r-57v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi conversou com o superior dos assuncionistas, Giuseppe Maubon, que se mostrou disposto a aceitar uma missão, caso a Santa Sé aprovasse. Apesar de considerá-los imprudentes e negligentes quanto às leis canônicas, admirava o zelo, o espírito de obediência e o entusiasmo dos assuncionistas. Para Sibilia, eles deveriam atuar apenas nas cidades e nas regiões rurais ‘civilizadas’ do Chile. Genocchi acreditava que eles poderiam ocupar-se das missões católicas, pois, “quanto mais difícil e árdua, mais adequada era para eles” (Genocchi, 1911nGenocchi, G. (1911n, set. 17). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 56r-57v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Em 12 de setembro, chegou em Lima, no Peru, onde permaneceu por vinte e oito dias. O clima local foi considerado “ruim”, “extenuante” e “debilitante”, devido ao calor e à umidade (Genocchi, 1911aGenocchi, G. (1911a, maio 25). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 38r-38v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru., 1911sGenocchi, G. (1911s, nov. 12). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 77r-78r]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). A floresta amazônica foi vista como exuberante, perigosa e selvagem, e algumas regiões foram consideradas inabitáveis. Ao estabelecer uma hierarquia civilizatória dos países, concebeu o Peru como um país primitivo e “selvagem” por ter poucos centros urbanos e ser povoado por populações “semisselvagens” (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

Sua primeira preocupação ao chegar no Peru foi a de estudar as leis e os decretos do governo com relação à Igreja Católica e às missões, para embasar suas demandas às autoridades. Nesse contexto, existiam três prefeituras apostólicas, criadas em 1900, que não faziam parte de nenhuma província eclesiástica, pois estavam ligadas à Propaganda Fide: no norte, San León del Amazonas, confiada aos agostinianos, cuja sede localizava-se em Iquitos e cujo território compreendia as regiões dos rios Maranon e Amazonas; na região central do Peru, San Francisco del Ucayali, confiada aos franciscanos e com sede em Contamana; no sul, San Domingo del Urubamba e Madre de Dios, confiadas aos dominicanos, com sede em Cuzco e território estendendo-se desde o rio Urubamba e afluente até o leste e o sul, alcançando as fronteiras internacionais com o Brasil e a Bolívia. As sedes eram Iquitos, Ocopa e Cuzco, respectivamente. Em 5 de janeiro de 1889, o Congresso Nacional aprovou uma lei que concedia a subvenção anual de 3.000S/. (três mil soles), dividida entre as três prefeituras apostólicas, e autorizava a arrecadação de doações entre os fiéis. O acordo foi consentido pela Santa Sé e previa também a concessão de um terreno na cidade de Iquitos para a construção de uma igreja e da sede da prefeitura apostólica de San León de Amazonas. Para isso, seriam destinadas 5.000£ (cinco mil libras esterlinas) mensais, porém, tais recursos não foram repassados (“Colección de leyes...”, 1905Colección de leyes, decretos etc. referentes al Departamento de Loreto. (1905). [Serie I, divisione 4, fascicolo 11, edición oficial, Tomo I, pp. 217-219]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

Genocchi visitou apenas San León del Amazonas, mas conseguiu obter informações das demais por meio de correspondências, relatórios e testemunhos de missionários e dos representantes pontifícios, de autoridades, viajantes e leigos. As informações coletadas permitiram-lhe ter um prognóstico dos principais problemas enfrentados pelas missões católicas no Peru: escassez de pessoal e de recursos, falta de apoio dos governos, oposição das elites locais, isolamento geográfico, dificuldades nas comunicações e insalubridade do clima.

Durante sua estada em Lima, Genocchi residiu no prédio da delegação apostólica no Peru, juntamente com David Quattrocchi, que lhe repassou inúmeras informações privilegiadas, além de apresentá-lo aos membros da Obra de la Propagación de la Fé en el Oriente del Peru, que eram senhoras da elite. O objetivo da instituição, fundada em 1888, era apoiar as missões entre os indígenas. Na reunião, ficou acordado que a Obra iria promover uma subscrição para arrecadar fundos para a missão a ser estabelecida em Putumayo, sendo arrecadadas 145₤ (cento e quarenta e cinco liras italianas). A Obra deveria também mobilizar a sociedade peruana para defender a causa indígena e para formar uma opinião pública favorável à criação da missão (Genocchi, 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

A associação publicava o jornal “Anales de la Obra de la propagación de la fé en el Oriente del Peru”, que foi uma das principais fontes de informações sobre os crimes praticados contra as populações indígenas. As matérias denunciavam a captura, o tráfico e a escravização de indígenas e questionavam as atividades ‘civilizadoras’ da Peruvian. Além disso, elas cobravam providências das autoridades, denunciadas por conivência e omissão (Anales..., 1903Anales de la Obra de la Propagation de la Fe en el Oriente del Peru. (1903). [Serie 7/17, Edição de 1903]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1905Anales de la Obra de la Propagation de la Fe en el Oriente del Peru. (1905). [Serie 7/17, Edição de 1905]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1909aAnales de la Obra de la Propagation de la Fe en el Oriente del Peru. (1909a). [Serie 7/17, Edição de 1909]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1910Anales de la Obra de la Propagation de la Fe en el Oriente del Peru. (1910). [Serie 7/17, Edição de 1910]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Em 1909, as senhoras da Obra fizeram uma petição ao governo para que ele não retivesse os recursos destinados à construção dos edifícios religiosos em Iquitos e que resgatasse os indígenas peruanos vendidos como escravos no Brasil (Anales..., 1909bAnales de la Obra de la Propagation de la Fe en el Oriente del Peru. (1909b, out. 11). [Serie 7/17, Edição de 11 de outubro de 1909]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). As reportagens levaram Genocchi a concluir que a escravização, o tráfico e o genocídio eram comuns a todos os países da América Latina e que as condições dos indígenas na América eram piores do que as dos escravizados do Congo:

O comércio da borracha, conhecido aqui como ouro negro, resultou em abusos mais graves nestas regiões do que no Congo. Em algumas partes da América do Sul, apesar das leis, prevalecia a escravidão mais vergonhosa, com massacres, vendas, torturas atrozes e todas as outras iniquidades de que o homem brutalizado e degenerado é capaz quando está livre do controle da lei.

As missões católicas, única barreira contra o extermínio total dos índios, são escassas nos locais onde a necessidade seria maior. Por isso, a ideia do pontífice de estabelecer missões é digna dos maiores elogios

(Genocchi, 1912dGenocchi, G. (1912d, fev. 3). Carta de Giovanni Genocchi para Filippo Tolli. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

Merry del Val, a partir das informações que chegaram a Santa Sé sobre as populações indígenas, instruiu Genocchi a não viajar à Bolívia, mas a ir urgentemente a Iquitos.

Casement, por sua vez, estava finalizando a redação do relatório da primeira viagem ao Peru, quando manifestou a Edward Grey ser necessário punir os culpados pelos crimes mais atrozes e sobre os quais tinha elaborado uma lista; caso contrário, os escravizadores fugiriam. O relatório foi finalizado em março de 1911 e, em abril, o governo britânico enviou uma instrução a Jerome pedindo-lhe que repassasse ao governo peruano a lista dos criminosos e exigisse sua punição. Como reação, foi instalada uma comissão de inquérito, comandada pelo juiz Romulo Paredes, que percorreu Putumayo durante três meses. Porém, o parlamento britânico não ficou satisfeito e exigiu que Grey pressionasse o governo peruano com o intuito de fornecer provas tangíveis de sua disposição para erradicar os abusos e crimes em Putumayo. Casement sugeriu a realização de uma segunda investigação in loco no Peru, a fim de verificar quais providências haviam sido tomadas.

Embora Genocchi e Casement não tivessem se encontrado8 8 Casement chegou em Iquitos no dia 16 de outubro e partiu em 7 de dezembro, enquanto Genocchi chegou no dia 23 de dezembro. , por meio de Jerome ele recebeu dois relatórios confidenciais, datados de 17 e 21 de março de 1911. Os documentos continham dados geográficos e históricos, além de relatos e provas sobre a escravização, torturas e denúncias de extermínio de indígenas, entre outros crimes cometidos pelos agentes da Peruvian. Para Casement, se as matanças continuassem, em dez anos todos os indígenas seriam extintos, enquanto “o sistema assegurava ao mundo civilizado mais de um milhão de libras de borracha por ano apenas de Putumayo” (Genocchi, 1912bGenocchi, G. (1912b, jan. 2). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 85r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). O relatório de Casement, de 21 de março, continha relatos de 30 barbadianos, residentes em Iquitos, La Chorrera, Matanzas e Ultimo Retiro, vítimas de escravização e, ao mesmo tempo, agentes escravizadores e torturadores de indígenas.

Em várias páginas, os crimes foram relatados por Casement em detalhes. Genocchi os citou textualmente nos relatórios a Merry del Val (Casement, 1911Casement, R. (1911, mar. 21). Carta de Roger Casement para Edward Grey [Serie I, Divisione 4, fasc. 2]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Jerome ofereceu a Genocchi um memorando que elaborou com informações e documentos comprobatórios sobre a escravização por dívidas, que ocorriam no Peru, Equador, Colômbia e Bolívia, apesar de tais práticas serem proibidas por leis (Jerome, 1911aJerome, L. J. (1911a, set. 26). Carta de Lucien J. Jerome para Grey. [PRO.FO., n. 42933]. Public Record Oppice, Foreing Oppice, London.). Genocchi, ao tomar conhecimento desses crimes, passou a defender a urgência dos governos latino-americanos na criação de legislações, como as existentes no Brasil, para proteger as populações indígenas. No Peru, Quattrocchi estava articulando a apresentação de um projeto de lei com um grupo de deputados (Jerome, [1912?]Jerome, L. J. ([1912?]). Memorandum del Console Gen. Inglese Jerome. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 184r-189r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

No dia 20 de setembro de 1911, o jornal “La Prensa” reproduziu uma matéria publicada no jornal “The Daily News”, intitulada “Os crimes de Putumayo”. Instigado por Quattrocchi, Genocchi respondeu às críticas da imprensa inglesa contra o governo peruano e o papa Pio X (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). O editorial foi publicado na edição de 27 de setembro de 1911, no jornal “El Bien Social”, de Lima. Genocchi elogiava a imprensa peruana por levar ao grande público uma questão de interesse nacional e internacional, ao arguir que nem a sociedade nem o governo deveriam se omitir. A seguir, contestou duas declarações do “The Daily News & Leader”, por considerá-las inexatas. A primeira foi: “O grande criminoso é o Peru e só o Peru” (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Ao responder, alegou que havia “circunstâncias atenuantes”, entre elas que o governo peruano não podia ser responsabilizado pelo fato de os crimes serem praticados por “alguns peruanos”, pois grande parte dos culpados era composta por colombianos, equatorianos, bolivianos, ingleses e pessoas de outros países (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Além disso, o governo peruano estava impossibilitado de controlar uma região extensa, de difícil acesso e alvo de disputas fronteiriças com o Equador e a Colômbia. Ao elogiar o governo, asseverou que várias ações estavam sendo desenvolvidas e que, com “presteza e ações inteligentes”, os problemas estavam sendo resolvidos (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Por fim, apelou ao Congresso para que criasse uma legislação que protegesse as populações indígenas (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). A resposta de Genocchi foi estratégica e visava evitar um incidente diplomático com a Santa Sé e aproximar a Igreja do Estado, com o Congresso Nacional e a sociedade peruana.

Quanto à segunda questão – “O Peru é um país católico e, diante disso, porque o chefe da Igreja não se manifestou publicamente contra as barbaridades [de Putumayo]? Ao se omitir o papa Pio X foi negligente e, portanto, cúmplice dos crimes?” (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.) –, Genocchi alegou que as dificuldades que a Igreja enfrentava eram maiores do que as encontradas pelo governo peruano; que o papa, ao tomar conhecimento das atrocidades de Putumayo, teria se emocionado e estava fazendo o possível em favor “desses filhos amados, pobres e perseguidos”, tal como pressionar os governos latino-americanos para tomarem as medidas possíveis contra a continuidade dos crimes, cobrar providências dos representantes pontifícios na América Latina e enviar um visitador apostólico que pretendia criar novas missões e circunscrições eclesiástica, além de promover ações conjuntas entre a Igreja e os governos (Genocchi, 1911pGenocchi, G. (1911p, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Busta 75, fascicolo 266, pp. 146r-150r, 232] Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

Na segunda reunião entre Genocchi e Jerome, o cônsul inglês sugeriu que a legação britânica e a apostólica trocassem opiniões e informações confidenciais para evitar ‘mal-entendidos’. Ao refletir sobre a situação precária das missões e das prefeituras apostólicas, Jerome propôs a fundação de uma escola em Iquitos para os indígenas, sob a direção dos salesianos, a aquisição de um barco, que acomodasse missionários e médicos, para percorrer os rios da região de Putumayo e prestar assistência religiosa e médica às populações ribeirinhas, e a arrecadação de fundos para concluir as obras da igreja em Iquitos e fundar uma missão em Putumayo (Jerome, 1911bJerome, L. J. (1911b, set. 27). Carta de Lucien J. Jerome para Genocchi. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Em novembro de 1911, Jerome retornou a Londres para negociar o apoio do governo inglês à criação da missão e para auxiliar nas negociações para a vinda dos missionários irlandeses ao Peru. Genocchi, ao manifestar sua admiração a Jerome, registrou que ele era um bom católico e que militava contra a escravidão no Peru, “a ponto de se tornar um pouco incômodo para o Governo” (Genocchi, 1911qGenocchi, G. (1911q, out. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 75r-76r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Em 6 de outubro de 1911, Genocchi enviou o quarto relatório a Merry del Val, onde reforçou as denúncias:

Nas últimas três ou quatro semanas em Lima, vi e ouvi mais do que poderia esperar, tanto de religiosos quanto de outras pessoas experientes, além de documentos de todos os tipos. . .

O Peru, com exceção dos poucos centros urbanos, ainda é um país selvagem ou semisselvagem. Os horrores cometidos pelos seringalistas no Putumayo, que Vossa Excelência certamente conhece (também pelos dois relatórios confidenciais do Cônsul-Geral Casement a Edward Grey, 17 e 21 de março de 1911), repetem-se, talvez um pouco menos intensos, nas regiões de Ucayali e Urubamba (missões franciscana e dominicana), para não falar apenas de [Putumayo]. Os pobres indígenas são capturados em verdadeiras caçadas e ataques às aldeias, ou aliciados por meio de presentes e, após, são acorrentados, tiranizados, massacrados por ganância e, às vezes, por pura maldade. Assim, morrem um número incalculável deles

(Genocchi, 1911oGenocchi, G. (1911o, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 70r-73r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi analisou também a precariedade das três prefeituras apostólicas. Os dominicanos enfrentavam a escassez de pessoal e de recursos financeiros, apesar de a província ser rica e contar com pessoal numeroso, impedindo que se expandisse. Por outro lado, muitos religiosos se acomodaram devido ao assédio dos comerciantes de borracha. Os franciscanos descalços eram respeitados pelos peruanos devido à austeridade, ao zelo, à mortificação e ao comprometimento com as atividades missionárias, mas enfrentavam dificuldades devido à reorganização das jurisdições entre as ordens franciscanas, quando bens patrimoniais foram transferidos para os franciscanos menores descalços e as escolas missionárias foram suprimidas, o que os desanimou (Genocchi, 1911oGenocchi, G. (1911o, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 70r-73r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Os franciscanos menores foram considerados descompromissados e, apesar de terem grande número de freis de nacionalidade peruana, não eram estimados pela sociedade. Os agostinianos em Iquitos eram pouco numerosos e não gozavam da admiração da sociedade e do governo. Genocchi manifestou-se contrário à supressão e defendeu a elevação da prefeitura apostólica de San León del Amazonas à condição de bispado ou a residência do vigário apostólico em Iquitos, além da diversificação das congregações e ordens religiosas, tais como os jesuítas, redentoristas, assuncionistas e espiritanos (Genocchi, 1911oGenocchi, G. (1911o, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 70r-73r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Quanto à missão a ser criada em Putumayo, tema do quinto relatório, Genocchi afirmou que, após conhecer Iquitos, teria uma opinião “mais fundamentada” para submeter a Santa Sé (Genocchi, 1911qGenocchi, G. (1911q, out. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 75r-76r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Quanto à sobrevivência da missão, acreditava que eram necessários 1£ (uma libra) por dia e um capital inicial de 10.000£ (dez mil libras), que seriam complementados com doações. De acordo com Genocchi, o custo de vida em Iquitos era “caríssimo”, pois tudo era importado (Genocchi, 1911qGenocchi, G. (1911q, out. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 75r-76r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Para serem viabilizadas, essas propostas deveriam ser negociadas com o governo devido ao padroado. Apesar disso, as expectativas eram positivas, especialmente em virtude das eleições que ocorreriam em 1912 e deveriam eleger Nicola Pierola, considerado um homem equilibrado e favorável à causa da Igreja (Genocchi, 1911qGenocchi, G. (1911q, out. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 75r-76r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi acatou a proposta de Casement quanto à nacionalidade irlandesa dos missionários, uma vez que eles seriam beneficiados pelo respeito que os súditos ingleses possuíam no Peru, inclusive das autoridades governamentais e dos comerciantes de borracha, salvaguardando-os das hostilidades. Outro aspecto favorável era a grande quantidade de falantes da língua inglesa em Iquitos, mas isso não os desobrigava de aprender a falar o espanhol, uma vez que os ingleses e irlandeses eram tidos como refratários ao aprendizado de línguas estrangeiras (Genocchi, 1911qGenocchi, G. (1911q, out. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 75r-76r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Nesse interim, na Grã-Bretanha, Bidwell, em 13 de novembro de 1911, transmitiu ao Ministério das Relações Exteriores a decisão do papa Pio X, que concordava que os missionários fossem irlandeses, como havia aconselhado Casement (Bidwell, 1911cBidwell, M. J. (1911c, nov. 13). Carta de Manuel J. Bidwell para Dister Drummond. [PRO.FO., Ecuador (1909-1913), n. 45140]. Public Record Oppice, Foreing Oppice, Peru.).

Em 31 de dezembro de 1911, Genocchi enviou a Angelo Scapardini, representante pontifício em Lima, relatório com a avaliação do cenário religioso de Iquitos. Em Iquitos residiam dois religiosos, que administravam a paróquia e a escola (que era bem frequentada), sendo um deles Pietro Prat, prefeito apostólico. Outros “três ou quatro” agostinianos atuavam nas estações de missão (Genocchi, 1911uGenocchi, G. (1911u, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 264, pp. 4r-7r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Além deles, atuavam cinco padres seculares de nacionalidade peruana, que seriam “alcoólatras” e “tinham concubinas” (Genocchi, 1911uGenocchi, G. (1911u, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 264, pp. 4r-7r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Esses padres alimentavam a xenofobia da população contra os agostinianos de nacionalidade espanhola, alegando que eram “estrangeiros” e “invasores” (Genocchi, 1911uGenocchi, G. (1911u, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 264, pp. 4r-7r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Ao acatarem a decisão do governo, não reconheciam a autoridade do prefeito apostólico, mas a do bispo de Chachapoyas. O bispo Emilio Lissón, por desconsiderar a decisão do governo, não intervinha para vigiar e disciplinar o clero. Para resolver o problema, Genocchi solicitou que Scapardini cobrasse providências do governo (Genocchi, 1911uGenocchi, G. (1911u, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 264, pp. 4r-7r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

No sétimo relatório à Secretaria de Estado, de 2 de janeiro de 1912, ele defendeu que Iquitos deveria ser um polo de irradiação missionária e de combate à escravização dos indígenas na Amazônia peruana. Genocchi concluiu que, após conversar com muitas pessoas, recolher fontes diversas e testemunhar várias situações, a missão deveria ser instalada em La Chorrera, nas margens do rio Igara Paraná, afluente do rio Putumayo. Como bispo ou prefeito apostólico deveria ser nomeado um padre de nacionalidade peruana, caso contrário não seria “ouvido pelo governo e pelo povo” (Genocchi, 1912bGenocchi, G. (1912b, jan. 2). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 85r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). O religioso deveria ser inteligente, zeloso, enérgico, sensato, objetivo e altivo, a fim de se impor diante das autoridades locais e defender os interesses da Igreja. Quattrocchi sugeriu a transferência do bispo de Chachapoyas, Emilio Lissón, para ocupar esse posto, alegando que ele era admirado por todos (Genocchi, 1912bGenocchi, G. (1912b, jan. 2). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 85r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Porém, após conversar com “pessoas influentes, boas e más”, defendia que sua indicação não seria aceita, pois há dois anos foi hostilizado pela imprensa e pelos políticos por fazer críticas ao governo (Genocchi, 1912fGenocchi, G. (1912f, fev. 8). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 33r-35r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

Na correspondência a Scapardini, de 8 de fevereiro de 1912, considerou que a queda dos preços da borracha gerou um estado de “anarquia”, mas que não abalou a importância e a riqueza do látex (Genocchi, 1912fGenocchi, G. (1912f, fev. 8). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 33r-35r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). As casas comerciais, “quase todas judias”, exigiam a devolução do dinheiro adiantado aos seringalistas, o que acabaria reforçando as relações escravistas e a degradação das relações de trabalho dos indígenas (Genocchi, 1912fGenocchi, G. (1912f, fev. 8). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 33r-35r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Entretanto, o preço da borracha estava voltando ao patamar anterior, restabelecendo os ganhos (Genocchi, 1912fGenocchi, G. (1912f, fev. 8). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 33r-35r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

Genocchi relatou a Merry del Val, em 12 de janeiro de 1912, que recebeu a visita de Fidel Bao, um espanhol naturalizado peruano, que relatou a “insurreição” dos indígenas da etnia Campas (Genocchi, 1912cGenocchi, G. (1912c, jan. 12). Carta de Giovanni Genocchi para [?]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Eles se revoltaram após presenciarem a venda dos seus filhos e filhas por “até trinta libras” (Genocchi, 1912cGenocchi, G. (1912c, jan. 12). Carta de Giovanni Genocchi para [?]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Como reação, mataram os escravizadores e fugiram. As autoridades governamentais enviaram soldados para puni-los, mas os indígenas se refugiaram em locais inacessíveis e resistiam às investidas com armas de fogo (Genocchi, 1912cGenocchi, G. (1912c, jan. 12). Carta de Giovanni Genocchi para [?]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). De acordo com Genocchi, os agentes da Peruvian e as autoridades civis se opunham à ação da Igreja Católica pelo fato de os missionários colocarem obstáculos à escravização. Para exemplificar, citou o comentário de um peruano, que afirmou que os “missionários deveriam ser tratados como criminosos porque, ao instruir os indígenas, os privavam das nossas bestas de carga” (Genocchi, 1912hGenocchi, G. (1912h, fev. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 89r-90r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Para Genocchi, ele sintetizou o senso comum existente nas regiões “incivilizadas” do Peru (Genocchi, 1912hGenocchi, G. (1912h, fev. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 89r-90r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi partiu de Lima com destino a Iquitos em 24 de março de 1912. Inicialmente, viajou ao Panamá. Após cruzar o istmo por meio de ferrovia, planejava embarcar nas linhas a vapor Liverpool-Iquitos ou New York-Iquitos com destino a Belém. A rota terrestre de Lima a Iquitos foi descartada devido à estação chuvosa e à estrada “longa e perigosa” que atravessava os Andes (Genocchi, 1911oGenocchi, G. (1911o, out. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 70r-73r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Antes de partir, deixou com Quattrocchi os códigos cifrados que recebera de Merry del Val (Genocchi, 1911aGenocchi, G. (1911a, maio 25). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 38r-38v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Genocchi preconcebia que em Iquitos havia um indiferentismo religioso e que, diante disso, adotaria a estratégia de “despertar o espírito cristão” num grupo da elite local e, em seguida, o disseminaria na sociedade (Genocchi, 1911sGenocchi, G. (1911s, nov. 12). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 77r-78r]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Por fim, demonstrou receio em viajar devido às epidemias, mas resignou-se diante do dever assumido com o pontífice (Genocchi, 1911rGenocchi, G. (1911r, out. 13). Carta de Giovanni Genocchi para Luisa Carbone. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

O percurso de 5.000 km até o Brasil foi realizado durante um mês9 9 Genocchi considerou mais adequado retornar de Iquitos para Belém e, em seguida, retornar à Europa, uma vez que Belém estava a dez dias de viagem da Europa e cerca de 30 dias de Lima (Genocchi, 1911s). . Durante os 15 dias em que permaneceu em Belém, aproveitou para conhecer a missão fundada pelos capuchinhos da Lombardia, que recebia recursos do governo brasileiro (Genocchi, 1911tGenocchi, G. (1911t, dez. 5). Carta de Giovanni Genocchi para Pasolini dall’Onda. [Dattiloscritti, lettera]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Ali, redigiu o sexto relatório, voltando a defender que Iquitos deveria tornar-se um centro propulsor das missões e a residência de um bispo ou de um vigário apostólico. Genocchi condenou novamente a escravização de indígenas, que ocorria em vários países e podia ser testemunhada inclusive entre os passageiros dos navios ingleses:

A exploração dos índios escravizados é terrivelmente bárbara, como sabíamos, mas não causa grande impressão nem nos peruanos nem nos povos vizinhos. Eis o princípio que defendiam: com os índios, a coerção e a chicotada são necessárias, caso contrário não resultará em nada. Comprá-los, vendê-los ou capturá-los não é considerado contravenção maior do que o contrabando de mercadorias para a Europa. No meu navio entre a Bolívia e Cartagena, uma senhora colombiana trouxe dos arredores do Panamá um índio de doze anos, um belo rapaz, comprado por um dólar e vinte centavos! Levou-o consigo para o interior da Colômbia, onde certamente poderá fazer com ele o que quiser. Tentei em vão falar com o menino: entendi que sua dona não queria. No entanto, parecia amá-lo. . . Este é um dos mil fatos que comprovam a existência de antigas práticas escravistas nesses países

(Genocchi, 1911sGenocchi, G. (1911s, nov. 12). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 77r-78r]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

A distância de Belém até Iquitos era estimada em 4.000 km, e a viagem era realizada em 15 dias. Genocchi chegou no dia 23 de dezembro de 1911 e permaneceu durante 50 dias. A cidade estava assolada por epidemias de “febre amarela, beribéri, malária e vômito preto” (Genocchi, 1912eGenocchi, G. (1912e, fev. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Ruffo della Scaletta. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). No dizer de Genocchi, Iquitos era “uma cidade separada do resto do mundo e centro do mercado de borracha” (Genocchi, 1912eGenocchi, G. (1912e, fev. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Ruffo della Scaletta. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Ele considerou que, além das epidemias, o principal problema eram os agentes da Peruvian, que escravizavam e exterminavam os indígenas:

Para eles, os indígenas são menos que animais; o que os levava a caçá-los e a mantê-los na escravidão, a submetê-los nos mais horríveis e diabólicos tormentos e, às vezes, a matá-los por mero prazer. Os seringalistas tentam destruir as poucas missões católicas existentes neste território e não querem testemunhas nem civilizadores; e nós, ao contrário, buscamos multiplicar esses obstáculos à desenfreada concupiscência desses monstros. Mas será possível salvar as tão perseguidas tribos de indígenas americanos?

(Genocchi, 1912eGenocchi, G. (1912e, fev. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Ruffo della Scaletta. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

Genocchi reuniu em Iquitos vários materiais, tais como reportagens de jornais, livros, correspondências, relatórios, cartas pastorais e depoimentos de missionários e viajantes que confirmavam as denúncias. Ele ficou impressionado com a enorme quantidade de crianças e mulheres escravizadas que trabalhavam nos serviços domésticos das residências. O comércio de compra e venda era usual e perpetuava-se com a conivência das autoridades. O padre Alemany, prefeito apostólico de Ucayali, afirmou que o espanhol Antonio Vasana teria vendido “centenas e milhares de mulheres e crianças” (Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Alemany, que acompanhou Genocchi por mais de 30 dias, testemunhou que

. . . há 4 ou 5 anos ele viu uma lancha a vapor cheia de meninas indígenas de 8 a 16 anos de idade. Todos elas foram vendidas a um judeu, sem que ele pudesse impedi-lo, e que, provavelmente, foram levadas à Europa

(Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi relatou que presenciou várias situações ou ouviu relatos que comprovavam que os indígenas eram “caçados” e, em seguida, “acorrentados”, “vendidos”, “assassinados”, “tiranizados” e “massacrados”, sendo incalculável o número de mortos (Genocchi, 1912dGenocchi, G. (1912d, fev. 3). Carta de Giovanni Genocchi para Filippo Tolli. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). O principal meio de obtenção dos escravizados eram as expedições militares, isto é, por meio da força e da violência, atacando inclusive as missões católicas. Havia também a prática de dar presentes como meio de estabelecer relações de confiança, troca e intercâmbio, para depois escravizá-los. Outra estratégia era conquistar o apoio dos caciques, com quem realizavam-se alianças, para que esses obrigassem os demais a trabalharem (Revista España y America, 1904Revista España y America. (1904). [Serie I, divisione 4, fascicolo 17, ano II, n. 15]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Genocchi relatou o ataque do seringueiro Decio Guzmán, que arruinou a missão dos agostinianos no rio Yalma, a fim de escravizar 50 famílias e levá-las coercitivamente para o Brasil. Os indígenas, temendo novos ataques, fugiram para regiões remotas, tornando-se, no dizer de Genocchi, “esquivos” e “arredios” (Genocchi, 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Como solução, voltou a defender a criação de leis antiescravistas, colocando os indígenas sob a tutela do Estado e da Igreja, e de missões como locais de refúgios, isto é, inacessíveis aos seringalistas (Genocchi, 1912dGenocchi, G. (1912d, fev. 3). Carta de Giovanni Genocchi para Filippo Tolli. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália., 1912g).

De acordo com Genocchi, devido à omissão, à cumplicidade e à corrupção das autoridades civis e militares, os criminosos não eram punidos e, por se beneficiarem do tráfico e do comércio de indígenas, mantinham-se indiferentes (Genocchi, 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Nos encontros com as autoridades peruanas, percebeu que elas se mantinham cautelosas e precavidas:

Continuam os crimes contra os pobres indígenas, com ataques as aldeias, tráfico e assassinatos. Não tanto como em Putumayo, mas ainda assim significativos. Às vezes, o governo prende alguns seringalistas assassinos ou traficantes pegos em flagrante, mas geralmente são libertados por falta de provas. Tenho relatos muito recentes, ocorridos durante minha estadia em Iquitos, dos quais tenho as melhores testemunhas. Relatei alguns ao cônsul inglês, dos quais ele desconhecia. . .

Mas o mal está feito, e os indígenas se tornam cada vez mais selvagens e difíceis de localizar. Em Iquitos, é incrível a indiferença em relação a compra e venda de índios jovens, que são ilegalmente sequestrados, com o uso da violência e, muitas vezes, com derramamento de sangue de tribos vizinhas. Os funcionários do governo se beneficiam dessas práticas. É evidente que muitos seringalistas e funcionários veem as missões entre os indígenas como um incômodo. O governo terá que oferecer garantias mais robustas e talvez declarar os territórios destinados às missões como inacessíveis aos seringalistas. . .

(Genocchi, 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Na paróquia de Iquitos, Genocchi observou a existência de 15.000 católicos peruanos, sem contabilizar os estrangeiros e judeus, que seriam 1.000 indivíduos. Porém, apenas “uma centena ou mais assistiam à missa dominical” e a maioria dos batizados era estrangeira (Genocchi, 1911uGenocchi, G. (1911u, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 264, pp. 4r-7r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). A igreja paroquial era um “galpão baixo e estreito, onde o calor era insuportável” (Genocchi, 1911uGenocchi, G. (1911u, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 264, pp. 4r-7r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Uma nova igreja estava sendo construída, mas havia desvios dos recursos financeiros. As autoridades locais, ao reformularem o espaço urbano, exigiram alterar o projeto, ou seja, recuar alguns metros, em cuja decorrência os alicerces não poderiam ser aproveitados. Outros queriam baixar os custos, alterando a planta e a fachada da igreja. Para Genocchi, esses empecilhos, que retardavam a obra, se deviam à ação da maçonaria e ao indiferentismo religioso. Por fim, recomendou que Scapardini, delegado apostólico para o Peru, negociasse com o governo para liberar os recursos e para vetar a mudança do local da construção, como também a mudança da fachada. Ele sugeriu a construção de um anexo à igreja, para servir de residência para o prefeito apostólico (Genocchi, 1911uGenocchi, G. (1911u, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 264, pp. 4r-7r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). Todavia, ele nutria poucas esperanças de que essas questões fossem resolvidas (Genocchi, 1912aGenocchi, G. (1912a, jan. 1). Carta de Giovanni Genocchi para Gotti. [Anno 1912, rubrica 151, Vol. 251, pp. 62-64]. Archivio Storico de “Propaganda Fide”, Nuova Serie, Vaticano.).

Entre os problemas apontados por Genocchi, estava a jurisdição da prefeitura apostólica de Iquitos. A Propaganda Fide atribuiu o território do departamento de Loreto à jurisdição da prefeitura apostólica de San León del Amazonas e o departamento de San Martin à diocese de Chachapoyas. Porém, uma decisão do governo peruano, de 13 de abril de 1907, extinguiu os decretos da Propaganda Fide e determinou que as prefeituras apostólicas teriam jurisdições sobre os “infiéis” e os bispados sobre as “regiões civilizadas” (“Giurisdizione ecclesiastica di Iquitos”, [1911?]Giurisdizione ecclesiastica di Iquitos. [1911?]. [Serie I, divisione 4, fascicolo 10]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Nesse caso, a cidade de Iquitos não deveria pertencer à jurisdição da prefeitura apostólica de San León del Amazonas, mas à diocese de Chachapoyas, da qual o bispo Emilio Lissón negava ter jurisdição (“Giurisdizione ecclesiastica di Iquitos”, [1911?]Giurisdizione ecclesiastica di Iquitos. [1911?]. [Serie I, divisione 4, fascicolo 10]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).

Genocchi denunciou que as autoridades civis não desejavam resolver esse problema, perpetuando o que denominou de “anarquia eclesiástica” (Genocchi, 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Pelo direito eclesiástico, a jurisdição de uma prefeitura apostólica era do prelado, a maior autoridade daquele território e populações. O governo peruano, por sua vez, desconsiderava a noção de território eclesiástico e privilegiava o estágio civilizatório da população. Com isso, excluiu Iquitos da jurisdição do prefeito apostólico e passou para o bispo de Chachapoyas, criando as descontinuidades dos territórios e das jurisdições eclesiásticas. O clero secular, de nacionalidade peruana, posicionou-se a favor das autoridades civis e instigava a população contra o prefeito apostólico e os religiosos agostinianos, acusando-os de estrangeiros (Genocchi, 1912bGenocchi, G. (1912b, jan. 2). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 85r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Para Genocchi, a decisão governamental favoreceu a Peruvian ao dificultar a fiscalização, além de ser contrária às normas da Santa Sé. Contudo, suas expectativas eram positivas, pois as eleições presidenciais aproximavam-se, e essas questões poderiam ser revistas. Genocchi acreditava que essa situação seria resolvida quando a cidade de Iquitos fosse transformada num centro missionário (Genocchi, 1911vGenocchi, G. (1911v, dez. 31). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 81r-84r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Nesse contexto, Genocchi informou Merry del Val de que a epidemia da febre amarela estava piorando e centenas de pessoas já tinham morrido. Dois terços dos viajantes que o acompanharam de Belém para Iquitos teriam morrido. No Peru, a febre amarela era chamada de “febre patriótica”, porque matava um grande número de estrangeiros (Genocchi, 1912jGenocchi, G. (1912j, mar. 4). Carta de Giovanni Genocchi a um confrade de Roma. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.). Genocchi acreditava que iria sair incólume das epidemias pelo fato de viajar a serviço dos interesses de Jesus Cristo e de Pio X. Em Iquitos, permaneceu por 50 dias e não contraiu nenhuma doença.

Para conter o surto, a prefeitura de Iquitos criou uma casa de isolamento para os infectados, mas poucos se internavam. Genocchi acreditava que a estação chuvosa, que estava iniciando, iria acabar com a epidemia, pois lavaria as ruas, poucas das quais eram pavimentadas, exceto as centrais, e possuíam uma vala no meio, onde se “depositava toda espécie de imundícies” (Genocchi, 1912bGenocchi, G. (1912b, jan. 2). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 85r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). No dizer de Genocchi, havia uma “anarquia civil” e “administrativa” em Iquitos, uma vez que não eram realizados investimentos na infraestrutura e na saúde pública e, sobretudo, pela negligência e demora nas ações governamentais para tratar os infectados, provocando centenas de mortes (Genocchi, 1912gGenocchi, G. (1912g, fev. 9). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 87r-88v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Ele observou que havia muita insatisfação em Iquitos com o governo federal por desviar os recursos e os impostos para Lima e por enviar funcionários ineptos e corruptos. Por isso, suspeitava de que o departamento de Loreto poderia reivindicar, no futuro, sua independência, pois Lima era “verdadeiramente uma madrasta” (Genocchi, 1912fGenocchi, G. (1912f, fev. 8). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 33r-35r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.).

No dia 11 de fevereiro de 1912, Genocchi embarcou com destino a Manaus, onde permaneceu por dez dias, e depois seguiu para Belém. No percurso, conversou com seringalistas, informando-se sobre a salubridade e a acessibilidade de La Chorrera, assim como sobre os crimes cometidos contra os indígenas (Genocchi, 1912lGenocchi, G. (1912l, mar. 6). Carta de Giovanni Genocchi para Angelo Scapardini. [Indice 1252, busta 75, fascicolo 266, pp. 36r-37v]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Peru.). O núncio no Brasil, Giuseppe Aversa, repassou inúmeras informações e documentos que condenavam a atuação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e comprovavam os crimes cometidos contra os indígenas, apesar de o país ter uma legislação indigenista (Marin, 2021Marin, J. R. (2021). A Santa Sé e o Serviço de Proteção aos Índios: as disputas entre a Igreja Católica e o Estado pela tutela e gestão das populações indígenas. Revista História (São Paulo), 40, e2021019. https://doi.org/10.1590/1980-4369e2021019
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, 2023).

No nono relatório, datado de 29 de fevereiro de 1912 e redigido em Belém, Genocchi relatava a Merry del Val que decidiu fundar a missão em La Chorrera após avaliar diversos pareceres e opiniões. A localização seria vantajosa pelo fato de o terreno ser elevado e por ter, nas proximidades, uma cachoeira com água doce e “saudável”, além de distar de Iquitos “apenas 8 ou 10 dias” de lanchas a vapor (Genocchi, 1912hGenocchi, G. (1912h, fev. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 89r-90r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Por fim, Genocchi alegou que a região era salubre e sem surtos epidêmicos, ao contrário das regiões próximas, como Caquetá, onde os soldados adoeciam ou morriam após permanecerem por alguns meses10 10 Para Genocchi, o adoecimento era causado pela escassez de alimentos, que debilitavam as pessoas e as tornavam propensas às doenças. Isto ocorria porque os recursos destinados pelo governo à compra de suprimentos para os militares eram desviados em benefício dos comandantes militares, que subtraíam esses recursos em proveito próprio (Genocchi, 1912h). . Outro aspecto favorável era a proximidade de um quartel militar e do rio Putumayo. Genocchi recomendou que na missão residissem “três ou quatro missionários”, que deveriam visitar as populações indígenas “vítimas da famosa Casa Arana, que estava muito enfraquecida e próxima da falência” (Genocchi, 1912hGenocchi, G. (1912h, fev. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 89r-90r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Ele informou que muitos escravizadores e traficantes teriam fugido para países vizinhos e outros estariam na prisão de Iquitos, mas temia que eles nunca fossem julgados. A ação do governo teria apenas intimidado os criminosos, que continuavam a agir nas regiões mais isoladas e de difícil controle. Os principais obstáculos a serem enfrentados pelos missionários seriam os agentes da Peruvian, as doenças tropicais, os fatores climáticos, isto é, o calor excessivo e o “frio das montanhas que eram trazidos, sem aclimatação prévia”, além das privações de viver num país “pobre e quente” (Genocchi, 1912hGenocchi, G. (1912h, fev. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 89r-90r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Para Genocchi, a expansão institucional da Igreja Católica na América Latina deveria ser a principal estratégia da Santa Sé para proteger e civilizar os indígenas. A criação da missão em La Chorrera, por exemplo, iria chamar a atenção internacional dos governos, do episcopado e do clero latino-americano para as suas responsabilidades políticas e espirituais, além de salvaguardar a existência física dos indígenas.

Em Belém, Genocchi escreveu o décimo relatório, datado de 1º de março de 1912, em que registrou suas impressões sobre a Igreja Católica na Amazônia brasileira, como a falta de pessoal e recursos na missão dos capuchinhos, que atuavam na prefeitura apostólica de Alto Solimões. O bispado de Manaus enfrentava problemas financeiros, pois o administrador apostólico, Hipólito Costa, com dificuldades para se manter ou por “má fé”, tinha hipotecado a residência episcopal (Genocchi, 1912iGenocchi, G. (1912i, mar. 1). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 91r-92r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Como ele havia falecido, temia-se que algum parente reivindicasse sua herança, agravando a crise financeira. Genocchi observou que o governo estadual auxiliava financeiramente apenas os capuchinhos de Manaus e não apoiava as missões entre os indígenas (Genocchi, 1912iGenocchi, G. (1912i, mar. 1). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 91r-92r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Em 6 de março de 1912, Genocchi decidiu não retornar a Lima e excluir da viagem apostólica a ida a Colômbia, pois a viagem durava 30 dias, enquanto para a Europa demorava “10 ou 12 dias” (Genocchi, 1912mGenocchi, G. (1912m, mar. 6). Telegrama de Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 118r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Descartou também a ida a Venezuela, ao Equador e ao México, ao considerar que já tinha informações suficientes sobre a América (Genocchi, 1912nGenocchi, G. (1912n, mar. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Locatelli. [Indice 1159, busta 48, fascicolo 208, pp. 165r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Argentina.).

Em 7 de março, enviou o 11º relatório, no qual afirmava preferir dar informações detalhadas verbalmente, assim como responder aos questionamentos. Genocchi esclarece que conversou com “todo tipo de pessoas” e que trazia consigo “muitas notas escritas, extraídas de minhas pesquisas pessoais e de livros e jornais em diferentes idiomas, especialmente em inglês, espanhol e português” (Genocchi, 1912oGenocchi, G. (1912o, mar. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 95r-97r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Ele propôs, diante da inadequação da presença da Igreja Católica na América Latina, que a Santa Sé aumentasse as circunscrições eclesiásticas e as missões religiosas nas regiões onde havia maior concentração demográfica de indígenas e a interiorização de religiosos europeus na região amazônica, a fim de superar a escassez de clero (Genocchi, 1912oGenocchi, G. (1912o, mar. 7). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 95r-97r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi foi autorizado por Merry del Val a retornar para a Europa e, no dia 8 de março, embarcou para a Espanha. O 12º relatório, intitulado “Índios e brancos na bacia do Amazonas”, foi escrito em 29 de março, em Barcelona (Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Genocchi defendeu que as condições de vida dos indígenas no Peru, na Colômbia e no Brasil eram as mesmas, devido à ausência de controle e de fiscalização dos governos:

As distâncias geográficas dificultam o controle eficaz dos governos e favorecem a perversidade dos seringalistas irreligiosos e degenerados de todos os países. É apropriado dizer que: “ab uno disce omnes” [por um, conhece a todos]. Abstenho-me de recordar o que escreveu Casement nos seus relatórios, que são bem conhecidos de Vossa Excelência. Anotarei aqui apenas alguns fatos e documentos totalmente inegáveis e que não constam nos relatórios Casement

(Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi chamou a atenção da Secretaria de Estado para fatos e documentos que colecionou durante a viagem e que iriam fornecer detalhes do que viu, soube ou leu nas reuniões que faria em Roma. Ele ressaltou que os indígenas eram vendidos a peruanos e a estrangeiros, sendo negociados em libras esterlinas. Ao exemplificar, citou Portillo (1901, p. 53)Portillo, P. (1901). Las montañas de Ayacucho y los ríos Apurímac, Mantaro, Ene, Perené, Tambo y alto Ucayali. Imprenta del Estado., que afirmou que “para cada chinês que entra 10, 20 ou 30 indígenas selvagens eram levados para o exterior”.

Para Genocchi, a escravização de indígenas e as práticas de torturas eram comuns no Brasil. Para exemplificar, citou o depoimento do estudante Manuel Leite, filho de um comerciante de borracha do Acre, em que afirmava que “todos os proprietários e comerciantes de borracha tinham [em suas propriedades] grilhões e chicotes” (Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). O livro didático “Através do Brasil”, escrito por Olavo Bilac e Manoel Bomfim, publicado em 1910 para uso nas escolas primárias, naturalizava as práticas de tortura, envolvendo o uso de palmatórias, chicotes, troncos e correntes (Bilac & Bomfim, 1910Bilac, O., & Bomfim, M. (1910). Através do Brasil: leitura para o curso médio das escolas primárias. Francisco Alves.). No capítulo 37, descrevia as práticas de torturas:

Um pobre menino, erroneamente considerado um ladrão, foi açoitado e colocado no tronco com o pé esquerdo e a mão direita amarrados, permanecendo nessa terrível posição durante toda a noite. Mais tarde, quase morreu após ser golpeado com um chicote dilacerante. E ele era inocente

(Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Genocchi também mencionou a carta pastoral de D. Santino Maria da Silva Coutinho, bispo de Manaus, datada de 11 de abril de 1909, que apresentava diversas denúncias sobre a escravização e os maus-tratos aplicados a indígenas:

Após uma visita pastoral ao Rio Negro, o bispo de Manaus compartilhou as suas preocupações, relatando as palavras de seu anfitrião, o senhor Germano Garrido: “A escravidão negra acabou em 13 de maio de 1888, mas existe hoje uma escravidão dos nossos indígenas, mais bárbara do que a dos negros. É inacreditável o que se pratica nesta altura”. O bispo complementou: “E hoje podemos e devemos dizer, que o que nos afirmou o Senhor Germano é a pura verdade! . . . Sangra-nos o coração ao dizer, mas ainda existem escravos no Brasil, e são os nossos índios. . . Alguns negociantes chegam às malocas [habitação coletiva indígena] de espingarda em punho, e pedem, exigem e muitas vezes agarram e forçam as donzelas indígenas. Viajam com um garrafão de cachaça . . . para atrair os incautos, homens e mulheres, praticando determinados atos, que até a própria pena se recusa a descrever. Muitas vezes os agarram à força, amarram e surram tão barbaramente, como por exemplo acontecia nos tempos da escravidão romana”. . . “E o que dizer das diligências?” (incursões nas florestas para recapturar os índios que fugiram por não suportarem a crueldade dos escravizadores). “Para punir, eles capturam outros indígenas das suas aldeias. Quanto ao tratamento dado aos fugitivos quando caem nas mãos de seus opressores, eu omitirei os detalhes. [...] A maior vergonha é que as autoridades não apenas são coniventes, mas são precisamente elas que organizam, protegem e participam de tais diligências”

(Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., grifos do autor).

Além disso, Genocchi referiu-se a um artigo publicado na Revista do Museu Paulista, de autoria de Hermann von Ihering, que defendia que a “melhor solução seria exterminar os indígenas” (Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Outro artigo criticava essa proposta por “sancionar uma crueldade que há muito tempo era cometida contra os indígenas. A geração atual é responsável por falta de uma legislação apropriada” (Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.). Por fim, conclui: “Eu poderia continuar apresentando documentos e testemunhas incontestáveis, se já não fosse evidente o que está ocorrendo no Brasil e nas demais Repúblicas” (Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

Segundo Genocchi (1912p)Genocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano., os brasileiros costumavam dizer que os peruanos eram “mais cruéis”, pois “enquanto os brasileiros matavam e castigavam para fins utilitários os peruanos frequentemente abatiam e torturavam por deleite. E eu acredito, com as devidas exceções, que é verdade”.

Em abril de 1912, a Santa Sé já tinha estabelecido as providências a serem tomadas, entre elas publicar uma encíclica que denunciasse e condenasse a escravização, as torturas e outros crimes que os indígenas sofriam, como também promover uma ofensiva para defendê-los e evangelizá-los (del Val, 1912del Val, R. M. (1912, abr. 9). Carta de Raffaele Merry del Val para Sibila. [Indice 1230, busta 19, fascicolo 38, pp. 136v-138r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano/Archivi delle Rappresentanze Pontificie, Chile.). Genocchi, ao retornar a Roma em 4 de abril de 1912, foi recebido em audiência pelo papa Pio X e colaborou com a reestruturação da Igreja Católica na América, nas diretrizes da política externa da Santa Sé e na redação da encíclica “Lacrimabili statu indorum” (Pio X, 1912), publicada em 7 de junho de 1912, que marcou o posicionamento oficial da Santa Sé frente aos ‘escândalos de Putumayo’ (Marin, 2023Marin, J. R. (2023). As repercussões internacionais do genocídio das populações indígenas em Putumayo, no Peru, e as reações da Santa Sé. Revista Territórios & Fronteiras, 16(1), 178-208. https://doi.org/10.22228/rtf.v16i1.1108
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)11 11 Entre julho e agosto de 1912, Genocchi foi enviado à Inglaterra e à Irlanda para recrutar missionários e para arrecadar recursos financeiros para viabilizá-las. Em fevereiro de 1913, Genocchi retornou ao Brasil e ao Peru acompanhado dos missionários para inaugurar a missão em La Chorrera e para observar se as condições de vida dos indígenas tinham sido alteradas. Antes de regressar a Roma, viajou até o Rio de Janeiro, onde permaneceu por alguns dias. .

CONVERSÃO E SALVAÇÃO: FACES DA COLONIALIDADE NAS NARRATIVAS DE GENOCCHI

A presença de Genocchi, como visitador apostólico, é um fato de autoridade e, portanto, de poder e de saber. Esse lugar foi construído de forma autoritária e assimétrica, raramente dialógica, pois “não se [destinava] àquele Outro” (Siganos, 2002Siganos, A. (2002). O mito amazônico: algumas preocupações teóricas e operacionais. Leituras da Amazônia: Revista Internacional de Arte e Cultura, 2(2)., p. 300). A fala hegemônica rejeita as falas dos ‘outros’, que foram silenciados, domesticados e estereotipados. Nas narrativas de Genocchi, as alteridades e as exclusões foram levadas ao extremo, quando os ‘outros’ foram colocados à distância, sendo hierarquizados e categorizados, com o fim de distinguir-se deles e fazer-se mais crível. Portanto, os objetos aos quais dirigiu seu olhar foram alterados pelo modo como visualizou e observou a realidade (Cardoso de Oliveira, 1998Cardoso de Oliveira, R. (1998). O trabalho do antropólogo. Paralelo Quinze/Editora da UNESP., p. 19).

Genocchi, durante a viagem, colecionou obras, reportagens de jornais, relatórios, correspondências, cartas pastorais de bispos, artigos de revistas e depoimentos que serviriam de provas dos crimes praticados em Putumayo. Ele interessou-se em estudar a história da América e em ler relatos e descrições sobre a natureza e as populações latino-americanas. Era uma literatura de circulação internacional e escrita por missionários, viajantes, militares, cronistas e homens de ciência etc. Ao desconsiderar o contexto de produção dessas obras, apropriou-se dos conteúdos como se fossem científicos, verdadeiros, legítimos, neutros e imunes às políticas, às disputas e às afirmações de poderes e de saberes.

As descrições e as classificações reproduziam as visões europeias sobre a América veiculadas desde a chegada dos europeus, mas que foram sendo aprimoradas e sofisticadas ao longo dos séculos. A natureza era paradisíaca e, ao mesmo tempo, inferior e perigosa, enquanto as populações indígenas e pretas, ao serem comparadas àquelas que viviam em climas temperados, foram classificadas como inferiores, selvagens, atrasadas, de ‘natureza’ indolente e degeneradas. A América ainda jazia nos estágios evolutivos mais atrasados e, com isso, essas descrições e classificações legitimavam a dominação política, econômica e cultural da Europa e dos Estados Unidos, pois o desenvolvimento, o progresso e a civilização exigiam intervenções dos países civilizados. Cabia à Igreja Católica converter, proteger e civilizar os indígenas e contribuir para alavancar o processo civilizatório latino-americano.

Para os agentes da Igreja Católica, os indígenas eram heréticos, politeístas, supersticiosos, ignorantes em matéria de religião católica, indolentes, polígamos, pervertidos, infiéis, pagãos, pobres, infelizes, indolentes, inconstantes, avessos à disciplina, sorrateiros, violentos, preguiçosos, desprovidos de inteligência, bárbaros ou semibárbaros. Eles viviam no erro e na ignorância, com moralidade inferior aos cristãos pecadores e sem a ‘luz do evangelho’. Por não professarem nenhuma religião, estariam privados da salvação. Quando resistiam fugindo para regiões isoladas, atacando os escravizadores e recusando o contato com os ‘brancos’, eram vistos como indisciplinados, violentos, cruéis, subversivos, selvagens, arredios e esquivos12 12 As múltiplas resistências dos povos indígenas, mesmo quando negociavam a própria existência física, evidenciam que não houve uma extrema subordinação aos brancos e que cada etnia reagiu de formas distintas diante das circunstâncias que se apresentavam. . Ao recusar a presença dos missionários, impossibilitavam que a Igreja Católica cumprisse a sua missão, que era salvar suas almas.

Genocchi, a partir das obras que leu, concluiu que as populações indígenas de Putumayo praticavam o canibalismo como hábito alimentar predatório e que as guerras eram o meio para obter prisioneiros, que eram engordados e abatidos. Genocchi citou a obra de Robuchon (1907)Robuchon, E. (1907). En el Putumayo y sus afluentes. Juan Alavaro Echeverri., “En el Putumayo y sus afluentes”, que, a serviço da Peruvian, descreveu os indígenas como selvagens, sorrateiros, violentos e preguiçosos, e Putumayo como o “reino dos canibais”. Com isso, Robuchon (1907)Robuchon, E. (1907). En el Putumayo y sus afluentes. Juan Alavaro Echeverri. justificava a ação civilizatória da Peruvian, que contribuía para o avanço do estágio evolutivo dos indígenas, antropófagos que se tornavam trabalhadores laboriosos e patriotas (“Na região...”, 1908Na região do Putumayo e seus afluentes. As possessões da Casa J. C. Arana & Ca. Os índios do Putumayo, seus costumes e crenças. La Chorrera. Viagem do vapor peruano ‘Cosmopolita’. No Putumayo. (1908, jun. 11). Jornal do Commercio, 5(1514), 4. Fundação Biblioteca Nacional, Hemeroteca Digital, Rio de Janeiro. http://memoria.bn.gov.br/DocReader/170054_01/5815?
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). Para Genocchi, por sua vez, o canibalismo justificava a ofensiva missionária da Igreja Católica.

Outras imagens europeias apropriadas por Genocchi mostravam que as populações dos países equatoriais, inclusive os ‘brancos’, possuíam uma cultura sexual depravada e associada à selvageria, à luxúria e à lascívia. No entender de Genocchi, a população acreditava que abaixo da linha do Equador, devido ao calor degenerante, tudo era permitido e nada era pecaminoso. Além disso, reproduziam erroneamente os dizeres bíblicos: “crescei e multiplicai-vos”. Para reforçar seu argumento, afirmou que em Iquitos um homem teria “mais de sessenta filhos e inúmeras mulheres”, sendo invejado e visto como modelo para outros homens. Ao crer no ditado “ab uno disce omnes” (por um se conhecem os outros), defendeu que pelas qualidades de um indivíduo é possível avaliar toda a sociedade de um país. Tais condutas, por serem distantes da cultura cristã e dos padrões de socialização e convivências das sociedades ocidentais, foram consideradas selvagens e sacrílegas e, por isso, condenadas pela Igreja. Para Genocchi, o calor dos trópicos gerou uma sociedade degenerada e inferior e cabia à Igreja Católica salvá-la e humanizá-la (Genocchi, 1912pGenocchi, G. (1912p, mar. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 101r-104r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).

As imagens de Genocchi sobre as populações latino-americanas estavam permeadas pelo cientificismo racial que, ao hierarquizar as raças e as culturas, as condenavam à inferioridade racial, à devassidão, à inaptidão ao trabalho e à inobediência às normas civilizatórias e cristãs. As concepções do determinismo hereditário, climático e geográfico explicavam como as degenerações raciais e sociais das populações impossibilitavam os países latino-americanos de acompanharem o desenvolvimento e o processo civilizatório europeus. O meio físico tropical não era favorável à produção de uma civilização notadamente evoluída e civilizada. Dessa forma, Genocchi reafirmava as concepções de barbarismo e decadência cultural das populações não europeias. Em decorrência disso, elas pertenciam a um estágio evolutivo atrasado da humanidade e, para que fossem regeneradas, salvas e protegidas, necessitavam da intervenção civilizatória da Europa e dos Estados Unidos, e das ações evangelizadoras da Igreja Católica, que deveria retomar o programa do Concílio de Trento e expandir a fé católica à América.

Por fim, cabe considerar que a Igreja Católica e a hierarquia eclesiástica contribuíram para reforçar as formas de controle e dominação coloniais por meio das classificações raciais, sociais e religiosas e por meio da produção de identidades geoculturais, como a América e suas distinções em relação à Europa.

As ordenações classificatórias e hierárquicas em nível racial, religioso, político e social, assim como as diferenças das paisagens e do clima, foram impostas pelo colonialismo como o objetivo de converter, dominar, controlar e explorar populações e suas riquezas. As classificações raciais e culturais favoreceram as práticas escravistas e não assalariadas de trabalho, ou seja, aquelas que desenvolveram “entre os europeus ou brancos a específica percepção de que o trabalho pago era privilégio dos brancos” (Quijano, 2005Quijano, A. (2005). Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In E. Lander (Org.), A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas (pp. 107-130). CLACSO. https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf
https://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/...
, pp. 119-120).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pio X, apesar de ter conhecimento dos ‘escândalos de Putumayo’ desde o surgimento das denúncias, não se pronunciou. A primeira reação decorreu das pressões do governo britânico, que mobilizou diversos países e solicitou a colaboração da Santa Sé. Casement defendia a criação de uma missão religiosa católica em Putumayo como uma das estratégias para proteger as populações indígenas. Nesse contexto, a imprensa britânica acusava o pontífice de omissão e conivência com os crimes contra as populações indígenas. Diante das denúncias e das pressões internacionais, Pio X enviou um delegado apostólico para investigar e para propor um plano abrangente de proteção e evangelização para a América Latina.

Genocchi enviou doze relatórios a Merry del Val e colecionou inúmeras evidências da grave situação dos indígenas em todos os países que visitou. Ele concluiu que estava ocorrendo um genocídio, que se perpetuava devido às negligências dos governos em protegê-los e às indiferenças das sociedades civis. Ou seja, não havia interesse em prestar assistência, mas em exterminá-los. No Brasil, apesar do SPI e de uma legislação indigenista, os indígenas estavam sendo escravizados, massacrados, vitimados pelo tráfico humano internacional, além de terem suas terras usurpadas. Quanto à organização da Igreja Católica, Genocchi constatou sua inadequação em toda a América Latina, seja pelo pequeno número de missões religiosas e de circunscrições eclesiásticas, seja pela escassez de clero e de recursos financeiros. Genocchi endossou a proposta de Casement, de criar uma missão católica em Putumayo, e sugeriu a Santa Sé aumentar o número de paróquias, prelazias e missões e interiorizar religiosos europeus, além de assegurar junto aos governos latino-americanos a tutela e a gestão das populações indígenas pela Igreja Católica em detrimento das religiões concorrentes ou de órgãos governamentais.

Genocchi teve um papel central na redação do texto da encíclica “Lacrimabili statu Indorum” (Pio X, 1912Pio X. (1912) Lacrimabili Statu Indorum. Libreria Editrice Vaticana.). Suas vivências pessoais, as anotações que fez durante toda a viagem, os livros que adquiriu, os documentos e as provas que reuniu e as suas propostas foram importantes para nortear a Santa Sé na sua política externa.

Genocchi se autorretratava como um agente de Pio X e de Jesus Cristo que empreendia uma obra humanitária e apostólica, voltada à proteção e à salvação dos indígenas e das populações latino-americanas. Como intelectual e teólogo ocidentalizado, centro-europeu, branco-cristão-patriarcal, eurocêntrico, colonialista, monoteísta e católico conservador, não conseguiu interpretar e traduzir as diferenças e as complexidades da Amazônia e das suas gentes. Ao considerar os padrões ocidentais e europeus como os ideais, estabeleceu comparações, classificações, hierarquias e diferenças raciais e culturais que desumanizavam os indígenas e as populações latino-americanas, além de não reconhecer e de combater as espiritualidades não cristãs e ocidentais, ao excitar os processos geradores das alteridades, das exclusões e dos preconceitos de origem geográfica, étnica, religiosa, cultural, de cor, entre outras.

A América, a Amazônia e a presença da Igreja Católica tornaram-se, durante a realização da viagem apostólica, objetos de permanentes observações, reflexões, estudos e análises. Os discursos pré-existentes sobre a América somaram-se às informações que coletou e às suas vivências pessoais, permitindo que estabelecesse uma autoridade científica e religiosa. Ou seja, Genocchi instituiu e consagrou distinções e divisões territoriais, geográficas, econômicas, populacionais e religiosas que legitimaram os projetos biopolíticos da Santa Sé para ordenar o território latino-americano, no sentido administrativo e político e de gestão das populações.

As qualificações e diferenças sexuais, raciais, políticas, econômicas, sociais e culturais que Genocchi instituiu e reforçou justificavam novas formas de dominação e de controle do trabalho, dos corpos e dos saberes. Suas narrativas expressavam o projeto colonial sobre a Amazônia e a América. Essas eram eurocêntricas e etnocêntricas e, por isso, propagaram, legitimaram e naturalizaram a colonialidade, ao submeter as populações indígenas e latino-americanas a classificações dicotômicas, racistas e hierarquizadas. Com isso, ele as condenava à inferioridade racial, moral e religiosa, bem como à incivilidade e à dominação da Igreja Católica e das potências mundiais que exploravam, por meio da dominação e da violência, os recursos naturais da Amazônia, assim como as suas populações. A cadeia transnacional extrativista e o modelo de acumulação, controlados por empresas estrangeiras associadas às burguesias locais e aos governos latino-americanos e europeus, não foram criminalizados por Genocchi. O silêncio favoreceu a expansão capitalista sobre a floresta amazônica, agravando o genocídio e a exploração das populações indígenas. As narrativas de Genocchi endossaram a unipolaridade política da Europa e seu poder colonialista, assim como a lógica binária da teologia cristã. O Peru e os países latino-americanos foram vistos como promotores da barbárie, da escravização e do extermínio dos indígenas. Os países europeus, sobretudo a Grã-Bretanha, e os Estados Unidos foram isentados das responsabilidades e reafirmados como pertencentes ao eixo do bem, do progresso, da civilização e da modernidade.

Genocchi, apesar de condenar veementemente a escravização de indígenas, que ilegalmente persistia, minimizou a gravidade dos crimes ao considerar que foram praticados apenas pela ‘maldade’, ‘perversidade’, ‘desumanidade’, ‘impiedade’, ‘ganância’, ‘degeneração’ e ‘luxúria’ de alguns homens.

As retóricas da colonialidade e da modernidade estão presentes nas narrativas apostólicas de Genocchi sobre a América. Converter ao cristianismo, salvar as almas e civilizar os indígenas, assim como os latino-americanos, escondiam os interesses institucionais, tais como os projetos para expandir-se e assegurar a tutela e a gestão das populações indígenas, bem como para a realização de alianças entre a Igreja e os Estados latino-americanos. A Santa Sé considerou os ‘escândalos de Putumayo’ como uma oportunidade para se fortalecer e firmar sua importância na sociedade. Dessa forma, perpetuava-se a continuidade da colonialidade e da modernidade, assim como das relações de dominação, exploração e conflito.

  • 1
    Naturalistas, zoólogos, botânicos, topógrafos, ictiólogos, agrimensores, médicos, mineralogistas etc.
  • 2
    Em 1901, devido ao acirramento das disputas territoriais, o governo peruano estabeleceu uma alfândega e um posto militar no rio Putumayo e enviou uma comissão para confeccionar mapas e levantamentos sobre a região, a fim de assegurar a posse. Com isso, a violência aumentou com ataques a brasileiros, colombianos e norte-americanos que adentravam no território peruano para explorar o látex ou para escravizar indígenas. Diante disso, o governo brasileiro instalou uma alfândega na foz do rio Amônia, na fronteira entre o Brasil e o Peru.
  • 3
    Durante o governo de José Pardo, a Lei n. 2.193, de 11 de novembro de 1915, revogou o 4º artigo da Constituição de 1860, que proibia o exercício público de outras religiões, instituindo a liberdade de culto e religião. O padroado foi vigente de 1826 até 1933, quando foi revogado (Izquierdo, 2013Izquierdo, M. A. R. (2013). Los principios rectores del derecho eclesiástico del Estado en el ordenamiento jurídico peruano [Dissertação de mestrado, Pontificia Universidad Católica del Perú].).
  • 4
    Genocchi era um missionário experiente, uma vez que, a Serviço da Santa Sé, foi secretário do monsenhor Luigi Piavi na delegação apostólica na Síria (1886-1888) e vigário geral em Constantinopla (1888-1892). Posteriormente, participou de missões da Propaganda Fide em Macedônia do Norte, Grécia, Romênia, Sérvia, Bulgária, Montenegro e Papua-Nova Guiné. Era professor de Sagradas Escrituras, escritor e pesquisador, e tinha grande reputação no campo da crítica histórica e bíblica. Ele também militava contra a escravidão e pela defesa da dignidade dos indivíduos.
  • 5
    As entrevistas foram dadas aos jornais “Il Corriere d’Italia” e “La Razón”.
  • 6
    Casement (2016, pp. 257-279)Casement, R. (2016). Diário da amazônia de Roger Casement [Edição Angus Mitchell; Organização Laura P. Z. Izarra e Mariana Bolfarine]. Edusp. era contrário à liquidação da empresa por acreditar que daria origem a outras empresas que perpetuariam os crimes. A solução seria fiscalizar a empresa por meio da nomeação de um oficial inglês (para vigiar as relações de trabalho), demitir e pagar os salários dos barbadianos e punir os que cometeram crimes.
  • 7
    Essas sugestões foram repassadas a Genocchi para que desse o seu parecer.
  • 8
    Casement chegou em Iquitos no dia 16 de outubro e partiu em 7 de dezembro, enquanto Genocchi chegou no dia 23 de dezembro.
  • 9
    Genocchi considerou mais adequado retornar de Iquitos para Belém e, em seguida, retornar à Europa, uma vez que Belém estava a dez dias de viagem da Europa e cerca de 30 dias de Lima (Genocchi, 1911sGenocchi, G. (1911s, nov. 12). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 77r-78r]. Archivio della Provincia Italiana dei Missionari del Sacro Cuore, Archivio Giovanni Genocchi, Itália.).
  • 10
    Para Genocchi, o adoecimento era causado pela escassez de alimentos, que debilitavam as pessoas e as tornavam propensas às doenças. Isto ocorria porque os recursos destinados pelo governo à compra de suprimentos para os militares eram desviados em benefício dos comandantes militares, que subtraíam esses recursos em proveito próprio (Genocchi, 1912hGenocchi, G. (1912h, fev. 29). Carta de Giovanni Genocchi para Raffaele Merry del Val. [Anno 1913, rubrica 17, fascicolo 4, pp. 89r-90r]. Archivio Apostolico Vaticano, Segretaria Stato, Vaticano.).
  • 11
    Entre julho e agosto de 1912, Genocchi foi enviado à Inglaterra e à Irlanda para recrutar missionários e para arrecadar recursos financeiros para viabilizá-las. Em fevereiro de 1913, Genocchi retornou ao Brasil e ao Peru acompanhado dos missionários para inaugurar a missão em La Chorrera e para observar se as condições de vida dos indígenas tinham sido alteradas. Antes de regressar a Roma, viajou até o Rio de Janeiro, onde permaneceu por alguns dias.
  • 12
    As múltiplas resistências dos povos indígenas, mesmo quando negociavam a própria existência física, evidenciam que não houve uma extrema subordinação aos brancos e que cada etnia reagiu de formas distintas diante das circunstâncias que se apresentavam.

AGRADECIMENTOS

O presente artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil (processo nº BEX 2372/15-0).

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Editado por

Responsabilidade editorial: Márcio Couto Henrique

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    24 Jun 2023
  • Aceito
    22 Dez 2023
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