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Bioética clínica, deliberação e digitalização da medicina

Resumo

O desenvolvimento das tecnologias cognitivas e a robotização no atendimento em saúde poderão amplificar o distanciamento relacional entre profissionais de saúde e pacientes. Diante disso, a reflexão bioética é imprescindível para encontrar o caminho mais adequado à integração dos benefícios das tecnologias digitais ao tratamento de saúde, garantindo o cuidado ético. Assim, a bioética oferece recursos discursivos a profissionais de saúde e pacientes, com o objetivo de possibilitar a tomada da decisão mais prudente e razoável. O exercício da competência comunicativa é crucial no processo de digitalização das atividades médicas e no uso da análise de dados por meio de inteligência artificial. A prática deliberativa e o atendimento médico centrado no paciente são as diretrizes éticas para a inserção da tecnologia computacional na medicina, preservando o cuidado humanizado e o dialógico na atenção em saúde.

Palavras-chave
Bioética; Deliberações; Tecnologia digital; Medicina; Inteligência artificial

Abstract

The development of cognitive technologies and the robotization in health care may intensify the relational distance between healthcare professionals and patients. Therefore, bioethical reflection is essential to find the most appropriate means to integrate the benefits of digital technologies into health care, ensuring ethical care. Thus, bioethics provides healthcare professionals and patients with discursive resources, aiming to enable the most prudent and reasonable decision-making. The exercise of communicative competence is crucial in the process of digitalizing medical activities and in the use of data analysis through artificial intelligence. Deliberative practice and patient-centered medical care are the ethical directives for the introduction of computational technology in medicine, preserving humanized and dialogical health care.

Keywords
Bioethics; Deliberations; Digital technology; Medicine; Artificial intelligence

Resumen

El desarrollo de las tecnologías cognitivas y la robotización en la atención en salud podrá amplificar el distanciamiento en la relación entre profesionales de la salud y pacientes. Ante ello, la reflexión bioética es imprescindible para encontrar el camino más adecuado a la integración de los beneficios de las tecnologías digitales al tratamiento de salud, asegurando el cuidado ético. Así, la bioética ofrece recursos discursivos a profesionales de salud y pacientes, con el objetivo de permitir que se tome la decisión más prudente y razonable. La práctica de la competencia comunicativa es crucial en el proceso de digitalización de las actividades médicas y en el uso del análisis de datos por medio de inteligencia artificial. La práctica deliberativa y la atención médica centrada en el paciente son las directrices éticas para integrar la tecnología informática en la medicina, preservando el cuidado humanizado y el aspecto dialógico en la atención sanitaria.

Palabras clave:
Bioética; Deliberaciones; Tecnología digital; Medicina; Inteligencia artificial

Em 2018, o jornal The New York Times apresentou o caso de um hospital francês que utilizava, no cuidado de pessoas idosas, o robô Zora, dispositivo que era controlado pela equipe de enfermagem e realizava jogos e atividades de entretenimento com pacientes 11. Satariano A, Peltier E, Kostyukov D. Meet Zora, the robot caregiver. The New York Times [Internet]. 23 nov 2018 [acesso 11 abr 2024]. Disponível: https://nyti.ms/2TeSwuB
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. Esse caso pode retratar o espectro do cuidado de saúde na sociedade digital: a substituição do trabalho humano pelo uso de robôs e humanoides nas relações de cuidado e atenção em saúde.

Diante disso, este artigo de reflexão indaga se é possível abdicar da capacidade humana de cuidar, demonstrar afeto e ter empatia em uma sociedade tecnológica e robótica, ou se é preciso repensar a forma como se dá a inserção de inovações tecnológicas em saúde, visto que podem tornar desumanizado o atendimento. Simultaneamente, é necessário considerar o uso de inteligência artificial e análise de banco de dados (big data), sinônimos de aprimoramento do diagnóstico médico e garantia da evolução digital na medicina, a exemplo do IBM Watson for Oncology.

A evolução digital e sua aceleração no contexto da pandemia de covid-19 fez que os meios digitais e suas plataformas se tornassem imprescindíveis para as relações humanas, aumentando a hiperconectividade e a conexão dos dados no ambiente de negócios e nas redes sociais. Da mesma forma, o atendimento de saúde por meios digitais se disseminou na crise global sanitária, sem que houvesse uma reflexão anterior ao contexto dessa imersão.

A conexão dos dados de pacientes pode ser um interessante meio para a integração do sistema de saúde e atendimento integrado. Por outro lado, a conectividade dos dados é capaz de colocar em risco a privacidade e a proteção dos direitos pessoais do paciente. Dessa forma, os princípios bioéticos têm o propósito de orientar a inserção das inovações tecnológicas tendo como referencial o melhor interesse do paciente e a proteção de sua dignidade.

Conforme a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos 22. Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos [Internet]. 2005 [acesso 11 abr 2024]. Disponível: https://tny.im/nGJiZ
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, o refletir bioético se realiza pela compreensão das implicações dos progressos científicos e tecnológicos e pela proteção das próximas gerações. Assim, o uso de aparelhos tecnológicos no tratamento de saúde deve satisfazer o critério da dignidade humana e considerar possíveis riscos de sua aplicação. O diálogo bioético se propõe ser multidisciplinar e pluralista na compreensão dos fenômenos sociais e equitativo no compartilhamento de conhecimentos e saberes.

Tempos de incerteza e evolução tecnológica cognitiva

Nas últimas décadas, a medicina, arrastada por um contexto de desenvolvimento tecnológico, enveredou pela estrada da ciência renunciando sua original vocação artística na ilusão de que, medindo, calculando, executando algoritmos estatísticos complexos, explorando as menores partes do organismo, fosse possível compreender a essência do corpo humano e corrigir o destino de cada indivíduo 33. Bobbio M. O doente imaginado: os riscos da medicina sem limites. São Paulo: Bamboo; 2014. p. 231..

A influência tecnológica na medicina faz que profissionais de saúde estejam providos de ferramentas de exames para diagnóstico e identificação de doenças. Consequentemente, eles afiançam sua capacidade decisória no resultado de exames e na prescrição de tratamento. Em alguns casos, essa transferência da capacidade decisória a indicativos da ferramenta tecnológica pode não ser benéfica aos pacientes, como explica Lisa Sanders:

Os médicos depositam muita fé na força dos exames diagnósticos. E, na maior parte das vezes, têm boas razões para isso. Demos enormes passos em nossa capacidade de identificar doenças usando algum tipo de exame de alta tecnologia. Embora a história clínica e o exame físico possam muitas vezes sugerir um diagnóstico, tanto médicos como pacientes gostam de ver provas concretas – e essas provas muitas vezes vêm na forma do resultado de algum exame diagnóstico 44. Sanders L. Todo paciente tem uma história para contar: mistérios médicos e a arte do diagnóstico. Rio de Janeiro: Zahar; 2010. p. 189..

O desenvolvimento tecnológico da medicina tem reduzido a capacidade médica de realizar o raciocínio acurado e ouvir o paciente, uma vez que o diagnóstico já indica uma ação a ser implementada na forma de terapia pelo profissional de saúde. De mesma forma, dispor de diversas ferramentas tecnológicas no ambiente clínico-hospitalar acarreta a obrigação de ser onisciente, de modo que não haja espaço para incerteza no diagnóstico e no tratamento.

Os exames complementares mudaram o modo como a medicina é praticada. Hoje, com a ajuda deles, os médicos podem ter um grau de certeza, nunca antes visto na longa história da medicina, com relação a determinados diagnósticos. Mas o que fecha um diagnóstico não são os exames, e sim o raciocínio 55. Sanders L. Op. cit. p. 210..

O processo de digitalização da ação médica e do sistema de saúde tem conduzido ao aprimoramento na capacidade de reunir informações e na precisão do diagnóstico com o auxílio de softwares ou inteligência artificial. A expansão do conhecimento médico e o aprimoramento do diagnóstico clínico são fruto do trabalho associado a inovações tecnológicas e a tecnologias cognitivas. Não obstante, o diagnóstico médico não se refere somente a análise diagnóstica e sintomática, visto que se realiza pelo olhar direcionado ao paciente e o conhecimento de sua história biográfica.

Além disso, claro, os seres humanos têm um conjunto de ferramentas diagnósticas que os computadores talvez jamais possam igualar – cinco órgãos dos sentidos independentes e maravilhosamente poderosos. Com um breve olhar, o médico pode absorver e processar quase de imediato uma enorme quantidade de informações sobre um paciente – sua postura, tom de pele, tipo de contato ocular, aroma, características da voz, higiene pessoal e pistas ou indicações tão sutis que desafiam a descrição verbal. Um computador, por outro lado, só trabalha com palavras e números digitados por um ser humano, que representam de forma inadequada um paciente vivo, pensante e imensamente complicado 66. Sanders L. Op. cit. p. 239..

Apesar disso, o avanço dos programas computacionais permite o diagnóstico acurado e personalizado, e o uso de inteligência artificial na área médica pode revolucionar a análise sintomática e a orientação de tratamento de saúde. De forma popularizada, o “Dr. Google” é o meio de busca mais acessado pelas pessoas na realização de seu autodiagnóstico a partir dos sintomas e sem a orientação médica. O uso de softwares e sites para autodiagnóstico tem conduzido a crescente automedicação na população.

Um sistema informático inteligente, integrado e supereficiente eliminaria todos os desafios diagnósticos? Chegaria a substituir os médicos? Dificilmente. Acredito que o processo diagnóstico se tornará mais eficaz e que, no futuro, será mais rápido e fácil nos concentrarmos no que realmente há de errado com o paciente. Mas sempre teremos escolhas a fazer – entre diagnósticos possíveis, entre exames a serem solicitados e entre opções terapêuticas. Somente um ser humano bem-preparado e dotado de conhecimento pode tomar esse tipo de decisão. Além disso, claro, as pessoas não precisam apenas do tratamento correto para a doença correta. Elas precisam ser ouvidas, precisam de conforto, explicações, estímulo, solidariedade – todo o apoio emocional que representa uma parte fundamental do que nós médicos tentamos fazer: curar 77. Sanders L. Op. cit. p. 257-8..

A digitalização dos dados médicos e sua conexão a uma rede computacional permitirá maior acurácia na avaliação médica. Porém esse processo poderá reduzir a capacidade humana nos processos decisórios em face das propriedades preditivas dos algoritmos (machine learning). Além disso, tendo a equipe médica diversas ferramentas tecnológicas, haveria o questionamento sobre a obrigação de usar todo o aparato quando se verifica que a ferramenta tecnológica não promove o bem-estar do paciente.

A ascensão das tecnologias de inteligência artificial (IA), a análise de dados/mineração de dados (data mining) por algoritmos e seu uso no diagnóstico médico têm preocupado diversas entidades internacionais. Instituições como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) 88. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Outcome document: first draft of the Recommendation on the ethics of artificial intelligence [Internet]. 2020 [acesso 11 abr 2024]. Disponível: https://tny.im/DRU5q
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,99. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Preliminary study on a possible standard-setting instrument on the ethics of artificial intelligence [Internet]. 2019 [acesso 11 abr 2024]. Disponível: https://tny.im/ax5dk
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e a Organização Mundial da Saúde (OMS) 1010. World Health Organization. Ethics and governance of artificial intelligence for health [Internet]. 2021 [acesso 11 abr 2024]. Disponível: https://tny.im/IFQhe
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preocupam-se com a possível desumanização no tratamento de saúde. Nesse contexto, a digitalização do tratamento de saúde pode ocasionar a perda do atendimento humanizado e holístico no acompanhamento dos pacientes, que seriam atendidos por meio de chatbots ou inteligência artificial.

As inovações em IA são usadas atualmente em muitas áreas da vida moderna, como o transporte, a medicina, a comunicação, a educação, a ciência, as finanças, o direito, o militar, o marketing, o atendimento ao cliente ou o entretenimento. Tais inovações levantam preocupações éticas diretas, que vão desde o desaparecimento de empregos tradicionais, passando pela responsabilidade por possíveis danos físicos ou psicológicos aos seres humanos, até a desumanização geral das relações humanas e da sociedade em geral 1111. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Op. cit. 2019. Anexo, p. 3. Tradução livre..

Ao longo dos anos, o desenvolvimento de tecnologias de IA transformou significativamente o panorama das ciências da vida e da medicina em particular, com efeitos positivos, como maior precisão na cirurgia robótica e melhor atendimento a crianças autistas. Apesar disso, ao mesmo tempo, essas tecnologias levantam questões éticas, como o custo que implicam no contexto de recursos escassos no sistema de saúde e a transparência que devem proporcionar para respeitar a autonomia dos pacientes 88. United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. Outcome document: first draft of the Recommendation on the ethics of artificial intelligence [Internet]. 2020 [acesso 11 abr 2024]. Disponível: https://tny.im/DRU5q
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Bernard Lown 1212. Lown B. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Editora; 1997. questiona o avanço científico na medicina e a perda de confiança do paciente em relação ao profissional de saúde. O autor constatou que a prática médica havia perdido a arte de ouvir ao paciente, substituindo-a pela realização de procedimentos tecnológicos, exames e intervenções cirúrgicas. Assim, os profissionais de medicina deixaram de valorizar o ser humano biográfico e fixaram seu olhar na matéria orgânica humana; em outras palavras, escolheram a intervenção em vez do exercício da escuta.

Diante disso, a contemporaneidade digital deve resgatar a prática médica de ouvir o paciente, pois assim paciente e médico entram em parceria como iguais 1212. Lown B. A arte perdida de curar. São Paulo: JSN Editora; 1997.. Essa forma de agir resgata a medicina como arte que prescreve conforme a individualidade e a necessidade do paciente.

Marco Bobbio 33. Bobbio M. O doente imaginado: os riscos da medicina sem limites. São Paulo: Bamboo; 2014. p. 231.,1313. Bobbio M. Medicina demais: o uso excessivo pode ser nocivo à saúde. Barueri: Manole; 2019. aborda a questão do excesso de tecnologia na prática médica e afirma que o exercício da medicina tem se tornado complexo devido à intensificação da especialização e à ausência do trabalho compartilhado no processo decisório pelos profissionais de saúde. Por um lado, o avanço tecnológico em medicina provoca a expectativa de oferecer o “melhor tratamento” com todos os recursos e os exames possíveis. Por outro lado, a obrigação de realizar a intervenção cirúrgica ou o tratamento poderá ser ineficaz e dolorosa ao paciente.

Bobbio observa que a prática da medicina se tornou incapaz de dialogar com o sujeito biográfico e suas expectativas do que seria uma vida boa. Assim, com o crescimento do componente científico, a medicina perdeu o componente humano. Fala-se aos pacientes com números, e não mais com o coração 1414. Bobbio M. Op. cit. 2014. p. 18..

A medicina sem limites é a crença na eficácia da avaliação das máquinas e a desvalorização da capacidade humana de sentir e se aproximar do paciente. Esse reducionismo é resultado da aposta nas predições dos aparelhos técnicos e da supervalorização das tecnologias. De acordo com o autor italiano, o aperfeiçoamento tecnológico tem induzido ao comportamento mecânico e impessoal no tratamento do paciente por profissionais de saúde 33. Bobbio M. O doente imaginado: os riscos da medicina sem limites. São Paulo: Bamboo; 2014. p. 231..

A medicina de hoje parte do pressuposto de que todas as doenças se originam de uma alteração biológica. O nosso bem-estar, entretanto, depende também de muitos outros fatores que não podem ser investigados por meio de exames de laboratório, nem tratados com medicamentos ou intervenções cirúrgicas: o trabalho, as relações interpessoais, as condições econômicas, o ambiente em que vivemos, as emoções, os sentimentos, as esperanças. Frequentemente, essas são as causas primárias do mal-estar 1515. Bobbio M. Op. cit. 2019. p. 18..

Além disso, o avanço tecnológico influencia a aplicação de novas técnicas sem que haja a reflexão adequada sobre os benefícios e os malefícios de seu uso, e o exercício da medicina tem sido cooptado por interesses mercadológicos e de marketing para a prescrição de medicamentos. O interesse comercial na oferta e a popularização midiática dos fármacos é um problema a ser enfrentado pelos profissionais de saúde, para não serem cúmplices nem reféns do assédio econômico.

Não se trata de tomar uma posição simplista a favor ou contra a tecnologia, mas de impedir que a medicina seja praticada sem refletir sobre seus limites ou com a visão equivocada de que, quanto mais se fizer, melhor. É preciso evitar que se utilizem indiscriminadamente instrumentos cujo impacto no percurso diagnóstico e terapêutico dos pacientes ainda é desconhecido 33. Bobbio M. O doente imaginado: os riscos da medicina sem limites. São Paulo: Bamboo; 2014. p. 231..

Por isso, Bobbio alerta que o excesso de exames não significa melhora na qualidade de vida do paciente, podendo ter o efeito nocivo de torná-lo mais ansioso e infeliz sobre seu estado de saúde. O raciocínio médico deve analisar se o novo medicamento ou o aparelho tecnológico é realmente melhor e gera mais bem-estar e qualidade de vida ao paciente. Assim, a tecnologia não é boa ou má em si mesma, mas (...) sua aplicação, em um determinado paciente, pode ser ou não apropriada 1616. Bobbio M. Op. cit. 2014. p. 87..

O diálogo construtivo com o paciente pode colaborar para a melhor escolha do tratamento de saúde e a evitar terapias desnecessárias e ineficientes. Essa interação comunicativa entre médico e paciente tem o intuito de fazer o profissional compreender os dados científicos, a interpretação e a vivência do paciente.

É necessário aprender a exercitar nosso poder terapêutico e carismático com cuidado, autocontrole e humildade. A medicina perdeu a percepção do ser humano, restando apenas a percepção das lesões tratáveis 1717. Bobbio M. Op. cit. 2014. p. 224..

A subjetividade do profissional de saúde e de seu paciente deve ser integrada ao processo de tomada de decisão compartilhada. Por outro lado, o modelo tecnológico de medicina se distancia da ação intersubjetiva e se embasa nos resultados dos diagnósticos e nas recomendações das avaliações técnicas.

O médico moderno acredita que a avaliação técnica é a única apropriada, dando ao paciente, no máximo, o direito de aceitá-la ou rejeitá-la. No entanto, deveria ser concedido espaço para avaliar a singularidade do paciente, determinada por idade, condições econômico-culturais, situação pessoal e psicológica, e maior ou menor desejo de colaborar e de ser parte ativa no processo decisório.

Bobbio 33. Bobbio M. O doente imaginado: os riscos da medicina sem limites. São Paulo: Bamboo; 2014. p. 231. considera que o conhecimento técnico- científico do profissional de saúde deve ser confrontado com a experiência subjetiva de seu paciente. A relação médico-paciente precisa ser pautada por empatia e afeto no cuidado de saúde, de forma que a proposta de terapia seja baseada na individualidade biológica e biográfica do paciente, como explica Luigi Pagliaro:

Sensibilizados por essa experiência, propõem sugestões para melhorar a relação e a comunicação entre médicos e pacientes: permanecer junto ao leito do paciente para escrever sua história e atualizar o prontuário, sem se isolar em um posto de enfermagem separado, disponibilizar alguns minutos para que o paciente conte (sem uma plateia de outros pacientes ou médicos) como se sente e como está; acolher suas expressões não verbais (interrogativas, de ansiedade, de medo), muitas vezes mais expressivas do que as palavras, e dar-lhe respostas; não ignorar os problemas presentes ou próximos da família; respeitar sua dignidade e cuidar dos muitos aspectos da terapia paliativa 1818. Pagliaro L. Posfácio. In: Bobbio M. O doente imaginado: os riscos da medicina sem limites. São Paulo: Bamboo; 2014. p. 246..

A reflexão sobre a relação médico-paciente se dá a partir dos princípios éticos que devem orientar o processo comunicativo e deliberativo. Nesse contexto, surgem conflitos morais – que são intensificados com a digitalização do atendimento em saúde. A bioética clínica lida com esses conflitos, aos quais cotidianamente profissionais de saúde precisam oferecer a resposta mais adequada. Assim, o raciocínio médico é provocado a repensar sua atuação, bem como a avaliar o uso de ferramentas tecnológicas e a prescrição de fármacos que realmente possam oferecer melhora à condição clínica do paciente.

Bioética clínica e deliberação para a sociedade digital

Porque nem tudo que é tecnicamente possível é eticamente correto1919. Gracia D. Bioética mínima. Madrid: Triacastela; 2019. p. 11. Tradução livre., a bioética clínica se desenvolveu como área de análise dos conflitos morais vivenciados na prática decisória de profissionais de saúde em diferentes estabelecimentos. Esse campo trata de temas da relação médico-paciente, processo deliberativo-decisório, bem-estar e qualidade de vida do paciente. A tomada de decisão concreta nunca pode ser estritamente científica, mas deve ser feita de forma técnica e prudente 2020. Gracia D. Bioética clínica. Bogotá: El Buho; 2001. p. 13. Tradução livre..

Isso quer dizer que o profissional de saúde deve exercitar sua capacidade reflexiva segundo princípios éticos e de forma prudencial. De acordo com Gracia, a bioética clínica é a aplicação de todo esse sistema conceitual ao campo específico da clínica humana 2121. Gracia D. Op. cit. 2001. p. 99. Tradução livre., que é o local da interação discursiva entre profissionais de saúde e paciente. Em sentido clínico, portanto, a bioética colabora para a análise dos conflitos morais e para o anseio pela valorização do bem-estar do paciente em suas necessidades.

A análise de Diego Gracia 1919. Gracia D. Bioética mínima. Madrid: Triacastela; 2019. p. 11. Tradução livre.,2020. Gracia D. Bioética clínica. Bogotá: El Buho; 2001. p. 13. Tradução livre. sobre bioética clínica evidencia a conexão entre questões clínicas e princípios éticos. Dessa forma, o sentido da clínica médica é ser o espaço de interação comunicativa e deliberativa entre o profissional de saúde e seu paciente.

O pensador espanhol resgata o significado clássico da clínica médica na relação médico-paciente pela interação dialógica no anseio de oferecer o tratamento de saúde adequado à pessoa enferma. Dessa forma, ele esclarece que as questões da clínica médica diferem das de patologia, pois na clínica não se trata a enfermidade em sua evolução, mas a pessoa enferma, uma vez que ela é considerada o centro do tratamento de saúde.

A clínica médica não consiste no estudo abstrato e teórico das doenças e sua cura, mas na atividade que o médico exerce com pessoas específicas, aquelas que estão doentes ou acamadas. Nisso, a clínica difere da patologia. O objeto de estudo desta é “a doença 2222. Gracia D. Op. cit. 2001. p. 10. Tradução livre., enquanto a clínica centra sua atenção no “paciente”, tentando identificar a doença que o acomete e como tratá-la. Ao contrário da patologia, o problema da clínica não é conhecer a tuberculose pulmonar como uma espécie mórbida, mas determinar se um paciente específico sofre ou não de tuberculose pulmonar.

Na medicina antiga e hipocrática, a ética e a clínica eram conceitos inseparáveis, e Aristóteles 2323. Aristóteles. Ética a Nicômaco. São Paulo: Abril Cultural; 1984.instituiu o raciocínio prático na arte médica como a capacidade de deliberar com prudência e justa medida. Assim, decisões médicas deveriam representar a ponderação cuidadosa sobre a condição do enfermo.

Na modernidade, por outro lado, houve a dissociação entre raciocínio prático (ético) e técnica médica, e o raciocínio especulativo se tornou preponderante na prática médica e especializada. Isso provocou o distanciamento na relação médico-paciente e a perda de perspectiva holista na medicina.

A clínica médica não é uma ciência, mas uma arte ou técnica, que deve ser exercida com conhecimento, mas também com prudência, que é a virtude ética por excelência. Esta é a razão pela qual a prática clínica e a ética sempre estiveram intimamente ligadas. Ambos têm de tomar decisões particulares e, portanto, precisam elevar a análise detalhada de casos específicos à categoria de método 2424. Gracia D. Op. cit. 2001. p. 13. Tradução livre..

Por isso, o resgate da arte médica por meio de princípios éticos deve constituir a análise cuidadosa e reflexiva da situação clínica do paciente e o ato de deliberar segundo a ponderação entre princípios e valores. A deliberação é o método e o procedimento mais adequado para a resolução de conflitos morais na sociedade contemporânea 2525. Gracia D. La deliberación moral: el método de la ética clínica. Med Clín (Barc) [Internet]. 2001 [acesso 11 abr 2024];117:18-23. Disponível: https://tny.im/GjbNz
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,2626. Gracia Guillén D. De la bioética clínica a la bioética global. Acta Bioéth [Internet]. 2002 [acesso 11 abr 2024];8(1):27-39. DOI: 10.4067/S1726-569X2002000100004
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Ademais, a análise da bioética clínica evidencia que os problemas éticos estão interconectados com as questões técnico-científicas. A necessidade de realizar o cuidado individualizado do paciente e a incorporação da proteção de indivíduos e populações vulneradas são atribuições da bioética em seu fundamento primordial 2727. Schramm F R. Três ensaios de bioética [Internet]. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2015 [acesso 11 abr 2024]. DOI: 10.7476/9788575415863
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. Portanto, o procedimento deliberativo expressa a observação das circunstâncias e as consequências de um fato (caso clínico) que precisa da decisão clínica mais adequada, sábia, razoável e prudente, a qual deve promover os valores éticos necessários para sua realização 2828. Gracia D. Tomar decisiones morales: del casuismo a la deliberación. Dilemata [Internet]. 2016 [acesso 11 abr 2024];8(20):15-31. Disponível: https://tny.im/tJFDu
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De acordo com Gracia 2929. Gracia D. A deliberação como método da ética. Laboratório de Racionalidade e Ética Aplicada [Internet]. 2019 [acesso 11 abr 2024]. Disponível: https://tny.im/BS7wK
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,3030. Gracia D. Ética en la pra´ctica clínica. Madrid: Triacastela; 2004., o processo deliberativo se inicia pelo reconhecimento do conflito moral, e a deliberação exige a participação ativa de todos, que devem verificar por si mesmos o que se está dizendo 3131. Gracia D. Bioética mínima. Op. cit. 2019. p. 20. Tradução livre..

Voltemos agora ao tema do conflito de valores. Os valores só entram em conflito entre si quando se passa do segundo mundo para o terceiro, quando se passa da axiologia para a ética, ou seja, quando se trata de rea- lizar valores 3232. Gracia D. A deliberação como método da ética. Op. cit. 2019. p. 4..

Esse conflito pode se referir ao fato, aos valores e à deliberação: o fato diz respeito à percepção de uma situação-problema que exija raciocínio moral sobre o certo a ser feito; os valores em conflito podem se referir a diversos tipos de valores (econômico, cultural, moral, religiosos, jurídicos, estéticos e lógicos) que possam ser avaliados na situação-problema (caso); e a deliberação envolve o reconhecimento de uma obrigação moral (dever) a ser cumprida pelo agente moral que raciocina a partir do fato e dos valores apreciados para a resolução deste conflito moral.

Na deliberação moral, o raciocínio crítico tem três níveis – fato, valores e dever –, e os níveis de racio- cínio deliberativo se estruturam em onze etapas:

  • O nível do fato está na apresentação do problema: caso clínico (1) e conhecimento das condições fáticas para avaliação moral e tomada de decisões diagnósticas, prognósticas e terapêuticas (2). Esse primeiro nível realiza a contextualização da situação-problema e avaliação a partir dos “melhores conhecimentos possíveis e tecnologias”.

  • O nível dos valores se inicia pelo reconhecimento do problema sobre o qual é necessário deliberar (3) e sua identificação como problema ético (4). Da mesma forma, identificam-se os valores que estejam em conflito (5).

  • O terceiro nível engloba a deliberação moral e a análise sobre o que se pode realizar para resolver o conflito moral (6) e a identificação de percursos que se caracterizem como decisão entre os extremos (excesso e falta) (7). O raciocínio moral indica a escolha prudencial e a busca de percursos intermediários (equilíbrio, justa medida) (8). A decisão final (9) será pautada pela forma realista e exequível de agir em situações de conflito moral e deverá ser avaliada pelos critérios da legalidade, publicidade e temporalidade (10). Isso quer dizer que a decisão bem-avaliada precisa respeitar as leis vigentes, e a justificativa da deliberação deve ser pública e acessível, de modo que possa ser revista em outras situações e modificadas ao longo do tempo. Após esse processo deliberativo e experimental, ela poderá ser configurada como solução definitiva e prudente (11).

A deliberação sobre o melhor percurso deve se configurar como decisão prudente e avaliada. Como explica Gracia, o método não pretende a unanimidade na decisão, nem se pode considerar um fracasso o fato de não se alcançar unanimidade. O que o método pretende é que todas as decisões que se tomem, uma ou várias, sejam prudentes 3333. Gracia D. A deliberação como método da ética. Op. cit. 2019. p. 9..

A decisão prudente é a mais bem avaliada perante as outras possibilidades decisórias. O método deliberativo representa a atividade reflexiva de ousar pensar novas formas para garantir o atendimento de saúde qualificado e centrado na pessoa humana. A ação deliberada demonstra a capacidade racional de avaliar as questões práticas com o senso de justiça e em conformidade com a justa medida. Em síntese, o exercício deliberativo na sociedade digital estará no agir reflexivo e comunicativo entre profissional de saúde e paciente para promoção do tratamento de saúde de qualidade e em atenção aos princípios éticos.

O nosso dever é sempre optar pelos melhores valores e torná-los realidade com o melhor da nossa capacidade. O dever é sempre montado no valor e consiste na realização de valores, assim como o valor é sempre sustentado por fatos. De tal forma que a deliberação tenha que seguir uma ordem: da análise dos fatos temos que passar à identificação dos valores que sustentam esses fatos, e daí ao terceiro nível, à determinação de nossos deveres, que consistirão sempre na realização ótima dos valores em jogo 3434. Gracia D. Ética y ciudadanía: construyendo la ética. Madrid: PPC Editorial; 2016. p. 46. Tradução livre..

O método deliberativo, proposto por Diego Gracia, enseja o agir prudencial no uso de tecnologias cognitivas no atendimento em saúde. Esse procedimento reflexivo enfatiza a interação discursiva e o entendimento dos melhores meios para a análise da situação clínica do paciente. Ele evita a “obstinação terapêutica e tecnológica”, que consiste em agir de forma voraz no uso de aparelhos tecnológicos para justificar as incertezas e as aporias no tratamento de saúde.

A imprescindibilidade do cuidado humano e a demonstração de afeto no atendimento em saúde deve se coadunar com o uso das tecnologias robóticas e cognitivas. Dessa forma, a análise do diagnóstico por um ser humano em contato com o paciente precisa ser fundamento para a sociedade digital e o profissional de saúde deve demonstrar afeto em relação ao paciente.

Fogel e Kvedar consideram que a inteligência artificial no cuidado em saúde poderá colaborar para o atendimento mais humanizado, a redução do período de análise clínica diagnóstica e o aumento do tempo no contato com o paciente:

Ao adotar a IA, acreditamos que os humanos na área da saúde podem aumentar o tempo gasto em habilidades exclusivamente humanas: construir relacionamentos, exercer empatia e usar o julgamento humano para orientar e aconselhar 3535. Fogel AL, Kvedar JC. Artificial intelligence powers digital medicine. NPJ Digit Med [Internet]. 2018 [acesso 11 abr 2024];1:5. Tradução livre. DOI: 10.1038/s41746-017-0012-2
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As decisões clínicas devem priorizar a capacidade deliberativa da equipe multiprofissional com o auxílio dos sistemas de IA e a partir do bem-estar do paciente, seu consentimento e o intuito de estimar sua experiência de vida e valores.

Assim também, Warraich, Califf e Krumholz avaliam que a transformação digital da medicina poderá fomentar o cuidado centrado no paciente a partir da análise computacional cognitiva e o aprimoramento da análise de dados. Segundo os autores:

As tecnologias, que otimizam o fluxo de trabalho dos médicos e ajudam a passar mais tempo com os pacientes, seja pessoalmente ou por meio de outros meios, poderiam revitalizar a relação médico-paciente e talvez também melhorar o bem-estar clínico 3636. Warraich HJ, Califf RM, Krumholz HM. The digital transformation of medicine can revitalize the patient-clinician relationship. NPJ Digit Med [Internet]. 2018 [acesso 11 abr 2024];1:49. p. 2. Tradução livre. DOI: 10.1038/s41746-018-0060-2
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O processo de inserção digital da medicina pode colaborar para a análise mais acurada dos fatos clínicos e a comparação das informações em um banco de dados (big data). O profissional de saúde deve estar consciente de sua capacidade de avaliação de dados de tecnologias cognitivas e os valores que podem entrar em conflito. Essa atividade deliberativa necessita sempre considerar o dever de proporcionar o maior bem ao paciente e garantir o atendimento centrado nele.

A transformação digital da saúde tem o potencial de tornar os cuidados de saúde mais humanos e personalizados; no entanto, vários passos importantes são necessários para evitar armadilhas relacionadas às interações anteriores de tecnologia da informação em medicina. Tanto pacientes quanto médicos devem ser envolvidos desde o início nas etapas do desenvolvimento de tecnologias médicas para garantir que elas sejam centradas na pessoa.

Warraich, Califf e Krumholz 3636. Warraich HJ, Califf RM, Krumholz HM. The digital transformation of medicine can revitalize the patient-clinician relationship. NPJ Digit Med [Internet]. 2018 [acesso 11 abr 2024];1:49. p. 2. Tradução livre. DOI: 10.1038/s41746-018-0060-2
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salientam que a interação médico-paciente deve estar atenta aos princípios de segurança dos dados e à transparência no processo clínico-deliberativo. Esses princípios éticos são o guia para que a interação discursiva ocorra de forma respeitosa e em benefício do paciente.

A deliberação moral na sociedade digital é o caminho mais adequado para a tomada de decisões prudentes e razoáveis. As tecnologias cognitivas e a robotização na medicina irão ampliar a capacidade analítica dos profissionais de saúde. No entanto, a capacidade decisória deve permanecer sob supervisão humana, pois o mais adequado tratamento de saúde transcende os meios tecnológicos e se insere na capacidade reflexiva e comunicativa dos profissionais de saúde em dar a devida atenção ao paciente.

Como explica Zoboli 3737. Zoboli E. Tomada de decisão em bioética clínica: casuística e deliberação moral. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013; [acesso 11 abr 2024];21(3):389-96. Disponível: https://tny.im/kCZty
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, na deliberação profissionais pensam conjuntamente, compartilham suas percepções, ou seja, põem em diálogo diversos sentidos morais. Diferentes perspectivas da realidade são importantes para aprimorar o sentido moral, pois este é coletivo e não só individual. O procedimento deliberativo é um recurso para ajudar a ordenação das discussões em torno de problemas éticos, por meio de passos sequenciais.

O avanço tecnológico tem colaborado para o aperfeiçoamento da análise de dados de pacientes, possibilitando a avaliação de múltiplos prognósticos que consigam garantir o bem-estar e o melhor tratamento. O procedimento deliberativo entre profissionais de saúde e paciente auxilia na compreensão das implicações éticas na tomada de decisão e ampara a escolha mais prudente e razoável.

O método deliberativo é dinâmico e pode ser compatibilizado com a forma digital de avaliar as situações clínicas a partir de fluxos informacionais e cognitivos sugeridos por inteligência artificial e softwares. A decisão humana compartilhada deve prevalecer perante os ditames do software quando ela preserva a dignidade e a qualidade de vida do paciente.

Considerações finais

As transformações digitais no tratamento de saúde têm alavancado diversos questionamentos sobre as implicações éticas de sua inserção no acompanhamento de pacientes. A relação médico-paciente está permeada pela análise de informações e dados e pela realização de diagnóstico e prognóstico. Assim, o uso de tecnologias cognitivas se coloca como suporte para amplificar a capacidade analítica e preditiva dos tratamentos de saúde em comparação com as informações contidas em banco de dados (big data).

As indagações no âmbito da bioética clínica estão alicerçadas na preocupação com a qualidade e a dignidade da vida humana. O método deliberativo se diferencia do raciocínio especulativo e analítico-preditivo das tecnologias cognitivas porque pressupõe o uso da sensibilidade e experiência de vida dos profissionais de saúde, e da atenção aos elementos biográficos do paciente.

O raciocínio deliberativo está inserido no desenvolvimento da capacidade avaliativa e dos referenciais bioéticos para se tomar a decisão mais prudente e razoável. Destaca-se pelo dinamismo e o agir comunicativo na troca de percepções e proposições para avaliar melhor as condições clínicas e melhores recomendações de tratamento em saúde.

Os referenciais teóricos colaboraram na reflexão bioética a partir dos múltiplos aspectos para inserção de tecnologias cognitivas nos ambientes de saúde. Riscos e avanços na aplicação de inteligência artificial em saúde devem ser considerados para a promoção do bem comum e a difusão das melhores práticas de saúde a populações e indivíduos mais vulneráveis.

O agir ético na sociedade digital pressupõe o compartilhamento de ideias e experiências de vida para a construção de sociedade mais equânime e igualitária. As tecnologias cognitivas podem aproximar as pessoas por meio da conexão nas plata- formas digitais, sendo o caminho para a ampliação da qualidade de vida para todas as pessoas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2023
  • Revisado
    11 Abr 2024
  • Aceito
    18 Abr 2024
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