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Diretivas antecipadas de vontade e cuidados paliativos: percepção brasileira

Resumo

As diretivas antecipadas de vontade são consideradas um componente fundamental do planejamento de cuidados de saúde, recurso comumente empregado por equipes de cuidados paliativos. Dada a importância da rede de cuidado para o paciente com doença incurável e que ameaça sua vida, este estudo tem o objetivo investigar a compreensão que profissionais da saúde, pacientes e cuidadores têm da temática, além de apreender como o tema é conceituado, identificar convergências e divergências nos discursos e discutir como essas noções podem influenciar na qualidade do cuidado. Optou-se pela revisão integrativa da literatura científica, em que foram selecionados e analisados oito artigos. Com isso, priorizou-se dividir a discussão em três tópicos descritivos e analisá-los criticamente. Desse modo, fica evidente a necessidade de continuar a debater essa temática a fim de garantir o desenvolvimento de condutas centradas no paciente, que contemplem suas condições socioeconômicas e seus valores pessoais.

Palavras-chave
Diretivas antecipadas; Cuidados paliativos; Cuidados de fim de vida; Ética médica

Abstract

Advance directives are considered a fundamental component of health care planning, a resource commonly used by palliative care teams. Given the importance of the care network for patients with incurable and life-threatening diseases, this study aims to investigate the understanding that health professionals, patients, and caregivers have of the subject, in addition to understanding how the subject is conceptualized, identifying convergences and divergences in the discourses and how these notions can influence the quality of care. We opted for an integrative review of the scientific literature,

in which eight articles were selected and analyzed. Priority was given to dividing the discussion into three descriptive topics and analyzing them critically. Thus, the need to continue debating this topic is evident in order to ensure the development of patient-centered behaviors that take into account their socioeconomic conditions and personal values.

Keywords
Advance directives; Palliative care; Terminal care; Medical ethics

Resumen

Las directivas anticipadas se consideran fundamentales en la planificación de la atención de la salud, un recurso comúnmente utilizado por los equipos de cuidados paliativos. Dada la importancia de la red de atención para pacientes con enfermedad incurable y potencialmente mortal, este estudio pretende investigar la comprensión que los profesionales de salud, pacientes y cuidadores tienen sobre el tema, además de comprender cómo se conceptualiza el tema, identificar convergencias y divergencias en los discursos y discutir cómo estas nociones pueden influir en la calidad de la atención. Se realizó una revisión integradora de la literatura científica, en la que se seleccionaron y analizaron ocho artículos. Así, se dio prioridad a dividir la discusión en tres temas descriptivos y analizarlos críticamente. Se evidencia la necesidad de seguir debatiendo este tema para garantizar el desarrollo de comportamientos centrados en el paciente, que incluyan sus condiciones socioeconómicas y valores personales.

Palabras clave
Directivas Anticipadas; Cuidados paliativos; Cuidados al final de la vida; Ética Médica

No Brasil, as diretivas antecipadas de vontade (DAV) são amplamente vistas como outro nome para testamento vital (TV), documento que permite a uma pessoa expressar suas preferências e desejos em relação aos cuidados médicos que deseja receber caso se torne incapaz de tomar decisões autônomas 11. Dadalto L. Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Rev Bioét Derecho [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];(28):61-71. DOI: 10.4321/S1886-58872013000200006
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. Historicamente, o surgimento das diretivas antecipadas de vontade remonta a várias décadas e reflete a crescente preocupação com os direitos dos pacientes e o avanço da medicina moderna 11. Dadalto L. Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Rev Bioét Derecho [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];(28):61-71. DOI: 10.4321/S1886-58872013000200006
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2. Dadalto L. Testamento vital. Indaiatuba: Foco; 2019.
-33. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];21(1):463-76. Disponível: http://tinyurl.com/2p9ex434
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.

A ideia de incentivar as pessoas a expressarem suas vontades em relação aos cuidados médicos futuros ganhou força nos Estados Unidos na década de 1960, principalmente após uma série de casos judiciais que envolviam pacientes em estado vegetativo persistente 11. Dadalto L. Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Rev Bioét Derecho [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];(28):61-71. DOI: 10.4321/S1886-58872013000200006
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,33. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];21(1):463-76. Disponível: http://tinyurl.com/2p9ex434
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. Assim, as DAV começaram a ser desenvolvidas como uma forma de permitir que os indivíduos expressassem suas preferências de tratamento de saúde em caso de incapacidades futuras 11. Dadalto L. Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Rev Bioét Derecho [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];(28):61-71. DOI: 10.4321/S1886-58872013000200006
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2. Dadalto L. Testamento vital. Indaiatuba: Foco; 2019.
-33. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];21(1):463-76. Disponível: http://tinyurl.com/2p9ex434
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.

Em 1991, os Estados Unidos aprovaram o Patient Self-Determination Act (Lei de Autodeterminação do Paciente) 11. Dadalto L. Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Rev Bioét Derecho [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];(28):61-71. DOI: 10.4321/S1886-58872013000200006
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,33. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];21(1):463-76. Disponível: http://tinyurl.com/2p9ex434
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. Ela exigia que instituições de saúde que recebessem financiamento federal informassem os pacientes sobre o direito de fazerem diretivas antecipadas de vontade. Essa lei foi um marco importante na promoção do uso desses docu- mentos, e principalmente no fomento da discussão sobre terminalidade com qualidade de vida 11. Dadalto L. Distorções acerca do testamento vital no Brasil (ou o porquê é necessário falar sobre uma declaração prévia de vontade do paciente terminal). Rev Bioét Derecho [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];(28):61-71. DOI: 10.4321/S1886-58872013000200006
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2. Dadalto L. Testamento vital. Indaiatuba: Foco; 2019.
-33. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];21(1):463-76. Disponível: http://tinyurl.com/2p9ex434
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Desde então, muitos outros países ao redor do mundo também adotaram legislações semelhantes para garantir que as pessoas tivessem o direito de expressar suas vontades em relação aos cuidados médicos futuros 22. Dadalto L. Testamento vital. Indaiatuba: Foco; 2019.. No Brasil, não há ainda legislação específica que trate dos direitos da pessoa em estado terminal, mas algumas resoluções do Conselho Federal de Medicina podem ajudar na compreensão do tema.

A Resolução 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina (CFM) determina que é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, ou de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa e seu representante legal 44. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.805/2006, de 26 de novembro de 2006. Dispõe que na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 227, p. 169, 28 nov 2006 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/mr4xyvs5
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. O art. 41. da Resolução 1.931/09 do CFM afirma que nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal 55. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.931/09, de 24 de setembro de 2009. Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/ycx8xd7m
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. Já a Resolução 1.995/2012 do CFM estabelece as normas para o uso das DAV, como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade 66. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.995/2012, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 269-70, 31 ago 2012 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/55zsy57r
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.

No Brasil, os cuidados paliativos já foram compreendidos como uma estratégia contra os cenários clínicos em que se esvaíram as possibilidades terapêuticas disponíveis para lidar com certas patologias 77. Nogario ACD, Barlem ELD, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS, Cogo SB, Carvalho DP. Advance directives of patients: process of implementation by palliative care teams. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [acesso 17 nov 2023];73(suppl 6):e20190567. DOI: 10.1590/0034-7167-2019-0567
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. Atualmente, entende-se como uma abordagem multiprofissional que melhora a qualidade de vida dos pacientes e seus familiares ao lidar com adoecimentos que representam risco à vida, visando evitar e reduzir o sofrimento por meio da identificação, avaliação e abordagem da dor e outros sintomas que podem afetar essas pessoas 77. Nogario ACD, Barlem ELD, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS, Cogo SB, Carvalho DP. Advance directives of patients: process of implementation by palliative care teams. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [acesso 17 nov 2023];73(suppl 6):e20190567. DOI: 10.1590/0034-7167-2019-0567
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.

No presente, as DAV são consideradas um componente fundamental do planejamento de cuidados de saúde, usados como recurso principalmente por equipes de cuidados paliativos 77. Nogario ACD, Barlem ELD, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS, Cogo SB, Carvalho DP. Advance directives of patients: process of implementation by palliative care teams. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [acesso 17 nov 2023];73(suppl 6):e20190567. DOI: 10.1590/0034-7167-2019-0567
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. São reconhecidas como um meio de garantir que os desejos e valores individuais sejam respeitados, oferecendo às pessoas acometidas de doença grave incurável a oportunidade de manter o controle sobre suas decisões médicas e garantir que suas preferências sejam levadas em consideração quando mais precisarem 22. Dadalto L. Testamento vital. Indaiatuba: Foco; 2019.,33. Dadalto L, Tupinambás U, Greco DB. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2013 [acesso 17 nov 2023];21(1):463-76. Disponível: http://tinyurl.com/2p9ex434
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Aqui verifica-se, então, a indissociabilidade da aplicação dos cuidados paliativos e das DAV ⁸, que se interligam pela preocupação em respeitar a autonomia e os desejos do paciente, buscando superar a visão biomédica, na qual a saúde do usuário é compreendida como ausência de doença 99. Rochel de Camargo Jr. Kenneth. A Biomedicina. Physys: Revista de Saúde Coletiva [Internet]. 2005 [cited 2024 Feb 28];:177-201. DOI https://doi.org/10.1590/S0103-73312005000300009. Available from: https://www.scielo.br/j/physis/a/BmZ6PN6vDQyXgntsPXqWrRL/?lang=pt
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, e trabalhando uma abordagem fundamentada no cuidado integral do indivíduo. Assim, há mais garantias de que o trabalho prestado vá ao encontro dos valores do paciente, evitando a obstinação terapêutica e a iatrogenia, promovendo uma abordagem centrada na pessoa assistida e em sua família 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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,1010. Dias LM, Bezerra MR, Barra WF, Carvalho AEV, Castro L, Rego F. Advance care planning and goals of care discussion: the perspectives of Brazilian oncologists. BMC Palliat Care [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];21(1):165. DOI: 10.1186/s12904-022-01052-w
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.

Pacientes, familiares, profissionais e/ou estudantes da área da saúde devem trabalhar em conjunto para promover dignidade, autonomia e qualidade de vida ao enfermo 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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,1010. Dias LM, Bezerra MR, Barra WF, Carvalho AEV, Castro L, Rego F. Advance care planning and goals of care discussion: the perspectives of Brazilian oncologists. BMC Palliat Care [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];21(1):165. DOI: 10.1186/s12904-022-01052-w
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. A comunicação aberta, o compartilhamento de informações, a compreensão mútua e o estabelecimento de metas de cuidado alinhadas com as preferências do paciente formam uma abordagem colaborativa que melhora a qualidade dos cuidados. Além disso, promove a aliança terapêutica entre as partes envolvidas, alcançando melhores resultados de saúde 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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,1111. Gomes BMM, Salomão LA, Simões AC, Rebouças BO, Dadalto L, Barbosa MT. Diretivas antecipadas de vontade em geriatria. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 17 nov 2023];26(3):429-39. DOI: 10.1590/1983-80422018263263
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Dados a importância do envolvimento dessa tríade no cuidado e os benefícios que traz ao paciente com doença incurável e ameaçadora da vida 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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,1010. Dias LM, Bezerra MR, Barra WF, Carvalho AEV, Castro L, Rego F. Advance care planning and goals of care discussion: the perspectives of Brazilian oncologists. BMC Palliat Care [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];21(1):165. DOI: 10.1186/s12904-022-01052-w
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, este estudo objetiva investigar qual a compreensão que pacientes, cuidadores, profissionais e/ou estudantes da área da saúde têm sobre a temática levantada, de acordo com as produções científicas aqui revisadas. Dessa forma, será investigado como as DAV vêm sendo conceituadas no paradigma da abordagem paliativa, identificando convergências e divergências nos discursos encontrados e discutindo como essa visão de mundo pode afetar a qualidade do cuidado que é ofertado nas instituições de saúde 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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Método

Coleta de dados

Dada a complexidade do tema e as diferentes abordagens metodológicas usadas em saúde para investigar a realidade, optou-se pelo uso da revisão integrativa da literatura como instrumento de análise 1212. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Integrative review: what is it? How to do it? Einstein (São Paulo) [Internet]. 2010 [acesso 17 nov 2023];8(1):102-6. DOI: 10.1590/S1679-45082010RW1134
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. Dessa forma é possível ter uma dimensão ampla do que é produzido sob distintas óticas teóricas e metodológicas, tendo em vista a transversalidade desse campo de estudos e as múltiplas possibilidades que podem ser utilizadas para explorá-lo 1313. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enferm [Internet]. 2008 [acesso 17 nov 2023];17(4):758-64. DOI: 10.1590/S0104-07072008000400018
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A revisão integrativa, em última análise, representa uma abordagem metodológica abrangente, com intuito de obter entendimento vasto acerca do tema. Ela combina informações da literatura teórica e empírica, abarcando uma ampla gama de propósitos, como a definição de conceitos, a revisão de teorias e evidências, bem como a análise de questões metodológicas relacionadas ao tema proposto 1212. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Integrative review: what is it? How to do it? Einstein (São Paulo) [Internet]. 2010 [acesso 17 nov 2023];8(1):102-6. DOI: 10.1590/S1679-45082010RW1134
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. A partir disso foram seguidas as seis fases de construção da revisão integrativa:

  1. Elaboração da pergunta norteadora;

  2. Busca em base de dados;

  3. Coleta de dados;

  4. Análise crítica;

  5. Discussão dos resultados;

  6. Apresentação da revisão integrativa 12,13.

A coleta de dados aconteceu entre outubro e novembro de 2022. As buscas foram feitas no Portal de Periódicos da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e no banco de buscas da National Library of Medicine (NLM), o PubMed, que têm acesso às bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), SciELO (Scientific Electronic Library Online) e Medline (Medical Literature Analysis and Retrieval System Online), respectivamente.

Durante a seleção das referências foram utilizados todos os descritores com os operadores booleanos “OR” e “AND”. Com o intuito de adequar-se às especificidades de cada portal e alcançar a literatura desejada, foram aplicados os descritores “diretivas antecipadas de vontade”, “diretivas antecipadas”, “testamento vital” e “cuidados paliativos” nas plataformas brasileiras (Quadro 1). Por fim, utilizou-se “advance care planning”, “advanced care”, “living will”, “advance directives planning”, “palliative care” e “brazil” na base de dados norte-americana (Quadro 1).

Quadro 1
Plataformas de pesquisa e sintaxe de busca

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos artigos científicos originais publicados entre 2014 e 2022 que pesquisaram a temática, os quais empregaram tanto metodologias qualitativas quanto quantitativas, sem restrição do tipo de desenho do estudo. A escolha do período se deu a partir do primeiro artigo publicado sobre o assunto nas bases de dados operadas na investigação. Já a escolha de englobar metodologias de pesquisa distintas se justifica no objetivo principal deste estudo, que é investigar a percepção geral da tríade do cuidado (pacientes, cuidadores, profissionais e/ou estudantes da área da saúde) sobre as questões aqui discutidas.

Procedeu-se com a inclusão de: 1) artigos completos; 2) estudos produzidos com populações brasileiras, tanto em inglês quanto em português; 3) materiais que discutem a percepção de pelo menos uma das populações-alvo (pacientes, fami- liares e profissionais e/ou estudantes da área da saúde); 4) publicados entre 2014 e 2022; 5) em revista com classificação Qualis A1, A2, A3, A4 ou B1. Foram usados os seguintes critérios de exclusão: 1) dissertações, monografias, teses, editoriais, livros ou quaisquer outras modalidades de trabalho escrito sobre a temática que não artigos; e 2) não enunciar as DAV como tema central.

A escolha desses critérios de inclusão se justifica pela produção escassa do assunto, dada a atual situação do tema proposto, cuja primeira publicação nas bases utilizadas só foi feita em 2014. Dessa forma, tendo em vista o objetivo de aglutinar informações convenientes a esta revisão integrativa e preservar o rigor metodológico deste trabalho, na seleção prévia do material foram excluídos aqueles periódicos que não apresentavam a Qualis desejada1313. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto & Contexto Enferm [Internet]. 2008 [acesso 17 nov 2023];17(4):758-64. DOI: 10.1590/S0104-07072008000400018
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. Por fim, destaca-se a importância de salvaguardar a investigação acadêmica com referências de qualidade, selecionando periódicos de acordo com a classificação realizada no último quadriênio pela Plataforma Sucupira 1414. Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. Documento técnico do Qualis periódicos [Internet]. Brasília: Capes; 2023 [acesso 17 nov 2023]. Disponível: http://tinyurl.com/59t5texk
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.

Análise de dados

Foram descobertas, ao total, 60 referências, das quais 20 eram provenientes do Medline, 23 do LILACS e 17 da SciELO. A partir disso, todos os resumos foram lidos e triados. Com base nos critérios de exclusão, foram descartados 19 artigos do Medline, 11 do LILACS e sete da SciELO. Também foram verificados e eliminados 15 periódicos duplicados da SciELO.

A maioria das exclusões na Medline foi pautada na divergência de nacionalidade nas populações estudadas, que neste estudo delimita-se às equipes de saúde, pacientes e cuidadores brasileiros. Já na SciELO e LILACS foram excluídos resumos expandidos, capítulos de livro, dissertações, teses e pesquisas de abordagem puramente filosófica e teórica. Ao final da análise de dados foram selecionados oito artigos (Quadro 2).

Quadro 2
Identificação e seleção de artigos para análise

Resultados

Dos oito artigos apresentados, quatro abordam pacientes, enquanto cinco abordam estudantes e profissionais da saúde. Destes, dois incluem cuidadores e familiares na amostra. Para apresentar esses resultados de forma concisa e objetiva, optou-se por descrever os pontos de interesse para esta revisão. Foram indicados título, autor e ano, além do objetivo principal do estudo identificado. Também foram incluídos o tipo de metodologia utilizada, sendo três estudos quantitativos, dois qualitativos e três com proposta qualiquantitativa. Por fim, priorizo a definição usada pelo artigo para conceituar as DAV e as principais contribuições mencionadas pelo autor. O Quadro 3 descreve a seguir os artigos utilizados nesta revisão:

Quadro 3
Apresentação dos resultados

A fim de melhor descrever os materiais encontrados e compreender a percepção da tríade do cuidado (pacientes, cuidadores, profissionais e/ou estudantes da área da saúde) sobre a temática investigada, optou-se por agrupar os dados em tópicos distintos. Logo, tendo em vista que a maioria dos artigos conta com estudantes e profissionais da saúde em sua amostra, e apenas dois entrevistaram acompanhantes, priorizou-se dividir a discussão com base nas convergências de resultados e interpretações feitas nas pesquisas revisadas, determinando-se três categorias:

  1. Entendimento sobre o conceito de DAV;

  2. Conhecimento de estudantes e profissionais da saúde sobre DAV;

  3. Conhecimento de pacientes e cuidadores sobre DAV.

Discussão

Entendimento sobre o conceito de DAV

Esse grupo contém as definições e interpretações mais comuns das DAV. A partir disso observou-se que todos os artigos selecionados nesta revisão, com exceção de Dias e colabora- dores 1010. Dias LM, Bezerra MR, Barra WF, Carvalho AEV, Castro L, Rego F. Advance care planning and goals of care discussion: the perspectives of Brazilian oncologists. BMC Palliat Care [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];21(1):165. DOI: 10.1186/s12904-022-01052-w
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e Chaves e colaboradores 1919. Chaves JHB, Angelo Neto LM, Tavares VMC, Tuller LPS, Santos CT, Coelho JAPM. Cuidados paliativos: conhecimento de pacientes oncológicos e seus cuidadores. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 17 nov 2023];29(3):519-29. DOI: 10.1590/1983-80422021293488
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, equiparam os conceitos de DAV e TV, atribuindo um teor legal e jurídico às definições.

A maioria dos artigos 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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,1010. Dias LM, Bezerra MR, Barra WF, Carvalho AEV, Castro L, Rego F. Advance care planning and goals of care discussion: the perspectives of Brazilian oncologists. BMC Palliat Care [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];21(1):165. DOI: 10.1186/s12904-022-01052-w
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,1111. Gomes BMM, Salomão LA, Simões AC, Rebouças BO, Dadalto L, Barbosa MT. Diretivas antecipadas de vontade em geriatria. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 17 nov 2023];26(3):429-39. DOI: 10.1590/1983-80422018263263
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,1515. Silva JAC, Souza LEA, Costa JLF, Miranda HC. Conhecimento de estudantes de medicina sobre o testamento vital. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 17 nov 2023];23(3):563-71. DOI: 10.1590/1983-80422015233093
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,1818. Comin LT, Panka M, Beltrame V, Steffani JA, Bonamigo EL. Percepção de pacientes sobre a terminalidade da vida. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 17 nov 2023];25:392-401. Disponível: 10.1590/1983-80422017252199 emprega termos como “representante legal” ou “procurador” ao se dirigir aos cuidadores e familiares responsáveis por reivindicar as DAV, além de aparecer como preocupação recorrente dos profissionais – especialmente de médicos – a carência de legislação nacional. Esses fatores, somados ao aparente desconhecimento em relação aos direcionamentos do CFM e à jurisdição da temática, delonga e dificulta a aplicação das DAV. Dessa forma, a literatura sobre o tema passa o entendimento generalizado de que as DAV só podem ser implementadas em formato de documentação especial redigida por advogados e legitimada em cartório.

Essa interpretação, se absorvida por parte das equipes de saúde, pode criar barreiras ao dificultar a compreensão por parte de profissionais, pacientes e cuidadores. Afinal, a boa comunicação médico-paciente, com a elaboração contínua desses registros em prontuário, é suficiente para a construção das DAV, pois o registro em ambiente institucional já preenche os requisitos necessários para configurar documento legal que direciona condutas, tanto para alimentar o prontuário durante uma internação quanto para atendimento ambulatorial, tendo em vista que o perfil de pacientes com mais benefícios associados a essa abordagem costuma fazer acompanhamento médico regular 77. Nogario ACD, Barlem ELD, Tomaschewski-Barlem JG, Silveira RS, Cogo SB, Carvalho DP. Advance directives of patients: process of implementation by palliative care teams. Rev Bras Enferm [Internet]. 2020 [acesso 17 nov 2023];73(suppl 6):e20190567. DOI: 10.1590/0034-7167-2019-0567
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.

Conhecimento de estudantes e profissionais da saúde sobre DAV

Esse tópico discorre sobre os estudos feitos a partir do conhecimento de estudantes de medicina, médicos e enfermeiros, tanto de áreas generalistas quanto daquelas que lidam diretamente com pacientes idosos e com doenças crônicas.

Em Gomes e colaboradores 1111. Gomes BMM, Salomão LA, Simões AC, Rebouças BO, Dadalto L, Barbosa MT. Diretivas antecipadas de vontade em geriatria. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 17 nov 2023];26(3):429-39. DOI: 10.1590/1983-80422018263263
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, 77% dos professores médicos que atendem em ambulatório de geriatria informaram desconhecer as DAV, 13% declararam ter uma noção e apenas 10% responderam afirmativamente. Dentro desse mesmo grupo de 10% estão os que têm conhecimento da regulamentação brasileira das DAV para médicos e sabem que não há ainda legislação em vigor sobre o tema. Dos acadêmicos de medicina que responderam ao mesmo questionário, 62% não conheciam, 20% conheciam, e 18% tinham alguma ideia do conceito.

Ainda em um estudo com resultados similares, feito por Silva e colaboradores 1515. Silva JAC, Souza LEA, Costa JLF, Miranda HC. Conhecimento de estudantes de medicina sobre o testamento vital. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 17 nov 2023];23(3):563-71. DOI: 10.1590/1983-80422015233093
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, apenas 6% dos estudantes de medicina entrevistados tinham entendimento claro do termo “testamento vital”, enquanto 33% referiram entendimento parcial. 11% dos entrevistados desconheciam completamente o assunto, e 50% optaram por não responder à pergunta. Quando esclarecidos sobre o conceito de TV e questionados sobre sua aplicabilidade, a maioria afirmou que respeitaria os desejos dos pacientes. Entretanto, é preciso levar em consideração que frequentemente os assuntos e dilemas éticos expostos durante a graduação em medicina são abordados sob enfoque da deontologia do Código de Ética, assim a reflexão crítica sobre valores atrelados à vivência da prática clínica não recebe o estímulo adequado 1616. Hossne WS, Hossne RS. Opinião do estudante de medicina sobre algumas questões bioéticas. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 1998 [acesso 17 nov 2023];6(2):127-33. Disponível: http://tinyurl.com/mr37ujfp
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.

Já na pesquisa mais recente, publicada por Fusculim e colaboradores 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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em 2022, dos 143 profissionais de enfermagem e medicina, 111 afirmaram conhecer as DAV, ou seja, 77% dos participantes. Foram apresentados resultados positivos para o entendimento de DAV e cuidados paliativos quando comparados aos estudos citados anteriormente, publicados em 2015 e 2018, respectivamente. É válido dizer que, apesar do índice positivo, a maioria dos médicos entrevistados advém das mais diversas especialidades e poucos têm contato real com abordagem paliativa e a construção das DAV em sua prática clínica. Mas é notável que discussões envolvendo direcionamento para o fim de vida se tornaram mais comuns após a pandemia de covid-19, popularizando alguns conceitos e procedimentos da área para profissionais que atuam em outra esfera 2020. Bernardes FM. Dignidade da pessoa humana: diretivas antecipadas de vontade e o novo coronavírus. Brazilian Journal of Development [Internet]. 2021 [acesso 17 nov 2023];7(5):52522-34. DOI: 10.34117/bjdv.v7i5.30396
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.

Por fim, o estudo de Dias e colaboradores 1010. Dias LM, Bezerra MR, Barra WF, Carvalho AEV, Castro L, Rego F. Advance care planning and goals of care discussion: the perspectives of Brazilian oncologists. BMC Palliat Care [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];21(1):165. DOI: 10.1186/s12904-022-01052-w
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, que entrevistou 66 oncologistas de diversas regiões brasileiras, identificou que a maioria deles conhecia o conceito de DAV. Entretanto, apesar de estarem em contato constante com pacientes que apresentam prognóstico reservado, demonstram pouca disponibilidade para aplicar cuidados paliativos e, consequentemente, as DAV, já que não são acompanhados por um médico ou uma equipe paliativista. A exceção a essa conduta majoritária aparece em oncologistas com alguma especialização ou com experiência em cuidados paliativos.

Conhecimento de pacientes e cuidadores sobre DAV

Na pesquisa feita por Gomes e colaboradores 1111. Gomes BMM, Salomão LA, Simões AC, Rebouças BO, Dadalto L, Barbosa MT. Diretivas antecipadas de vontade em geriatria. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 17 nov 2023];26(3):429-39. DOI: 10.1590/1983-80422018263263
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em um ambulatório de geriatria, 66 acompanhantes de idosos foram questionados sobre seus conhecimentos em DAV. Apenas 3% dos participantes da pesquisa tinham conhecimento das DAV, e somente 2% estavam cientes da resolução que as regulamenta no Brasil 66. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.995/2012, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 269-70, 31 ago 2012 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/55zsy57r
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. Após serem apresentados ao conceito, 30% dos acompanhantes indicaram que seus familiares, pacientes do ambulatório, já haviam discutido sobre caminhos para o tratamento quando não fossem capazes de tomar decisões de forma autônoma.

No estudo de Comin e colaboradores 1818. Comin LT, Panka M, Beltrame V, Steffani JA, Bonamigo EL. Percepção de pacientes sobre a terminalidade da vida. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 17 nov 2023];25:392-401. Disponível: 10.1590/1983-80422017252199 sobre percepções de pacientes oncológicos sobre terminalidade, 81% declararam desconhecer os cuidados paliativos, enquanto 85% não tinham conhecimento sobre o TV ou as DAV. Além disso, 95% dos participantes afirmaram que não receberam nenhuma previsão sobre o tempo de vida restante por parte de seu médico assistente.

Dito isso, é sabido que a divulgação de forma clara do prognóstico é responsabilidade do médico, conforme estabelecido no art. 34 do Código de Ética Médica 55. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.931/09, de 24 de setembro de 2009. Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/ycx8xd7m
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. Entretanto, apenas metade dos pacientes teve conversas sobre seu prognóstico vital com o médico, e quase a totalidade (95%) não recebeu qualquer previsão de tempo de vida, o que dificulta o planejamento do futuro em casos de doenças graves

Por último, participaram do estudo feito por Chaves e colaboradores 1919. Chaves JHB, Angelo Neto LM, Tavares VMC, Tuller LPS, Santos CT, Coelho JAPM. Cuidados paliativos: conhecimento de pacientes oncológicos e seus cuidadores. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 17 nov 2023];29(3):519-29. DOI: 10.1590/1983-80422021293488
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200 pessoas, sendo 100 pacientes oncológicos e 100 cuidadores informais. Dos pacientes que participaram, 78% declararam desconhecer o termo “cuidados paliativos”, e 96% afirmaram não estarem familiarizados com o TV. Após essas perguntas iniciais, os entrevistadores explicam o significado de cada termo, e 60% referem interesse em construir suas DAV. Já em relação aos cuidadores, que poderiam ou não ter vínculo familiar com o paciente, 63% afirmaram não ter proximidade com cuidados paliativos, e 81% afirmaram nunca ter sido informados sobre o TV.

Considerações finais

Com o aumento da média de envelhecimento populacional e o consequente avanço de doenças crônicas, as equipes de saúde têm que se ajustar a uma nova realidade, em que a terminalidade da vida se torna cada vez mais comum. Nesse contexto, assegurar uma “morte com qualidade” para os pacientes deveria ser uma prioridade central em detrimento da mera manutenção da vida a todo custo 88. Fusculim ARB, Guirro UBP, Souza W, Corradi-Perini C. Diretivas antecipadas de vontade: amparo bioético às questões éticas em saúde. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];30(3):589-97. DOI: 10.1590/1983-80422022303552PT
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,1010. Dias LM, Bezerra MR, Barra WF, Carvalho AEV, Castro L, Rego F. Advance care planning and goals of care discussion: the perspectives of Brazilian oncologists. BMC Palliat Care [Internet]. 2022 [acesso 17 nov 2023];21(1):165. DOI: 10.1186/s12904-022-01052-w
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,1919. Chaves JHB, Angelo Neto LM, Tavares VMC, Tuller LPS, Santos CT, Coelho JAPM. Cuidados paliativos: conhecimento de pacientes oncológicos e seus cuidadores. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 17 nov 2023];29(3):519-29. DOI: 10.1590/1983-80422021293488
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No que diz respeito às lentes jurídicas sob as quais as diretivas antecipadas de vontade são expostas nesta revisão, receia-se que a abordagem legalista possa afastar os pacientes que não têm acesso fácil a esse tipo de conhecimento. Além disso, apesar de carecer de legislação específica, essa temática e seus debates não são novos aos juristas, que já se asseguram em uma jurisprudência baseada na regulamentação do CFM 44. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.805/2006, de 26 de novembro de 2006. Dispõe que na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, nº 227, p. 169, 28 nov 2006 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/mr4xyvs5
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5. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.931/09, de 24 de setembro de 2009. Código de Ética Médica. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 90, 24 set 2009 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/ycx8xd7m
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-66. Conselho Federal de Medicina. Resolução nº 1.995/2012, de 9 de agosto de 2012. Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 269-70, 31 ago 2012 [acesso 17 nov 2023]. Seção 1. Disponível: http://tinyurl.com/55zsy57r
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e nos inú- meros precedentes que acenam na direção das DAV, mesmo quando não documentadas 2020. Bernardes FM. Dignidade da pessoa humana: diretivas antecipadas de vontade e o novo coronavírus. Brazilian Journal of Development [Internet]. 2021 [acesso 17 nov 2023];7(5):52522-34. DOI: 10.34117/bjdv.v7i5.30396
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As pesquisas que versam sobre conhecimentos de pacientes e cuidadores encontraram resultados semelhantes. Assim, é importante ressaltar que, apesar de muitos pacientes afirmarem que confiam na sua relação com os médicos, muitas vezes eles e seus familiares não recebem as devidas orientações sobre as implicações da doença, o tempo de vida e as opções disponíveis para mitigar sintomas e melhorar a qualidade de vida. Nesse cenário, terminam sendo privados da capacidade de tomar decisões baseadas no processo de enfrentamento da morte com dignidade 1111. Gomes BMM, Salomão LA, Simões AC, Rebouças BO, Dadalto L, Barbosa MT. Diretivas antecipadas de vontade em geriatria. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2018 [acesso 17 nov 2023];26(3):429-39. DOI: 10.1590/1983-80422018263263
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,1818. Comin LT, Panka M, Beltrame V, Steffani JA, Bonamigo EL. Percepção de pacientes sobre a terminalidade da vida. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 17 nov 2023];25:392-401. Disponível: 10.1590/1983-80422017252199,1919. Chaves JHB, Angelo Neto LM, Tavares VMC, Tuller LPS, Santos CT, Coelho JAPM. Cuidados paliativos: conhecimento de pacientes oncológicos e seus cuidadores. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2021 [acesso 17 nov 2023];29(3):519-29. DOI: 10.1590/1983-80422021293488
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Segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) 2121. Brasil. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Beneficiários de planos privados de saúde, por cobertura assistencial (Brasil - 2013-2023). Ministério da Saúde [Internet]. Dados Gerais; 2013 [acesso 17 nov 2023]. Disponível: http://tinyurl.com/2kafxkhy
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, apenas cerca de 23% dos brasi- leiros contam com algum tipo de plano de saúde privado, seja médico ou odontológico. E, tendo em vista a desigualdade social vigente no país, com uma população que é atendida prioritariamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é necessário oferecer ferramentas aos profissionais de saúde para que mobilizem seu engajamento em direção ao conhecimento e aplicação das DAV, a fim de garantir um projeto terapêutico que contemple as condições socioeconômicas, os valores e a espiritualidade de cada pessoa atendida.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Jul 2023
  • Revisado
    28 Nov 2023
  • Aceito
    06 Jan 2024
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