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Esboço biográfico de Aritana Yawalapíti: a formação de um chefe prototípico

Biographic outline of Aritana Yawalapiti: the shaping of a prototypical chief

Resumo

A partir das etapas de formação de uma pessoa eminente, que pode motivar a execução do ritual itsatchi (quarup), o texto trata da biografia do recém-falecido cacique Aritana Yawalapíti. Sua trajetória é vista como o tipo ideal da formação de um chefe, passando por todos os estágios do modelo processual descrito pelos pesquisadores. A abordagem desta biografia permite perceber fatores inatos, como a ascendência de chefes dos povos Kamayurá e Yawalapíti, e fatores construídos em vida, como a proeminência na luta, o patrocínio de rituais, a participação na vida política e o poliglotismo. Considerado um dos maiores lutadores de todos os tempos, sua força e destreza apontam para uma formação corporal plena, segundo a prática alto-xinguana. Como ‘dono dos brancos’, ele mediou as relações entre o seu povo Yawalapíti e o Alto Xingu com os não indígenas. Poliglota, conseguia se comunicar bem e ser entendido nas três grandes línguas alto-xinguanas. Como ‘dono de rituais’, obteve proteção e auxílio de espíritos apapalutapa, com os quais manteve longas relações. O objetivo final é entender como a formação da pessoa e a trajetória biográfica do cacique o fizeram ser considerado um chefe renomado.

Palavras-chave
Etnobiografia; Chefia; Yawalapíti; Alto Xingu

Abstract

This text presents a biography of the recently deceased chief Aritana Yawalapiti based on the stages involved in shaping an eminent person whose death can be the motive for the itsatchi ritual (quarup). Aritana’s trajectory is seen the ideal shaping of a chief, and involves all stages of the procedural model described by researchers. The approach adopted in this biography reveals innate factors like the ancestry of chiefs from the Kamayurá and Yawalapiti peoples, as well as factors constructed throughout life, such as outstanding wrestling ability, sponsorship of rituals, political participation, and the ability to speak multiple languages. Aritana’s reputation as one of the greatest fighters of all time, along with his dexterity and strength, exhibit full-body development according to the local practice. As the “owner of the whites,” he mediated relations between his people (the Yawalapiti) and the entire Upper Xingu region with the non-indigenous world. As a polyglot, he could communicate well and make himself understood in the three main Upper Xingu languages. As the “owner of rituals,” he received protection and assistance from apapalutapa spirits, with whom he maintained a long-lasting relationship. Our ultimate objective is to understand how Aritana’s personal development and biographical trajectory shaped him into a renowned chief.

Keywords
Ethnobiography; Chieftainship; Yawalapiti; Upper Xingu

No fim da temporada da seca, em 2021, uma edição do itsatchi foi realizada entre os Yawalapíti. Esta é uma festa pós-funerária de segundas exéquias que marca o fim do ciclo biográfico de chefes e pessoas eminentes1 1 Itsatchi é um termo yawalapíti. O ritual é mais conhecido como Quarupe, a forma aportuguesada do termo kamayurá, kuaryp. . Dessa forma, existe, entre as pessoas, uma hierarquia gradativa, que as separa entre chefes (amulau, em yawalapíti) e comuns, sendo que o reconhecimento último da chefia é ser lembrado em um itsatchi2 2 Utilizo o termo ‘chefe’, e não ‘nobre’ ou ‘aristocrata’, assim como utilizo o termo ‘festa’ para tratar do ‘ritual’, por ser essa a tradução no português local. Sigo Perrone-Moisés (2015, p. 18), quando ela advoga “pela incorporação ao nosso vocabulário analítico, na condição de guias para pensar, [de] uma série de palavras da língua portuguesa tal como são empregadas no que se costuma chamar de ‘portuguê;s dos índios’”. . Na edição em questão, foram homenageadas quatro pessoas falecidas em decorrência da pandemia que, em 2019, se deflagrou do outro lado do mundo. No dia 25 de junho de 2020, Matariwá Yawalapíti, irmão mais novo de Aritana, faleceu em decorrência do vírus SARS-CoV-2, gerando uma enorme comoção na aldeia, pois, desde jovem, ele havia sido preparado para ser um chefe yawalapíti, tendo sua orelha furada, na infância, com osso de onça. Em 12 de julho do mesmo ano, faleceu Inhampi Yawalapíti, filha de Afinitse, um kuikuro que casara entre os Yawalapíti e participara da reconstrução da aldeia. No início do mês seguinte, em um momento já muito difícil para o povo yawalapíti, após uma sequência de perdas, faleceu, por complicações da mesma doença, Aritana Yawalapíti, seu maior chefe e cacique principal, em um hospital particular de Goiânia3 3 Também faleceram de complicações devido à SARS-CoV-2 Kuyayu Kamayura, que foi também lembrada no itsatchi de 2021, e Yamuni Mehinako, viúva de Pirakumã Yawalapíti, que residia entre estes desde o casamento. Yamuni foi sepultada entre os Mehinako e foi homenageada por seu povo de nascimento. . Este último foi o homenageado principal do itsatchi de 2021 e um dos maiores líderes indígenas, do Alto Xingu e do Brasil. É sobre sua vida que me debruço neste texto.

Para ser lembrado como um chefe no itsatchi, o falecido deve, idealmente, ter sido um chefe ou uma pessoa proeminente em vida, ocupando posições importantes na dinâmica ritual e/ou cosmológica de sua aldeia. A biografia do falecido implica, já no momento do seu enterro, uma gradação. Quanto mais importante, mais ao centro estará sua cova. Para ser chefe, é preciso ser também filho de chefes, prevendo uma proximidade genealógica com chefes do passado. Ocorre que, pelo menos entre os Yawalapíti, em todo o núcleo familiar, é possível traçar uma relação com linhagens de chefia, ainda que de maneira alusiva. A hereditariedade não é o único parâmetro para que uma pessoa seja homenageada com uma edição do itsatchi; é preciso se mostrar como um chefe perante outros chefes e suas comunidades, seja atuando como chefe de convidados, nos rituais intercomunitários, seja se apresentando como lutador nas lutas que ocorrem nesses encontros. Cantores e cantoras, que aparecem em público nas ocasiões rituais, também são considerados importantes o bastante para serem homenageados, além daqueles que se projetam politicamente, como patrocinadores de rituais, pajés ou bons mediadores com o mundo dos brancos.

A disposição das efígies mortuárias, que são produzidas e subjetivadas na conclusão do itsatchi, também é um sinal dessa gradação, em que o homenageado principal está no centro, enquanto aqueles que faleceram entre um itsatchi e outro, mas que não tiveram uma edição em sua homenagem, são colocados ao seu lado. Mais tarde, no ritual, quando os convidados chegam e estão prestes a lutar, a ordem pela qual os lutadores anfitriões são convocados para se apresentar, enfileirados diante dos adversários, será seguida durante as lutas principais e retrata a gradação entre o primeiro lutador e os demais membros da seleção, que, por sua vez, se diferenciam dos lutadores comuns, que não são apresentados e não realizam lutas em destaque. Dessa forma, há uma contínua gradação da preeminência das pessoas no Alto Xingu, responsável por distinguir chefes entre seus pares, num contexto em que ser mais ou menos chefe é também uma questão política, que motiva o faccionalismo e a cisão de aldeias e é atravessada por acusações de feitiçaria.

Chefe, a tradução indígena para amulau, como se pode ver, é um amplo conceito que permeia toda a literatura etnográfica da região4 4 Para uma conceitualização da chefia baseada em narrativas e discursos kalapalo, ver Guerreiro (2015). Para uma revisão sobre o conceito de chefia, buscando entender a centralização do poder e o faccionalismo que atravessa a chefia, mas que o presente texto não aborda, ver Vanzolini (2006). . Ele pode ser utilizado tanto em um sentido mais restrito quanto num sentido mais amplo que acompanha esse caráter gradativo ora exposto. O requisito mínimo para ser considerado um chefe é já ter sentado em um banco ritual, como chefe dos convidados, representando seu povo em uma aldeia estrangeira. Praticamente todas as casas da aldeia possuem pelo menos um chefe que já sentou em algum ritual intercomunitário. Esses chefes, caso não participem ativamente da vida pública, acabam sendo chefes ‘só um pouquinho’. Em um sentido mais restrito, chefes se tornam grandes ao se destacarem na luta e na vida política da aldeia, familiarizando espíritos e sendo donos de rituais. Dessa forma, o amulau se aproxima do que é chamado, genericamente, de ‘liderança indígena’, ou seja, alguém importante na dinâmica política local. Há ainda os amulaururu, ‘chefes verdadeiros’, no topo dessa hierarquização gradativa. Se há chefes em praticamente todas as casas, aqueles considerados ‘chefes verdadeiros’ são muito poucos. Estes são o que os alto-xinguanos chamam de cacique, termo aplicado com o mesmo sentido no presente texto. Como Aritana foi o cacique principal do povo Yawalapíti, o texto se refere a ele por seu nome ou pela sua posição de chefia.

Se temos, virtualmente, uma aldeia em que todos os moradores conseguem traçar alguma relação mais ou menos ambígua de proximidade com os chefes do passado, se colocando como, ao menos, ‘um pouquinho’ chefe, acumular estatutos de mediação na comunidade e relações com seres extra-humanos faz com que alguns passem a ser chefes ‘grandes’, podendo, inclusive, assumir o status de ‘chefe verdadeiro’. São poucos os chefes que nunca tiveram sua ascendência ou sua posição contestada por alguém. Nesse contexto, as etapas da formação da pessoa alto-xinguana – desde o nascimento até a sua atuação política na vida adulta – e uma trajetória biográfica próxima ao tipo ideal, como foi o caso de Aritana, foram fatores decisivos no reconhecimento quase unânime de sua legitimidade, o que é restrito a poucos ‘chefes verdadeiros’ da região.

Entre os Yawalapíti, temos três posições de chefia bem definidas: o putaka wüküti (‘dono da aldeia’), o enekutaku wüküti (‘dono do centro’) e o umani wüküti (‘dono do trabalho’). Até recentemente, essas três posições eram ocupadas pelos chefes seniores, Aritana, Makawana e Waripirá. Aritana era o dono da aldeia, posição geralmente traduzida como ‘cacique’, e morava em uma casa comunal, construída coletivamente, com as insígnias de chefia nas laterais. O ‘segundo cacique’, ou o enekutaku wüküti, era Makawana, irmão classificatório (FBS) de Aritana e filho primogênito de Sariruá, o último putaka wüküti antes de Aritana. Waripirá assumia a função de ‘coordenador’, ou umani wüküti, organizando a comunidade quando havia trabalhos coletivos de mutirão. Os três eram, então, reconhecidos como chefes verdadeiros amulaururunau, uma vez que possuíam as prerrogativas e o conhecimento da ‘fala verdadeira’ – yayakatualhiruru, em yawalapíti5 5 A yayakatualhiruru é um conjunto de discursos proferidos exclusivamente por chefes para receberem outros chefes em encontros intercomunitários. .

A proposta aqui é tratar da biografia do falecido Aritana Yawalapíti. Este artigo dialoga tanto com uma literatura mais antiga da formação da pessoa indígena (e, especialmente, da pessoa alto-xinguana), quanto com um debate mais recente sobre etnobiografia e autobiografia. Não há aqui, contudo, uma autobiografia, cuja oportunidade foi, por consequência da pandemia, infelizmente, encerrada. Aritana falava muito pouco de sua trajetória e, sempre que o fazia, tratava de diminuir seus feitos. O que se segue está baseado em porções de autonarrativas colhidas com o cacique, além de narrativas biográficas de caráter testemunhal coletadas com terceiros, desde seus irmãos até agentes indigenistas. O fio condutor do texto é um depoimento do próprio Aritana, no qual narra a história do seu povo, os Yawalapíti.

O texto foi escrito um ano depois de sua morte, logo após o seu itsatchi. Trata-se, antes de tudo, de uma homenagem após uma longa convivência de pesquisa e amizade que soma mais de uma década. Seu falecimento foi muito sentido por todos à sua volta, e o que o texto procura imprimir é a admiração que a sua pessoa provocava. Não é objetivo aqui pensar as disputas, a oposição e o jogo de interesses da política interna e externa no Alto Xingu, entre os quais Aritana sabia se movimentar como ninguém. Trata-se, dessa forma, de um texto parcial, baseado na narrativa de Aritana e também em sua perspectiva. Muitas passagens de sua vida foram deixadas de fora, e eventos importantes foram ignorados devido a limitações de espaço e também justamente devido a esse caráter de homenagem que o texto tenta imprimir. Uma homenagem que é também um esboço; as linhas iniciais que poderão delinear um esforço biográfico de mais fôlego, em que essas questões deixadas de fora possam ser tratadas. Antes de abordar a política local e a política indigenista do país, temas que atravessam a biografia do cacique, o texto foca sua vida a partir da formação da pessoa enquanto trajetória biográfica, destacando os fatores que contribuíram para a sua proeminência na região e no âmbito nacional.

É comum escutar de outros yawalapíti e alto-xinguanos em geral que Aritana era tido como um tipo ideal da formação de um chefe, por ter sido preeminente em todos os estágios de sua vida. Se há um fator que deu destaque a Aritana foi a sua capacidade de agregar relações à sua volta, agindo como um centro gravitacional de pessoas e seres extra-humanos. Oscar Calavia Sáez, em um artigo sobre a autobiografia e a liderança indígena no Brasil, diz que, à exceção de alguns casos bem estabelecidos de povos delimitados pré-existentes (a exemplo dos povos de língua jê e aqueles do Xingu), há uma perspectiva individual que consegue entrelaçar relações de parentesco em ‘uma unidade provisória’. Fora dos Jê e do Xingu, “o chefe conta sua vida, porque é em virtude dela que o grupo como tal chegou a existir” (Sáez, 2007Sáez, O. C. (2007). Autobiografia e liderança indígena no Brasil. Tellus, 7(12), 11-32. https://doi.org/10.20435/tellus.v0i12.129
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, p. 16). Apesar de estar no Alto Xingu, o mesmo também pode ser dito dos Yawalapíti, devido à sua história de dissolução e reagrupamento, especialmente quando se trata da biografia de Aritana e de seu pai. Porém, Aritana não conta o surgimento do povo em virtude de sua biografia; antes, conta a história do surgimento de seu povo, que é concomitante ao seu nascimento, e insere porções de autobiografia, colocando-se como testemunha do reagrupamento e crescimento dos Yawalapíti. Ainda que os grupos alto-xinguanos sejam bem estabelecidos, também há entre eles uma dinâmica que desfaz sociedades e as faz em nome de pessoas eminentes6 6 E o itsatchi tem um papel fundamental nessa continuidade pré-existente que Sáez (2007) menciona. Trata-se, para os vivos, da substituição dos chefes falecidos por seus filhos, que se apresentam como chefes donos do ritual para os povos vizinhos que o atendem. Esse argumento de substituição foi bem trabalhado por Guerreiro (2015) e Costa (2013). .

ANTES DO NASCIMENTO

Durante um outro itsatchi, ocorrido em 2012 na aldeia Yawalapíti, Aritana prestou um depoimento para um projeto de documentação deste ritual. Na ocasião, o cacique, respondendo a um pedido, narrou brevemente, em sua língua, a história recente dos Yawalapíti. Uma história triste (katupa), como ele mesmo faz questão de enfatizar:

Yawalapitika ipuka mutajala – história do surgimento dos Yawalapíti7 7 Munuri Yawalapíti me ajudou com a tradução. . Narrador: Aritana Yawalapíti

1 Essa é nossa história8. Essa é a história do surgimento dos Yawalapíti.     Ela não é bonita. Ela é triste.       A história do meu pai e dos meus antepassados é muito triste. Essa é a origem dos antepassados do meu pai. Ela é antiga.     5 Por causa de uma doença, meu pai e meus antepassados dispersaram-se.   Após dispersarem-se, eles foram para outras aldeias.   Eles foram para os Kuikuro. Outros foram para os Mehinako. Outros foram para os Kamaiurá.     Eles dispersaram-se. Não tem mais aldeia. Não tinha mais ninguém na aldeia. Essa aldeia ficou em silêncio. Esse lugar ficou com mato alto. Se foram.     10 Por que isso aconteceu? Como estão hoje, os Yawalapíti?     Quem reuniu os Yawalapíti? Reuniu os Yawalapíti? O Orlando que reuniu os Yawalapíti.   Quando Orlando chegou, ele procurou os Yawalapíti. Onde estão os Yawalapíti? Nosso pai conheceu Orlando.     15 Ele foi o primeiro a conhecer Orlando. Meu pai. Por isso que é assim hoje. Meu pai me criou aqui onde nós estamos.   Este lugar aqui em que nós estamos é o rio das Pedras.     Foi bem ali. Mais pra cá, por aqui.   Aqui que ficava a aldeia antiga dos Kamayurá, aqui do nosso lado.     20 Lá que os Kamayurá estavam lá fugindo de indígenas guerreiros.     Eles ficaram por aqui, fazendo roça e plantando mandioca. Aqueles Yawalapíti estavam junto (dos Kamayurá). Os três Yawalapíti.   Aí, meu falecido pai chegou (no kamayurá) junto com Orlando. Foi lá que ele viu aqueles Yawalapíti.     25 Aí, meu pai e meus antepassados sentiram muita saudade.   Ele reconheceu um Yawalapíti. Lá que aquele meu pai     Perguntou para aqueles Yawalapíti onde estava a verdadeira aldeia que os Yawalapíti moravam.   “Ah sim, por aqui que era a aldeia”, respondeu um deles. Nesse caminho no rio Tipatipa9.   “É mesmo, vamos lá ver?”       30   “Vamos procurar”. Por isso que eles foram lá. Eles foram.   Eles foram até lá.     Foi assim que... Eles ficaram por lá trabalhando e fazendo roça.     Pronto.     35 Todos roçavam e plantavam (mandioca) lá no Yawalapíti. Aí que meu pai casou com Kamayurá.   Ele casou com uma mulher Kamayurá. Daí que eu vim.     Eu vim de dentro da barriga da minha mãe.

Aritana, em seu breve relato da história yawalapíti, parte da dissolução do povo, um momento em que, devido à fragilidade causada por doenças epidêmicas, a comunidade, enquanto lugar, havia acabado. Em 1886, Steinen (1940)Steinen, K. V. Den. (1940). Entre os aborígenes do Brasil Central. Departamento de Cultura., autor do primeiro registro que conhecemos deste povo, os encontra realmente pobres, com pouca comida para oferecer aos visitantes. Kanato, pai de Aritana, narra que o seu pai, avô do cacique, que também se chamava Aritana (que passo a escrever com o sufixo -avô, para diferenciá-lo), fora acusado de feitiçaria e acabou morrendo na década de 1930 (Menezes Bastos, 1989Menezes Bastos, R. J. (1989). Exegeses yawalapíti e Kamayurá da criação do Parque indígena do Xingu e a invenção da saga dos irmãos Villas Bôas. Revista de Antropologia, 30-32, 391-426.), o que enfraqueceu ainda mais o povo. Após algum tempo, os Yawalapíti acabaram se dissolvendo entre as aldeias da região. Kanato e outros remanescentes foram para uma aldeia kuikuro, alguns para os Mehinako, outros para os Kamayurá, e poucas mulheres para os Aweti. O repórter Jorge Ferreira anota um depoimento de Orlando Villas-Bôas que sintetiza bem a dinâmica da derrocada:

Com a morte de Urutsi [outro nome de Aritana-avô], . . . . dada a sua valentia, outras aldeias animaram-se a atacar os Iualapiti, que foram sendo dizimados. As mulheres desta taba eram muito cobiçadas, por serem exímias fabricantes de panelas de barro. Diante de tão freqüentes assaltos, os Iualapiti acabaram por se dispersar. Os índios Kuikuro, seus aliados tradicionais, levaram para a aldeia todos os meninos, a quem criaram como filhos. Entre êles Kanato e Sariroá, que são irmãos

(Ferreira, 1957Ferreira, J. (1957, jan. 26). Kuarup. O Cruzeiro, 29(15)., p. 69).

Ainda que existam registros na literatura e no discurso nativo que veem a morte de Aritana-avô como um desdobramento das acusações de feitiçaria e a dispersão dos remanescentes como uma consequência de ataques guerreiros, Aritana vê, como causa, a doença. Ou seja, apesar de as epidemias serem a causa principal da depopulação na região, eventos de guerra também tiveram papel importante no processo, especialmente entre os Yawalapíti e os Kustenau (que desapareceram na mesma época, sendo integrados principalmente pelos Wauja). Aritana, porém, omite esses eventos, o que considero uma demonstração de sua etiqueta política com os vizinhos.

Kanato e Sariruá, órfãos que foram criados por um tio paterno, furaram a orelha entre os Kuikuro e lá permaneceram até a adolescência e início da vida adulta. Foi entre os Kuikuro que os irmãos yawalapíti souberam da chegada da Expedição Roncador-Xingu (ERX), comandada pelos irmãos Villas-Bôas. Aritana, em um comentário em português que resumia a narrativa, complementou:

39 Bom, agora só um pedacinho também.   Aí, chegou homem branco aqui. Primeiro homem branco pra nós aqui foi Orlando Villas-Bôas.   Então primeiro lugar, o que ele foi procurar? Aonde estão os Yawalapíti.     Não sei como eles têm isso na cabeça, os Yawalapíti.

Em 1946, os irmãos Villas-Bôas chegam ao Alto Xingu e, segundo Aritana, vão primeiro procurar os Yawalapíti. É nesse momento que Kanato é chamado até os Kalapalo e conhece os irmãos sertanistas. Nahu Kuikuro foi a pessoa que indicou onde estavam os Yawalapíti e mandou chamar Kanato. Nahu é um personagem-chave na história do contato no Alto Xingu. Segundo sua biografia, foi o primeiro intérprete e guia da ERX (Franchetto, 2014Franchetto, B. (2014). Autobiographies of a memorable man and other memorable persons (Southern Amazonia, Brazil). In S. Oakdale & M. Course (Orgs.), Fluent selves: autobiography, person, and history in Lowland South America (pp. 271-309). University of Nebraska Press., p. 271), tendo aprendido português entre os Bakairi, os quais visitava em busca de ferramentas, e que já mantinham contato com a sociedade nacional. Nahu, por sua vez, foi convocado por um mensageiro Kalapalo a mando do cacique Sagagi (ou Izarari, em alguns registros) para traduzir a fala dos estrangeiros (Franchetto, 2014Franchetto, B. (2014). Autobiographies of a memorable man and other memorable persons (Southern Amazonia, Brazil). In S. Oakdale & M. Course (Orgs.), Fluent selves: autobiography, person, and history in Lowland South America (pp. 271-309). University of Nebraska Press., p. 284). Nahu e Kanato compartilham o peso que este encontro exerceu sobre suas trajetórias biográficas, fazendo com que ambos se consumassem enquanto chefes ‘donos dos brancos’ (karaipa wüküti, em yawalapíti). Do lado dos brancos, Orlando é visto como o chefe dos irmãos e, por conseguinte, também chefe dos não indígenas.

A iniciativa do contato partiu, para Aritana, do próprio Orlando. Kanato, por sua vez, segundo narra Tapi Yawalapíti, filho de Aritana, saiu de Lahatua, uma aldeia Kuikuro, para encontrar os irmãos entre os Kalapalo (Yawalapíti, 2010Yawalapíti, T. (2010). História yawalapíti. Trabalho final do Curso Hayô [Trabalho de conclusão de curso, Universidade do Estado de Mato Grosso].). Tapi consultou, sobre essa mesma história, sua já falecida avó, Wantsu Yawalapíti, que deu mais detalhes do encontro. Se Aritana pergunta como os irmãos sabiam da existência dos Yawalapíti, Tapi coloca que Orlando “estava com um livro que tratava do cacique Aritana, que foi produzido muito tempo atrás, antes dos Villas-Bôas aparecerem no Xingu” (Yawalapíti, 2010Yawalapíti, T. (2010). História yawalapíti. Trabalho final do Curso Hayô [Trabalho de conclusão de curso, Universidade do Estado de Mato Grosso]., p. 10). Intrigado com aquele povo descrito no livro, supostamente “Entre os aborígenes do Brasil Central”, de Steinen, publicado no Brasil em 1940, alguns anos antes da formação da ERX, Orlando “pergunta a Nahu: ‘Cacique, você conhece os Yawalapíti?’ ‘Sim, tem dois Yawalapíti na minha aldeia’” (Yawalapíti, 2010Yawalapíti, T. (2010). História yawalapíti. Trabalho final do Curso Hayô [Trabalho de conclusão de curso, Universidade do Estado de Mato Grosso]., pp. 10-11).

Seguindo uma prática de recrutar jovens solteiros para trabalhar na ERX, Kanato acompanha os sertanistas em aventuras no Alto Xingu e para além de suas fronteiras. Viajando com os irmãos Villas-Bôas, Kanato encontrou, entre os Kamayurá, diversos parentes e, entre os Trumai, uma prima cruzada. Esses encontros reanimam o antigo desejo dos Yawalapíti de juntar os familiares e fundar uma nova aldeia. Em uma dessas viagens, Orlando visitou, durante a realização de um itsatchi, a aldeia kamayurá, que se localizava, na época, em Tipatipa, cujo dono era Kutamapü, o cacique principal da aldeia. Nessa ocasião, Kanato acabou se casando com a filha de Kutamapü, tornando-se cunhado de Takumã Kamayurá, um dos maiores pajés do Alto Xingu. Os Yawalapíti contam que foi Orlando quem arranjou o casamento entre os dois, e, com isso, se estabeleceu o ponto de apoio para a reconstrução da aldeia, que já estava em andamento. Da aliança entre os Yawalapíti e Kamayurá, surge o casamento arranjado por Orlando Villas-Bôas10 10 Os irmãos Villas-Bôas realizaram uma intervenção na dinâmica local da chefia, organizaram casamentos arranjados e/ou impositivos, dentre outras interferências profundas, produzindo o que Menezes Bastos (1983, p. 46) chamou de pax xingüensis – a articulação dos povos imposta pelos irmãos. , e, desse casamento, nasce o primogênito Aritana. Em suas palavras, “eu vim de dentro da barriga da minha mãe”, filho de um chefe yawalapíti e uma chefe kamayurá.

O DADO

É difícil reconstruir alguma linhagem de ascendência entre os chefes do povo Yawalapíti que envolva mais de quatro gerações. Isso se deve a uma preferência por elencar os parentes em uma expansão horizontal, em vez de numerar, verticalmente, os ascendentes, e ao histórico de depopulação e dispersão dos remanescentes. No ambiente cognático do parentesco alto-xinguano, e no consequente desinteresse pela profundidade genealógica, a hereditariedade foca especialmente as duas gerações ascendentes de ego. O casamento dos pais e dos avôs, que pode ser colocado como da esfera do construído, se torna o dado do filho. Idealmente, na posição de filho de chefe, o jovem é preparado durante a infância e a adolescência para estabelecer-se como chefe na vida adulta.

A chefia no Alto Xingu, segundo alguns de seus etnógrafos, parte de dois princípios fundamentais: a hereditariedade e a sua construção nas relações intercomunitárias enquanto uma posição pública. Guerreiro (2015, p. 137), em seu trabalho com os Kalapalo, após uma revisão da bibliografia, conceitua a chefia como uma combinação entre algo inato e algo construído, ou seja, o fator hereditário dado e o fator construído durante a trajetória biográfica – o corpo, o comportamento e a atuação em rituais – são o que fundamenta a chefia. Na esteira dessa leitura, passa-se a destacar o que estava dado, quando de seu nascimento, para o falecido cacique Aritana.

Kanato, órfão de pai ainda muito jovem, foi criado entre os Kuikuro e acabou, posteriormente, se filiando a Orlando Villas-Bôas, a quem passaria a tratar como pai. É este, inclusive, que realiza, alguns anos depois desse primeiro encontro mediado, o casamento de Kanato com a filha do cacique Kutamapü, o principal do povo Kamayurá11 11 Segundo Galvão (1949, p. 40), “embora não podendo ser considerado um chefe com autoridade centralizada, Kutamapú possuía indiscutivelmente maior prestígio que os demais”. . Tepori, de cuja barriga saiu Aritana, era uma chefe do povo kamayurá. Esse casamento atualiza a relação entre os povos e configura uma aliança estratégica para o processo de refundação de uma aldeia yawalapíti. Assim como afirmou Basso (1984, p. 37)Basso, E. B. (1984). A husband for his daughter, a wife for her son: strategies for selecting a set of in-laws among the Kalapalo. In K. M. Kensinger (Org.), Marriage practices in lowland South America (pp. 33-44). University of Illinois Press., “tomar parentes distantes como afins é também uma estratégia política de aliança contratual entre grupos sociais e indivíduos e o casamento de que se fala aqui revela bem este ponto”.

O que Kanato herda é um povo em dissolução, causado por epidemias e por ataques e retaliações movidas por acusações de feitiçaria, diferente do cenário pacífico e de equilíbrio intercomunitário, mais comum nas descrições da região. Tal cenário é o pano de fundo para a morte de seu pai, Aritana-avô, que também tinha o nome de Ürütsi. Este era filho de uma mulher de ascendência kuikuro e, ainda hoje, é lembrado pelos mais velhos como um homem forte e bonito, atributos que, como veremos, têm um peso na trajetória de um chefe. Foram os parentes kuikuro Arihutuá e Tawia que buscaram os sobrinhos Kanato e Sariruá, além da própria viúva, que passa também a morar entre os Kuikuro, onde se casa novamente anos depois. Se o casamento de Kanato sela uma aliança entre os Yawalapíti e os Kamayurá, o casamento dos pais de Aritana-avô faz o mesmo com os Kuikuro, ambos povos centrais no posterior restabelecimento do povo, reunido em uma aldeia.

Quando Orlando Villas-Bôas chega ao Alto Xingu, Kanato é um adolescente que está entrando para a vida adulta, o que leva a supor que tivesse, então, entre dezesseis e dezoito anos, e permite deduzir, como ano aproximado de seu nascimento, 1930. Seu irmão, Sariruá, nasceu alguns anos antes, provavelmente na segunda metade da década de 1920, o que dá subsídio para propor o ano de nascimento de Aritana-avô na virada do século, entre 1890 e 1905. Assumindo uma diferença de quarenta e cinquenta anos entre o nascimento do avô e o de seu primeiro neto, média que costuma ser comum hoje em dia, teríamos que o nascimento do avô de Aritana-avô ocorreu por volta de 1840. Essa suposição aproximativa das datas de nascimento da linhagem paterna de Aritana faz com que o chefe yawalapíti, Moritona, que Steinen (1940, p. 145)Steinen, K. V. Den. (1940). Entre os aborígenes do Brasil Central. Departamento de Cultura. encontrou em 1886, seja este último (ver genealogia na Figura 1).

Figura 1
Mapa genealógico das pessoas citadas no texto.

Do lado materno, o avô Kutamapü era o chefe de um povo mais estabelecido, mas que também sofreu com guerras e epidemias que causaram severa depopulação. Nesse movimento, fugindo de ataques dos Yudjá, os Kamayurá se transferem da lagoa Ipawu, seu território nos últimos séculos e onde estão hoje, para uma região na bacia do rio Tipatipa, local tradicional dos Yawalapíti. Essa antiga aldeia se situa no caminho entre a aldeia yawalapíti atual e a comissão técnica da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), onde ainda se pode ver a grande capoeira. Aritana, em seu depoimento, quando fala do local de seu nascimento, aponta em direção ao sítio vizinho.

Aritana nasceu, segundo seu documento, em maio de 1945, filho de Paru Yawalapíti e Tepori Kamayurá. Seu registro ocorreu somente em 1991, e suspeito que o ano esteja incorreto, o que é comum com pessoas mais velhas no Alto Xingu. Viveiros de Castro (1977, p. 15)Viveiros de Castro, E. (1977). Indivíduo e sociedade no Alto Xingu: os yawalapíti [Dissertação de mestrado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro]. coloca seu nascimento em 1951, enquanto Agostinho (1974, p. 133)Agostinho, P. (1974). Kwarìp: mito e ritual no Alto Xingu. Edusp. estima 1949. Em 1948, Oberg (1953, p. 46)Oberg, K. (1953). Indian tribes of northern Mato Grosso, Brazil. Smithsonian Institution. realizou uma viagem ao Xingu e anotou que Canato e Tipuri agora tinham um filho (‘now have a child’) e que o pai dizia que, quando os Yawalapíti restabelecessem sua aldeia, ele iria morar com seu próprio povo. O advérbio now, utilizado por Oberg (1953)Oberg, K. (1953). Indian tribes of northern Mato Grosso, Brazil. Smithsonian Institution., faz levar a crer que Aritana era recém-nascido na ocasião, ou que sua mãe estava grávida, o que colocaria seu nascimento entre 1948 e 1949.

Quando ainda criança, Aritana era chamado de Awapí por sua mãe, enquanto o pai deu os nomes de Maritsawana e Ürütsi. É somente mais tarde que passa a usar a alcunha Aritana, pela qual ficou mais conhecido – nome dado pela via paterna, enquanto sua mãe o chamava de Kutamapü. Com essa breve reconstrução, podemos perceber a constância de certos nomes. A onomástica yawalapíti transmite os nomes em gerações alternadas, fazendo com que os mesmos nomes permaneçam no decorrer do tempo histórico. Como o genro e a nora não devem falar o nome dos sogros, cada um dá o nome de seu ascendente, o qual é proibido para o cônjuge. É comum que os filhos primogênitos dos chefes recebam os nomes mais conhecidos disponíveis, efetivando a continuidade que se concentra no núcleo familiar, mas que também se expande pelas gerações. As alcunhas Aritana e Kutamapü, dessa forma, foram transmitidas linearmente, como um índice da chefia.

O casamento de seus pais e o nascimento de Aritana acontecem, e, concomitantemente, começam os movimentos para plantar as roças e reconstruir a aldeia. Lima (1949, p. 25)Lima, P. E. (1949). Notas antropológicas sobre os Índios do Xingu. In J. C. M. Carvalho, P. E. Lima, & E. Galvão (Orgs.), Observações zoológicas e antropológicas na região dos formadores do Xingu (Vol. 5, pp. 21-30). Museu Nacional. afirma que não há aldeia dos Yawalapíti e que eles se encontram dispersos entre os Kamaiurá, Trumaí e Aweti, mas também que já havia, desde o ano anterior, uma única casa e uma roça onde eles estavam começando a se reunir. Vemos, aqui, que a filiação do cacique Aritana atravessa os povos, especialmente Kamayurá e Kuikuro, para além dos Yawalapíti, e que estes utilizam esses mesmos atravessamentos para se reerguer. Um último atravessamento que se destaca, mas não menos importante, é aquele dos não indígenas. Orlando era tido como um avô para Aritana, uma vez que Kanato o chamava de pai. Kanato familiarizou o caraíba12 12 ‘Não indígena’, no português alto-xinguano. como seu ascendente e obteve, com isso, apoio irrestrito e bastante estratégico, tanto no casamento quanto no restabelecimento da aldeia Yawalapíti, recebendo “ferramenta e algum alimento” (Galvão, 1949Galvão, E. (1949). Apontamentos sobre os índios Kamayurá. In J. C. M. Carvalho, P. E. Lima & E. Galvão (Orgs.), Observações zoológicas e antropológicas na região dos formadores do Xingu (Vol. 5, pp. 31- 48). Museu Nacional., p. 25). Kanato, que já era um poliglota, dominou também o português e ocupou uma posição capital nas relações públicas da região.

Se somente um chefe pode fazer outro chefe, seja em seu caráter hereditário ou em seu caráter construído, temos, com o falecido cacique, uma hereditariedade que pode ser traçada a grandes chefes, de maneira bilateral. Do lado yawalapíti, Aritana nasce junto com o reagrupamento, sendo o primogênito não só de seu pai, mas também o primogênito do povo, que inicia sua jornada de restabelecimento enquanto um agente político nas relações da região. Do lado kamayurá, Aritana é neto de um grande chefe, o que faz com que tenham uma parte essencial na formação do cacique. Por último, temos uma terceira margem desse rio, os caraíbas, que, na figura de Orlando Villas-Bôas, também participam na formação do chefe e no restabelecimento do povo, tendo importância central em seu sucesso.

INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

Se o nascimento de Aritana coincide com o restabelecimento da aldeia, o seu crescimento, enquanto pessoa, também está diretamente relacionado ao crescimento do povo yawalapíti e ao sucesso de seu ressurgimento. Nesses primeiros anos, de seu nascimento e das primeiras roças – plantadas na região das lagoas uüya com a ajuda dos sertanistas que se estabelecem de forma fixa na região – até a construção da primeira casa e a residência dos primeiros habitantes da aldeia, o número de moradores ainda orbitava entre uma dúzia de pessoas. Essa aldeia pode e podia ser considerada apenas uma fazenda familiar, configuração comum de um local afastado que algumas famílias mantêm para fugir dos problemas patrícios. O apoio dos irmãos Villas-Bôas e a política de casamento com o exterior faz com que a população comece a crescer com o decorrer dos anos, e o fato de ser o local dos Yawalapíti, em seu território tradicional, faz com que o sítio seja considerado com estatuto de aldeia.

Enquanto Aritana ainda é uma criança, seu pai muda para a aldeia dos Yawalapíti. Se o crescimento populacional é um dos fatores para o sucesso de um povo no Alto Xingu, ainda mais no caso dos Yawalapíti, que se recuperavam de uma queda populacional, ter crianças é fundamental. Aritana se torna a primeira e única criança da fase moderna dos Yawalapíti, até que seu irmão, Pirakumã, também falecido, nasça na primeira metade da década de 1950. Aritana não foi só o primogênito de uma aliança entre chefes yawalapíti e kamayurá, mas foi inclusive o primogênito do povo yawalapíti e, também por conta disso, recebeu bastante investimento para se tornar um chefe.

A narrativa do cacique continua com uma breve menção ao episódio em que os Yawalapíti estavam se estabelecendo. Aritana conta como ele viu o povo quando tinha pouca gente em uma pequena casinha. Como se tratava da única aldeia que se identificava enquanto Yawalapíti, ainda que outras aldeias tivessem indivíduos Yawalapíti, ela era considerada uma unidade política. Mas, como o cacique enfatiza, isso não é muita gente.

43 Assim que eu cresci eu fui ver a aldeia dos Yawalapíti.     Lá na aldeia do Yawalapíti só tinha uma casa.       Havia 12 Yawalapíti lá. Isso não é muita gente.

Se os Yawalapíti restabeleceram a aldeia em 1950 (Galvão & Simões, 1966Galvão, E., & Simões, M. F. (1966). Mudança e sobrevivência no Alto Xingu, Brasil Central. Revista de Antropologia, 14, 37-52. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1966.110757
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, p. 50), o primeiro itsatchi realizado entre eles ocorreu somente em 1956, quando os Yawalapíti se apresentaram enquanto uma unidade política do sistema regional (Ferreira, 1957Ferreira, J. (1957, jan. 26). Kuarup. O Cruzeiro, 29(15).; Santos, 1956Santos, Y. L. (1956). A festa do Kuarup entre os índios do Alto-Xingu. Revista de Antropologia, 4(2), 111-116. https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.1956.110338
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). Nessa festa, que ocorreu em homenagem a Waranaku, Aritana-avô também teve um tronco, pois, desde a sua morte, ainda não havia sido homenageado. Kanato, agora já residente na aldeia Yawalapíti, assume o status de dono acompanhando a família de Waranaku. Aritana era uma criança que tinha, então, cerca de oito anos, e pôde assistir a um dos embates mais esperados, segundo noticiado na imprensa brasileira. Tratava-se de seu tio paterno, Sariruá (FB), que era o grande campeão da região, lutando contra o seu tio materno, Takumã (MB), que começava a despontar como um forte lutador. Segundo reportagem na revista O Cruzeiro, Takumã pegou na perna e derrubou Sariruá, tornando-se, assim, o novo nome da luta alto-xinguana (Ferreira, 1957Ferreira, J. (1957, jan. 26). Kuarup. O Cruzeiro, 29(15)., p. 58). Sariruá fazia sucesso lutando pelos Kuikuro, povo junto ao qual ficou recluso e do qual saiu como um poderoso lutador. Após essa festa, aposentando-se da carreira promissora que teve como lutador, Sariruá passa para o próximo estágio de sua progressão biográfica, firmando-se como o cacique principal dos Yawalapíti. Os Kuikuro eram um dos aliados da ocasião, de modo que Sariruá lutava pelos Yawalapíti, o povo que se reafirmava, mas também lutava pelos Kuikuro, povo que o criou para ser lutador. Ambos os povos foram essenciais no processo de crescimento dos Yawalapíti e, como veremos, ambos os desafiantes principais foram cruciais para a formação de Aritana como lutador e cacique.

Foi no mesmo ano, 1956, que o posto Capitão Vasconcelos foi inaugurado à beira do rio Tipatipa (Lana, 1969Lana, A. D. (1969). Parque Nacional do Xingu. Fundação Nacional do índio., p. 2). A narrativa de Kanato, transcrita e publicada por Menezes Bastos (1989)Menezes Bastos, R. J. (1989). Exegeses yawalapíti e Kamayurá da criação do Parque indígena do Xingu e a invenção da saga dos irmãos Villas Bôas. Revista de Antropologia, 30-32, 391-426., ainda conta sobre o esforço dos Yawalapíti para a abertura da pista de posto dessa nova base dos irmãos Villas-Bôas, sendo os únicos a ajudá-los na empreitada. Segundo Kanato, “Orlando diz pra Yawalapíti: ‘agora a pista é de vocês. Não é de caraíba. É de vocês. Vou fazer posto. É de vocês’” (Menezes Bastos, 1989Menezes Bastos, R. J. (1989). Exegeses yawalapíti e Kamayurá da criação do Parque indígena do Xingu e a invenção da saga dos irmãos Villas Bôas. Revista de Antropologia, 30-32, 391-426., p. 406). O estabelecimento do posto em território tradicional dos Yawalapíti, que centralizou a presença estatal na região e estabeleceu a política protecionista dos irmãos Villas-Bôas, faz com que Orlando e Kanato se tornem aliados políticos de primeira ordem, com o primeiro concedendo prioridade na distribuição de bens industrializados ao povo recentemente reorganizado, e, segundo alguns, até um controle desses bens pelo segundo.

Segundo Makawana, filho mais velho de Sariruá, ainda na década de 1950, quando estava saindo da infância e entrando na adolescência, Aritana participou de um ritual de furação de orelhas na aldeia kamayurá. O pihiká, como é chamada essa festa pelos Yawalapíti, é motivado por uma criança que está sendo feita chefe, segundo os anseios de seus pais, que também devem ser amulau. Assim como no itsatchi, as outras crianças podem aproveitar o ritual para terem suas orelhas furadas, sendo acompanhantes do principal motivador, e seus pais, não necessariamente chefes, prestam assistência ao dono patrocinador da festa. Essa é uma decisão dos pais, sendo uma das primeiras etapas na aquisição de posições de evidência na aldeia e nos encontros entre aldeias13 13 Como tratei, cada aldeia pode ter alguns chefes, sendo um o principal, o cacique. A festa de furação de orelha não necessariamente é realizada para aquele que será o chefe principal do seu povo e nem somente para os filhos deste. . Makawana conta que os Kamayurá vieram até a aldeia yawalapíti e buscaram Aritana, que teve sua orelha furada por uma agulha produzida com o fêmur de uma onça, enquanto os demais foram furados com agulhas de madeira. No pihiká, o material utilizado para modificar os corpos humanos diferencia os garotos e, apesar da simultaneidade e da criação de uma relação de camaradagem entre os participantes, cria uma hierarquia entre eles. Após a perfuração do lóbulo, o iniciado foi levado de volta até sua casa, na aldeia yawalapíti, em uüya, onde ficou preso no gabinete de reclusão.

No início da década de 1960, os sertanistas iniciaram uma política de incentivar as aldeias da região a se estabelecerem mais próximas ao posto Capitão Vasconcelos, que, em 1962, com a criação do Parque Nacional do Xingu (PNX), passa a ser chamado de posto Leonardo Villas-Bôas. O primeiro limite do território indígena deixava grande parte ao sul de fora, fazendo com que os sítios tradicionais de diversos povos ficassem em área não demarcada. Aglutinando os povos sob a influência do posto, diversas aldeias foram estabelecidas nas imediações, enquanto os Yawalapíti retornaram a um antigo sítio chamado emakapuko. Galvão e Simões (1965, p. 5)Galvão, E., & Simões, M. F. (1965). Notícia sobre os índios Txikão - Alto Xingu. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Nova Série, Antropologia, (24), 1-27. http://repositorio.museu-goeldi.br/handle/mgoeldi/200
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afirmam que este povo se transferiu para o posto em 1962 e construiu a sua aldeia perto de lá, no próximo ano, distante apenas 1,5 km da sede da ocupação indigenista.

Aritana, já adolescente e morando em emakapuko, entra na reclusão pubertária. As transformações corporais, nesse novo período, são construídas em um processo lento e doloroso, que tem lugar no gabinete de reclusão, onde remédios poderosos, obtidos a partir de raízes, são ministrados, formando, quando bem-sucedidos, o ideal de pessoa (jovem) alto-xinguana. O ‘complexo xinguano da reclusão’, que compreende a couvade, a puberdade, a doença, a iniciação, o luto, a gestação e o sepultamento (momentos, aliás, liminares, nos quais uma pessoa ou o ‘grupo de substância’ se abstém do convívio social com uma série de tabus), foi abordado como uma mudança corporal por Viveiros de Castro (1979a)Viveiros de Castro, E. (1979a). A fabricação do corpo na sociedade xinguana. Boletim do Museu Nacional, (32), 40-49.. O complexo almeja formar ou reformar “a personalidade ideal-adulta, sobretudo no caso da reclusão pubertária, a mais importante” (Viveiros de Castro, 1979aViveiros de Castro, E. (1979a). A fabricação do corpo na sociedade xinguana. Boletim do Museu Nacional, (32), 40-49., p. 44). Esses processos são vistos, pelos autores que a trataram, pelas suas similaridades, seja a proibição sexual ou os tabus alimentares, seja o isolamento social ou a transformação corporal. É possível resumir que se trata de uma elaboração corporal, a partir de substâncias vegetais (remédios) e corporais que entram e saem do corpo. Os remédios são ingeridos para serem depois expelidos no vômito, ou o sangue é expelido com a ‘arranhadeira’ para que o remédio seja inserido no corpo. Costa (2013)Costa, C. E. (2013). Ikindene hekugu: uma etnografia da luta e dos lutadores no Alto Xingu [Tese de doutorado, Universidade Federal de são Carlos]., ao escrever sobre a luta entre os Kalapalo da aldeia Tanguro, destaca o deslocamento da reclusão pubertária masculina das demais. O objetivo, que a diferencia, é a formação de corpos “para lutar”; e o resultado esperado, mas nem sempre alcançado, é tornar-se um campeão da luta. Trata-se, portanto, de uma ascese individual.

Foi justamente na reclusão pubertária que Aritana pôde iniciar uma relação duradoura com um espírito apapalutapa. Cada remédio (ataya) manipulado no corpo do recluso, além de fortalecer o seu corpo, também o conecta com o atayawüküti, o dono do remédio. Essas entidades das plantas não cultivadas, usadas como remédios, transferem suas potencialidades para os reclusos, refletindo na força e na beleza do lutador. Tais atributos dos seres extra-humanos são desejados e cruciais para a formação da pessoa ideal, o lutador invicto. A reclusão pubertária, de outro modo, provoca a interação com o atayawüküti e a controla por uma série de interditos. É como se esse período, quando seguido à risca, fosse uma forma segura de estabelecer contato com um apapalutapa. Os tabus alimentares e sexuais são uma maneira de manter a aproximação controlada com esses seres, pois o cheiro forte de comida humana e de sexo causa-lhes desagrado.

O recluso, maritsayá, em yawalapíti, busca a fabricação de seu corpo, que, na entrada, é magro e deve sair pesado e forte. Trata-se, literalmente, de construir um corpo adulto a partir de um corpo de criança, corpo adulto este que deve ser o de um lutador. Ser aceito pelo apapalutapa é uma das confirmações de que o recluso vai se tornar um lutador, o que se dá em um encontro visual com o atayawüküti, dono do remédio, no plano onírico, mas este não é o único estatuto de apapalutapa que pode auxiliar um lutador. A sucuri (Eunectes murinus) é considerada dona da luta e, assim como os atayawüküti, também pode aparecer nas viagens oníricas do jovem lutador. Porém, para tanto, é preciso que este encontre uma cobra dessa espécie e mate-a. O falecido cacique Aritana contou, uma vez, que encontrou e matou uma sucuri em uma praia no caminho para a aldeia Aiha, do povo Kalapalo, quando ainda era um jovem recluso. Chegando a casa, o cacique sonhou com a cobra, em corpo humano, comprovando sua expectativa de ser um grande lutador.

A formação de um chefe, durante a reclusão pubertária, é um alto investimento familiar, e tal processo só pode ser realizado com sucesso por uma família de chefes, pois somente chefes podem fazer chefes. No caso de Aritana, temos uma família de chefes Yawalapíti; uma família de chefes Kamayurá, que participou ativamente do processo; e um chefe caraíba, que, consanguinizado por Kanato, se torna o avô do cacique. Durante o período de reclusão, ele foi preparado por seus pais, por seus tios maternos (Takumã e Sapain), por seu tio paterno (Sariruá) e por Orlando Villas-Bôas. Os primeiros eram grandiosos pajés, bastante reconhecidos na região, e Sariruá era o cacique principal dos Yawalapíti, irmão mais velho de Kanato.

Já Orlando desempenhou um papel principal, atuando como conselheiro do cacique e também promovendo um intercâmbio do jovem chefe com sua família na cidade. No meio de sua reclusão, em meados da década de 1960, Aritana viajou para São Paulo e passou uma temporada de sete meses na casa de uma irmã de Orlando. Esta teria sido sua primeira viagem para a cidade grande – de muitas que o cacique viria a fazer. Uma vez que a reclusão masculina é descontínua e compreende estágios de clausura e outros em que há mais liberdade, Aritana aproveitou um momento de relaxamento em seus interditos para conhecer o mundo do caraíba.

Há, dessa forma, um investimento familiar, também por parte de Orlando, que faz com que Aritana tenha uma ‘base social sólida’, tanto na aldeia quanto na cidade. Esse modelo de intercâmbio também ocorria, de modo mais institucionalizado, entre os Xavantes, cujos jovens eram mandados para estudar na cidade de Ribeirão Preto, sendo adotados por famílias de aliados não indígenas (Franca, 2007Franca, B. (Diretor). (2007). Estratégia Xavante [Filme]. Giros.). Graham (2014)Graham, L. R. (2014). Fluid subjectivity: reflections on self and alternative futures in the autobiographical narrative of Hiparidi Top’tiro, a xavante transcultural leader. In S. Oakdale & M. Course (Orgs.), Fluent selves: autobiography, person, and history in Lowland South America (pp. 235-270). University of Nebraska Press. trata do caso de Hiparidi, escolhido para ser diferente e mediar as relações e transações dos Xavantes com a sociedade nacional. A sua criação, no meio termo entre uma sociedade e outra, provocou dramas psicológicos, mas também acabou por gerar um pensamento crítico das condições do contato de seu próprio povo (Graham, 2014Graham, L. R. (2014). Fluid subjectivity: reflections on self and alternative futures in the autobiographical narrative of Hiparidi Top’tiro, a xavante transcultural leader. In S. Oakdale & M. Course (Orgs.), Fluent selves: autobiography, person, and history in Lowland South America (pp. 235-270). University of Nebraska Press.). Aritana, apesar de passar muito menos tempo que Hiparidi ou outras crianças xavantes, também é escolhido para ser diferente e mediar as relações com a sociedade dos caraíbas.

As lideranças indígenas, de acordo com as histórias de suas biografias, estão muito ligadas a viagens, conexões, ampliações das redes e à procura por novas alianças. Desde antes do contato, ações de chefes e guerreiros atuam para expandir o que determinados povos têm como comunidade moral, a ponto de incluir estrangeiros hostis e com práticas inicialmente não aceitáveis. Basso (1995)Basso, E. B. (1995). The last cannibals: a South American oral history. University of Texas Press., ao analisar uma série de narrativas biográficas, percebe como ações dos antigos mestres do arco kalapalo não só direcionam ações do presente, mas também atualizam comportamentos. Em se tratando de narrativas biográficas que abordam também encontros com espíritos e outras formas de alteridade, Grotti e Brightman (2016)Grotti, V. E., & Brightman, M. (2016). Narratives of the invisible: autobiography, kinship, and alterity in native Amazonia. Social Analysis, 60(1), 92-109. https://doi.org/10.3167/sa.2016.600107
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colocam o xamã Tëtema, do povo Trio, como alguém em contato com diferentes pontos de vista e capaz de transitar entre eles. Entre os membros do povo Trio, narrativas autobiográficas emergem como parte de um ‘virar branco e cristão’, mas também são parte de uma relação estrutural com a alteridade que transcende a ruptura de uma conversão (Grotti & Brightman, 2016Grotti, V. E., & Brightman, M. (2016). Narratives of the invisible: autobiography, kinship, and alterity in native Amazonia. Social Analysis, 60(1), 92-109. https://doi.org/10.3167/sa.2016.600107
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). Ou, para usar os termos de Kelly (2016)Kelly, J. A. (2016). Sobre a antimestiçagem. Cultura e Barbárie., trata-se de uma mistura não fusional, em que não se deixa de ser um para se tornar o outro.

Aritana, em meio à sua reclusão pubertária, idealmente o momento em que se deve circular o mínimo possível, passa a residir por meses em São Paulo sob o cuidado de Orlando e sua família. A ‘estratégia yawalapíti’ de aproximação e produção de aliados, indígenas e não indígenas, libera seu maior bem, para que este aprenda sobre a alteridade. É aí que Aritana também passa a ocupar o posto de intermediário entre o mundo dos brancos, que o acompanhou durante toda a sua vida. Enquanto ainda está passando essa temporada em São Paulo, um representante da montadora Ford no Brasil entregou um veículo como doação para o PNX, que foi recebido pelo jovem cacique (“Ford F-600...”, 1965Ford F-600 para o Parque Nacional do Xingu. (1965, jun.). Revista Automóveis e Acessórios, 234, 35.) (Figura 2). Essa foi a primeira de muitas doações que Aritana recebeu, para depois distribuí-las entre os povos do Alto Xingu, o que, de certa forma, já exercitava também os atributos morais de um chefe como alguém que não só concentra recursos em sua volta, mas também é generoso e distribui todo o bem que recebe.

Ainda neste mesmo ano de 1965, Aritana voltou ao Alto Xingu e participou do itsatchi entre os Kamayurá, e teve uma de suas lutas observada e comentada por Agostinho (1974)Agostinho, P. (1974). Kwarìp: mito e ritual no Alto Xingu. Edusp.. O autor fala de “um jovem alto, musculoso e ainda muito novo, prestes a entrar em novo período de reclusão pubertária”, que enfrentou um antigo desafeto que o fez passar maus bocados na luta. Nessa ocasião, com o corpo de lutador mais desenvolvido através do processo de fabricação na reclusão pubertária, Aritana o derrubou e, caindo por cima, ainda bateu com a cabeça do adversário no chão (Agostinho, 1974Agostinho, P. (1974). Kwarìp: mito e ritual no Alto Xingu. Edusp., p. 133). O cacique começa, então, a se destacar pela sua eficiência com a luta, kahri, em yawalapíti, sendo frequentemente requisitado para lutar também pelos Kamayurá, que tinham os Yawalapíti como aliados em praticamente todas as edições dos encontros intercomunitários envolvendo luta. Se, em 1956, a principal rivalidade se dava entre Kamayurá e Yawalapíti na face de seus lutadores Takumã e Sariruá, a partir de 1965, os dois povos passam para configuração de contínua aliança.

Em 1966, a revista Realidade realizou um perfil de Aritana, na época com 16 anos, segundo a reportagem (pelos meus cálculos, teria entre 17 e 18 anos). Aritana está novamente em reclusão, depois dos momentos de mais liberdade na cidade e lutando pelos Kamayurá. Com o corpo branco, pois não tomava sol há três meses, o jovem lutador contava com 1,80 m de altura e 80 quilos em um corpo alto, forte e bonito. Sinal de que seu processo de formação como lutador estava tendo sucesso, o que se confirma quando a reportagem coloca que, nos treinos, “dizem que ele vence todo mundo” (Azevedo, 1966Azevedo, C. (1966). Indinho brinca de índio. Realidade, 5, 36-48., p. 45). O texto traz uma breve biografia do jovem, que cobre desde o casamento de seus pais até o período de sete meses que, então recentemente, passara em São Paulo, além de uma projeção para o futuro, como um grande campeão do Alto Xingu. Aritana, porém, é mais comedido, ao afirmar que “não é verdade que eu estou vencendo todo mundo. Eu ainda tenho muito o que aprender para ser um bom lutador” (Azevedo, 1966Azevedo, C. (1966). Indinho brinca de índio. Realidade, 5, 36-48., p. 48). Como um filho de chefe sendo preparado de forma bem-sucedida, a revista ainda aponta que sua mãe, Tepori, havia conseguido uma noiva para ele, filha de um chefe kalapalo, ainda muito nova, e que, no momento oportuno, eles deveriam se casar.

Figura 2
Reprodução da reportagem “Ford F-600...” (1965)Ford F-600 para o Parque Nacional do Xingu. (1965, jun.). Revista Automóveis e Acessórios, 234, 35..

No final da década de 1960, com Aritana já formado e lutador primoroso, ocorre a última etapa do processo que culminou em sua saída definitiva do gabinete e no início de sua vida pública, enquanto uma pessoa formada. Respondendo à pergunta “como o cacique virou chefe?”, Makawana Yawalapíti conta a exegese dessa fase derradeira. Os Kamayurá, já presentes desde o início de sua formação, foram até a aldeia yawalapíti e construíram um novo gabinete de reclusão para que mais uma temporada fosse cumprida. Nesse local, Aritana teria passado, pelo menos, mais dois anos. Tal período foi encerrado em 1970, quando foi realizado um ritual para a saída da reclusão e início da chefia. Marilia Godoy (1980, p. 120)Godoy, M. G. G. (1980). Algumas considerações sobre as etnias e o problema de identidade indígena no Alto-Xingu: a aldeia yawalapití [Dissertação de mestrado, Universidade de são Paulo]. registra um depoimento em que Aritana diz que, nesse ritual, ele e seu irmão Pirakumã foram carregados por Sariruá e Takumã de casa para o centro e tiveram seus cabelos cortados, enquanto três Kamayurá executavam a flauta apapalu. Depois deste dia, Aritana passa a ser o segundo cacique da aldeia, ajudando seu tio Sariruá, e passa a ser também o dono da flauta apapalu, familiarizando mais um poderoso espírito extra-humano e movimentando a dinâmica ritual de sua aldeia.

O falecido Aritana afirmava ter passado três anos de reclusão, o que era prontamente corrigido pelos seus companheiros, que afirmavam serem cinco. Tunuly Yawalapíti, um irmão mais novo do cacique, afirma que, na realidade, foram oito anos intermitentes de reclusão, o que coincide com a reconstituição aproximada apresentada acima. Na reclusão, Aritana, como todo lutador, aprendeu a tocar a flauta wüpü, que é executada durante o itsatchi, preferencialmente por campeões, e também no ritual de furação de orelhas, o pihiká. Como vimos, a reclusão visa a uma transformação corporal do lutador, além da formação ética do recluso. Ele se tornou um especialista na flauta wüpü além de fabricante requisitado. O fato de sonhar com um espírito dono de raiz que aparece como uma pessoa humana é indício do longo relacionamento com este ser extra-humano. Este foi o caso do cacique, que ainda jovem já chamava a atenção pela sua força e destreza.

Segundo Costa (2013, p. 24)Costa, C. E. (2013). Ikindene hekugu: uma etnografia da luta e dos lutadores no Alto Xingu [Tese de doutorado, Universidade Federal de são Carlos]., quando jovem, “um grande lutador é um chefe. Certo que nem todos os campeões vão exercer a chefia futuramente, mas todos os chefes atuais foram grandes lutadores”. Convidar outras aldeias, recebê-las como waká (‘convidador’) ou, ainda, liderar sua comunidade em outra aldeia como chefe dos convidados são os momentos em que os jovens chefes fazem-se visíveis individualmente, fora os momentos de aparições públicas relacionadas à reclusão – isto é, a luta e a apresentação das jovens no final do itsatchi. A chefia, apesar de transmitida linearmente pela hereditariedade, é construída ao longo da vida de uma pessoa por meio desses momentos de fabricação durante a reclusão, que se opõem aos momentos de exibição pública. O falecido cacique Aritana é emblemático para pensar o processo de formação de pessoa no Alto Xingu. Quando ainda jovem, ele teve uma festa pihiká para furar a sua orelha, sendo já destacado dos demais. Ele ficou muito tempo recluso, adquirindo habilidades técnicas da luta e aumentando a força e o vigor de seu corpo. Foram longos anos, durante os quais Aritana permaneceu na reclusão, para que o seu corpo fosse exibido publicamente como um lutador. Podemos tomar este falecido cacique como uma espécie de tipo ideal do prestígio de um chefe. Extremamente calmo, de voz serena e movimentos harmoniosos, era, quando ainda jovem, temido pelos lutadores das outras aldeias. A força e a contundência dos seus golpes são assunto ainda hoje, cerca de quarenta anos após se aposentar das lutas. Como lutador prestigioso, seu caminho para se tornar um grande chefe, cacique principal do seu povo, estava aberto, mas não garantido.

O FAMOSO CAMPEÃO KAHRIWÜKÜTI

Até aqui foram tratadas a infância e a juventude do cacique Aritana, um processo de preparação e formação para a vida adulta, quando ele passou a ocupar posições de prestígio e influência nas sociedades pelas quais transitou. A vida adulta e a formação de um grupo doméstico próprio, capaz de patrocinar os ciclos rituais da flauta apapalu, começaram a partir da década de 1970. Ele já era, a essa altura, um lutador famoso. Existem histórias fantásticas de suas lutas, sendo sempre o primeiro a lutar pelos Yawalapíti ou pelos Kamayurá. Dizem que o cacique Aritana nunca perdeu uma luta, o que é confrontado por depoimentos de lutadores que dizem já o ter derrotado (Tavares, 1994Tavares, S. C. (1994). A reclusão pubertória no Kamayurá de Ipawu: um enfoque biocultural [Dissertação de mestrado, Universidade Estadual de Campinas]., pp. 62, 85, 98). O que os Yawalapíti afirmam é que o chefe em questão nunca perdeu enquanto lutava no primeiro escalão e que nunca foi derrubado durante a sua carreira como lutador. Se ele nunca, ou quase nunca, perdeu uma luta, as vitórias eram muitas, a ponto de, segundo os Yawalapíti, seus adversários terem medo de enfrentá-lo. Sem muitos registros publicados de suas lutas, é unanimidade, no Alto Xingu, que ele foi um dos maiores lutadores de todos os tempos.

O jovem estava, então, com seus 20 anos, recém-saído da reclusão seguida à risca, o que resultou em um lutador forte e ágil. Como “os lutadores também se mesclam ao espírito que lhes tutela” (Avelar, 2010Avelar, G. S. (2010). Valores brutos: lutadores do Alto Xingu [Dissertação de mestrado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro]., p. 86), o que era o caso de Aritana, sua força se multiplicava, tornando-se descomunal. Os Yawalapíti afirmam que uma pessoa que tem espírito, na luta, torna-se imbatível; o espírito luta junto, os dois se tornam um. Nesse momento, Aritana já é um dos donos do branco, aqueles que recebem os visitantes não indígenas, e é convocado para viagens à cidade, em busca de recursos e apoio para as comunidades. Ser um dono da luta, por outro lado, o torna uma pessoa de alto prestígio dentro da sociedade alto-xinguana, destacando-se dos demais nos encontros intercomunitários.

A jovem kalapalo que a mãe do cacique conseguira como noiva agora já estava maior e havia saído de sua reclusão pubertária, de modo que, no início da década de 1970, os dois se casam. Seu primeiro filho nasceu em 1975, quando o cacique entrou em mais uma reclusão (Viveiros de Castro, 1977Viveiros de Castro, E. (1977). Indivíduo e sociedade no Alto Xingu: os yawalapíti [Dissertação de mestrado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro]., p. 16), agora para proteger o recém-nascido dos perigos da placenta (Costa, 2013Costa, C. E. (2013). Ikindene hekugu: uma etnografia da luta e dos lutadores no Alto Xingu [Tese de doutorado, Universidade Federal de são Carlos]., p. 137). Ele ainda se casaria também com a cunhada Sakasiru, além de sua noiva e primeira mulher, Tsimaio. Ambas são netas de Izarari, o grande cacique kalapalo que recebeu os irmãos Villas-Bôas no Alto Xingu. Aritana, já na sua vida de prestígio acumulado, recebe o sogro para morar em sua casa, não só burlando a residência uxorilocal, comum entre chefes, o que os torna o que Guerreiro (2011, p. 118)Guerreiro, A. (2011). Aliança, chefia e regionalismo no Alto Xingu. Journal de la Société des Américanistes, 97(2), 99-133. https://doi.org/10.4000/jsa.11902
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colocou como antiafins. Além disso, Konokoti Kalapalo se muda para a aldeia yawalapíti com sua esposa, Amaku Matipu, e se instala na casa do genro. Apesar da alta restrição esperada das relações hierárquicas entre genros e sogros, que permitiria aos últimos exigir muita coisa, o fato de ambos serem chefes de temperamento calmo e bem amigáveis fez com que a mudança fosse tranquila. Tsimaio me contou, certa vez, como o fato ocorreu. Ela disse que as pessoas estavam falando mal de seu pai, e que este gerava muita inveja por ser o filho de um grande chefe e, portanto, com grandes inclinações à chefia principal da aldeia. Tsimaio, então, decidiu buscar os pais, que foram para a aldeia yawalapíti e se instalaram na casa do genro.

Configurações em que os sogros se mudam para a casa do genro são muito raras. Até onde se tem conhecimento, a única referência foi o caso de Nahu Kuikuro, que, buscando uma aliança com os Kalapalo, chegou a passar algum tempo na casa de seu genro, enquanto a filha ainda estava reclusa. Segundo Basso (1984, p. 40)Basso, E. B. (1984). A husband for his daughter, a wife for her son: strategies for selecting a set of in-laws among the Kalapalo. In K. M. Kensinger (Org.), Marriage practices in lowland South America (pp. 33-44). University of Illinois Press., Nahu se encontrou em uma posição que criou uma ruptura na casa dos pais de seu genro, demandando obediência deste último. Após alguns casos, em que os noivos encontraram outros namorados em segredo e também pela insatisfação geral com o casamento arranjado, o mesmo não se efetivou (Basso, 1975Basso, E. B. (1975). Kalapalo affinity: Its cultural and social contexts. American Ethnologist, 2(2), 207-228., 1984Basso, E. B. (1984). A husband for his daughter, a wife for her son: strategies for selecting a set of in-laws among the Kalapalo. In K. M. Kensinger (Org.), Marriage practices in lowland South America (pp. 33-44). University of Illinois Press.). Guerreiro (2015, p. 145)Guerreiro, A. (2015). Ancestrais e suas sombras: uma etnografia da chefia Kalapalo e seu ritual mortuário. Editora UNICAMP. coloca o sogro de Aritana como um dos maiores chefes kalapalo, mesmo morando com outro povo, e afirma que, se ele voltasse à aldeia Kalapalo, seria considerado o primeiro cacique.

É nesse contexto de fama e reconhecimento que se iniciam os preparativos para uma novela que foi gravada, em partes, no Alto Xingu. A novela “Aritana” foi um sucesso nacional e trouxe à tona a questão indígena para o público da televisão aberta. Escrita por Ivani Ribeiro, que contou com a assessoria dos irmãos Villas-Bôas para escrever o enredo e obteve aprovação do presidente da FUNAI (“Li o roteiro...”, 1978Li o roteiro. Só depois aprovei que se fizesse Aritana, no Xingu. (1978, dez. 22). Diário da Noite.), a novela foi veiculada durante o horário nobre entre 1978 e 1979. Na trama, Aritana é filho de uma indígena e de um caraíba e entra em conflito com seu tio paterno, que pretendia vender o território para um grupo de empresários norte-americanos. Com sua ida à cidade para protestar contra o negócio, Aritana se apaixona por uma caraíba de nome Estela. Aritana foi interpretado por Alberto Riccelli, que se tornou uma celebridade de alcance nacional, enquanto Estela era interpretada por Bruna Lombardi.

A TV Tupi foi extinta no ano seguinte ao término da novela, após uma sequência de greves e atrasos nos pagamentos. Em outubro de 1978, ocorreu um incêndio no prédio da emissora, que atingiu o estúdio B, local onde seriam gravadas algumas cenas da novela. O Diário de Pernambuco noticiou que este foi o motivo para que a equipe iniciasse as gravações no Parque Indígena do Xingu (PIX) uma semana depois. A novela, a essa altura, ainda se chamava “Alma da Terra” (Telenotícias, 1978Telenotícias. (1978, out. 19). Diario de Pernambuco, Caderno 4.). O coordenador do Parque Olympio Serra, que sucedeu Orlando Villas-Bôas em 1975, se posicionou contra os planos da emissora, que acabou utilizando figurantes indígenas sem o devido pagamento. Tal desentendimento – uma afronta à autoridade dos irmãos Villas-Bôas, que já haviam chancelado o projeto – gerou uma série de reportagens criticando a gestão de Serra à frente da coordenação do PIX. A resposta, também em reportagem, foi tomada como insubordinação e acabou gerando a sua demissão. Os chefes xinguanos protestaram, denunciando que a troca foi algo que ocorreu sem a consulta dos mesmos (“Caciques do Xingu...”, 1978Caciques do Xingu querem reunião com Gen. Ismarth para esclarecer demissão. (1978, dez. 11). Jornal do Brasil, 12.). Kanato chegou a afirmar, em depoimento, que foi a primeira e única vez que ele reprovou a conduta dos irmãos sertanistas (Menezes Bastos, 1989Menezes Bastos, R. J. (1989). Exegeses yawalapíti e Kamayurá da criação do Parque indígena do Xingu e a invenção da saga dos irmãos Villas Bôas. Revista de Antropologia, 30-32, 391-426., p. 406)14 14 Este artigo de Menezes Bastos (1989) registra os depoimentos de Kanato e Takumã sobre a criação do PNX. Enquanto Kanato se coloca como aliado dos irmãos Villas-Bôas, sem contar o referido caso da novela, Takumã demonstra sua insatisfação com a gestão dos sertanistas, especialmente em relação ao affair entre Leonardo Villas-Bôas e Pele de Reclusa, uma das esposas de Kutamapü. Sobre esta versão kamayurá, ver também Menezes Bastos (2006). .

Toda essa exposição colocou o cacique em maior evidência: se, antes, sua imagem estava presente apenas em registros esparsos nos veículos de imprensa, durante a exibição da novela, seu nome era constantemente citado. Sabemos que a onomástica alto-xinguana faz com que nomes reconhecidos, passados de avô para neto, permaneçam ativos. O cacique Aritana, com a novela de sucesso, fez com que seu nome fosse reconhecido amplamente, além da esfera regional, chegando a diversas camadas da sociedade nacional. Aritana passa a ser nome de boate, churrascaria e jogador de futebol. Se um dos objetivos da chefia é fazer o chefe ficar famoso e reconhecido em outras aldeias, o cacique Aritana conseguiu tal feito como poucos, principalmente quando se trata do mundo dos brancos.

O AMULAU KARAIPAWÜKÜTI

Essas aparições na mídia, desde a cobertura midiática das ‘aventuras dos sertanistas’ até a novela e as reportagens televisivas sobre a região, além da estratégia política vigente, fizeram com que os povos do Alto Xingu fossem considerados “metáforas de si mesmos” (Viveiros de Castro, 1979bViveiros de Castro, E. (1979b). Quanto custa ser a metáfora de si mesmo: os paradoxos da identidade xinguana. Publicações Avulsas do Museu de Antropologia, 1, 1-15.). Mas a fama de Aritana ia muito além da vitrine e, mesmo chamando a atenção em razão do seu fascínio pelo clube de futebol Vasco da Gama, sendo convidado para assistir aos jogos quando estava na cidade, Aritana também começava a figurar nas páginas dos jornais com a sua defesa da cultura e do território indígena.

Nessa década, surgem, além de Aritana, novos personagens políticos de sua mesma geração, que foram recrutados pelos irmãos Villas-Bôas para trabalhar como assistentes nos postos da FUNAI. Havia, nesse grupo, representantes de todos os povos do Alto e Baixo Xingu e, mais tarde, muitos deles se tornaram chefes de posto, administradores e presidentes de associações (ISA, 2011Instituto Socioambiental (ISA). (Org.). (2011). Almanaque socioambiental: Parque indígena do Xingu: 50 anos. ISA., pp. 24-25). Entre eles, destacamos Pirakumã, irmão de Aritana, e Ayupu Kamayurá, tio materno do cacique, que acabaram se tornando servidores da FUNAI. Pirakumã, inclusive, mais tarde se tornou chefe de posto e, posteriormente, coordenador do Xingu. Antes da sua posse como coordenador, porém, Pirakumã atuou com seu irmão, Aritana, em uma série de eventos políticos que garantiram, posteriormente, a gestão indígena na região. Todo esse movimento acabou gerando um quadro de consciência política indígena, se desvencilhando do paternalismo estatal.

No início da década, em 1983, uma grande reunião das lideranças de 16 povos de todo o PIX, realizada no posto Pavuru, decidiu que o coordenador do Xingu deveria ser trocado, e indicaram o nome de Claudio Romero. Houve uma reunião em Brasília para referendar a indicação, que foi, inclusive, veiculada na imprensa (“Caciques escolhem...”, 1983Caciques escolhem em colégio eleitoral diretor para o Xingu. (1983, fev. 24). Jornal do Brasil, 4.)15 15 Neste mesmo ano, foi realizado o sequestro de um avião que pousou inadvertidamente no posto Diauarum, na porção norte da TIX. Os indígenas exigiam que a cúpula da FUNAI fosse ao posto receber uma lista de reivindicações. Sobre este episódio e como ele ajudou na formação da consciência política da região, ver Menezes Bastos (1985). . Claudio Romero, em entrevista concedida em fevereiro de 2022, contou que havia sido a primeira vez que um conselho de lideranças, incluindo aí o cacique Aritana, escolheu o diretor do PIX, o que ficou decidido mesmo com o voto contrário de Orlando Villas-Bôas, que também estava presente na reunião em Brasília16 16 Cláudio Romero decidiu solicitar o fechamento do escritório que a Coordenação do TIX mantinha na cidade de São Paulo, rompendo, assim, a influência direta dos irmãos Villas-Bôas na região. . Durante a sua gestão, Romero também evidenciou a ‘guerra da balsa’, que ocorreu entre os Kaiapó, em que uma balsa municipal de São Félix do Xingu, Mato Grosso, que fazia a travessia da BR-080, foi sequestrada pelos indígenas durante quarenta e dois dias. Desse protesto, os Kaiapó conseguiram a demarcação da Terra Indígena (TI) Capoto Jarina e a posse da balsa, o que o jornal Le Monde considerou a maior vitória de um movimento indígena contra um governo instituído no continente americano (Vanhecke, 1984Vanhecke, C. (1984, maio 14). Le cri de victoire des Indiens. Le Monde. https://www.lemonde.fr/archives/article/1984/05/14/le-cri-de-victoire-des-indiens_3010793_1819218.html
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). Segundo Romero, Aritana também estava presente no movimento, sendo, depois, substituído por seu irmão Pirakumã.

Claudio Romero enfatiza a importância de Aritana como mediador entre os povos da região, pois, como poliglota e bom conhecedor do português, conseguia traduzir as falas para todos os povos. Nesse contexto, era um importante mediador de chefes de outras aldeias nos encontros intercomunitários, bem como de chefes não indígenas, de ministros e presidentes a reis e embaixadores. Ainda nos anos 1980, Claudio Romero passa a coordenação do, então, PIX para Megaron Txukahamãe, sobrinho de Raoni Metuktire, que vinha tendo papel de destaque na luta pelas terras do seu povo, inclusive na criação da TI Capoto Jarina. Desde então, somente coordenadores indígenas passaram pelo gabinete da FUNAI, até a última legislatura, quando ele retornou às mãos dos militares.

É também na década de 80 que se consolida o movimento indígena, com a criação da União das Nações Indígenas (UNI) e o debate sobre a questão indígena na constituinte (Carneiro da Cunha, 2018Carneiro da Cunha, M. (2018). Índios na Constituição. Novos Estudos CEBRAP, 37(3), 429-443., p. 434). Com o passar da década e o início dos debates, vários caciques, entre eles Aritana, somaram esforços com o movimento liderado por Ailton Krenak, no debate e na pressão política para a inclusão de garantias de direitos que compõem o capítulo “Dos índios”, da Constituição Federal (Brasil, 1988Brasil. (1988, out. 5). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União.). Concomitantemente à sua luta na defesa dos direitos indígenas, Aritana também continuou mediando as relações com os não indígenas que visitavam o povo Yawalapíti, que, na época, se situava ao lado do posto Leonardo e, portanto, possuía um alto fluxo (Figura 3).

Figura 3
Aritana Yawalapíti se preparando para o itsatchi.

É nesse contexto, de chefe diplomático, que atua na mediação com outros povos do Alto Xingu, com não indígenas e com instituições, que Aritana se consolida como uma pessoa de grande visibilidade para a sociedade nacional e internacional. Sua personalidade se aproxima do tipo ideal para a pessoa alto-xinguana, calma, paciente e generosa, fazendo com que seu prestígio no âmbito regional seja exponencial, criando certa unanimidade de legitimação, o que não é muito comum em meio às disputas faccionais que atravessam os povos alto-xinguanos.

O PUTAKA WÜKÜTI

No início da década de 1990, os Yawalapíti mudam mais uma vez, dessa vez para a região que ocupam hoje, na boca do rio Tipatipa, onde este deságua no rio Kuluene. Sariruá já estava mais idoso e acaba passando o posto de dono da aldeia para o sobrinho, que vinha sendo fabricado desde a infância. É Sariruá também quem lhe ensina a fala verdadeira yayakatualhiruru. Com isso, Aritana passa a executar a diplomacia, nos rituais intercomunitários, e é apontado como cacique principal do povo Yawalapíti. O posto de representante do povo para os não indígenas, produto do investimento inicial de Orlando Villas-Bôas, agora é concomitante com o posto de representante do povo para os outros povos alto-xinguanos. A yayakatualhiruru tem papel importante nesse processo, não só pelo conhecimento das fórmulas discursivas, mas também pela legitimidade ao proferi-las. A capacidade de agenciar discursos é um dos atributos dos chefes principais (Guerreiro, 2015Guerreiro, A. (2015). Ancestrais e suas sombras: uma etnografia da chefia Kalapalo e seu ritual mortuário. Editora UNICAMP.).

Aritana, a essa altura, também era mestre na tradução do mundo do caraíba para sua própria cosmologia e vice-versa. Por estar em constante contato com a mídia, antropólogos e outros não indígenas, passa a ser o porta-voz e um dos principais intérpretes de sua geração. Nesse contexto, Aritana desenvolve uma teoria do ambientalismo, que se torna lugar-comum em suas declarações. Para ele, a floresta deveria ser preservada, pois, caso não haja floresta, os apapalutapa ficariam seriamente bravos com a destruição de seu habitat, podendo gerar consequências catastróficas. Essa postura de conservação de Aritana se assemelha, segundo Peter Gow (2014)Gow, P. (2014). “Listen to me, listen to me, listen to me, listen to me . . .”: a brief commentary on The falling sky by Davi Kopenawa and Bruce Albert. HAU: Journal of Ethnographic Theory, 4(2), 301-309. https://doi.org/10.14318/hau4.2.019
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, às ideias de Davi Kopenawa (2015)Kopenawa, D. (2015). A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. Companhia das Letras.. Em uma resenha do livro de Kopenawa, Gow (2014, p. 305, tradução minha)Gow, P. (2014). “Listen to me, listen to me, listen to me, listen to me . . .”: a brief commentary on The falling sky by Davi Kopenawa and Bruce Albert. HAU: Journal of Ethnographic Theory, 4(2), 301-309. https://doi.org/10.14318/hau4.2.019
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registra um comentário de Viveiros de Castro, que afirma que os chefes alto-xinguanos “são experts em traduzir preocupações locais em uma linguagem aceitável para os estrangeiros cujo apoio eles querem”. Era comum ouvir o cacique falar sobre o perigo do desmatamento, sobre a saúde dos rios e dos apapalutapa que ali viviam, e de como tal destruição poderia gerar doenças e epidemias.

Ao mesmo tempo que Aritana falava para os caraíbas sobre a preservação ambiental, ele também discursava para os indígenas sobre a ‘preservação da cultura’. Como ele falava em diversas línguas e tinha um alto poder de tradução, era possível ser contundente em diferentes espaços de diálogo, em todo o Alto Xingu. No vídeo de lançamento do DVD Kuikuro, Aritana dá um depoimento que é um bom exemplo de suas exortações aos mais jovens. Falando um bom kuikuro, o cacique faz uma pergunta, à qual retoricamente responde: “quem vai levar isso adiante? Vocês. Vocês que vão levar isso ‘pra frente’” (Kuikuro & Coletivo Kuikuro de Cinema, 2007Kuikuro, T., & Coletivo Kuikuro de Cinema. (2007). Inauguração DVD Kuikuro – “Espero que vocês gostem destes filmes” [Filme]. Vídeo nas Aldeias.). Esta era a sua grande preocupação: garantir que os rituais continuassem a ser executados, que o equilíbrio cosmológico com os apapalutapa se mantivesse, e que o conhecimento material e imaterial do povo Yawalapíti e do Alto Xingu, como um todo, continuasse a ser repassado através das gerações.

Com isso, Aritana também era bastante procurado para dar conselhos e emitir seu parecer sobre diversas ações de conservação ambiental e cultural que ocorriam no Alto Xingu. Ainda que fosse um líder bastante político, não eram poucas as ocasiões em que ele se colocava radicalmente contra um ou outro projeto. Foi assim com a implementação da educação estadual nas aldeias. Porém, Aritana acabou mudando de opinião, ao perceber que o processo poderia ser benéfico para os jovens: “eu não quero que nosso povo fique sem saber nada, mas não pode perder a cultura” (Troncarelli et al., 2003Troncarelli, M., Würker, E., Mendes, J., & Zorthêa, K. (2003). A formação de educadores indígenas para as escolas xinguanas. Em Aberto, 20(76), 54-73., p. 65).

No início dos anos 2000, Aritana era um senhor bastante influente, admirado e respeitado pelos seus pares. Em 2007, foi construída a sua última casa comunal (Figura 4), com insígnias de chefia exclusivas ao putaka wüküti. Esta foi construída em regime de mutirão, como deve ser com a casa comunal, como parte do Ponto de Cultura Yawalapíti, um projeto do Ministério da Cultura (MinC). Esse projeto deu origem à Associação Yawalapíti Awapá (AYA), fundada em 2010, que era a proponente do projeto de documentação que registrou o depoimento de Aritana sobre a história dos Yawalapíti. Ao final do depoimento, Aritana realiza um salto temporal, saindo de sua infância, em uma aldeia com pouca gente e somente uma casa, para o presente, quando a aldeia está grande e bonita, enviando mensageiros e recebendo aldeias convidadas, com muitas crianças que poderão levar a sua história adiante, inclusive o pequeno Aritana, seu neto.

Figura 4
Casa comunal de Aritana Yawalapíti.
46 A gente tá vendo hoje. Veja agora os Yawalapíti. Existem muitos Yawalapíti na aldeia.   Aqui a aldeia está populosa.     Está populosa. 50 Agora já tem gente, os Yawalapíti têm muitas pessoas.   Antigamente não existia os Yawalapíti, os antepassados dos Yawalapíti acabaram-se.   Agora os Yawalapíti aumentaram [a população]. Hoje eu estou alegre. Eu estou alegre por que os Yawalapíti são muitos.   Assim, essa história. Não é uma história bonita. 55 É triste essa história que eu estou contando pra você.     Você entendeu?

Os Yawalapíti instituíram uma política de residência em que ninguém deveria sair permanentemente após um casamento, fazendo com que a aldeia se tornasse um microcosmo do Alto Xingu, com pessoas de quase todos os povos da região17 17 O que também fez com que a língua yawalapíti acabasse sendo pouco falada, pois a maioria da geração que nasceu dos casamentos exogâmicos acabou tendo a língua estrangeira como primeira língua. Atualmente, restaram três falantes plenos, enquanto ainda existem mais uma dezena de pessoas que entendem e conseguem se expressar nessa língua. Os Yawalapíti, agora, contam com o ensino desta língua nas escolas, e o trabalho do linguista Yawalapíti (2021) tem ajudado bastante no processo de revitalização empenhado pela aldeia. . Essa política, que burlava as regras de residência local, só era possível pelo prestígio que Aritana e sua família imprimiam nos recém-chegados e nas famílias daqueles que vinham morar entre os Yawalapíti, que aceitavam o distanciamento de seu parente, mesmo quando detinham o direito de mantê-lo por perto. Ter um grande cacique como dono de uma aldeia com uma frequência constante de festas, que geram alegria na comunidade, também tem parte importante no crescimento exponencial da sua população, passando de pouco mais de uma dezena de pessoas para, sessenta anos depois, cerca de trezentas.

Aritana era parte importante nesse sucesso. Ele era dono da flauta apapalu, um dos mais importantes rituais dos Yawalapíti, essencial para o equilíbrio cosmológico da aldeia (Piedade, 2004Piedade, A. T. C. (2004). O canto do Kawoká: música, cosmologia e filosofia entre os Wauja do Alto Xingu [Tese de doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina].). Seu filho mais velho, Tapi Yawalapíti, é dono do ritual takuara, o que fazia de sua casa fonte de alimentação e recursos rituais das festas mais frequentes. Nos rituais intercomunitários, como o que estava ocorrendo quando o cacique prestou esse depoimento, Aritana efetivava a grande hospitalidade pela qual era reconhecido em âmbito regional. Ao assumir a posição de putaka wüküti, ele passava a representar a coletividade do povo em sua pessoa, se apresentando perante chefes vizinhos e seus mensageiros (Figura 5).

Figura 5
Aritana Yawalapíti com os chefes e lutadores yawalapíti no acampamento do itsatchi na aldeia Aweti.

A progressão da sua biografia e das etapas da formação de sua pessoa estão diretamente atreladas ao crescimento populacional do povo Yawalapíti. A alegria que Aritana menciona também se deve, em grande parte, ao seu prestígio, pois somente um grande chefe consegue manter tanta gente morando junta em uma aldeia. Tratava-se de um cacique agregador de pessoas que, enquanto poliglota, falava para todos e era entendido por todos em sua comunidade, na região e também nas cidades e países vizinhos.

CONCLUSÃO: O CONSTRUÍDO

Se somente um chefe pode fazer outro chefe, a parte dada é um pré-requisito para a chefia, ainda que esta parte dada possa ser construída ou manipulada, fazendo com que, virtualmente, todos tenham alguma descendência de chefia, ainda mais no caso yawalapíti, em que poucos indivíduos refundaram a aldeia. Mas nem todo filho de chefe se torna um chefe efetivo, sendo que precisa primeiro ser feito chefe e, depois, na vida adulta, ele próprio deve continuar o processo, ao tecer redes de relação. Ressalto, aqui, a importância das trajetórias biográficas de homens eminentes, uma vez que ter tido um pihika em sua homenagem e ter sido um grande lutador, apesar de bastante relevante, não é garantia de prestígio na vida adulta. O ponto é que indivíduos podem se esforçar, ao longo de sua vida, para fazerem-se amulau e, ainda que não ocupem as posições de putaka wüküti, podem influenciar as dinâmicas políticas da comunidade.

Assim foi o caso de Afukaká Kuikuro, que foi o quinto em sua furação de orelha, mas, por ter sido um grande lutador e assumido posições públicas de chefia, acabou tornando-se o cacique principal de seu povo (Avelar, 2010Avelar, G. S. (2010). Valores brutos: lutadores do Alto Xingu [Dissertação de mestrado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro]., p. 42). Ou, ainda, de Atamai Wauja, que passou de amulau inferior para ‘chefe-verdadeiro’, principalmente por assumir relações com os estrangeiros não indígenas e com os espíritos apapalutapa. Das primeiras relações, Atamai conseguiu influência política para a homologação da TI Batovi, em 1998, abrangendo territórios wauja. As segundas relações o fizeram ser dono de rituais, assumindo uma relação privilegiada na aldeia (Barcelos Neto, 2008Barcelos Neto, A. (2008). Apapaatai: rituais de máscaras no Alto Xingu. University of São Paulo Press., pp. 266-271). O que o texto busca demonstrar é que, apesar do caráter hereditário da chefia, a biografia e a capacidade de agregar relações são essenciais para que ela se efetive.

A pessoa yawalapíti é formada em um processo relacional que integra os níveis sociocosmológicos da identidade (humanos) e da alteridade (espíritos). Os processos corporais, que são levados a cabo durante a reclusão pubertária, buscam formar um corpo belo e idealizado, motivo de orgulho para a família e para toda a aldeia. Após todo o período de fabricação oculta no gabinete, sua exibição ocorre em um grande ritual intercomunitário, de forma singularizada, lutando como campeão ou entregando castanhas de pequi defumadas para os chefes convidados, no caso das mulheres. Por outro lado, temos processos de fabricação corporal que também são relações com os apapalutapa. O sistema ritual do Alto Xingu, que “opera pelo acúmulo” (Costa, 2013Costa, C. E. (2013). Ikindene hekugu: uma etnografia da luta e dos lutadores no Alto Xingu [Tese de doutorado, Universidade Federal de são Carlos]., p. 266) e gera uma “política de opulência” (Barcelos Neto, 2008Barcelos Neto, A. (2008). Apapaatai: rituais de máscaras no Alto Xingu. University of São Paulo Press., p. 273), atua na fabricação de pessoas eminentes, que assumem posições de chefia e são lembradas no itsatchi.

A trajetória biográfica de Aritana foi repleta de relações que ele mantinha com donos e chefes, humanos e extra-humanos, ao longo de sua vida. Na reclusão pubertária, Aritana estabeleceu uma relação com o atayawüküti, o apapalutapa que cuida e domina o remédio e revela-se como a subjetividade da espécie botânica. Os lutadores da aldeia yawalapíti contaram-me que este aparece primeiro como um lutador aposentado que já utilizou aquele remédio, para depois se apresentar com seu corpo prototípico antropomorfo, sempre nas viagens oníricas da alma. Itan Yawalapíti, que teve um período de destaque na luta, me contou que sonhou com o cacique enquanto estava na reclusão, após usar o mesmo remédio utilizado por ele. Aritana, então, tornou-se um kahriwüküti, ‘dono da luta’, ou, na sua tradução nativa, campeão. Tornando-se campeão, passa a aparecer como representante individualizado de sua comunidade.

O corpo de Aritana precisou ser fabricado através de processos que envolveram relações com seres extra-humanos e que articularam o grupo doméstico com a comunidade da aldeia e com todo o sistema regional. Se tal processo foi construído na trajetória biográfica, a ascendência dada em seu nascimento é o que permite a continuidade do prestígio; somente chefes podem fazer outros chefes por meio do processo oneroso do conhecimento botânico dos remédios e dos conhecimentos restritos aos chefes. O itsatchi, que marca o encerramento do ciclo biográfico da pessoa que legitima sua realização, também destaca a família do falecido, reconhecendo publicamente a legitimidade de sua ascendência.

Claro que é esquemática e, ao mesmo tempo, vivida, essa disposição dos eventos, sendo que passar por todos eles é muito raro e visto como um tipo ideal. Talvez este tenha sido um motivo para que o falecido Aritana fosse considerado por outros, em reuniões regionais, como o ‘cacique geral’, posto que o colocava como principal intermediário com a sociedade não indígena, mas que não concedia nenhuma autoridade sobre as outras aldeias. O tipo ideal citado, até onde se sabe, só ocorreu com o falecido cacique, de modo que o esquematismo da sua trajetória não pode ser considerado um pré-requisito para assumir posições de chefia.

Aritana era, acima de tudo, um representante de seu povo. Se “o chefe-mestre é a forma pela qual um coletivo se constitui enquanto imagem . . . . é a forma de apresentação de uma singularidade para outros” (Fausto, 2008Fausto, C. (2008). Donos demais: maestria e domínio na Amazônia. Mana, 14(2), 329-366. https://doi.org/10.1590/S0104-93132008000200003
https://doi.org/10.1590/S0104-9313200800...
, p. 334), ele ampliou esses outros para incluir aí os não indígenas. Não há, como vimos, “incompatibilidade entre o pessoal e o paradigmático” (Sáez, 2006Sáez, O. C. (2006). Autobiografia e sujeito histórico indígena: considerações preliminares. Novos Estudos - CEBRAP, 76, 179-195. https://doi.org/10.1590/S0101-33002006000300009
https://doi.org/10.1590/S0101-3300200600...
, p. 187) e, uma vez que biografias são importantes para entender os processos dos povos, fazendo com que experiências individuais se tornem coletivas (Basso, 1995Basso, E. B. (1995). The last cannibals: a South American oral history. University of Texas Press.), a vida de Aritana, assim como a de outros chefes indígenas (Danaga, 2020Danaga, A. C. (2020). Sujeitos, narrativas e grafias: reflexões sobre etnobiografia e liderança. Revista de Antropologia da UFSCar, 12(2), 109-130. https://doi.org/10.52426/rau.v12i2.350
https://doi.org/10.52426/rau.v12i2.350...
), é capaz de orientar ações das novas gerações, atualizando ou ‘inventando’ o paradigma ideal de formação de um chefe. Tudo isso foi realizado com um comportamento calmo, como deve ser o do chefe, e um prestígio imenso, que nunca se investia de autoridade, mas que tinha grande poder de persuasão.

  • 1
    Itsatchi é um termo yawalapíti. O ritual é mais conhecido como Quarupe, a forma aportuguesada do termo kamayurá, kuaryp.
  • 2
    Utilizo o termo ‘chefe’, e não ‘nobre’ ou ‘aristocrata’, assim como utilizo o termo ‘festa’ para tratar do ‘ritual’, por ser essa a tradução no português local. Sigo Perrone-Moisés (2015, p. 18)Perrone-Moisés, B. (2015). Festa e guerra [Tese de livre-docência, Universidade de são Paulo]., quando ela advoga “pela incorporação ao nosso vocabulário analítico, na condição de guias para pensar, [de] uma série de palavras da língua portuguesa tal como são empregadas no que se costuma chamar de ‘portuguê;s dos índios’”.
  • 3
    Também faleceram de complicações devido à SARS-CoV-2 Kuyayu Kamayura, que foi também lembrada no itsatchi de 2021, e Yamuni Mehinako, viúva de Pirakumã Yawalapíti, que residia entre estes desde o casamento. Yamuni foi sepultada entre os Mehinako e foi homenageada por seu povo de nascimento.
  • 4
    Para uma conceitualização da chefia baseada em narrativas e discursos kalapalo, ver Guerreiro (2015)Guerreiro, A. (2015). Ancestrais e suas sombras: uma etnografia da chefia Kalapalo e seu ritual mortuário. Editora UNICAMP.. Para uma revisão sobre o conceito de chefia, buscando entender a centralização do poder e o faccionalismo que atravessa a chefia, mas que o presente texto não aborda, ver Vanzolini (2006)Vanzolini, M. (2006). Centralização e faccionalismo: imagens da política no Alto Xingu [Dissertação de mestrado, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro]..
  • 5
    A yayakatualhiruru é um conjunto de discursos proferidos exclusivamente por chefes para receberem outros chefes em encontros intercomunitários.
  • 6
    E o itsatchi tem um papel fundamental nessa continuidade pré-existente que Sáez (2007) menciona. Trata-se, para os vivos, da substituição dos chefes falecidos por seus filhos, que se apresentam como chefes donos do ritual para os povos vizinhos que o atendem. Esse argumento de substituição foi bem trabalhado por Guerreiro (2015)Guerreiro, A. (2015). Ancestrais e suas sombras: uma etnografia da chefia Kalapalo e seu ritual mortuário. Editora UNICAMP. e Costa (2013)Costa, C. E. (2013). Ikindene hekugu: uma etnografia da luta e dos lutadores no Alto Xingu [Tese de doutorado, Universidade Federal de são Carlos]..
  • 7
    Munuri Yawalapíti me ajudou com a tradução.
  • 8
    Sigo o modelo estrutural de Basso (1989, p. 568)Basso, E. B. (1989). Kalapalo biography: psychology and language in a South American oral history. American Anthropologist, 91(3), 551-569. https://doi.org/10.1525/aa.1989.91.3.02a00010
    https://doi.org/10.1525/aa.1989.91.3.02a...
    para apresentar as narrativas. Quanto maior o espaçamento, menor é a intensidade da voz, sendo que as linhas mais distantes soam bem piano e as mais próximas à margem são mais fortes. Esse modelo visa oferecer ao leitor uma indicação da dinâmica do narrador.
  • 9
    Toatoari, no português local.
  • 10
    Os irmãos Villas-Bôas realizaram uma intervenção na dinâmica local da chefia, organizaram casamentos arranjados e/ou impositivos, dentre outras interferências profundas, produzindo o que Menezes Bastos (1983, p. 46)Menezes Bastos, R. J. (1983). Sistemas políticos de comunicação e articulação social no Alto Xingu. Anuário Antropológico, 81, 43-58. chamou de pax xingüensis – a articulação dos povos imposta pelos irmãos.
  • 11
    Segundo Galvão (1949, p. 40)Galvão, E. (1949). Apontamentos sobre os índios Kamayurá. In J. C. M. Carvalho, P. E. Lima & E. Galvão (Orgs.), Observações zoológicas e antropológicas na região dos formadores do Xingu (Vol. 5, pp. 31- 48). Museu Nacional., “embora não podendo ser considerado um chefe com autoridade centralizada, Kutamapú possuía indiscutivelmente maior prestígio que os demais”.
  • 12
    ‘Não indígena’, no português alto-xinguano.
  • 13
    Como tratei, cada aldeia pode ter alguns chefes, sendo um o principal, o cacique. A festa de furação de orelha não necessariamente é realizada para aquele que será o chefe principal do seu povo e nem somente para os filhos deste.
  • 14
    Este artigo de Menezes Bastos (1989)Menezes Bastos, R. J. (1989). Exegeses yawalapíti e Kamayurá da criação do Parque indígena do Xingu e a invenção da saga dos irmãos Villas Bôas. Revista de Antropologia, 30-32, 391-426. registra os depoimentos de Kanato e Takumã sobre a criação do PNX. Enquanto Kanato se coloca como aliado dos irmãos Villas-Bôas, sem contar o referido caso da novela, Takumã demonstra sua insatisfação com a gestão dos sertanistas, especialmente em relação ao affair entre Leonardo Villas-Bôas e Pele de Reclusa, uma das esposas de Kutamapü. Sobre esta versão kamayurá, ver também Menezes Bastos (2006)Menezes Bastos, R. J. (2006). Leonardo, a flauta: uns sentimentos selvagens. Revista de Antropologia, 49(2), 557-579. https://doi.org/10.1590/S0034-77012006000200002
    https://doi.org/10.1590/S0034-7701200600...
    .
  • 15
    Neste mesmo ano, foi realizado o sequestro de um avião que pousou inadvertidamente no posto Diauarum, na porção norte da TIX. Os indígenas exigiam que a cúpula da FUNAI fosse ao posto receber uma lista de reivindicações. Sobre este episódio e como ele ajudou na formação da consciência política da região, ver Menezes Bastos (1985)Menezes Bastos, R. J. (1985). “Cargo anti-cult” no Alto-Xingu: consciência política e legítima defesa étnica. Boletim de Ciências Sociais, 38, 1-36..
  • 16
    Cláudio Romero decidiu solicitar o fechamento do escritório que a Coordenação do TIX mantinha na cidade de São Paulo, rompendo, assim, a influência direta dos irmãos Villas-Bôas na região.
  • 17
    O que também fez com que a língua yawalapíti acabasse sendo pouco falada, pois a maioria da geração que nasceu dos casamentos exogâmicos acabou tendo a língua estrangeira como primeira língua. Atualmente, restaram três falantes plenos, enquanto ainda existem mais uma dezena de pessoas que entendem e conseguem se expressar nessa língua. Os Yawalapíti, agora, contam com o ensino desta língua nas escolas, e o trabalho do linguista Yawalapíti (2021)yawalapíti, T. (2021). Documentação e descrição da língua yawalapíti (aruak): uma língua que não deve morrer [Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília]. tem ajudado bastante no processo de revitalização empenhado pela aldeia.
  • Almeida, J. C. (2023). Esboço biográfico de Aritana Yawalapíti: a formação de um chefe prototípico. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, 18(1), e20220023. doi: 10.1590/2178-2547-BGOELDI-2022-0023.

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Editado por

Responsabilidade editorial: Jorge Eremites de Oliveira

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2022
  • Aceito
    22 Nov 2022
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