Resumo
“Más notícias” são informações que, quando reveladas, afetam seriamente e de forma adversa a visão de uma pessoa sobre o próprio futuro. O objetivo deste estudo é avaliar a habilidade de comunicação dessas informações entre alunos de medicina. O método utilizado foi a simulação de situação em que os estudantes precisavam transmitir uma má notícia. Avaliou-se a cena interpretada por meio de questionário estruturado, considerando um objetivo primário (comunicar a notícia) e outro secundário (acolhimento do paciente). A amostra foi formada por 60 estudantes, dos quais 96,7% atingiram o objetivo primário e apenas 21,7% atingiram o objetivo secundário (total ou parcialmente). Os estudantes que demonstraram mais cuidado e preocupação com o paciente tiveram melhor desempenho. Conclui-se que a comunicação de más notícias pode ser avaliada com instrumento estruturado, e que a demonstração de cuidado e preocupação se correlaciona de maneira positiva com a qualidade da comunicação.
Comunicação em saúde; Simulação de paciente; Educação médica
Abstract
Providing comprehensive care to individuals is essential to medical practice. Communicating bad news is defined as any information that seriously and adversely affects a person’s vision of the future. This study evaluates communication skills among medical students. The methodology consisted of simulation workshops on communicating bad news. The scene performed, the achievement of the primary (communication of bad news) and secondary (patient reception) objectives were evaluated using a structured questionnaire. Sixty students participated in the study, 96.7% achieved the primary objective and 78.3% did not achieve the secondary objective. In the presence of care and concern, the scores obtained were higher. The communication of bad news can be assessed by structured assessment and showing care and concern is positively associated with the quality of communication.
Health communication; Patient simulation; Education, medical
Resumen
El cuidado de las personas, en su conjunto, es esencial para la práctica médica. “Malas noticias” son informaciones que, cuando se revelan, afectan grave y negativamente la visión de una persona de su propio futuro. El objetivo de este estudio es evaluar la capacidad de comunicar esta información entre estudiantes de medicina. El método utilizado fue la simulación de una situación en la que los estudiantes necesitaban transmitir malas noticias. La escena interpretada se evaluó mediante un cuestionario estructurado, considerando un objetivo primario (comunicar la noticia) y otro secundario (acoger al paciente). La muestra estuvo formada por 60 estudiantes, de los cuales el 96,7% alcanzó el objetivo primario y solo el 21,7% alcanzó el objetivo secundario (total o parcialmente). Los estudiantes que mostraron más cuidado y preocupación por el paciente obtuvieron mejores resultados. Se concluye que la comunicación de malas noticias puede ser evaluada con un instrumento estructurado, y que la demostración de cuidado y preocupación se correlaciona positivamente con la calidad de la comunicación.
Comunicação em saúde; Simulação de paciente; Educação médica
Na área da saúde, “más notícias” são informações que afetam seriamente e de forma adversa a visão de um indivíduo sobre seu futuro 1-5. Um exemplo é o diagnóstico de doenças, que muda a vida do paciente e das pessoas com quem ele se relaciona. As mudanças afetam tanto aspectos materiais como relações interpessoais, pois a doença expressa a vulnerabilidade e a finitude inerentes ao ser humano. Dessa forma, entende-se que cuidar do ser como um todo, com respeito e proximidade, é essencial para que o doente aceite sua nova situação e a enfermidade possa ser vivenciada da melhor forma possível 1-6.
Segundo Torralba Roselló 6, o exercício de cuidar não é mera técnica, mas fundamentalmente uma arte, que inclui conhecimentos de diversas esferas (psicologia, anatomia, antropologia, cultura, religião). Para desempenhar essa arte e cuidar com dignidade, velando a autonomia do paciente, é necessária uma reflexão global sobre o ser humano. Assim, as habilidades do profissional de saúde devem transcender aspectos biológicos, para que se entenda o paciente como um todo 6.
Uma habilidade necessária à assistência é a comunicação. Transmitir uma má notícia pode ser complexo e desafiador, e o profissional de saúde pode se sentir desconfortável ou incapaz para cumprir essa tarefa. Assim, é preciso desenvolver protocolos e treinar profissionais para esse tipo de comunicação 1-6.
Referência para a comunicação de más notícias, o protocolo Spikes traz em seu nome um acróstico mnemônico que descreve seis passos: planejamento da entrevista (setting up the interview), avaliação da percepção (perception), convite (invitation), informação propriamente dita (knowledge), emoções (emotions), estratégia e sumário (strategy and summary) 1-3.
Ainda faltam evidências e abordagens metodológicas padronizadas para ensinar a habilidade de comunicação de más notícias 4-7. A simulação com participação de atores tem sido usada em diversas áreas médicas 5-8. O método é colocado em prática com alunos e atores em cenário simulado, ou entre alunos, em role play. O desempenho acadêmico pode ser avaliado por questionário estruturado, e a técnica pode ser corrigida por meio de devolutiva, coletiva ou individual, denominada debriefing.
As artes criativas podem auxiliar a educação médica, considerando aspectos antropológicos e da ética do cuidado 6. Alunos participantes de estudo de Berney e colaboradores 9 afirmaram, de maneira quase unânime, que a experiência de aprendizado com atores de improvisação foi positiva. A pesquisa de Bell e colaboradores 10 treinou 200 profissionais e estudantes, simulando a comunicação de más notícias. Os participantes relataram que a experiência pareceu real (96%), que o aprendizado foi significativo (97%), e que o treinamento com atores foi adequado e possivelmente melhor do que em formato de role play (80%).
Evidentemente, o treinamento de profissionais é fundamental para a sociedade 4,7,8. No entanto, parece haver mais eficácia no treinamento de estudantes, com sensibilização prévia sobre o quanto pode ser complexo e desafiador comunicar más notícias, a fim de que os futuros profissionais não passem por essa situação sem preparo 5,11.
Tendo em vista a necessidade, do ponto de vista bioético, de que futuros profissionais de saúde aprimorem essa habilidade, o objetivo do presente estudo é avaliar, de modo estruturado, a comunicação de más notícias em ambiente de simulação por estudantes de medicina brasileiros.
Método
Por meio de representantes de turma e anúncios em redes sociais, os pesquisadores convidaram alunos do curso de medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR), matriculados em qualquer semestre, a participar do estudo. Foram estabelecidos como critérios de exclusão: ter menos de 18 anos, não desejar participar da pesquisa (isto é, não assinar o termo de consentimento) e faltar a um dos dois encontros programados. As atividades ocorreram no Setor de Ciências da Saúde da UFPR, Curitiba/PR, em março de 2019, em dias previamente agendados. Os participantes foram divididos em grupos de acordo com o momento que estavam na graduação: ciclo básico, clínico ou estágio.
A primeira oficina foi direcionada a alunos do ciclo de estágio (do 9º ao 12º semestre), a segunda para o ciclo clínico (do 5º ao 8º semestre), e a terceira para o ciclo básico (do 1º ao 4º semestre). Para garantir a eficácias das atividades, o número de participantes foi limitado a 30 por oficina. No dia agendado, os estudantes esclareceram suas dúvidas sobre a pesquisa e receberam o termo de consentimento livre e esclarecido. A seguir, um questionário, que visava coletar informações demográficas e conhecer características dos participantes, foi preenchido individualmente.
No dia planejado, os estudantes participaram de simulação individual, em conjunto com a atriz que interpretou uma paciente. A cena foi avaliada por um observador por meio de instrumento-padrão. Na entrada do consultório simulado, o aluno participante recebia a seguinte instrução: “Tempo para simulação: 5 minutos. Você atenderá Mariana, 24 anos. Ela veio à UBS há 20 dias e pediu exames de rotina e teste de HIV para outro médico. O exame está dentro da sala, no computador. Observe o resultado e informe a notícia à paciente. Foque na comunicação da notícia. Este não é um treinamento sobre conduta clínica”.
O resultado era HIV positivo. A personagem da paciente, construída com base em cenário habitual da prática médica, tinha uma história de vida (historicidade), personalidade típica e respostas-padrão para a situação enfrentada. A cena era um recorte da vida de Mariana, no qual ela buscava o médico para receber o resultado de seu exame. O desfecho primário da cena consistia na comunicação da má notícia em si. No entanto, havia também a possibilidade de um desfecho secundário, que seria atingido se o médico mostrasse, por linguagem verbal e não verbal, entender e respeitar a dimensão psicoemocional da paciente. As cenas foram construídas por um grupo de atrizes estudantes, treinadas por uma atriz profissional em um curso de 20 horas, supervisionado pela docente pesquisadora. O curso trabalhou com técnicas básicas de improvisação e interpretação.
A cena foi descrita aos participantes apenas um minuto antes da simulação, para que não houvesse treinamento prévio. Eles também permaneceram isolados, para evitar a comunicação. As atrizes foram orientadas para que suas atuações fossem padronizadas em todas as simulações. A cena teve duração máxima de cinco minutos, e o desempenho dos estudantes foi avaliado por meio de instrumento padronizado, preenchido em consenso entre observador e atriz. O observador presenciava a cena atrás do aluno, de maneira que não pudesse ser visto ou interferir na cena. O instrumento padronizado de avaliação foi desenvolvido pelos pesquisadores, especificamente para este estudo.
Após as simulações, todos os participantes foram reunidos para que ocorresse um debriefing coletivo, em formato de roda de conversa com pesquisadores, atrizes e observadores. A avaliação apontou pontos positivos e pontos que poderiam ser melhorados na comunicação de más notícias. No final das atividades, os participantes deram sua opinião sobre a oficina por meio de questionário individual.
Os dados foram digitados em planilha eletrônica do Excel e submetidos a estudo estatístico no software R versão 3.4.4. O tamanho da amostra foi definido por conveniência, em função do interesse dos participantes. Os dados demográficos e de desempenho estão descritos em frequências e porcentagens. O desempenho foi padronizado entre 0 e 1 para efeito de estudo estatístico e considerado suficiente acima de 0,5. O escore corrigido foi calculado com a fórmula score (0,1) = escore − mínimo (escore) / máximo (escore) − mínimo (escore). Para correlação entre alcance do objetivo primário ou secundário e desempenho, assim como cuidado e preocupação do estudante e ciclo do curso, utilizou-se o teste exato de Fisher; para relação entre escores obtidos e ciclo do curso médico, bem como cuidado e preocupação dos estudantes e escores corrigidos, o teste de Kruskal-Wallis. Considerou-se significativo p<0,05 (5%).
Resultados
A amostra foi formada por 60 participantes, 39 mulheres (65%) e 21 homens (35%), sendo 28 alunos do ciclo básico (46,7%), 26 do ciclo clínico (43,3%) e 6 (10%) do estágio. A média de idade dos participantes foi de 22,1 anos, variando de 18 a 29 anos. Dos 60 participantes, 27 (45%) sabiam definir adequadamente o conceito de notícia difícil, 30 (50%) o conheciam parcialmente, e 3 (5%) o desconheciam. Com relação ao ensino prévio, 50 participantes (83,3%) nunca haviam recebido orientações sobre como comunicar más notícias.
O instrumento utilizado para avaliar o desempenho dos participantes foi composto de 17 itens, cada um com pontuação de 0 a 2: zero para quesito não cumprido, um para cumprido parcialmente, e dois para completamente cumprido. Portanto, somando os itens, a pontuação do aluno poderia variar de 0 a 34 pontos. Os dados da avaliação são descritos na Tabela 1.
A média de pontuação total dos participantes foi de 19 pontos, com mediana 19 (desvio padrão ±6,1). O escore mínimo obtido foi de 7 e o máximo foi de 34. O objetivo primário da cena era que o aluno informasse a má notícia; 58 (96,7%) conseguiram cumpri-lo, e apenas 2 (3,3%) o fizeram parcialmente. O objetivo secundário era que o aluno identificasse e abordasse alguma característica importante da paciente – que expressava esta característica de maneira evidente. Apenas 8 (13,3%) dos participantes cumpriram esse objetivo, 5 (8,3%) cumpriram parcialmente, e a maioria não o fez (47; 78,3%).
O cuidado e a preocupação com o paciente ao comunicar a má notícia foram demonstrados totalmente por 18 participantes (30%) e parcialmente por 31 (51,6%). Onze estudantes (18,3%) não demonstraram cuidado e preocupação. Sobre a contribuição da simulação para aprimorar a habilidade de comunicar más notícias, 54 participantes (90%) afirmaram que a simulação contribuiu muito, 4 (6,6%) que houve alguma contribuição, 2 (3,3%) declararam-se indiferentes, e nenhum dos participantes assinalou que a atividade prejudicou o aprendizado.
No ambiente de ensino por simulação, é importante assegurar que o treinamento esteja de fato inserindo o aluno na realidade. Dos participantes, 42 (70%) declararam que se sentiram inseridos na realidade durante a cena, 16 (26,6%) tiveram alguma sensação de realidade, e 2 (3,3%) declararam-se indiferentes. Com relação à devolutiva por meio de debriefing, 52 participantes (86,6%) afirmaram que a metodologia coletiva contribuiu com o aprendizado, 6 (10%) afirmaram que contribuiu parcialmente, e 2 (3,3%) se declararam indiferentes. Ninguém assinalou a alternativa de prejuízo ao aprendizado. Em relação ao conforto dos participantes para comunicar a má notícia, 4 participantes (6,6%) responderam “ótimo”, 23 (38,3%) “bom”, 27 (45%) “razoável ou neutro”, 6 (10%) “ruim”, e nenhum participante respondeu “péssimo”.
Realizou-se estudo estatístico para padronizar as pontuações totais obtidas por cada participante em um intervalo de 0 a 1. Os estudantes foram considerados capacitados na habilidade de comunicação de más notícias quando obtiveram valores superiores a 0,5. Relacionando a frequência com que os participantes atingiram o objetivo primário e os escores obtidos (menor ou maior que 0,5), não houve diferença estatisticamente significativa entre os participantes pelo teste exato de Fisher, com p=1,0. Entre os que atingiram totalmente o objetivo primário (n=58), 36 (62%) obtiveram escores menores que 0,5, e 22 (38%) obtiveram escores maiores que 0,5. Quanto aos dois participantes que atingiram o objetivo primário apenas parcialmente, um deles obteve escore maior que 0,5, e outro escore menor que 0,5.
Quanto à relação entre atingir ou não o objetivo secundário e o escore obtido (menor ou maior que 0,5), foi possível obter os seguintes resultados: 34 participantes (56,7%) não atingiram o objetivo secundário e tiveram escore insuficiente (<0,5); 13 participantes (21,7%) não atingiram o objetivo secundário, mas obtiveram escore considerado suficiente (>0,5). Um participante (1,7%) atingiu o objetivo secundário de maneira parcial e obteve escore insuficiente; 4 participantes (6,7%) atingiram o objetivo secundário parcialmente e escore considerado suficiente; 2 participantes (3,3%) atingiram o objetivo secundário de maneira total, mas não obtiveram escore suficiente; 6 participantes (10%) atingiram o objetivo secundário e obtiveram escore considerado suficiente, pelo teste exato de Fisher, com p=0,0034. Dentre os participantes que não atingiram o objetivo secundário (n=47), 34 (72,34%) não atingiram o escore considerado suficiente. Dos participantes que atingiram o objetivo secundário total ou parcialmente (n=13), 8 (61,54%) atingiram o escore considerado suficiente. Dentre os participantes que atingiram o objetivo secundário completamente (n=8), 6 (75%) atingiram o escore considerado suficiente (Tabela 2).
O estudo também avaliou a relação entre o escore obtido e o ciclo de curso médico em que o participante se encontrava no momento da oficina, mas não houve diferença estatisticamente significativa entre grupos pelo teste de Kruskal-Wallis, com p=0,16
A questão “O médico demonstrou cuidado e preocupação?” foi correlacionada com o ciclo que os estudantes cursavam e também não houve diferença estatística (p=0,71; teste de exato de Fisher). Entre os alunos do ciclo básico, 6 (10%) não demonstraram cuidado e preocupação, 14 (23,3%) demonstraram parcialmente, e 8 (13,3%) demonstraram completamente. Dentro do grupo de alunos do ciclo clínico, 3 (5%) não demonstraram cuidado e preocupação, 14 (23,3%) demonstraram parcialmente, e 9 (15%) demonstraram completamente. Por fim, no grupo de alunos do estágio, 2 (3,3%) não demonstraram cuidado e preocupação, 3 (5%) demonstraram parcialmente, e 1 (1,7%) demonstrou completamente. As porcentagens descritas são proporcionais ao total da amostra.
Quando a mesma questão (“O médico demonstrou cuidado e preocupação?”) foi correlacionada com o escore corrigido, os dados se mostraram estatisticamente significativos. De acordo com os resultados obtidos, o cuidado e a preocupação foram mais demonstrados por participantes com escore maior (Gráfico 1).
Discussão
Apesar de ser uma situação rotineira na prática médica, comunicar más notícias é desafiante 4,8. A falta de habilidade para essa comunicação pode gerar sofrimento ao paciente, a familiares e ao próprio profissional 5. Para que a assistência seja humana e digna, o profissional de saúde deve reconhecer o paciente como indivíduo, com suas próprias concepções acerca do processo de saúde-doença, e considerar a vulnerabilidade presente nessas situações. Portanto, é necessário que futuros médicos aprendam a comunicar más notícias, independentemente da especialidade ou área de atuação que escolham.
Sabendo da importância de promover boas práticas na transmissão de más notícias, o presente estudo abordou o ensino de habilidades de comunicação na graduação médica. No entanto, não seria ético submeter pacientes a estudantes em formação e sem treinamento apenas com a finalidade de aprendizagem, uma vez que a má notícia impactaria negativamente todos os envolvidos. Por isso a metodologia adotada contou com a participação de atores no papel de pacientes padronizados. Como mostraram Bell e colaboradores 10, atores têm papel importante no treinamento de habilidades de comunicação. Os autores realizaram oficinas de simulação com atores e os participantes aprovaram a experiência. O experimento foi considerado desafiador, uma vez que o ator não seguia uma cena decorada, mas improvisava de acordo com a situação, aproximando-se muito da realidade 10.
Assim como em outros estudos 9-13, a amostra da presente pesquisa foi composta de alunos de ambos os sexos, jovens, de todos os ciclos do curso de medicina. Um dado importante é que o interesse em participar da oficina não significou conhecimento prévio sobre o conceito de más notícias. Mais da metade dos participantes não soube definir corretamente o conceito – um dado a partir do qual se pode supor que, entre os alunos que não manifestaram interesse em participar da pesquisa, esse número provavelmente é ainda maior. Tendo em conta que esses estudantes serão profissionais da saúde, o resultado é preocupante.
Os participantes que cursavam o ciclo básico ou clínico tiveram mais interesse em participar do estudo. Esse resultado surpreendeu os pesquisadores, que supunham maior interesse entre alunos mais próximos de se formar, provavelmente mais preocupados com o cuidado e a atenção ao paciente. Não foi objetivo deste estudo avaliar a negativa de participação, mas alguns estudantes que recusaram o convite alegaram excesso de atividades. Estimular esses alunos foi um desafio, embora não faltassem argumentos: o ensino de habilidades para comunicar más notícias deveria permear toda a formação, do ciclo básico ao estágio 12.
A consulta médica é um momento de interação social em que dois ou mais indivíduos interagem, sabendo quem é seu interlocutor e qual é a função do profissional. Assim, a apresentação dos indivíduos, com nome e função desempenhada, é necessária. No entanto, 41,7% dos participantes não se apresentaram ao paciente – resultado que deve servir de alerta aos educadores envolvidos no ensino de habilidades sociais e comunicativas na graduação.
Em qualquer relação o respeito é fundamental, pois, sem ele, a comunicação falha desde o início. O respeito do médico ao paciente e o interesse por suas ideias também foram avaliados: 95% dos alunos demonstraram respeito, e 90% demostraram interesse total ou parcial pelas ideias do paciente. Portanto, os estudantes mostraram potencial para uma comunicação empática, desde que treinados. A humanização em saúde depende do acesso a serviços médicos e da valorização dos indivíduos. O médico com visão humanista, além do bom desempenho técnico da medicina, preocupa-se com o bem-estar do paciente e respeita a dignidade do ser humano 13.
A comunicação é mais eficaz quando o interlocutor entende o que o outro quer comunicar. Porém, infelizmente, é comum que profissionais de saúde usem termos técnicos que podem parecer de fácil entendimento, mas não são compreensíveis para pacientes e familiares leigos. A maioria dos estudantes da amostra conseguiu se comunicar de maneira que pôde ser assimilada pela paciente. No entanto, poucos participantes procuraram se certificar de que as informações estavam sendo compreendidas. Esse resultado deve ser observado, já que tanto os termos utilizados como a não certificação da compreensão podem prejudicar a comunicação 1-3,7. Assim, é importante ressaltar que os futuros profissionais, além de estar atentos à complexidade do vocabulário, precisam adquirir o hábito de questionar o interlocutor sobre o entendimento das informações.
Cuidar envolve integrar-se com o outro, abrindo-se à perspectiva de que não se trata apenas de um contato entre duas pessoas, mas de uma situação em que “eu” e “ele” se tornam “nós”. Receber uma má notícia revela à pessoa sua vulnerabilidade, e por isso é essencial demonstrar cuidado e preocupação ao comunicar esse tipo de notícia 1-3. Contudo, apenas um terço dos participantes demonstrou essas características. Seria importante que o ensino focasse, além das técnicas fundamentais à profissão, o cuidado e a empatia necessários ao atendimento médico. O cuidado nunca será perfeito, já que a capacidade do cuidador – que também precisa de cuidados – é finita, mas é essencial, para respeitar a dignidade humana, entender o adoecimento como momento de vulnerabilidade humana que traz necessidades especiais de atenção e acolhimento 6.
A maioria dos participantes afirmou que a simulação pareceu real, o que torna este estudo fiel como método de ensino. Se não se sentissem inseridos na situação, os alunos poderiam desempenhar uma tarefa puramente técnica, incapaz de aproximá-los do estresse envolvido em cenários desfavoráveis. A maioria dos participantes também afirmou que a simulação contribuiu para o aprendizado sobre a comunicação de más notícias. No entanto, a autoavaliação antes e depois da oficina não correspondeu a essa aprovação ao método de ensino. O mesmo dado foi encontrado em outros estudos 7,11,14, pois os participantes parecem se tornar mais conscientes da fragilidade de suas competências. Acredita-se que o treinamento de habilidades de comunicação pode melhorar este panorama 7,11,14.
Tão importante quanto a simulação é a devolutiva, que precisa ser compreensível, acolhedora, e apontar pontos positivos no desempenho dos discentes para estimular o aprimoramento. No entanto, as características negativas devem ser corrigidas, para que não se perpetuem. Essa correção deve ser didática, de forma que o aluno assimile o conhecimento e não se sinta exposto diante do grupo a ponto de desistir do aprendizado 15,16. O debriefing, método utilizado neste estudo, teve ótima aceitação dos participantes e contribuiu para o aprendizado. A escolha do debriefing coletivo foi motivada pelas próprias características da pesquisa, já que, se a devolutiva fosse individual, o tempo despendido seria inviável. A avaliação individual também poderia intimidar alguns alunos, aumentando a ansiedade e impedindo a troca de conhecimentos proporcionada pela roda de conversa.
Berney e colaboradores 9 recomendam uma estratégia de devolutiva individualizada 9. Kim e colaboradores 15 apontam que o debriefing coletivo deve ter as etapas de levantamento das características do grupo, de introdução de novos conceitos e de reflexão final baseada no conteúdo assimilado. Comparando as duas estratégias, pode-se dizer que o grupo proporciona aprendizado além do que o indivíduo alcançaria isoladamente, considerando que a dificuldade de um membro pode ser a dificuldade de todo o grupo. Além disso, como observado no presente estudo, que juntou participantes, atores e tutores, o grupo proporciona acolhimento mútuo.
O instrumento de avaliação utilizado no estudo tinha dois objetivos definidos. O objetivo primário era comunicar a má notícia, independentemente da qualidade da comunicação. Como era esperado, esse objetivo foi atingido por quase todos os participantes. O objetivo secundário, no entanto, não obteve resultado semelhante. Para atingi-lo, era preciso perceber a subjetividade do paciente. A atriz foi preparada para demonstrar características importantes da personagem por meio de linguagem não verbal e verbal. Se o estudante demonstrasse perceber essas características por meio de perguntas ou observações, o objetivo secundário seria atingido.
É evidente a importância da empatia para o futuro profissional de saúde. No entanto, o objetivo secundário foi atingido total ou parcialmente por apenas 21,6% da amostra. Isso demonstra que a maioria dos estudantes tem a capacidade de comunicar a má notícia, mas não consegue reconhecer o paciente como uma pessoa que é muito mais do que a receptora de uma informação. Para reverter esse resultado é preciso desenvolver a empatia dos estudantes por meio da prática com pacientes e da reflexão sobre as próprias atitudes 17.
A avaliação do desempenho do aluno na simulação somava a pontuação dos diversos itens considerados importantes para a habilidade de comunicar más notícias. Após estudo estatístico, a pontuação total de cada participante ficou delimitada a um intervalo de 0 a 1. Escores maiores que 0,5 foram considerados satisfatórios. O objetivo do estudo estatístico foi correlacionar o escore obtido por cada participante com diversos itens considerados relevantes: ciclo do curso de medicina, atingir ou não o objetivo primário, atingir ou não o objetivo secundário, cuidado e preocupação demonstrado pelo participante.
O ensino da habilidade de comunicar más notícias, por meio de aulas expositivas, dramatização ou apresentação do protocolo Spikes, torna os alunos mais preparados e seguros. Abordar o tema durante a graduação é eficaz para aprimorar tal habilidade 18. No entanto, esse dado não pôde ser confirmado no presente estudo. Estar em um estágio mais avançado da graduação não contribuiu para uma comunicação de maior qualidade. Depreende-se desse resultado que o tema talvez não tenha sido abordado durante o curso, visto que, no momento da oficina, matérias como cuidados paliativos, oncologia e geriatria não faziam parte do currículo obrigatório nem eram ofertadas como disciplinas optativas. Assim, o acesso a esse tipo de conhecimento só seria possível se professores de outras disciplinas considerassem a comunicação de más notícias relevante para a formação do aluno. Isso mostra que a habilidade de comunicação deve receber mais atenção.
Estudantes com escores maiores mostraram mais cuidado e preocupação com o paciente no ambiente simulado. Portanto, pode-se afirmar que, quando observam atentamente a pessoa atendida, os estudantes demonstram melhor desempenho. Dada essa correlação, o cuidado e a preocupação podem ser considerados marcadores de qualidade da comunicação de más notícias.
A comunicação é inerente ao ser humano. Logo, já era esperado que não houvesse correlação entre atingir o objetivo primário (simplesmente transmitir a notícia) e obter escore maior ou menor. O simples ato de dar uma notícia não está relacionado a um bom ou mau desempenho no modelo de avaliação proposto. Por outro lado, a percepção do outro em sua totalidade (objetivo secundário) não foi uma capacidade que se mostrou intrínseca aos estudantes. Essa característica, no entanto, é fundamental para o profissional de saúde, que precisa aprender recursos verbais e não verbais para estabelecer boas relações e agir de modo adequado. Assim, diferentemente do objetivo primário, atingir o objetivo secundário esteve claramente relacionado a escores elevados.
Como todo estudo, este também apresenta limitações. Não há na literatura um instrumento padrão para avaliar a qualidade da comunicação, que depende de inúmeros fatores nem sempre aferíveis. Dessa forma, o instrumento de avaliação estruturado aqui utilizado ainda pode ser aprimorado. Uma amostra com mais participantes e proporcionalidade por ciclos acadêmicos também poderia mostrar novos resultados. A subjetividade de uma pesquisa que envolve relações humanas e interpretação teatral é inerente a esse tipo de estudo. A fim de minimizar vieses, as atrizes ensaiaram exaustivamente com técnicas em espelho, para padronizar a atuação, e um instrumento de avaliação estruturado foi utilizado.
Considerações finais
Conclui-se que a comunicação de más notícias em ambiente de simulação pode ser avaliada por meio de instrumento estruturado. A demonstração de cuidado e de preocupação se correlacionou de maneira positiva com a qualidade da comunicação, mas não se correlacionou com o estágio mais avançado do aluno no curso de medicina. A percepção da subjetividade do paciente, sinalizada neste estudo pelo objetivo secundário, esteve diretamente relacionada com o bom desempenho do participante. A habilidade de comunicação de más notícias pode ser ensinada e treinada no curso médico, bem como corrigida por meio de debriefing. Tal habilidade faz parte do cotidiano do profissional, que tem a obrigação de comunicar a verdade de maneira ética, respeitando o princípio da beneficência.
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Aprovação CAAE 91407818.0.0000.0102
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
6 Set 2021 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2021
Histórico
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Recebido
21 Out 2019 -
Revisado
9 Maio 2021 -
Aceito
11 Maio 2021