PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO |
Quem toma a decisão de iniciar a TRS 26 UR (1,07%) |
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Foi relatado que é uma avaliação técnica, com tomada de decisão feita pelo profissional médico (individualmente ou com a equipe médica – em caso de residentes): “Mas em consultório, em geral, a decisão é minha (médica)” (E4).
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Não há enfoque na participação da equipe ou em discussão com ela. E apenas três profissionais frisaram a participação do paciente: “porém, eu nunca decidi por doente nenhum” (E25).
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“Mas, em última análise, a decisão é sempre dele [paciente]” (E28).
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“Essa decisão é conjunta sempre, nunca é só o nosso” (E56).
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O cenário representa o paternalismo forte presente nos serviços de saúde.
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O que direciona a tomada de decisão 73 UR (3%) |
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Foi relatado que a tomada de decisão é direcionada por parâmetros clínicos e laboratoriais: “É, na verdade, do ponto de vista médico, são avaliações muito objetivas, não tem nada subjetivo, você tem critérios já estabelecidos pra isso” (E27).
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“Porém, não é um número que vai colocar o paciente em diálise, é o contexto clínico em que ele está inserido” (E4).
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“Aquele número mágico clearence abaixo de 10 para todos os pacientes e abaixo de 15 para crianças e diabéticos, nem sempre é utilizado” (E21).
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Questões sociais, econômicas e de possibilidade de tratamento, cognição e apoio familiar, o estágio da DRC, a TFG e sua piora, idade, o momento em que acontece e como se “encara”, a confiança do usuário, ter sintomas e estar em urgência foram citados como condições que precisam ser avaliadas. Para a indicação de DP, foram citadas pessoas com dificuldade de acesso vascular ou com condições cardiológicas importantes.
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Motivos/indicações/ sintomas para iniciar a TRS 48 UR (1,97%) |
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Foram citados como critérios para direcionar a tomada de decisão: piora do clearance/queda da TFG (<10 ou estágio 5), perda de apetite e dificuldade para se alimentar, náuseas e vômitos, perda de peso e de massa muscular, hipervolemia e edema, cansaço e fadiga, desnutrição, piora do sono, prurido, hipoalbuminemia, hipercalemia, proteinúria, paratormônio alto ou distúrbio mineral ósseo, sintomas urêmicos, hipertensão, congestão, diminuição da diurese, sinais de acidose, anemia e sarcopenia. Podendo ser classificados como critérios de urgência ou eletivos. Vale ressaltar que pacientes têm tolerância diferenciada a alterações, sendo necessária uma avaliação individual:
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“Mas ele não pode estar completamente assintomático, nem deve estar muito sintomático… É que você vai chegar a essa conclusão, junto com os exames laboratoriais, que chegou a hora do doente começar a fazer terapia” (E10).
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PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO
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Tomada de decisão compartilhada 67 UR (2,75%) |
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Ao serem questionados sobre como é o processo de tomada de decisão, claramente a maioria dos profissionais pensa no respeito à autonomia do usuário e acredita ser importante sua participação: 19 responderam ser entre o profissional médico e o paciente; 4 entre o profissional, paciente e familiar. Um nutricionista e dois psicólogos citaram que participam do processo junto ao usuário. Infelizmente houve relato de desrespeito à autonomia do usuário: seis profissionais relataram ser uma decisão entre médicos (especialmente entre o residente e a preceptoria/staff); seis, em conversa ou reunião com a equipe, não citando a participação do usuário; quatro, entre o médico e o familiar (não citaram o paciente); e um relata tomar a decisão sozinho. “Geralmente a decisão de iniciar a terapia é a gente que toma, eu geralmente com o staff e aí comunicamos isso pro paciente” (E43).
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Percebeu-se uma fala pouco expressiva da participação de toda a equipe nesse processo, e foi reforçado por dois profissionais que deveriam participar médico, enfermagem, psicólogo e paciente. “E o profissional médico convida o profissional multi para contribuir num momento em que já está decidido e já está posto, entendeu?” (E15).
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Paciente pode escolher a melhor modalidade de TRS? 98 UR (4,03%) |
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Para 49 profissionais, a resposta foi “sim”, sendo retratado que ele não só pode como deve, e é direito dele. Dois relataram que depende, especialmente se o paciente tiver condição sociocultural, se for esclarecido, orientado, desde que não tenha contraindicação formal médica ou de enfermagem a alguma terapia. Sete relataram que deveria poder, mas não é uma realidade na prática assistencial: “Poder ele pode! Só que geralmente não é sugerido [risos]” (E31). “Então, algumas vezes é possível escolher. Mas por vezes os pacientes já chegam num quadro clínico, né?” (E35).
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Três profissionais não responderam exatamente se o usuário pode ou não: “Eu acho que ele não tem o conhecimento, né, dessas modalidades” (E40).
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Vale reforçar que é papel do profissional orientar e promover a autonomia do usuário. Dois responderam que não é direito do usuário fazer essa escolha: “Não. A maioria mesmo é hemodiálise, eles não escolhem” (E45).
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Como o profissional se coloca perante a escolha do paciente 25 UR (1,02%) |
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Apresenta o que é possível para o tratamento (seja por contraindicação clínica, seja por indisponibilidade de vaga), respeita a escolha do paciente sobre qual terapia ele gostaria de fazer ou não, dentro das possibilidades, sem direcioná-lo para alguma terapia. O paciente pode escolher a modalidade que gostaria de fazer, mas não pode escolher se vai fazer ou não o tratamento. Sobre o respeito à autonomia e a privação deste: “E a gente acata a condição dele, desde que seja uma coisa que faz sentido, é da parte médica, né? (…) Então, enquanto está lúcido e orientado, a gente não coloca ninguém HD que não queira” (E55).
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“Se for, se eu estiver de plantão [risos], vamos dizer assim e tiver que botar o paciente para dialisar, ele vai dialisar” (E4).
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PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO
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Profissional direciona a TRS – paciente que ele considera elegível 20 UR (0,82%) |
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Os profissionais relatam que encaminham para modalidades que consideram a melhor, certa ou indicada para o usuário: “A gente expõe nossas ideias, né? (…) obviamente a gente fala o que seria mais benéfico pro paciente até pra qualidade de vida dele” (E26).
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“Dá sempre um conselho do que que a gente entende como sendo o melhor” (E28).
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“Eu tento orientar a melhor técnica, a melhor prática pra ele em si” (E47).
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“E eu acabo também dando a minha opinião, dizendo o que eu acharia o método mais recomendado para ele, e aí passo isso para o paciente” (E59).
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“Se é um paciente que eu considero elegível para DP, eu sempre tento oferecer DP antes” (E13).
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“Porque assim, são duas opções, só que eu teria que dizer ‘olha, você tem essas opções, só que esse é mais adequado, entendeu?’ (…) Ou seja, basicamente a gente empurra o paciente pra hemodiálise” (E24).
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“Dificuldade pra terapia de diálise peritoneal, a gente não deixava a participação dele, a gente já indicava a hemodiálise” (E37).
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Porém, há também uma preocupação com essa atitude, clássica do paternalismo comum na atuação do profissional: “A gente tem muito aquela postura de a gente tomou a decisão correta, né? Assim, eu fiz o melhor que eu pude, né?” (E49).
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Participação da família na tomada de decisão 41 UR (1,68%) |
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Foi citada a importância da participação da família: “Sim, a gente, quando chega nesse estágio… muitas vezes, a gente até está com um familiar do lado, né? Seja um filho, ou seja, uma filha, seja um pai, uma mãe, enfim, um irmão, entendeu?” (E63).
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“E sempre pede para vir a família. Paciente que tem clearance baixo, a gente sempre pede para ver um familiar. É… o cara é totalmente dependente, de 40 anos de idade, mas já é… já vem com a família, porque é bom que você explique para a família junto que a gente acha legal a família participar um pouquinho desse…” (E60).
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“Aí, chamei a mulher, chamei os filhos, não, não vai fazer! (…) de tudo que eu falei, vai chegar uma hora que vai, essa bomba vai estourar na sua mão, na hora [em] que ele tiver numa emergência ainda vão botar o que a senhora vai fazer, a senhora tem que pensar sobre isso, entendeu?” (E25).
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Apoio da equipe no processo de tomada de decisão 23 UR (0,94%) |
Foi relatada a participação da equipe por oito profissionais (se preciso for, a psicologia auxilia, a enfermagem participa) e que, quando necessário, o profissional dialoga com os demais para auxiliar ou até mesmo conversar com o paciente. Porém, um entrevistado relatou que não participa de nenhum processo, e um relatou que há uma divisão entre profissionais, ressaltando que esse apoio pode não ser satisfatório, como demonstrado na fala a seguir: “E, no momento em que já está decidido, está posto e que encontrou alguma resistência na família, encontrou alguma dificuldade de entendimento da família, de aceitação, entendeu? É nessa hora que o profissional multi é convidado a entrar” (E15). |
BIOÉTICA NO ENCAMINHAMENTO A TRS
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Vivência de problema bioético na atuação profissional 108 UR (4,44%) |
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Há uma dificuldade de identificar a vivência de problemas bioéticos por parte dos profissionais. “Mas eu nunca tive um problema de fato, que foi parar, sei lá, na ouvidoria ou alguma coisa assim. Não, nunca tive” (E3).
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21 profissionais relatam que nunca vivenciaram problema bioético; cinco acreditam que sim, mas não se recordam. Dentre os que relatam problemas, o mais frequente foi a recusa de paciente a dialisar, citada por 19 profissionais. Alguns problemas citados como vivência: paciente chega em urgência dialítica e não é possível obter consentimento; realização de diálise que gera mais sofrimento do que qualidade de vida; processo de transplante; não aderência ao tratamento; recusa de transfusão por testemunha de Jeová; problema com colega de profissão; culpar o médico por qualquer complicação que aconteça com paciente; medicação causou efeito colateral e médico se recusou a modificar; profissional de saúde que incentiva negativamente o paciente sobre TRS; realização de pesquisa; interesse da indústria; solicitar biópsia para justificar abortamento; ocultar diagnóstico do paciente; nutrir ou não paciente em fim de vida; não ofertar tratamento ao paciente; e dois profissionais disseram que são tantos problemas que nem conseguem descrever.
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Como usa a bioética na atuação/tomada de decisão profissional 43 UR (1,77%) |
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Foi reforçada a importância do respeito à autonomia: “Porque primeiro quando você apresenta a ele, explica para ele as modalidades, e permite que, de certa forma, ele tenha esse conhecimento, né? Você tá tratando ele de uma forma bioética” (E1).
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Porém, há uma preocupação com o início de TRS em urgência, pois, segundo os profissionais, nesse momento é difícil promover e respeitar a autonomia do usuário: “Eu falo: olha, quando ele passar mal, vai ser levado para o hospital desacordado, e lá, assim, ninguém vai perguntar se vai começar a dialisar ou não” (E4).
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Essa fala simboliza a quebra da autonomia por não pensar e respeitar a vontade do paciente, com um seguimento da beneficência – realizar o procedimento e salvar a vida: “E uma entrou de urgência mesmo, chegou desacordado no hospital e teve que entrar de urgência e não pode… porque eu achei que se eu não botasse em diálise em uma situação de urgência, eu ia estar fazendo uma omissão de socorro, negligência, essas coisas” (E13).
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Um outro relato importante foi a limitação imposta pelo serviço, o que gera problemas éticos com que os profissionais precisam lidar: “Mas, assim, a gente precisa saber lidar também com as limitações do sistema e entender e conseguir fazer o melhor pelo paciente; cada caso, né?” (E32).
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Dificuldade de acesso a DP 40 UR (1,64%) |
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O relato dos profissionais sobre a indisponibilidade de vagas de DP é constante, reforçando a necessidade de avaliar a justiça distributiva. Há dificuldade para encaminhar pessoas para essa terapia e implantação de cateter de Tenckhoff. O tempo de espera para maturação do acesso é apontado como fator que pesa na decisão. Isso foi relatado como um problema em todo o Rio de Janeiro. Nem todos os serviços em que foram realizadas entrevistas apresentam programa de DP, e os que possuem relataram a dificuldade de inserção de novos usuários, pois encontram-se lotados. Um ponto importante relatado é que muitos pacientes nem sabem da existência desta TRS, pois os profissionais evitam falar, já que, caso haja interesse, não haverá disponibilidade de encaminhamento: “Nesse momento, ele nem tem opção de diálise peritoneal” (E18).
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“Vou ser sincera: a gente praticamente esquece DP. Não existe na nossa cabeça, porque poucos os locais que recebem… porque a nossa instituição não tem DP… e no SUS a gente tem a dificuldade sobretudo da… mas o ambiente [em] que a gente trabalha também não nos dá muita oferta de DP” (E24).
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BIOÉTICA NO ENCAMINHAMENTO A TRS
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Direito de recusa do paciente 29 UR (1,19%) |
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Foi enfatizado pelos profissionais que o paciente pode não querer a TRS ou não aceitar, sendo uma terapia específica, ou fazer qualquer tratamento. É direito do paciente manter-se em tratamento conservador. No transplante, o doador pode se recusar, e o receptor também. É direito de ambos! O profissional não pode obrigá-lo a realizar a TRS. “Já teve paciente que tinha indicação, e a gente encaminha o doente, e o doente fala que não quer de jeito nenhum e o doente foi embora” (E44).
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“Influencia porque tem pacientes que se recusam, né, a iniciar a terapia renal, mesmo você explicando os benefícios, que o rim dele não está funcionando mais… O paciente… ele não foi no ambulatório, ele não aceitou começar o tratamento e depois ele não retornou mais. Então, a gente nem sabe o que aconteceu com ele” (E45). “Tem uns pacientes até que se negam, mesmo com indicação de entrar em HD… A gente aceita a opinião do paciente, lógico, né? A gente não pode forçar ninguém” (E57).
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Diferença entre orientação para jovem e para idoso 27 UR (1,11%) |
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Há uma moralidade presente nas falas que expressa essa diferença de tratamento e especialmente o que se aceita de acordo com a idade: “Então pacientes muito idosos, eu não indico o transplante. Nos pacientes jovens, além da hemodiálise e da diálise peritoneal, eu sempre faço um reforço maior a respeito do transplante, pra recuperar esse paciente, pra sociedade. E, nos pacientes idosos, eu recomendo a diálise peritoneal, a hemodiálise, e eu já recomendei a paliação” (E9).
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Claro que não podemos esquecer que existem as indicações clínicas. Mas é necessário repensar falas como as apresentadas a seguir: “E aí, dependendo da idade, eu vou falar da… no caso pacientes mais velhos, com muitas comorbidades, eu vou falar geralmente que tem quatro opções, né?… só que, dependendo da idade, eu nem toco no assunto relacionado ao transplante, e eu acabo ficando entre esses três principais. Geralmente o transplante eu falo mais pro paciente de até uns 60 anos, assim, ou até 70, se não tiver comorbidade importante, a gente também conversa… Então o que geralmente eu faço, então, eu converso com ele sobre os dois, hemodiálise e diálise peritoneal” (E26).
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Ressalta-se que o fato de haver contraindicação para determinada modalidade não dá ao profissional o direito de deixar o paciente sem a informação da existência dela. E vale ressaltar também que a aceitação não está relacionada à idade, mas a vários fatores. “Pacientes mais idosos, a gente tem uma tendência a ser mais, segurar… paciente mais jovem, a gente tem uma tendência de iniciar o método mais precoce… Paciente idoso com família, um pouco mais estruturado, hipertenso, diabético, tem uma tendência maior, de aceitar mais. Paciente jovem, mais complicado, não preciso nem explicar por quê” (E60).
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