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Revista Bioética: 25 anos influenciando o pensamento ético e bioético no Brasil

A Revista Bioética está comemorando 25 anos de existência. Editada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 1993 11. Bioética. [Internet]. 1993 [acesso 13 jun 2017]. 1(1). Disponível: http://bit.ly/2tpzqnO
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, essa publicação oferece a oportunidade de discussão sobre diversos aspectos da ética médica e da bioética, o que tem contribuído para o desenvolvimento dessas áreas de conhecimento, da medicina, da sociedade e dos que trabalham com a saúde, direta ou indiretamente, no Brasil e no mundo. Durante esse período foram publicados 56 números, 55 editoriais, 14 apresentações e 873 artigos, sendo o único periódico brasileiro especializado em bioética indexado em bases de dados internacionais.

A Revista Bioética mobiliza mais de três centenas de colaboradores brasileiros e duas dezenas de estrangeiros para, a cada edição, possibilitar aos leitores reflexões sobre a alma da medicina e seus aspectos simples e complexos, harmônicos e contraditórios, tristes e alegres, humanos e solidários. Ela serve como combustível para a busca do melhor caminho a percorrer, para que se possa oferecer primorosa atuação na aplicação dessa ciência e arte. Estende as discussões de seus números aos determinantes sociais do processo saúde-doença em consonância com as determinações da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos 22. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. [Internet]. Paris; 2015 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/1TRJFa9
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É bem possível que a ética tenha sido a primeira preocupação dentre todas as que motivaram reflexões desde os primórdios da cultura ocidental, pondera Franklin Leopoldo e Silva 33. Leopoldo e Silva F. Breve panorama histórico da ética. Bioética. 1993;1(1):7-11., no primeiro artigo do primeiro número da Revista Bioética, “Breve panorama histórico da ética”. Podemos afirmar, sem receio, que a bioética evoluiu mundialmente, em especial no Brasil, ganhando em importância e credibilidade, aumentando o rol dos temas discutidos, crescendo em interesse, em número de especialistas, pós-graduados, pesquisadores, cursos e publicações. Nas universidades também se observa interesse crescente, envolvendo, cada vez mais, alunos, professores e pesquisadores. Comissões são criadas em hospitais e conselhos de medicina, com apoio e estímulo do CFM.

Contamos, ainda, com a Sociedade Brasileira de Bioética, fundada em 1995, que vem contribuindo desde então para a difusão da bioética no Brasil, organizando congressos, produzindo e divulgando artigos e livros, apoiando profissionais e instituições nas diversas atividades relacionadas 44. Ortoga C. Nosso histórico. Sociedade Brasileira de Bioética [Internet]. 2016 [acesso 6 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/2sxIg2P
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. Constata-se frequentemente que os três poderes usam a experiência e os conhecimentos adquiridos pelos que estudam e discutem, cotidianamente, a bioética para a criação de leis, de programas de governo, de regulamentação de normas, como por exemplo na reprodução assistida 55. Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.121, de 16 de junho de 2015. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudarão a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.013/13. [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 117, 24 set 2015 [acesso 5 jun 2017]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2sQfLR6
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O primeiro número da revista se pautava em questões que nos eram trazidas pela aids. Caminhávamos, à época, sobre terreno ainda pouco conhecido e amolgado. Hoje, apesar de todo o avanço alcançado, a sociedade ainda convive com certo preconceito decorrente do desconhecimento em relação à doença, mas, do ponto de vista bioético, já temos mais concordâncias do que discordâncias sobre o tema. Seja no que tange à pesquisa ou ao acesso ao tratamento, a posição da bioética brasileira é firme e consensual em defesa dos vulneráveis.

O meio ambiente e o risco iminente de morte da Terra eram, já naquele tempo, razões de preocupação de parte da sociedade brasileira. Conforme expressam lideranças e entidades nacionais e internacionais, cientistas e estudiosos desse fenômeno, muitos males que assolam o planeta são irreversíveis, sendo que a recuperação do que é possível levaria séculos. Esse descaso com a saúde e a vida é fruto da ignorância e do incentivo desmedido ao consumo, apontado em todo mundo como único e primordial fator para a conquista da felicidade individual e social. O estímulo ao lucro decorrente dessa ânsia se alimenta das precárias informações à sociedade e do tempo perdido por todos, inclusive pela ciência, assim como da omissão e negligência, como a discreta e insuficiente mobilização de muitos governos, culminando com o absurdo e irresponsável abandono dos Estados Unidos 66. Batista HG. Donald Trump retira EUA do acordo de Paris sobre o clima: presidente diz que vai começar novas negociações que sejam mais justas para o país. O Globo. [Internet]. 1º jun 2016 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: https://glo.bo/2sxlAQe
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do Acordo de Paris 77. Naciones Unidas. Acuerdo de París. Paris: ONU; 2015 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/299LLa4
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Estudos sobre o clima que levaram à elaboração das recomendações desse acordo mostram que, se não mudarmos radicalmente nosso comportamento, em poucas décadas teremos perdido irremediavelmente a Terra, nossa morada, o substrato de nossa vida, que nos dá segurança, conforto, energia e nutrientes indispensáveis. A Terra não desaparecerá como planeta em sua órbita solar, mas não mais nos manterá vivos e saudáveis. Nossa insanidade tem afetado também outras formas de vida, extinguindo vegetais e animais, criando desertos, consolidando o cenário de devastação.

Lovelock não culpa totalmente a ciência por ter sido, até certo ponto, lerda no apoio à bravura pioneira dos alertadores, pois ela própria teria sido prejudicada, nos últimos dois séculos, por sua divisão em muitas disciplinas diferentes, cada qual limitada a ver apenas uma faceta minúscula do planeta, sem uma visão coesa da Terra 88. Lovelock J. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca; 2006.. Só reconheceram a Terra como entidade autorreguladora em 2001, afirma.

A medicina moderna, dividida em especialidades, tem fragmentado o estudo e o cuidado do corpo humano, esquadrinhando-o como partes isoladas, não como um todo autorregulado. Temos, hoje, carência de médicos que assistam seus pacientes como seres inteiros, física e mentalmente, integrados à família, ao meio ambiente em que vivem, ao mundo do trabalho e implicados em dilemas e dificuldades. Estamos, então, em um momento crucial com relação ao que é preciso e possível fazer com o ambiente natural, social e com nossas vidas. Com o que cada um de nós deve fazer, com sua vida, para atuar de forma consciente e responsável para o bem de todos.

Não é diferente do que está acontecendo com o sistema de saúde do país. Incompetência, corrupção, desinteresse, interesses escusos (pessoais, políticos e empresariais), tomadas de decisão equivocadas, excesso de escolas médicas com ensino de má qualidade, mudanças culturais e outras evoluções, pressões da indústria e de empresários da intermediação da saúde, empobrecimento da população, entre outros problemas: tudo isso nos levou a essa situação. O sistema de saúde se mostra em tempo de gravidade extrema e, à semelhança da questão ambiental, estamos frente a uma emergência. Se não houver decisão adequada rápida e universal, o quadro será irreversível e morreremos todos, precocemente, de uma forma ou de outra, figurada ou real, acompanhando nossos irmãos, que aos milhares são obrigados a entregar sua saúde e suas vidas a esse sistema corrompido, malcuidado, mal-entendido e negligenciado.

Não é somente um problema do usuário, do governo, do gestor, do médico ou enfermeira; da assistente social ou dos serviços gerais; do estudante, dos seus pais ou do reitor; do fornecedor ou da polícia. É um problema social que diz respeito a todos: à criança e ao adulto, ao operário e ao empresário, ao fã e ao artista, à mulher e ao homem, ao ateu e ao crente, ao doente e ao são. É de todos, sem exceção. Como o é o problema ambiental.

Então é impossível deixar de constatar que estamos diante de questões maiores do que cada um de nós. Dilemas que nos impelem a olhar em torno e procurar agir em consonância com os demais visando o bem coletivo, para a vida e o planeta. Frente a um grave problema, não adiantam vários grupos motivados, mas sem ideal ou com ideais diferentes, nem mesmo um grande grupo único, sem ideal ou motivação 99. Boff L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 9ª ed. Petrópolis: Vozes; 2014.. Vivemos uma crise ética e bioética sem precedentes, em todos os setores e em todos os níveis. Dilemas se sucedem, contrapõem e superpõem. Mas não é o fim. Ao contrário, parece ser o início de uma nova era que nos trará, se sobrevivermos, novos conceitos e paradigmas.

Nunca se discutiu e publicou tanto nessa área do conhecimento. Em todos os setores, frentes se abrem e dão lugar à conscientização e ao entendimento de que é preciso perceber o que acontece, para que se possa organizar estratégias de enfrentamento que incluam estudo sistemático, colaboração, pesquisa, discussão e consenso sempre que possível. A divulgação por todas as mídias, aproveitando todas as oportunidades que se apresentem para promover debate e aprendizado também tem papel fundamental neste momento. O desafio é a transformação.

Vivemos um momento triste, eivado de riscos e dúvidas, mas que nos oferece oportunidade ímpar de formulação de uma nova ciência, contemporânea e indispensável, analítica, mas formuladora, complexa, como é desde sua origem, mas acessível e imprescindível, reconhecida e respeitada. Acreditamos na recuperação da Terra, na preservação da saúde e da vida dos nossos irmãos e no nascimento de um novo tempo, científico, de análise global e não aos pedaços, filosófico, tecnológico, solidário, humano e misericordioso.

Os editores

Referências

  • 1
    Bioética. [Internet]. 1993 [acesso 13 jun 2017]. 1(1). Disponível: http://bit.ly/2tpzqnO
    » http://bit.ly/2tpzqnO
  • 2
    Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e a Cultura. Declaração universal sobre bioética e direitos humanos. [Internet]. Paris; 2015 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/1TRJFa9
    » http://bit.ly/1TRJFa9
  • 3
    Leopoldo e Silva F. Breve panorama histórico da ética. Bioética. 1993;1(1):7-11.
  • 4
    Ortoga C. Nosso histórico. Sociedade Brasileira de Bioética [Internet]. 2016 [acesso 6 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/2sxIg2P
    » http://bit.ly/2sxIg2P
  • 5
    Conselho Federal de Medicina. Resolução CFM nº 2.121, de 16 de junho de 2015. Adota as normas éticas para a utilização das técnicas de reprodução assistida – sempre em defesa do aperfeiçoamento das práticas e da observância aos princípios éticos e bioéticos que ajudarão a trazer maior segurança e eficácia a tratamentos e procedimentos médicos – tornando-se o dispositivo deontológico a ser seguido pelos médicos brasileiros e revogando a Resolução CFM nº 2.013/13. [Internet]. Diário Oficial da União. Brasília; p. 117, 24 set 2015 [acesso 5 jun 2017]. Seção 1. Disponível: http://bit.ly/2sQfLR6
    » http://bit.ly/2sQfLR6
  • 6
    Batista HG. Donald Trump retira EUA do acordo de Paris sobre o clima: presidente diz que vai começar novas negociações que sejam mais justas para o país. O Globo. [Internet]. 1º jun 2016 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: https://glo.bo/2sxlAQe
    » https://glo.bo/2sxlAQe
  • 7
    Naciones Unidas. Acuerdo de París. Paris: ONU; 2015 [acesso 14 jun 2017]. Disponível: http://bit.ly/299LLa4
    » http://bit.ly/299LLa4
  • 8
    Lovelock J. A vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca; 2006.
  • 9
    Boff L. Ética e moral: a busca dos fundamentos. 9ª ed. Petrópolis: Vozes; 2014.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017
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