Resumo
A proposta deste artigo é refletir sobre os instrumentos de sopro Jurupari tocados na região do alto rio Negro, tomando como ponto de partida a etnografia realizada junto ao povo Yuhupdeh. O foco da discussão é sobre a associação entre esses instrumentos e os processos de (re)produção dos corpos. Mais especificamente, procura-se abordar a associação dos instrumentos Jurupari e a fertilidade para além da questão sexual-genital, analisando a relação não a partir da noção de reprodução, mas da noção de geração e engendramento. Propõe-se aqui a abordagem dos instrumentos Jurupari não mais como uma metáfora masculina sobre o poder reprodutivo feminino, mas como uma biotecnologia andrógena de inseminação artefatual, que não só fabrica os corpos, como também os destrói, ao modo de uma farmacologia.
Palavras-chave Etnologia ameríndia; Alto rio Negro; Ritual; Pessoa; Instrumentos de sopro; Farmacologia
Abstract
The aim of this paper is to reflect on the Jurupari wind instruments that are played in the Upper Rio Negro, based on the ethnography carried out with the Yuhupdeh people. The focus of the discussion is on the association between these instruments and the processes of (re)production of bodies. More specifically, it seeks to address this association beyond the sexual-genital issue, analyzing the relationship not from the notion of reproduction, but from the notions of generation and engendering. Approaching the Jurupari instruments no longer as a male political metaphor about female reproductive power, but as an androgenic biotechnology of artefactual insemination that not only manufactures bodies but also destroys them, in the manner of a pharmacology.
Keywords Amerindian ethnology; Upper Rio Negro; Ritual; Person; Wind instruments; Pharmacology
ABERTURA
O momento etnográfico descrito logo adiante aconteceu junto com grupos Yuhupdeh que vivem na região do alto rio Negro. A cena aconteceu numa típica manhã na comunidade de São Joaquim, localizada no igarapé Castanha, um pequeno afluente do médio Tiquié, que, por sua vez, é um importante formador do Uaupés. Após terminarem de fazer a refeição coletiva matinal, conhecida como panela de pimenta – kow-book1 –, que ocorre na casa comunitária, algumas pessoas se preparavam para passear. Uns afiavam seus facões e cestos, outros juntavam seus instrumentos de pesca – linhas, malhadeiras, anzóis, zagaias, chumbadas, varas – de pesca ou de caça –, machados, arco-flecha, espingarda, porretes –, outros enrolavam um cigarro de tabaco retirado de seu maço de Coringa e preparavam sua porção de coca (sohó)2. Justino, um dos velhos conhecedores yuhup, estava fumando tabaco enquanto preparava o sohó para sair na pescaria, quando o som de um grupo de guariba começou a ecoar próximo dali. Nesse momento, o velho Justino disse que era o som do Jurupari (Tí’) dos guaribas. Em seguida completou: “– Os instrumentos deles ficam aqui [apontando para a região da traqueia]” (comunicação pessoal, abr. 2008). Perguntado se eram apenas os humanos e os guaribas que tinham os instrumentos Jurupari, ele disse que muitos outros animais também possuem seus instrumentos. Interpelado novamente a respeito de quais eram os outros animais e como eram seus instrumentos, velho Justino, terminando de aprontar seu sohó, falou que era muito complicado explicar isso e que o faria em outro dia, pois tinha que ir pescar.
Antes de querer esgotar a complexidade desse momento etnográfico, a intenção é tomá-lo como ponto de partida para refletir sobre os instrumentos de sopro chamados na região genericamente de Jurupari. Dado o caráter regional do sistema social do alto rio Negro, tão ressaltado pela bibliografia, a proposta é tratar do tema tomando como referência não só a etnografia junto aos Yuhupdeh, mas também as etnografias de outros grupos através de uma discussão bibliográfica em torno desses instrumentos3.
PRELÚDIO
A região do alto rio Negro é conhecida por integrar um sistema social que se caracteriza por sua diversidade cultural e linguística, agrupada em três grandes famílias linguísticas: os Tukano Orientais, os Aruak e os Naduhup4. Dentro desse conjunto, os grupos yuhupdeh estão associados aos Naduhup. Não obstante a essa diversidade, os registros do uso dos instrumentos Jurupari são muito antigos e abrangem praticamente toda a região. Desde então, muitos trabalhos que se sucederam notaram a difusão do uso de instrumentos de sopro Jurupari em rituais por toda região, a ponto de muitos autores os definirem como um traço característico que permite pensá-la como um sistema social aberto, integrado por circuitos de trocas rituais, econômicas e matrimoniais (Koch-Grünberg, 2005; Goldman, 1963; S. Hugh-Jones, 1979; C. Hugh-Jones, 1979; Reid, 1979; Århem, 1981; Jackson, 1983; Wright, 1981; Hill, 1993; Journet, 1988; Vidal, 1999; Vidal & Zucchi, 1999).
O uso regional do nome Jurupari5 para designar esses instrumentos se difundiu através da inserção da língua nheengatu, realizada por missionários a serviço da empresa colonial. O nome foi usado pelos missionários não só no alto rio Negro, mas em várias áreas da América do Sul, para designar um conjunto de rituais que se caracteriza pelo uso de instrumentos de sopro para a realização da iniciação masculina e por não permitir que as mulheres vejam e toquem os instrumentos (Hill & Chaumeil, 2011). Os primeiros missionários denominaram esses rituais como ‘festa do Jurupari’ e/ou ‘festa do demônio’, e coagiram a maior parte dos grupos da região a abandonar a realização dessas festas. Atualmente, são poucos os lugares que continuam realizando essas festas, e os grupos yuhupdeh estão entre essa minoria6.
Embora grupos yuhupdeh não se diferenciem dos outros grupos que vivem na região em relação ao uso dos instrumentos Jurupari, de uma maneira geral, a maior parte da literatura antropológica sobre o tema praticamente não faz referências aos grupos Naduhup, e acabam concentrando a discussão em grupos Aruak e Tukano Oriental. A ausência do material yuhup nessas discussões se deve, em grande parte, à forma como esses grupos são considerados pelos grupos Tukano Oriental e Aruak e por certa literatura antropológica. Os grupos yuhupdeh são também referidos como Maku. Enquanto tal, são definidos como nômades, caçadores, coletores, igualitários e endogâmicos, em oposição aos grupos Tukano Oriental e Aruak, que são definidos como sedentários, horticultores, hierárquicos e exogâmicos. Essas diferenças estão associadas também a uma atitude negativa em relação aos Maku, em geral. São considerados grupos serviçais, de baixa hierarquia, inferiores, índios do mato, a ponto de lhes conferir uma má reputação quanto a seus conhecimentos rituais. Muitos consideram suas casas, seus enfeites, suas danças e seus instrumentos musicais como rudimentares e malfeitos. Essa difamação levou, muitas vezes, ao tratamento dos grupos ditos Maku ou como exógenos ao sistema social ou como grupos aculturados, que assimilaram a cultura dos Aruak e Tukano (Marques, 2009).
Não é objetivo aqui examinar essa imagem negativa projetada sobre o epíteto ‘Maku’, nem discutir sobre a legitimidade do conhecimento ritual, mas analisar o uso dos instrumentos Jurupari por parte de grupos yuhupdeh, de forma a produzir um deslocamento em relação a essa imagem. Isso porque atualmente os grupos yuhupdeh que vivem na região do rio Tiquié estão entre a minoria que continua tocando esses instrumentos em festas e também porque discordam da difamação de que não possuem conhecimentos rituais apropriados. O objetivo é inserir o material yuhupdeh no debate sobre os instrumentos Jurupari, de forma a enriquecer ainda mais as discussões e sem levar em consideração questões de autenticidade ou originalidade.
O debate em torno dos instrumentos Jurupari no alto rio Negro é muito vasto e delineou tantas questões importantes e pertinentes, que não é possível abordar todas com o devido cuidado. Por isso, tratar-se-á de concentrar a discussão num aspecto do uso dos instrumentos que os associam aos processos de (re)produção de corpos e à noção de fertilidade. Embora a associação apareça pela primeira vez ainda no século XVIII, nos registros da viagem realizada por Humboldt pela região (Wright, 2018), é com os trabalhos de Reichel-Dolmatoff (1971), C. Hugh-Jones (1979) e S. Hugh-Jones (1979) que a discussão adquire contornos mais detalhados. A partir de ricas descrições etnográficas, aprofunda-se o conhecimento da função fundamental que os instrumentos Jurupari operam na reprodução da vida e, consequentemente, na reprodução sexuada. Como bem nota Karadimas (2008, p. 155), a partir do trabalho de Reichel-Dolmatoff, instaura-se no debate uma metáfora ‘inseminatriz’, que vem sendo examinada e reexaminada até os dias atuais (Hill, 2001; S. Hugh-Jones, 2017; Wright, 2015; Karadimas, 2007, 2008).
Se, num primeiro momento dessas pesquisas, prevaleceu uma abordagem dos instrumentos Jurupari como símbolos da dominação masculina, associados a rituais ancestrais, pouco a pouco se desenvolveu uma abordagem que passou a entender os instrumentos sonoros como parte de rituais de crescimento e fertilidade, compostos tanto por elementos masculinos como por femininos. Nesse sentido, os trabalhos sobre os instrumentos Jurupari não só acompanham as abordagens mais recentes na etnologia ameríndia sobre rituais que usam instrumentos de sopro (Hill & Chaumeil, 2011), como também fornecem fundamentos etnográficos robustos para a discussão7. Nesse sentido, destaca-se que, no debate altorionegrino, a noção de androgenia ganha maior relevo.
S. Hugh-Jones (2001, p. 249) traz uma contribuição para o debate ao incorporar a crítica que Strathern (1988) elabora a respeito da abordagem que trata os “cultos das flautas secretas” na Melanésia como uma expressão da dominação masculina sobre a mulher, como uma apropriação simbólica da capacidade reprodutiva das “fêmeas” e como um espaço exclusivamente masculino. Com isso, a análise dos instrumentos Jurupari aparece como uma expressão da capacidade geral da reprodução, que contém tanto elementos masculinos quanto femininos, evidenciando seu caráter andrógeno (S. Hugh-Jones, 2001, p. 262)8. A androgenia dos instrumentos Jurupari também é destacada no trabalho de Hill (2011a, p. 114), na medida em que eles são entendidos como operadores de uma passagem da reprodução pré-sexual para uma sexuada. Em sentido muito próximo, Karadimas (2008, pp. 128-131) entende o complexo do Jurupari como um processo de engendramento que, entre outros desdobramentos, constrói a separação dos sexos.
Um dos efeitos desses estudos foi que a metáfora ‘inseminatriz’ utilizada para pensar a geração dos corpos viu-se ampliada ao estender seu sentido para além do código da reprodução sexual-genital, destacando-se também as forças regenerativas e degenerativas dos instrumentos Jurupari. Vários trabalhos destacam a relação dos instrumentos e os poderes de cura e adoecimento (Wright, 1998, 2015; Hill, 1993; P. Maia, 2009; Cayón, 2010; Lolli, 2010; Ramos, 2018). Além disso, como destaca S. Hugh-Jones (2017, p. 27), a figura do tubo aparece em vários trabalhos (Hill, 1993, 2009a, 2009b, 2011a, 2011b; Wright, 2009, 2013, 2015) como fundamental para se compreender os processos de crescimento e de vitalização do cosmos que estão associados aos instrumentos Jurupari. O autor também chama a atenção para o fato de que, embora seja inegável a associação dos instrumentos Jurupari e os tubos com sexo, fertilidade e fecundidade, eles também são muito mais do que isso. Como afirma: “For me the tube is equally natural history, technology, anatomy, physiology, sociology and psychology” (S. Hugh-Jones, 2017, p. 28).
A partir dessa discussão, procuramos abordar as questões suscitadas sobre os instrumentos Jurupari não a partir da noção de reprodução, mas das noções de geração e engendramento, de forma a tratar a reprodução natural e a produção artificial sob um plano comum e o sexo como biotecnologia9. Assumir esse sentido de sexo e de tecnologia permitiu que a imagem de ‘inseminatriz’ dos instrumentos fosse abordada de uma outra perspectiva, que não somente a sexual-genital. Não mais como uma metáfora masculina sobre o poder reprodutivo feminino, mas como uma biotecnologia andrógena de inseminação artefatual, que não só fabrica e faz crescer os corpos – compondo-os –, como os destrói – decompondo-os, ao modo de uma farmacologia.
FARMACOLOGIA SONORA
Seguir as noções de engendramento e geração, em detrimento à noção de reprodução, também se mostrou interessante para pensar outro aspecto fundamental associado aos instrumentos, qual seja, o poder de curar e de destruir corpos. Isso porque é dito que o som dos instrumentos pode tanto curar, fortificar e multiplicar um corpo quanto adoecê-lo, enfraquecê-lo e matá-lo. O som dos instrumentos Jurupari pode agir como remédio e/ou como veneno. São como fármacos. Wright (2015, p. 130) destaca esse atributo ao afirmar que, para os Baniwa, a maior parte das origens das doenças está associada aos instrumentos, ao mesmo tempo que são a fonte dos remédios que os xamãs usam para curar as doenças, característica que se estende para muitas regiões da Amazônia e que coloca em relação direta xamanismo e instrumentos de sopro (Hill & Chaumeil, 2011, p. 7).
O caráter farmacológico dos instrumentos Jurupari se evidencia ainda com maior clareza se nos voltarmos para a relação deles com uma outra prática de cura conhecida mais geralmente no alto rio Negro como benzimentos10. Em yuhup, os benzimentos são denominados de mih-dɨɨń, sendo mih um modificador de transitividade e dɨɨń falar, dizer. Os benzimentos são práticas realizadas amplamente por toda a região, sendo difundidos por todos os grupos. Segundo o livro “Omerõ constituição e circulação de conhecimentos Yepamahsã” (Barreto et al., 2018), os benzimentos11 são
. . . uma prática terapêutica de prevenção, proteção e cura de doenças a partir da habilidade de ativar verbalmente elementos e princípios curativos, contidos em tipos de vegetal e de animal e, por fim, de limpeza e despotencialização dos alimentos, tornando-os próprios para o consumo humano
(Barreto et al., 2018, p. 24).
Os benzimentos aparecem, desde a gênese da formação do universo, junto com os instrumentos de vida e transformação e, nesse sentido, fazem parte desse conjunto técnico que fabrica as primeiras gerações. E, assim como dissemos em relação aos instrumentos Jurupari, os benzimentos também têm sua contrapartida venenosa. Em yuhup, há duas palavras que costumam ser utilizadas para se referirem à versão maléfica dos benzimentos: döh e kũj’. Ambas são traduzidas geralmente como soprar, fazer estrago12. Quando acionadas, essas fórmulas verbais produzem doenças e até mesmo a morte de outrem.
Com isso, como proposto por Lolli (2013), essas fórmulas verbais podem ser traduzidas também por sopros de vida e de destruição. Tratar desse modo as fórmulas permitiu que as ligações entre elas e os instrumentos Jurupari se mostrassem ainda mais estreitas. É muito recorrente nessa área a associação da formação do universo e das primeiras gerações e o ato de assoprar e o de respirar. É através do sopro que a força de vida ganha corpo no universo.
No caso yuhup, um conceito-chave para se entender essa relação é hãg-wäg13, cuja riqueza de sentido dificulta uma tradução única. É traduzido como coração, alma ou, ainda, como princípio vital, e está intimamente associado aos nomes pessoais de um determinado grupo. Quando há um nascimento, um xamã realiza um benzimento de nominação (mih-dɨɨn- hát), através do qual o nome é transferido por meio de uma viagem da casa de origem do grupo até o corpo do recém-nascido, onde se concentrará dali por diante até a morte da pessoa. A partir daí, o hãg-wäg crescerá conforme o desenvolvimento da pessoa ou poderá diminuir – dispersando-se – em caso de adoecimento ou envelhecimento. O hãg-wäg pode ser entendido como uma individuação da força dääw-wág, que podemos traduzir como ‘vida do cosmos’ ou como a força que dá origem à vida em geral. A noção também se liga etimologicamente à respiração, pois, em língua yuhup, respirar se diz hãg sak. Há, portanto, um vínculo inextricável entre a força de vida, a respiração e o ato de assoprar o benzimento14 e os instrumentos Jurupari. A coletânea “Burst of breath” evidencia o quanto esse aspecto é amplamente difundido: “. . . to explain the predominance of aerophones rather than other families of instruments, we must turn to indigenous understandings of breath and breathing as expressions of life force. . .” (Hill & Chaumeil, 2011, p. 19).
Portanto, o ato de soprar os instrumentos Jurupari não pode ser entendido sem correlação com o ato de soprar benzimentos. Como se verá mais adiante, são técnicas de sopro que têm sua gênese associada ao sopro que insuflou vida nas primeiras gerações do universo. Mas a correlação não se restringe apenas a um tempo da formação do universo; ela se atualiza pragmaticamente na medida em que os benzimentos e os instrumentos Jurupari continuam sendo soprados, como se verifica entre os grupos yuhupdeh.
É o caso, por exemplo, quando se atenta para os atos de assoprar os benzimentos. Numa típica cena de benzimento, é comum observar o benzedor (mih-dɨɨń yáp), no final de tarde, sentado no banquinho em uma roda de ipadu (sohó), fumando tabaco e consumindo ipadu, enquanto começa a assoprar o benzimento em direção a uma cuia com caldo de maniquera, que depois é passada para a mãe dar para sua criança com diarreia e febre. O som produzido pelo sopro se assemelha a um vagido que varia de ritmo, ao passo que o benzedor gesticula com as mãos no mesmo compasso. No ato da execução do benzimento, portanto, a inteligibilidade não se evidencia através da linguagem articulada. Nesse sentido, os sons da execução dos benzimentos estão numa relação de transformação entre as formas sonoras verbais, emitidas pela boca, e as formas sonoras não verbais, amplificadas pelas bocas dos instrumentos Jurupari. Vários trabalhos, entre os quais o de Hill (1993, 2011a) entre os Wakuenai, já demonstraram a íntima relação entre os sons musicais e as formas verbais e analisaram as especificidades de cada técnica a partir das relações de transformação entre música e fala, que muito contribui para o entendimento dessa relação.
Outra correlação entre as duas técnicas de sopro se dá quando comparamos os processos de aprendizagem envolvidos. O aprendizado dos benzimentos, conforme conta Justino, velho benzedor yuhup de São Joaquim, obedece a certas condutas que são amplamente difundidas pelos grupos do alto rio Negro. Para iniciar seu aprendizado, o aprendiz deve passar por um processo de preparação que envolve respeitar uma dietética alimentar15 e obedecer a uma abstinência sexual. Como observa Lolli (2010, p. 134),
Além disso, deve também fazer os banhos de madrugada e ingerir água para vomitar. O velho e o aprendiz ficam comendo ipadu e lembrando-se do benzimento. Depois do banho, que ocorre preferencialmente na madrugada, o aprendiz deita na rede e fica pensando nos benzimentos. Durante o sono, o velho vem em sonho e conta de novo o benzimento. Desse modo, parte do aprendizado vem em sonho. As restrições acabam quando o aprendiz entendeu todo o benzimento.
Ao mesmo tempo que as correlações destacadas aqui trazem mais consistência para a proposta de tratar os instrumentos Jurupari e os benzimentos como uma biotecnologia farmacológica, também deixam entrever que cada qual possui suas especificidades técnicas. Enquanto os instrumentos Jurupari são tocados somente em contextos festivos – nos célebres rituais Jurupari – que acontecem em determinadas estações, preferencialmente em época de frutas, os benzimentos são feitos tanto nesses contextos festivos quanto no dia a dia, e seguem uma demanda diária, como a cena em que o benzedor faz um benzimento para tratar a diarreia de uma criança, descrita mais acima.
As diferenças ficam muito nítidas quando se compara como cada técnica é executada em seus respectivos contextos. É a partir da experiência etnográfica entre os Yuhupdeh que se analisará as especificidades técnicas. A começar pela descrição de uma típica performance dos instrumentos Jurupari realizada na floresta, durante a coleta das frutas que posteriormente são oferecidas aos convidados numa festa de dabucuri16.
Os instrumentos ficam guardados e escondidos embaixo da água de um pequeno igarapé, nos arredores da comunidade. Eles são guardados desse modo não só para que sejam mantidos escondidos das mulheres, mas para arrefecer a potência do calor deles, que potencialmente pode provocar doenças. O que se guarda é somente o corpo dos instrumentos, que corresponde a um tubo feito de paxiúba, o qual varia de comprimento e diâmetro, conforme o tipo do instrumento. A primeira tarefa a ser executada é a retirada dos instrumentos do igarapé, cujo número varia conforme a ocasião e a quantidade que cada comunidade possui, mas que sempre é múltiplo de 2. No caso, aqui tratar-se-á de examinar dois pares de instrumentos Jurupari. Ambos são feitos de paxiúba e em forma de tubo, que são revestidos internamente e externamente de cera de abelha, porém, as dimensões, a embocadura, o timbre e a altura das notas são bastante diferentes. O par cujos tubos são de menor comprimento e maior diâmetro soa mais grave e é composto por instrumentos que possuem um nome masculino, os quais podem ser considerados da família dos trompetes. O par de tubos mais compridos e de menor diâmetro soa mais agudo, sendo que eles possuem um nome feminino e podem ser considerados da família das flautas. Os dois pares retirados formam um casal e são tratados como marido e esposa17.
Após a retirada dos dois pares, um grupo de homens, em sua maioria jovens, segue, então, para o mato, para coletar a fruta que será oferecida no dabucuri de encerramento. Antes de sair da comunidade, o velho benzedor faz um benzimento com a fumaça do tabaco para proteção do grupo. Enquanto um grupo de jovens recolhe a fruta japurá, outro grupo se dedica a iniciar a preparação dos instrumentos ou, como dizem em português, vestir os instrumentos para a festa. Os vestidos dos trompetes são feitos com a casca de uma árvore. Além de possuir uma casca resistente, que é fácil de desencapar do tronco, essa árvore também possui tronco alto, reto, e a casca lisa. Com uma faca, são feitos dois cortes longitudinais, distantes 180o incidentes na casca, dividindo-a em duas partes iguais. Com a ajuda de outro jovem, ambas as partes são desencapadas do tronco. Em seguida, são sobrepostas uma sobre a outra, de forma a medir a equivalência entre as partes. Com a faca, faz-se pequenos ajustes até simetrizar as duas faixas. Numa das extremidades de cada faixa, faz-se um corte de modo a formar uma ponta para começar a enrolá-la no corpo da paxiúba. A enrolação começa do meio do tubo em diante e, conforme progride, vai formando uma espiral cônica, que se transforma numa potente caixa amplificadora acústica.
Como mencionado, esses instrumentos apresentam a embocadura parecida com a de um trompete (mas poderia ser de um trombone ou uma tuba). Nesse tipo de embocadura, o som é produzido pela força da vibração, emitida diretamente pelos lábios no bocal. Não existem orifícios ou arestas, além do bocal principal onde o tocador encosta o lábio. São instrumentos que exigem mais força de sopro. Os jovens tocam o primeiro trompete para verificarem a afinação do som. Nesse momento, todos dão opinião quanto ao ajuste. Quando satisfeitos com o som, trabalham na finalização. A parte maior do cone, a saída da boca do instrumento, é amarrada com cipó. Dois outros jovens, por sua vez, descascam seis varas de aproximadamente 2 cm de diâmetro, que são usadas para dar sustentação aos instrumentos. Duas varas acompanham o cone, formado pela casca da árvore, distando entre si 180o, que são amarradas com cipó. Outra vara é colocada entre as duas varas, distando 90o de cada uma. Distintamente das outras varas, que são cortadas rente ao fim do cone, essa é cortada de forma a ultrapassar a distância do cone em aproximadamente 15 cm. Com isso, fornece-se um apoio, similar ao espigão do contrabaixo acústico. Após isso, os trompetes estão vestidos e prontos para serem levados para a comunidade.
Os poucos velhos que normalmente acompanham o grupo se dedicam a preparar o par de flautas esposa. Diferentemente dos trompetes, não são revestidas com casca de árvore. A embocadura é completamente diferente, sendo feita com cera de abelha e possui uma aresta logo abaixo do orifício principal, por onde os músicos assopram o ar. Esse tipo de embocadura é muito próximo da de uma flauta doce e exige muito menos força para produzir som. Essa aresta possibilita que as flautas esposa emitam mais harmônicos e notas do que os trompetes marido. Os velhos tocam as flautas e ajustam o tamanho da aresta para encontrar a sonoridade que desejam.
Após a preparação dos instrumentos e a coleta do Japurá, todos se preparam para voltar para a comunidade. Muito próximo às imediações da comunidade, quando os sons dos instrumentos começam a ficar cada vez mais fortes e intensos, as mulheres, alvoroçadas, sobretudo as mais jovens, apressam-se para se recolher para o interior de suas respectivas casas. Seguros de que nenhuma mulher possa ver os instrumentos, os homens entram na comunidade e permanecem tocando por um tempo na casa de festa, até se dispersarem aos poucos.
No início da madrugada, um grupo de homens yuhup volta a se reunir na casa de festa, tocando os pares de trompete e flautas. De um lado da casa, dois homens adultos pegam o par de trompetes que se encontram alinhados paralelamente no chão e começam a tocar; cada qual ergue um trompete e mantém-no apoiado pelo espigão, até começarem a assoprar o bocal dos instrumentos. Do outro lado da casa, outros dois homens mais velhos erguem o par de flautas que estavam alinhadas paralelamente no chão e, com elas suspensas no ar, começam a tocá-las simultaneamente ao par de trompete. Após alguns minutos, os trompetes são suspensos no ar e os tocadores começam a fazer movimentos elípticos no ar, amplificando ainda mais o poderoso som grave dos trompetes. Do mesmo modo, as flautas acompanham os movimentos elípticos e espalham seu timbre agudo pelo ar. Alguns minutos depois, os tocadores começam a tocar em movimentos de idas e vindas circulares, de um lado a outro da casa; em seguida, voltam a parar em seus lugares iniciais e vão diminuindo o ritmo, até parar, quando, então, a dupla coloca alinhadamente os trompetes e as flautas no chão. Outras duas pessoas tomam os instrumentos em mãos e dão início a outra sessão, e assim sucessivamente. Os homens mais velhos normalmente são os que menos tocam, mas acompanham com atenção todas as sessões, enquanto conversam sobre histórias de antigamente, sobre benzimentos, sobre histórias do garimpo, de caçadas etc. Em determinado momento da madrugada, o responsável pelos instrumentos anuncia o momento do banho da madrugada. Levando os instrumentos, todos os presentes vão até o porto. Nesse momento, os mais velhos assumem os trompetes e as flautas, enquanto os mais novatos – sobretudo aqueles que estão se iniciando ou viram poucas vezes os instrumentos – entram no rio, colocando-se lado a lado e formando uma linha. Durante o banho, forma-se um movimento coletivo e ritmado que alterna duas batidas na água, feitas por cada um, uma com a mão esquerda, outra com a direita, produzindo uma sincronia entre instrumentos e batidas. Após o banho dos novatos, segue-se os banhos conforme a faixa etária, sendo os mais velhos os últimos a entrarem no banho. Os instrumentos são banhados também.
Terminado o banho, todos voltam para a casa de festa e prosseguem tocando os instrumentos, agora só pelos jovens. Os mais velhos se juntam numa rodada de ipadu, enquanto a fumaça de tabaco se dissemina pelo ambiente, junto a animadas conversas. Algum tempo mais tarde, o líder da comunidade convida a todos para irem descansar um pouco, antes de dar início à festa de encerramento da entrega das frutas – o dabucuri.
Analisando musicalmente as performances dos trompetes, é possível dizer que esses instrumentos se apresentam dentro da altura relativa à nota F# (fá sustenido) e G (sol natural), de acordo com o temperamento ocidental, onde o A (Lá) é afinado em 440 Hz. Logo no início da performance, o trompete mais grave entre os dois faz uma chamada com três ataques, onde é possível escutar duas notas, o B (si grave) e sua 5ª, o F#. Escutando com o ouvido acostumado ao temperamento e ao sistema tonal ocidental, identifica-se uma tonalidade possível de Bm (si menor), já que a nota G é a quinta menor desse campo harmônico. Esse G é emitido pelo segundo trompete, que responde ao primeiro em F#. Para facilitar a análise, considera-se que o trompete 1 é o grave, que normalmente inicia as performances, e o trompete 2 é o mais agudo. A transcrição de um trecho da performance, adotando essa notação que aproxima as notas dos trompetes do temperamento da música ocidental, está na Figura 1.
O trecho que consta na Figura 1 apresenta os dois primeiros minutos de execução de uma performance que durou um total de 2 minutos e 56 segundos. Observa-se um jogo de pergunta e resposta entre as duas vozes, onde dificilmente os dois assopram ao mesmo tempo. Esse jogo de pergunta e resposta é conhecido como hocket style e é amplamente difundido pelas Américas.
Segundo Hill e Chaumeil (2011), essa técnica de tocar notas alternadas seria uma das formas através das quais a música produziria ou fortaleceria laços sociais:
Uma das formas mais claras de usar múltiplos instrumentos para construir laços sociais é através da técnica de alternância, ou o hocket style, no qual dois ou mais instrumentistas tocam suas notas em sucessão para produzir uma única linha melódica de notas
(Hill & Chaumeil, 2011, p. 26).
O padrão rítmico-melódico que mais se repete é representado pelos dois compassos, agrupados pelas barras de ritornelo, que, na transcrição, se iniciam no décimo compasso. O padrão se manteve estável num compasso de 3/4, com o andamento também relativamente estável. Vale notar que esse jogo de pergunta e resposta dos trompetes exige dos tocadores uma concentração intensa na respiração e na sincronia. Quando um assopra, o outro respira. A força e a técnica da respiração são consideráveis e conduzem a uma hiperventilação dos ‘músicos’ sopradores, o que leva a imaginar que tocar esse par de instrumentos pode produzir um estado alterado.
Na análise da gravação do par de flautas esposa, o temperamento das notas mostrou-se mais distante do temperamento ocidental. Foi necessária uma aproximação de afinação para poder transcrever para a partitura um trecho da performance, e a transcrição foi mais difícil de ser realizada e menos exata do que a do par de trompetes. Essa maior dificuldade é resultado tanto da diferença de temperamento das notas, quanto da quantidade de harmônicos que soam ao mesmo tempo. De todo modo, as notas tocadas flutuam num modalismo próximo do mixolídio, que, nesse caso, está dentro do acorde de B7 (si com sétima menor, ou si dominante). Também opera um jogo de pergunta e resposta, onde a sincronia dos músicos é fundamental, apesar da exigência de potência no sopro ser aparentemente menor do que no caso dos trompetes. Assim, a flauta 1, a que inicia a performance, começa tocando as notas B (si) e sua 5ª acima, a nota F# (fá sustenido). A flauta 2 responde com um B (si) uma oitava acima e a 7ª menor do modo mixolídio de B, a nota A (lá) (Figura 2).
A rítmica da performance das flautas parece se estabilizar em longos trechos de compasso quaternário 4/4, apesar das subdivisões estarem em tercinas. Esse trecho transcrito na Figura 2 apresenta pouco mais de um minuto de uma performance que durou um total de 4 minutos e 23 segundos. O resultado rítmico-melódico é um pouco mais variado do que o da performance dos trompetes, mas também é bastante repetitivo. Esse trecho de um minuto apresenta as principais variações realizadas. Vale notar essa alternância entre momentos de notas de curta duração em tercinas (colcheas e semínimas), sendo sucedidas por notas mais longas (mínimas).
Importante notar que as performances dos dois pares gravadas sempre duravam mais tempo do que quando eram tocadas separadamente. Em alguns momentos, parece que a sincronia rítmica não é o objetivo; mais importante é a massa sonora polirrítmica e polifônica, formada pelos sons dos pares. Polirrítmica porque apresenta dois pulsos concomitantes sobrepostos e polifônica porque apresenta tonalidades e alturas de notas diferentes entre si. Essa seria uma análise dos sons dos instrumentos Jurupari dentro de um sistema ocidental musical temperado. Hill e Chaumeil (2011), por exemplo, utilizam ora o termo ‘cacofonia’ e ora a expressão ‘música polifônica’ para descrever a ‘paisagem sonora’ criada por dois ou mais pares de aerofones tocados juntos. Eles não explicam muito o porquê de descrever esse tipo de música de formas diferentes, mas a ideia de cacofonia pressupõe uma dissonância, ou seja, a união de sons não afinados entre si. Essa ideia de afinação é perigosa na análise de uma música de aerofones, como a analisada aqui. Afinado em relação a quê? Afinado para quem? A tentativa de transcrever trechos das performances mostrou que é difícil, muitas vezes, adaptar os sons produzidos pelos instrumentos da floresta ao pentagrama ocidental. A matemática da floresta não é facilmente transcrita na medida dos termos ocidentais; as frequências das notas não são exatamente as mesmas das notas dos instrumentos temperados. Daí o cuidado para as transcrições musicais não serem um fim em si, mas um meio a partir do qual se possa compreender os efeitos que os sons dos instrumentos produzem nos corpos afetados.
Destaca-se, nesse sentido, a polifonia, a polirritmia, o ritornelo e o estilo hocket como aspectos musicais marcantes. A polifonia e a polirritmia contribuem para a constituição de uma massa sonora densa, que se espalha no espaço – lembrando que o som pode ser audível a quilômetros de distância – e atravessa a massa de corpos que se encontram nesse raio de ação. Estamos aqui em pleno reino do contínuo, onde predominam os pequenos intervalos, os cromatismos e o infinitesimal. Os abundantes ritornelos e as repetições, por sua vez, parecem contribuir para marcar um ritmo de sincronização entre a massa sonora e os corpos, através do qual as múltiplas frequências sonoras entram em sintonia e se amplificam, como uma onda que se faz reverberar continuamente entre os corpos. A técnica de alternância desenvolvida pelo estilo hocket contribui com esse efeito, ao produzir uma única linha melódica de notas, reforçando o caráter contínuo e cromático dessas massas sonoras.
Através do som e de seu efeito de reverberação nos corpos, sintoniza-se e sincroniza-se os planos-casa heterogêneos que compõem o universo, produzindo uma abertura-passagem entre essas dimensões. Os tocadores parecem propagar ainda mais a sintonização quando, junto ao sopro dos instrumentos, também seguem uma coreografia. Música e dança aparecem como dimensões inextricáveis. Ao insuflarem seus sopros através dos corpos dos instrumentos Jurupari e ampliarem os sons coreograficamente, os tocadores ativam a força de vibração da vida, que protege, fortalece e faz crescer a coletividade18, expandindo os canais de comunicação entre os planos-casa. É a partir das afetações sonoras numa massa de corpos que os efeitos farmacológicos se manifestam. Nisso, a técnica de geração de pessoas dos instrumentos se difere da dos benzimentos nitidamente, pois esta afeta mais diretamente um corpo singular. Pode-se dizer que há uma diferença de escala. Enquanto os instrumentos Jurupari são da ordem do infinitamente grande, os benzimentos são da ordem do infinitamente pequeno. A relação entre os instrumentos Jurupari e a produção da coletividade é amplamente mencionada, a ponto de alguns trabalhos os definirem como um meio de socialidade entre as comunidades que mantêm ou querem manter uma relação de troca: seja matrimonial, seja ritual, seja de bens. Aqui o objetivo é ampliar a discussão a partir de uma perspectiva farmacológica, e não apenas sociológica.
TECNOLOGIAS GENERATIVAS: INSTRUMENTOS DE VIDA E TRANSFORMAÇÃO
O caráter farmacológico dos instrumentos Jurupari pode ser constatado também na história de sua gênese, como se evidencia a partir de uma versão yuhup contada por Justino. Nesta versão, o poder (re)generativo e degenerativo dos instrumentos em relação à produção do grupo se evidencia em vários momentos da narrativa. Seria difícil fazer uma discussão sobre esse aspecto examinando uma única versão – a de Justino –, pois a gênese dos instrumentos é uma história tão difundida na região quanto à da viagem da cobra-canoa da transformação. Tratar a versão isoladamente seria empobrecer os significados dessas narrativas. Imbuída desse espírito, a história das gêneses dos instrumentos Jurupari será abordada a partir de uma versão yuhup e de outras três que estão registradas em três volumes da “Coleção Narradores do Rio Negro” – M. Azevedo e A. Azevedo (2003), M. Maia e T. Maia (2004), W. Galvão e R. Galvão (2004) –, sendo duas versões Tukano e uma Desana. Por economia textual, apresenta-se uma versão sincrética dos principais episódios que interessam à discussão19.
O ancestral dos humanos queria fazer a transformação da gente e, para tanto, fez uma festa que chamou de festa dos iniciantes. Para participar, ele chamou seus filhos e convidou seu irmão Jurupari, para ensinar-lhes a tocar os instrumentos. Nesse tempo, o som dos instrumentos emanava dos orifícios do corpo de Jurupari. Entretanto, essa primeira tentativa não deu certo, pois os meninos iniciantes morreram com o cheiro que saía junto com o som.
O ancestral reuniu uma segunda turma e tentou mais uma vez que Jurupari ensinasse seus filhos a tocarem os instrumentos. Eles novamente tomaram banho para se fortalecer, mas não deu certo outra vez. As crianças morreram com os sons que saíam do corpo de Jurupari. Na versão desana, o ancestral ficou furioso com ele e disse: “Em vez de multiplicar a gente, ele estraga os meninos! Do jeito que vão as coisas, esse mundo será sempre vazio” (W. Galvão & R. Galvão, 2004, p. 38).
O ancestral insistiu mais uma vez e reuniu outra turma de meninos. Jurupari os tinha levado para coletar a fruta uacu. Ele subiu na árvore e ficou mandando as frutas para baixo. Uma delas caiu no fogo e a fumaça subiu até onde estava Jurupari, que ficou tonto e caiu no fogo. Começou uma chuva muito forte. Jurupari abriu seu ânus como se fosse uma casa. Quando os meninos entraram, Jurupari apertou brutalmente o ânus. Dessa armadilha, somente o último filho (Vira-pajé) conseguiu escapar. Ele voltou para casa e contou para seu pai o que acontecera. Um outro menino conseguiu sobreviver dentro da barriga de Jurupari. Depois de algum tempo, também escapou e voltou para casa. Eles resolveram matar Jurupari. Depois que o mataram, parte dele subiu para o plano-casa Trovão, parte dele foi para o mato e se transformou em Curupira20, e parte dele ficou no plano-casa terrestre, sob a forma de paxiúba.
A versão desana destaca que o filho que escapou da barriga de Jurupari contou que, quando estava na barriga, ouviu ele dizer que uma paxiúba iria se levantar para cada grupo de ancestrais, nomeando cada lugar onde ela iria aparecer (W. Galvão & R. Galvão, 2004, p. 48). Também disse que com essas paxiúbas deveriam ser feitos os instrumentos a serem usados na iniciação dos meninos.
Um tempo depois, duas mulheres encontraram as paxiúbas no mato e vieram contar para o ancestral. Preocupado com a possibilidade de suas filhas descobrirem o que era, ele resolveu pedir para vários animais cortarem as paxiúbas para fazer os instrumentos. Em seguida, ele começou a fazer uma série de viagens nas quais foi preparando os instrumentos para a festa do iniciante.
A versão yuhup apresenta com destaque a participação de diversos animais que ajudam o ancestral yuhup a obter e a construir os instrumentos Jurupari a partir da paxiúba. Ele chamou muitos animais para cortar a paxiúba. Foram o caititu, a cutia, a queixada, a anta, o guariba, o jacundá, o mutum, o tamanduá etc. Como a madeira era muito dura, ninguém estava conseguindo. Apenas quando um pequeno besouro21 tentou é que a paxiúba finalmente foi cortada em vários pedaços. Todos que estavam ali receberam uma parte para fazer seus próprios instrumentos (Lolli, 2010, p. 191).
Quando estavam prontos, ele regressou para sua casa e avisou aos seus filhos que estava tudo preparado. Ele pediu para que fossem tomar banho e vomitar depois da meia-noite. Entretanto, os filhos não acordaram. Em vez disso, acordaram as irmãs, que foram se banhar no porto. Ao chegarem lá, elas encontraram os instrumentos, mas não sabiam como tocá-los. Numa das tentativas, elas enfiaram os braços no interior dos instrumentos e isso fez com que a alma/o coração saísse de dentro e se transformasse no pássaro uirapuru. Se não fosse isso, os instrumentos zoariam, sem que precisassem ser tocados. “Como foram as mulheres – e não Kisibi – que pegaram as flautas, elas começaram a mandar no universo. Os homens passaram a cuidar dos trabalhos domésticos que eram feitos anteriormente por elas, como varrer a casa, preparar caxiri, cozinhar etc.” (W. Galvão & R. Galvão, 2004, p. 58).
Elas ainda não sabiam como tocar e estavam procurando um meio de fazer um som com os instrumentos, quando começaram a chegar vários peixes-gente. Eles estavam vindo para ensinar os meninos, mas ao verem as meninas com os instrumentos ficaram tristes e não quiseram as ensinar. Somente o Jacundá se prontificou. Depois de aprenderem, elas resolveram fazer os vestidos dos vigilantes e também começaram a jejuar. Elas começaram uma série de viagens por vários lugares nos quais aprendiam benzimentos e faziam outros instrumentos. Os novos instrumentos faziam aparecer novas mulheres. Nesse tempo, somente as mulheres estavam se multiplicando. No encalço delas estavam os homens que tentavam de todos os modos retirar os instrumentos delas, mas sem sucesso. Procurando fazer um instrumento que assustasse as mulheres, eles pegaram vários tipos de pimentas, que mascavam, e da saliva faziam aparecer um tipo de cipó. Quando mascaram a pimenta de água, cuspiram a saliva e apareceu o cipó de tabatinga. Com esse cipó, fabricaram uma pequena flauta – em yuhup, chamada de kɨj, e em tukano, de poreró. Foi tocando esse instrumento que os homens conseguiram tirar os instrumentos das mulheres. Na versão tukano dos Oyé, algumas mulheres, para evitarem que os homens arrancassem os instrumentos delas, os enfiaram na vagina (M. Maia & T. Maia, 2004). A partir daí, as mulheres perderam a posse dos instrumentos, ficaram proibidas de vê-los e tocá-los, sob o risco de adoecerem gravemente ou até mesmo de morrerem; e os homens voltaram a fazê-los e a tocá-los.
Deste breve resumo das histórias da gênese, será dada atenção a alguns conjuntos de episódios que suscitam questões pertinentes à discussão empreendida neste texto. Um primeiro conjunto diz respeito à associação dos instrumentos Jurupari e à multiplicação e ao crescimento das gerações de pessoas. Aspecto ressaltado por todas as versões referidas aqui. O primeiro episódio em que isso se evidencia é quando o ancestral convida Jurupari para fazer a iniciação dos meninos, para eles crescerem e se multiplicarem. O segundo episódio diz respeito à ocasião na qual as mulheres se multiplicam em maior número, quando detentoras dos instrumentos Jurupari, algo que os homens só reconquistam quando retiram os instrumentos das mulheres. Esses episódios evidenciam o poder do som dos instrumentos em fazer as pessoas se multiplicarem e crescerem. O ponto foi tratado mais acima sob a imagem de ‘inseminatriz’, sendo associado à questão da fabricação da pessoa.
Não será o caso de recuperar aqui a discussão, mas de abordá-la a partir de um outro conjunto de episódios mencionados em todas as versões analisadas e que traz à tona o debate mais recente em torno da definição dos objetos como portadores de agência e/ou dos objetos como pessoas. Um episódio fundamental é aquele que narra a metamorfose da/do pessoa/corpo Jurupari em flautas e trompetes. O ponto de inflexão da metamorfose é o assassinato do encarregado da iniciação no plano terrestre por parte dos ancestrais humanos. Após a morte, partes dessa pessoa se dirigem a outros planos-casa e partes permanecem no plano-casa terrestre e tomam a forma da paxiúba (ou de sementes de paxiúba), que, por sua vez, se metamorfoseia no corpo das flautas e dos trompetes. Como Hill (2009b, 2011b) afirma em sua análise sobre os instrumentos Jurupari dos Waukénai, a transformação metamórfica de Jurupari em instrumentos, portanto, se realiza sob a aparência de planta. Em seu estudo sobre os Barasana, S. Hugh-Jones (2017, p. 43) também aponta para essa associação entre humanos-objetos-plantas-animais, o que coloca um problema para uma filosofia, que separa radicalmente a noção de sujeito da de objeto, na medida em que os processos de subjetificação e de objetificação mostram-se recursivos e indissociáveis22. O problema não pode ser delimitado sem que se atente para um outro conjunto de histórias que se referem à gênese do universo, no qual um conjunto de instrumentos se mostra intimamente vinculado ao processo de geração das pessoas.
Como as versões Desana e Tukano enfatizam, a gênese do universo envolve a fabricação da primeira geração de pessoas a partir e através do uso dos chamados instrumentos de vida e transformação, que consistem no uso do ipadu, da cuia do ipadu, do tabaco, da forquilha do tabaco, do banco, do bastão, do benzimento etc.23 (F. Lana & L. Lana, 1995, p. 19; W. Galvão & R. Galvão, 2004, pp. 29-31; M. Maia & T. Maia, 2004, p. 21; M. Azevedo & A. Azevedo, 2003, pp. 21-33). É da mistura dos instrumentos que o universo toma corpo sob a condição diferenciante da pessoa. Os processos de engendramento da pessoa nos aparecem como operados por objetos técnicos, e não como órgãos naturais. Evidencia-se a proeminência conferida aos objetos na fabricação da pessoa. Não são somente os humanos e os animais que são indiscerníveis na mitologia ameríndia, mas também os objetos (S. Hugh-Jones, 2009, p. 56). Isto é, em inúmeras versões míticas sobre a gênese do universo, os humanos, os animais e os objetos aparecem como pessoas.
Os instrumentos Jurupari aparecem como uma metamorfose dos instrumentos de vida e de transformação e, embora se diferenciem pela composição do amálgama humano, animal, planta, objeto, evidenciam o caráter artificial da reprodução dos corpos. “Ao invés de ser através do sexo genital, a inseminação e a gestação se dão através de um modo artefatual” (S. Hugh-Jones, 2009, p. 44). Conforme van Velthem (2003, p. 90) propôs para outro contexto etnográfico, o dos Wayana-Apalai, mas que se mostra adequado para o alto rio Negro, as primeiras gerações fabricadas pelos demiurgos foram feitas a partir de “atos tecnológicos”. O ponto não é trivial, pois coloca um problema para a distinção entre o que é natural e o que é artificial, que não pode ser compreendida sob a chave da distinção entre natureza e cultura, tampouco tomando o artificial como especificamente humano. Também esses aspectos dão mais consistência para a proposta de tratar o sexo como uma biotecnologia.
Outro conjunto de episódios que diz respeito à participação de ‘animais’24 na fabricação dos instrumentos Jurupari – algo bem destacado e detalhado na versão yuhup, mas que aparece também na versão tukano dos Oyé – ajuda a colocar mais questões para se pensar o artificial como especificamente humano e lança mais um pouco de luz na cena descrita na abertura. O primeiro episódio acontece quando o ancestral solicita a ajuda de diversos ‘animais’ para cortarem as paxiúbas. O segundo episódio acontece quando cada ‘animal’ – cutia, paca, queixada, macaco barrigudo, jacundá, zogue-zogue, anta, tamanduá, mutum etc. – recebe uma parte da paxiúba para fazer seus instrumentos próprios. Esses episódios mostram que a posse dos instrumentos Jurupari não é uma especificidade propriamente humana e nisso se aproximam da tese de que as filosofias ameríndias estabelecem uma continuidade entre humanos e animais, mas também a complexifica na medida em que essa continuidade não só se estende aos objetos, como parece se desdobrar a partir dos objetos.
Seriam, então, os ‘animais’ dotados da capacidade sublime de tocar um instrumento musical, capacidade tida como uma das mais sofisticadas do ponto de vista simbólico? Poderia se dizer que se trata de uma metáfora humana para simbolizar algo que pertence ao mundo da natureza e que o fato de os instrumentos Jurupari do guariba estarem dentro do corpo biológico indica que eles não fabricam os instrumentos através de um artifício, mas os possuem como órgãos naturais. Ou poderia se dizer que é uma projeção sociológica do mundo humano sobre o mundo natural. Mas como tem sido quase um consenso no debate, as cosmologias ameríndias não seriam avessas a pensar o humano como uma espécie única, em detrimento a todas as outras? Com isso, uma visão naturalista moderna das relações entre os humanos e os outros não poderia se aplicar ao pensamento ameríndio, já que um dos pilares dessa visão é o pressuposto que somente os humanos pensam, simbolizam, cantam, dançam, em suma, têm capacidade simbólica. Nesse sentido, este trabalho se esforça para se afastar dessa leitura.
Se, de certa perspectiva, os animais são pessoas e possuem instrumentos Jurupari, seria o caso de considerar que seus instrumentos possuem alguma agência, homóloga a dos instrumentos Jurupari humanos? Embora os estudos ameríndios sobre agência de objetos, sobretudo os inspirados em Gell (2018), tenham o mérito de não tratar os objetos de arte como um artifício ‘esteticamente’ superior em relação aos objetos técnicos, e mesmo até de refutar a distinção entre objetos estéticos e objetos artísticos, parece escapar ao debate a especificidade da agência dos objetos dos ‘animais’. Isso porque a agência dos objetos continua sendo pensada somente em relação ao modelo de agência humana. O caminho proposto aqui para compreender o episódio em que os ‘animais’ obtiveram os instrumentos e a afirmação de Justino, de que o som que vinha da mata era dos instrumentos Jurupari dos guaribas, seguiu-se de forma a não tomar essas afirmações como projeções antropocêntricas. A partir daí, o esforço antropológico passou a ser então o de desenvolver uma abordagem que não postule, como um ‘dado’ da realidade, a separação natural/artificial na qual, de um lado, se coloca o animal e os órgãos corporais biológicos e, de outro, o humano e os objetos artificiais, sejam técnicos ou estéticos.
O ponto está em deslocar a visão da tecnologia humana como modelo ‘fundante’ e tratar a tecnologia como anterior aos humanos, aos animais, às plantas e aos objetos, em suma, como o dado a partir do qual as diferenças corporais são construídas. Não mais a técnica como o atributo de um corpo especificamente humano, mas como um atributo extensível a todos os corpos existentes no universo. Há que se conceder plenamente a capacidade tecnológica para além e aquém do humano, o que implica, no caso dos instrumentos dos guaribas, definir a diferença entre órgãos naturais e objetos artificiais por uma distinção entre o que é interior e o que é exterior aos corpos. Nesse sentido, ganham outra dimensão a afirmação de Justino de que os guaribas têm seus instrumentos na região do esôfago e o episódio final de algumas versões da gênese dos instrumentos, em que a mulher insere o instrumento na vagina. Em ambos os casos, a relação ao que é interno e ao que é externo ao corpo não define o que é da ordem do dado – esôfago e vagina – e o que é da ordem do construído – os instrumentos. Um como produto da natureza e outro como produto da mente. O que define o corpo é justamente a troca entre o que é extrínseco e o que é intrínseco, num movimento incessante de composição e decomposição, onde os componentes humanos e ‘outros que humanos’ se associam e se dissociam25, ao mesmo tempo que atualizam as diferenças corporais. O interior e o exterior se dobram ao modo de uma garrafa de Klein e, à medida que os corpos se ligam e se atravessam, suas fronteiras se redefinem, transformando o interior em exterior e vice-versa26.
CODA
A estreita relação entre instrumentos de sopro, humanos e animais está longe de ser uma especificidade yuhup, muito menos altorionegrina, e se estende por uma ampla área da Amazônia. Segundo Hill e Chaumeil (2011, p. 19), “The instrumentarium Amazonia is to some degree also an instrumentarium zoologica Amazonia that ties specific peoples and local animal species into musico-choreographic configurations”.
Na etnologia ameríndia, até recentemente, a discussão sobre a capacidade agentiva dos humanos e dos ‘outros que humanos’ se concentrou sobretudo a partir da relação humano e animal, como é o caso do debate estimulado pelo conceito de animismo, de Descola, e de perspectivismo, de Viveiros de Castro. Em seu conjunto, essas abordagens contribuíram de forma assaz notável para a elaboração de uma crítica a uma epistemologia que tem o humano como medida de todas as coisas, o que as tem colocado lado a lado a um conjunto de trabalhos definidos sob o rótulo de ‘virada ontológica’ e que inclui outras áreas etnográficas – Sudeste Asiático, Sibéria e Melanésia – e outras áreas disciplinares – etologia e estudos das técnicas e das ciências.
A riqueza do debate tem levado a discussão na etnologia ameríndia para além da relação humano e animal. Com isso, encontramos trabalhos que têm se debruçado sobre a questão da agência e da subjetividade nas relações entre humanos e objetos, muitos dos quais reunidos na coletânea “The occult life of things” (Santos-Granero, 2009). Também, mais recentemente, a relação entre humanos e plantas tem sido explorada em vários trabalhos (Kohn, 2013; Cabral de Oliveira, 2016; Matta, 2017; Shiratori, 2019).
Dentro desse conjunto amplo de trabalhos, o material etnográfico da região do alto rio Negro se coaduna com as discussões sobre a relação humano e objeto, mais especificamente em relação à importância dos objetos nos processos de geração de pessoas. A discussão sobre os instrumentos de vida e transformação procurou demonstrar que estes não devem ser abordados como derivados da relação humano/animal, mas como uma biotecnologia através da qual se instaura os processos de individuação que fazem aparecer as diferenças entre os corpos humanos, animais, vegetais e objetais. No caso dos instrumentos Jurupari, como já apontado, o processo se mostra reversivo na medida em que, antes de se transformar em instrumento de sopro feito de paxiúba, Jurupari era uma pessoa com outro corpo de cujos orifícios saíam o som e que, por sua vez, foi gerado através dos instrumentos de vida e transformação. Daí, o esforço de pensar a agência dos instrumentos para além e aquém do humano e de tratar essa agência sob a perspectiva de uma biotecnologia sonora.
Não se quer afirmar com isso que exista uma tecnologia universal que todos os seres possuam. Trata-se aqui de pensar a tecnologia na chave da noção de multinaturalismo. Para corpos distintos, perspectivas distintas e mundos distintos e, no caso aqui em foco, tecnologias distintas. Vale lembrar que os trompetes e as flautas dos guaribas não são iguais aos trompetes e às flautas dos Yuhupdeh. Portanto, dizer que a capacidade tecnológica é extensível para pessoas ‘outras que humanas’ não significa pressupor que se tratem das mesmas formas técnicas que tem a humana.
O que, sim, parece conectar as tecnologias analisadas é que todas visam potencializar o engendramento, o crescimento e a proliferação coletiva das pessoas. Nesse sentido, propõe-se que sejam entendidas como uma biotecnologia de inseminação artefatual dos corpos, que transborda uma distinção entre orgânico (natural) e inorgânico (artificial) e a partir da qual se desdobram as diferenciações corporais.
No caso mais específico dos instrumentos Jurupari, tratar-se-ia de uma biotecnologia sonora. Se foi dito anteriormente que a propagação do som dos instrumentos Jurupari humanos produz sincronização e sintonização entre os corpos que habitam os diversos planos-casa e faz com que se ativem as forças de vibração da vida, que, por sua vez, levam ao crescimento das coletividades; neste momento, pode-se dizer que, quando os guaribas emitem sua massa sonora, também estão transformando sua força de vida audível e contribuindo para a multiplicação da coletividade. O sentido da coletividade é ainda mais expressivo se lembrarmos que os guaribas não tocam seus instrumentos solitariamente, mas encontram-se reunidos em grupos. Reunidos e tocando os instrumentos, os guaribas ressoam como uma festa. Como Hill e Chaumeil (2011, p. 19) enfatizam, “Animals are not only good to eat and thing but play, sing and dance into being in rituals”.
Nesse sentido, é interessante notar que também que as piracemas dos peixes são vistas como festa na região do alto rio Negro (Andrello, 2010; Garnelo, 2003; Oliveira, 2016). Andrello (2010), baseado na “Coleção Narradores Indígenas do Rio Negro”, afirma que, ao longo da viagem da cobra-canoa, “os tripulantes desembarcam, cantam e dançam, e, assim, se multiplicam. Essa multiplicação tem como referente a piracema dos peixes, que, aos olhos dos humanos de hoje, são suas festas e rituais” (Andrello, 2010, p. 16). A piracema aparece como modelo da capacidade de reprodução que prescinde das relações sexuais (Andrello, 2010, p. 17). Com isso, é possível pensá-la como uma biotecnologia dos peixes, e não como um processo natural de reprodução da espécie. Acrescente-se que as piracemas também podem ser descritas como um acontecimento sonoro, na medida em que os peixes, quando reunidos, emitem uma massa sonora audível num campo de ação ao seu redor.
O que enriquece o conjunto de diferenciações tecnológicas referido neste texto – quando se tratou de afirmar que, para cada corpo específico, há uma tecnologia – também reforça o caráter coletivo dessa tecnologia, não apenas no sentido de que gera e faz crescer os agrupamentos de guaribas, de peixes e de humanos, mas também no sentido de que associa os corpos coletivos com outros corpos coletivos heterogêneos que habitam distintos planos-casa.
O que cabe destacar é que a tecnologia de geração de pessoas humanas não aparece como desvinculada da dos outros seres que habitam o universo. Sem que os outros seres se multipliquem, os humanos também não podem crescer. Afinal, como destacam as várias histórias da gênese, ninguém nasce e cresce sozinho no universo. Encontra-se, aqui, uma concepção de humanismo que extravasa o ser humano como medida e que remete à noção de humanismo atribuída por Lévi-Strauss (2006, p. 460) à moral dos mitos ameríndios, qual seja, “um humanismo bem ordenado não começa por si mesmo. Coloca o mundo antes da vida, a vida antes do homem, o respeito pelos outros seres antes do amor-próprio”. São todos habitantes da terra de pleno direito, cujos instrumentos devem continuar sendo ouvidos, de modo que suas assinaturas sonoras contribuam para o crescimento da vida do universo.
Numa terra onde cada vez menos escutamos essa diversidade sonora e mais nos tornamos insensíveis a ela, é urgente fazer com que os sons da floresta continuem se propagando pelo mundo. Por isso, ainda que de maneira modesta, o esforço aqui foi trazer um pequeno trecho dos sons polifônicos e polirrítmicos da floresta amazônica a partir dos instrumentos Jurupari dos Yuhupdeh, na esperança, ainda que vã, de que o ‘povo da mercadoria’ não se torne de vez insensível a essa diversidade musical e de que o céu não desabe sobre a terra enquanto apenas uma única música se faça ouvir.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Geraldo Andrello e Danilo Ramos, pela leitura prévia e pelos comentários sobre uma versão anterior. Também agradecemos aos participantes do I Simpósio Internacional de Etnologia do Rio Negro, onde foi apresentada uma versão preliminar deste artigo, pelos comentários que contribuíram para a versão final. Esta pesquisa foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) (2012/15776-1).
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Essa refeição também é denominada regionalmente de quinhampira e é um modo à mesa compartilhado por praticamente todos os grupos indígenas da região.
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2
O sohó é um preparado extraído da folha de coca na forma de um pó bem fino, ingerido pela boca. É mais conhecido regionalmente como ipadu.
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3
O presente artigo se baseia na etnografia de cinco festas nas quais foram tocados e exibidos os instrumentos de sopro Jurupari; no registro de uma versão yuhup da história que conta a gênese desses instrumentos; no registro sonoro dos instrumentos realizado no âmbito de uma oficina musical feita com grupos yuhupdeh; e inúmeras conversas sobre os instrumentos realizadas desde 2007 com diversas pessoas, não só de grupos yuhupdeh, mas também de outros grupos, sobretudo desano, tukano, tuyuka e makuna. É importante destacar desde já que, dada a proibição de se mostrar os instrumentos jurupari para as mulheres, meus interlocutores vedaram qualquer tipo de exibição de imagens referentes aos instrumentos. Também, nesse sentido, deixamos de realizar uma descrição muito pormenorizada sobre como os instrumentos são feitos, para preservar os segredos que devem ser respeitados.
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A designação Naduhup é utilizada atualmente, pois o termo Maku – mais difundido – possui uma carga pejorativa. Os grupos assim denominados têm reivindicado o abandono desse termo. Por isso, a escolha aqui do termo Naduhup.
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Na região do alto rio Negro, existe uma grande diversidade linguística – são mais de 20 línguas – e, em cada língua, existe um nome próprio para os instrumentos de sopro.
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Há trabalhos, como o de Reid (1979) e Athias (1995), que mencionam o uso por parte de grupos hupd’äh, mas também não se aprofundam nesse tema. Mais recentemente, Ramos (2018) fez uma análise mais detida do uso desses instrumentos por parte de grupos hupd’äh, que é uma importante referência e tem muitas consonâncias com argumentos aqui apresentados.
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7
Na coletânea organizada por Hill e Chaumeil (2011), existem três capítulos (Hill, 2011a; Wright, 2011; Journet, 2011) sobre a região do alto rio Negro que trazem contribuições importantes para o debate.
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A partir daí, S. Hugh-Jones repensa o modelo do parentesco da descendência patrilinear e propõe a adoção da noção de casa (S. Hugh-Jones, 1993, 1995).
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Nesse sentido, o esforço aqui se inspira amplamente nos estudos sobre as novas biotecnologias – como reprodução assistida, transfusão de sangue, mudança de sexo, transplantes de órgão, fertilização in vitro etc. –, mas também estudos feministas e de gênero. No caso, aqui destacamos especialmente o trabalho de Haraway (1991), para a noção de engendramento, e de Preciado (2014), para a noção de sexo como biotecnologia. Uma das propostas centrais destas pesquisas é abordar os processos até então vistos como estritamente biológicos e, portanto, dados naturalmente como processos construídos, artificiais. Outra crítica é à abordagem que pressupõe o sexo como algo natural; enfatiza-se os processos de construção do sexo. Como Strathern (1992) afirma em “After nature”, tais processos artificiais passam a substituir os processos naturais e são vistos como uma interferência na natureza, desestabilizando a fronteira entre o natural e o cultural.
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O termo benzimento acabou por se consolidar na região devido à influência das missões que se sucederam ao longo da colonização da área. Embora não consiga expressar a complexidade da expressão nativa, a opção é continuar usando o termo, dado que é amplamente utilizado pelos próprios indígenas da região. Aqui, a discussão é retomada pontualmente, privilegiando as associações com os instrumentos Jurupari.
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Em Tukano, é dito bahseses (plural) e bahsero (singular).
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O ponto foi amplamente tratado pela literatura da região, notadamente desana (Buchillet, 2004, pp. 113-115) e baniwa (Wright, 2004, pp. 86-89), mas também tukano. Tais autores associam essas fórmulas à feitiçaria.
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Ramos (2018, p. 441) faz uma excelente análise sobre a relação entre essa noção, o sopro, o benzimento e os instrumentos. Em hupd’äh, a grafia é a mesma em relação a yuhup, o que não significa que tenham exatamente sentidos iguais.
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É importante notar que essa respiração/vida/sopro não se confunde com o ato, por exemplo, de assoprar o fogo. Para isso, usa-se a palavra pũhut. Do mesmo modo que, quando se faz referência aos instrumentos de sopro que não fazem parte do conjunto Jurupari (tí’), usa-se pũhut-tëg.
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Não comer nada gorduroso, nem assados de peixe e de carne, sobretudo os de tamanho grande, e dar preferência para comer beiju, manicuera, tucupi, formiga e piabinhas.
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Dabucuri é o nome em língua regional usado amplamente na área para designar uma festa entre anfitriões e convidados, onde é oferecido em abundância algum produto – o mais comum é ocorrer a oferta de alguma fruta da estação. A festa de dabucuri em yuhup é designada como pä’, cuja tradução mais direta significa oferecer.
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Ramos (2018) aprofunda-se nesse aspecto das relações de parentesco entre os instrumentos e menciona que os instrumentos Jurupari de grupos Hupd’äh não só estabelecem relações de marido e esposa, como também outros modos de relação de parentesco. Aqui não poderemos aprofundar a discussão, pois exigiria outro artigo, dada a complexidade do tema.
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Nunca é demais dizer: coletividade deve ser entendida para além dos agrupamentos humanos, mas como o conjunto dos agrupamentos que convivem com os humanos na floresta.
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Não será possível fazer uma comparação entre as várias versões, examinando com a devida profundidade suas diversas transformações, pois isso ocuparia o espaço de um outro artigo, algo que se pretende fazer em breve.
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Em yuhup, Kóog e em tukano, Boraro.
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Existem muitas espécies conhecidas mais popularmente como besouros-serra-paus, que justamente se destacam por fazerem cortes precisos em troncos e galhos de plantas.
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Andrello (2006) e S. Hugh-Jones (2009) já chamaram a atenção para essa característica. Não é de hoje que a filosofia ameríndia vem desafiando as noções de sujeito e objeto da filosofia moderna. Mais recentemente, ganhou amplo destaque uma abordagem que ficou mais popularmente conhecida como ‘virada ontológica’. Em parte, o argumento aqui elaborado segue muitas das discussões empreendidas por esses trabalhos.
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Faço notar que todos esses instrumentos exigem uma elaborada técnica para sua feitura.
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Como Viveiros de Castro (2006, p. 327) destaca, é difícil encontrarmos nas línguas ameríndias o emprego de um conceito que seja coextensivo à nossa compreensão de animal: “As evidências etnográficas disponíveis sugerem que as cosmologias ameríndias não utilizam um conceito genérico de ‘animal (não humano)’ que funcione como complemento lógico de um conceito de ‘humano’”.
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O problema do exterior e do interior já foi tratado pela literatura regional, sobretudo por S. Hugh-Jones (1995, 2013).
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Nas análises sobre o benzimento, Lolli (2010, 2014) também verificou essa mesma relação entre interior e exterior nos processos de composição e decomposição dos corpos singulares.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Ago 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
02 Jun 2020 -
Aceito
09 Dez 2020