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Comunicação de más notícias em cuidados paliativos na oncopediatria

Resumo

Este estudo objetiva compreender o processo de comunicação de más notícias vivenciado por familiares de pacientes em cuidados paliativos exclusivos do centro de referência oncopediátrico de Fortaleza, Ceará, Brasil. Trata-se de estudo qualitativo-descritivo baseado em entrevistas estruturadas com familiares de crianças e adolescentes em cuidados paliativos e norteado pela análise de conteúdo temático e categorial. Observou-se que na visão dos familiares a comunicação provoca reações ambivalentes, envolvendo a necessidade de saber e o sofrimento causado pela possibilidade de morte do filho. Fatores humanizantes, como postura empática, acolhimento e afetos positivos relacionados à vivência de sofrimento do outro, repercutem na boa relação entre profissional e familiar. Conclui-se que a comunicação em cuidados paliativos é imprescindível no cotidiano da oncologia pediátrica e provoca sofrimentos que demandam assistência em saúde mental. Assim, a prática profissional necessita de constante aprimoramento de modo a qualificar os serviços.

Comunicação em saúde; Revelação da verdade; Oncologia; Criança

Abstract

The study aims to understand the process of communicating bad news experienced by families of patients in hospice care from the pediatric oncology reference center in Fortaleza, Ceará, Brazil. This is a qualitative descriptive study using structured interviews with families of children and adolescents in palliative care and guided by thematic and categorical content analysis. It was observed that, in the view of family members, communication brings ambivalent reactions, involving the need to know and the suffering caused by the prospect of the child’s death. Humanizing factors, such as an empathic stance, welcoming attitude and affection related to the others’ suffering experience, resonate in the good relationship between professionals and family members. It is concluded that the communication in palliative care is an imperative in everyday pediatric oncology and causes suffering that requires mental health care. Thus, professional practice needs constant improvement in order to qualify the services of palliative care.

Health communication; Truth disclosure; Medical oncology; Child

Resumen

Este estudio tiene como objetivo comprender el proceso de comunicación de malas noticias vivenciado por familiares de pacientes en cuidados paliativos exclusivos del centro de referencia oncopediátrico de Fortaleza, Ceará, Brasil. Se trata de un estudio cualitativo descriptivo, basado en entrevistas estructuradas con familiares de niños y adolescentes en cuidados paliativos y orientado por el análisis de contenido temático y categorial. Se observó que, en la visión de los familiares, la comunicación provoca relaciones ambivalentes, involucrando la necesidad de saber y el sufrimiento causado por la posibilidad de la muerte del hijo. Factores humanizantes, como una postura empática, la acogida y afectos positivos frente a la vivencia de sufrimiento del otro, repercuten en la buena relación entre profesional y familiar. Se concluye que la comunicación en cuidados paliativos es imprescindible en el cotidiano de la oncología pediátrica y provoca sufrimientos que requieren asistencia de salud mental. Así, la práctica profesional reclama un constante perfeccionamiento en orden a cualificar los servicios.

Comunicación en salud; Revelación de la verdad; Oncología médica; Niño

A Organização Mundial da Saúde (OMS) 11. Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação: relatório mundial [Internet]. Brasília: OMS; 2003 [acesso 4 nov 2016]. Disponível: https://bit.ly/33b3tAI
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definiu o conceito de cuidados paliativos em 1990, reelaborando-o em 2002 ao enfatizar prevenção e alívio do sofrimento como abordagem que aprimora a qualidade de vida de pacientes e familiares que enfrentam problemas associados a doenças ameaçadoras da vida. Essa perspectiva engloba identificação precoce da doença, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual 11. Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação: relatório mundial [Internet]. Brasília: OMS; 2003 [acesso 4 nov 2016]. Disponível: https://bit.ly/33b3tAI
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, 22. Carvalho RT, Parsons HA, organizadores. Manual de cuidados paliativos ANCP [Internet]. 2ª ed. Brasília: Academia Nacional de Cuidados Paliativos; 2012 [acesso 4 nov 2016]. Disponível: https://bit.ly/2iT7S6B
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.

O câncer infantojuvenil tem repercutido pelos avanços terapêuticos em prevenção, diagnóstico e tratamento, o que contribui para aumentar as taxas de sobrevida e cura, estimadas em aproximadamente 70% dos pacientes diagnosticados precocemente. No entanto, mesmo com os progressos, as neoplasias já são a segunda causa de mortalidade entre crianças e adolescentes menores de 19 anos 33. Instituto Nacional do Câncer, Instituto Ronald McDonald. Diagnóstico precoce do câncer na criança e no adolescente. 2ª ed. Rio de Janeiro: Inca; 2011. .

A agressividade do câncer e de outras doenças crônicas e ameaçadoras da vida exige acompanhamento ativo do paciente e de seus familiares desde o diagnóstico. Nesse contexto, quando a impossibilidade de cura se torna evidente, estima-se que 30% dos casos evoluirão para óbito. Portanto, os cuidados paliativos, enquanto abordagem que visa melhorar a qualidade de vida por meio de ações de cuidado integral e contínuo, propõem-se a afirmar a vida e mostrar que a morte é processo natural, não devendo ser prolongada com tratamentos terapêuticos fúteis 11. Organização Mundial da Saúde. Cuidados inovadores para condições crônicas: componentes estruturais de ação: relatório mundial [Internet]. Brasília: OMS; 2003 [acesso 4 nov 2016]. Disponível: https://bit.ly/33b3tAI
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, 44. Andréa MLM. Oncologia pediátrica. In: Carvalho VA, Franco MHP, Kovács MJ, Liberato R, Macieira RC, Veit MT et al., organizadores. Temas em psico-oncologia. São Paulo: Summus; 2008. p. 477-95. .

A palavra “comunicar” vem do latim comunicare , cujo significado é “pôr em comum” 55. Silva MJP. O papel da comunicação na humanização da atenção em saúde. Bioética [Internet]. 2002 [acesso 7 nov 2016];10(2):73-88. Disponível: https://bit.ly/2Vm53NJ
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. Situações comunicativas em saúde abrangem decisões tomadas, saúde e qualidade de vida dos envolvidos no processo, e portanto exigem compreensão entre as partes, não se limitando a transmitir informações, uma vez que à mensagem se atrela um sentimento. Assim, toda comunicação é composta por duas partes: o conteúdo que se deseja transmitir, e o sentimento de quem comunica. Vista desse modo, a comunicação é encontro que tanto pode aproximar, favorecer e fortalecer quanto dificultar a relação entre paciente, equipe e família 66. Instituto Nacional de Câncer. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: Inca; 2010. , 77. Souza RP, Forte D. Especificidades da comunicação em situações críticas. In: Moritz RD, organizador. Cuidados paliativos nas unidades de terapia intensiva. São Paulo: Atheneu; 2012. p. 5-17. .

A transmissão de más notícias carrega ambivalência que afeta tanto o doente quanto os profissionais de saúde. Requer, portanto, manejo assertivo em processo que utilize recursos de enfrentamento saudáveis e adaptativos, viabilizando a troca de informações entre profissionais, pacientes e familiares. Em oncologia, notícias difíceis são frequentes pelas grandes mudanças provocadas pela doença nas condições clínicas do paciente, e sua divulgação é complexa e exige considerar primeiramente os limites de quem comunica e de quem recebe. É preciso que o profissional valorize e aprimore sua capacidade empática, mostrando-se também disposto a ouvir 88. Mello TB. Comunicação de más notícias: experiências de mães de crianças e adolescentes com câncer [dissertação]. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo; 2013. , 99. Saltz E, Juver J, organizadores. Cuidados paliativos em oncologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Senac; 2014. .

Desta maneira, este estudo objetivou compreender o processo de comunicação de más notícias em cuidados paliativos oncológicos pediátricos vivenciado por familiares acompanhantes de crianças e adolescentes em centro de referência de oncologia pediátrica do estado do Ceará.

Método

Trata-se de estudo descritivo, analítico, de abordagem qualitativa realizado no Centro Pediátrico do Câncer (CPC), unidade de referência para o tratamento do câncer infantojuvenil vinculada a hospital infantil no estado do Ceará. Em 2009 o CPC implantou serviço de cuidados paliativos formado por equipe multiprofissional especializada em atendimento do público infantil e adolescente. Informações do serviço apontam 3.435 atendimentos em cuidados paliativos entre janeiro de 2015 e junho de 2016, em regime de internação e ambulatorial.

Dados para este estudo foram coletados de acordo com as exigências dos comitês de ética em pesquisa, entre dezembro de 2016 e março de 2017. Participaram três mães e dois pais acompanhantes de crianças e adolescentes em cuidados paliativos exclusivos, comprovadamente informados pelo médico assistente. A idade dos cinco participantes variou entre 30 e 53 anos; um deles era analfabeto, dois não concluíram o ensino fundamental I (1º ao 5º ano), um concluiu o fundamental I e um o fundamental II (6º ao 9º ano); quatro dos entrevistados eram católicos e um era evangélico; apenas um era solteiro, e os outros quatro, casados; o número de filhos variou entre 3 e 9; dois exerciam profissão de doméstica, um de vendedor, um de pescador e outro não trabalhava. O tempo de acompanhamento do filho em tratamento variou entre 1 e 4 anos.

Procedimentos

Consultou-se o serviço de psicologia do CPC para identificar os familiares acompanhantes e compor a amostra, uma vez que esse setor arquiva censos diários e relatórios mensais referentes aos pacientes em cuidados paliativos. Com auxílio da psicóloga do programa de cuidados paliativos foram verificados os critérios de inclusão, segundo os quais poderiam participar do estudo familiares de crianças e adolescentes em cuidados paliativos oncológicos, independentemente do grau de parentesco, de ambos os sexos, que exerciam papel de acompanhante de forma permanente, seja de modo individual ou partilhado, no período da coleta de dados, e que foram informados pelos médicos assistentes de que o paciente se encontra em cuidados paliativos exclusivos.

Foram excluídos da pesquisa acompanhantes que apresentavam algum déficit cognitivo, que estavam emocionalmente fragilizados ou envolvidos com intercorrências, de modo que não fosse recomendável abordá-los; aqueles sobre os quais se tinha dúvida quanto à sua ciência sobre a condição de cuidados paliativos exclusivos para o parente; e os acompanhantes que não aceitaram participar do estudo. Ademais, foram retirados os acompanhantes de pacientes em processo de morte.

Uma vez selecionados os participantes, providenciou-se a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Utilizou-se instrumento para coleta de dados sociodemográficos e roteiro com questões estruturadas para orientar as entrevistas. A pesquisadora compareceu ao cenário da pesquisa às sextas-feiras pela manhã e durante a tarde, aos sábados pela manhã e às segundas-feiras pela manhã e à tarde. Os participantes foram entrevistados preferencialmente na sala de psicologia do CPC, mas por se tratar de acompanhantes de pacientes em cuidados paliativos a entrevista também ocorreu em outros espaços reservados, durando aproximadamente 40 minutos. Solicitou-se permissão para gravar o áudio das entrevistas, cujos arquivos foram deletados definitivamente após o uso.

Análise dos dados

O material foi então transcrito, analisado e decodificado pelo método de análise de conteúdo temático-categorial 1010. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011. . As unidades de registro (UR) foram extraídas do discurso e agrupadas em categorias nomeadas após o tratamento dos dados, referenciando o sentido das falas dos participantes. No total foram emitidas 140 frases pelos familiares em relação à temática abordada.

Resultados e discussão

Más notícias na unidade de cuidados paliativos oncopediátricos

A partir da vivência em cuidados paliativos na oncopediatria, sobre a comunicação entre familiares acompanhantes e médicos e profissionais de outras áreas, surgiram as seguintes categorias: a primeira comunicação em cuidados paliativos exclusivos; comunicação sequencial com os profissionais da equipe; e sentimentos relacionados à comunicação cotidiana sobre cuidados paliativos exclusivos. Os recortes que exemplificam cada categoria constam no Quadro 1 .

Quadro 1
Análise temático-categorial: recortes significativos por categoria

No serviço pesquisado, o processo de comunicação de más notícias não segue protocolo específico, nem há diretriz ou procedimento operacional padrão estabelecidos. Ainda que se ressalte a impossibilidade de seguir algo uniformizado e restrito em decorrência da singularidade de cada conversa, a literatura enfatiza a necessidade de adquirir conhecimentos e habilidades específicos para essa atividade. Nesse sentido, os protocolos são considerados norteadores, e enfatiza-se a importância de planejar a entrevista contemplando as particularidades do momento.

A falta de formação ou treinamento adequados gera comunicação não empática, breve e iatrogênica. Desse modo, percebe-se a relevância de mudar as práticas formativas ao longo da graduação e a necessidade de criar espaços de discussão sobre a qualidade do diálogo entre emissor e receptor. Estudos apontam ainda que elementos como sinceridade, vínculo e contato empático são cruciais durante a comunicação 1111. Koch CL, Rosa AB, Bedin SC. Más notícias: significados atribuídos na prática assistencial neonatal/pediátrica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2017 [acesso 18 jul 2019];25(3):577-84. DOI: 10.1590/1983-80422017253214 , 1212. Freiberger MH, Bonamigo EL. Attitude of cancer patients regarding the disclosure of their diagnosis. O Mundo da Saúde [Internet]. 2018 [acesso 18 jul 2019];42(2):393-414. DOI: 10.15343/0104-7809.20184202393414 .

A análise das vivências em cuidados paliativos na instituição pesquisada revelou que lidar com a terminalidade na infância ainda é processo complexo para profissionais de saúde e principalmente para os familiares, tendo em vista a conotação trágica atrelada à morte de crianças. Essa ocorrência é exacerbada pela ideia de sobrevida construída pela equipe de assistência em decorrência da capacidade de recuperação dos pacientes pediátricos. Quando a possibilidade de morte se evidencia, surgem as dificuldades na comunicação das más notícias entre profissionais e familiares, ambos afetados pelo desfecho que se anuncia 1313. Pedrosa A, Pedrosa F, Pedrosa TF, Pedrosa SF. Comunicação do diagnóstico do câncer infantil. In: Perina ME, Nucci NAG, organizadores. As dimensões do cuidar em psiconcologia pediátrica: desafios e descobertas. São Paulo: Livro Pleno; 2005. p. 51-64. .

A primeira comunicação em cuidados paliativos exclusivos

As frases exemplares indicadas no Quadro 1 indicam que o momento da comunicação é estruturado e marcante. Os pais são levados para um local reservado, podendo em alguns casos envolver outros familiares e mais de um profissional. Os entrevistados relataram que antes da comunicação todo o caso é recapitulado e, em seguida, a notícia é dada. A recordação leva à revelação paulatina da notícia contundente, anunciando a possibilidade da finitude. Esse processo é vivenciado de forma muito dolorosa pelos familiares.

A divulgação do fracasso terapêutico cumpre papel ético, de direito à informação, e bioético, de respeito à autonomia. Interfere na satisfação e adesão ao tratamento e envolve sujeitos ativos no processo de adoecimento, fortalecendo sua capacidade de fazer escolhas de acordo com os princípios de beneficência e não maleficência, dialogando diretamente com os preceitos dos cuidados paliativos 99. Saltz E, Juver J, organizadores. Cuidados paliativos em oncologia. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Senac; 2014. .

Observou-se a partir da vivência da primeira comunicação que a ambivalência das notícias difíceis em cuidados paliativos exclusivos pediátricos exige assertividade na transmissão da informação, para que assim se configure aspecto humanizante do cuidado em saúde. A possibilidade de morte de crianças e adolescentes inverte a lógica da vida social e dificulta a aceitação da ideia de finitude.

Pesquisa realizada com 11 enfermeiros de unidade de terapia intensiva de internação mista neonatal e pediátrica de hospital geral da região noroeste do Rio Grande do Sul revelou a importância de os profissionais compreenderem a situação e a experiência dos pais para estabelecer comunicação mais clara e efetiva, pois mesmo com a impossibilidade de cura muitos pais acreditam que a criança irá sobreviver. A forma como cada família interpreta e vivencia a morte é singular e tem relação direta com suas crenças, contexto e histórico 1414. Menin GE, Pettenon MK. Terminalidade da vida infantil: percepções e sentimentos de enfermeiros. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 4 nov 2016];23(3):608-14. DOI: 10.1590/1983-80422015233097 .

Comunicação sequencial com os profissionais da equipe

Esta categoria demonstrou a centralidade do médico quando os acompanhantes buscam esclarecimentos, visto que estes consideram a tarefa de informar como algo natural e obrigatório para esse profissional. Entretanto, profissionais de outras áreas são também nomeados como bons comunicadores pelo modo como acolhem e informam. Os pais reconhecem a ambivalência do processo comunicativo, pois, ao mesmo tempo que necessitam (e alguns desejam) saber, também percebem a dificuldade e o sofrimento gerado pela comunicação diária. Entretanto, diante da dor muitos familiares evitam a informação e preferem obtê-la somente quando perguntam.

Dar notícias difíceis envolve ouvir os próprios sentimentos na tentativa de perceber o poder e as emoções que podem ser desencadeadas pelo que se transmite. Requer capacidade empática com quem sofre, colocando-se à disposição para ouvir e analisar até que ponto o paciente ou familiar é capaz de saber. É habilidade difícil e delicada que exige aprendizagem 66. Instituto Nacional de Câncer. Comunicação de notícias difíceis: compartilhando desafios na atenção à saúde. Rio de Janeiro: Inca; 2010. .

Os entrevistados neste estudo mostraram que é importante que os profissionais conheçam e considerem suas apreensões, o contexto em que vivem no momento da comunicação e sua necessidade de acolhimento diante das repercussões emocionais que essas notícias provocam. Além do conteúdo da notícia, muitas vezes inevitável pelo contexto ético, a forma, o momento, o lugar e a atitude do interlocutor também foram considerados pelos participantes. Como afirmam Afonso e Mitre, o conjunto de ações, conscientes ou não, [compõe] a totalidade da comunicação. (…) A informação, quando dada de maneira direta ou dura, [gera] sofrimento e [caracteriza] ação desumanizante 1515. Afonso SBC, Mitre RMA. Notícias difíceis: sentidos atribuídos por familiares de crianças com fibrose cística. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 6 fev 2017];18(9):2605-13. p. 2610. DOI: 10.1590/S1413-81232013000900015 .

Sentimentos relacionados à comunicação cotidiana sobre cuidados paliativos exclusivos

A terceira categoria revelou a prevalência do “desespero” e do “desmoronamento de esperanças”, indicando que receber a notícia é mais difícil, embora muitas vezes esses sentimentos não sejam expressos. Para enfrentar essa dificuldade e sofrimento, percebe-se que os familiares buscam muitas vezes apoio espiritual.

A possibilidade da morte, anunciada pela comunicação de cuidados paliativos exclusivos, leva alguns familiares à negação, como mostrado pela análise das falas, que evidenciou que o mais difícil é aceitar a situação e aprender a lidar com as intercorrências, o sentimento de impotência perante o sofrimento da criança ou adolescente e a aproximação da morte. Desse modo, reconhecem a importância de profissionais que acolhem, escutam e apoiam.

A família do paciente passa por três fases na tentativa de se organizar nessa situação. A primeira delas envolve a crise, iniciada antes do diagnóstico, e diz respeito às fantasias e interpretações da família sobre os sinais e sintomas. A fase crônica surge quando a doença se concretiza pela confirmação do diagnóstico, e gera todas as condições desconhecidas. A fase final corresponde à entrada nos cuidados paliativos, quando a morte se torna inevitável e surge a dificuldade de lidar com a separação e o luto 1616. Franco MHP. Luto antecipatório em cuidados paliativos. In: Franco MHP, Polido KK. Atendimento psicoterapêutico no luto. São Paulo: Zagodoni; 2014. p. 27-35. .

Confrontar-se com a terminalidade no contexto de cuidados paliativos exige compreender que a morte não é doença, mas dimensão da existência para a qual não há cura. Desse modo, o cuidador precisa estar consciente de si e de suas necessidades pessoais para aprender a lidar com a morte e o morrer 1717. Färber SS. Tanatologia clínica e cuidados paliativos: facilitadores do luto oncológico pediátrico. Cad Saúde Coletiva [Internet]. 2013 [acesso 2 jan 2017];21(3):267-71. DOI: 10.1590/S1414-462X2013000300006 .

Estudo realizado com dez pais de crianças entre 2 e 12 anos devidamente comunicados sobre o diagnóstico de fibrose cística dos filhos analisou os sentidos atribuídos pelos familiares à comunicação de más notícias. Para todos os participantes, a comunicação deu início à guerra contra a doença e às mudanças em diversas instâncias da vida; o sofrimento tornou-se constante e a incerteza do futuro e a ameaça de morte passaram a fazer parte do cotidiano. Os pais ainda revelaram que a relação entre o conteúdo da notícia difícil e a forma como era transmitida a tornava ainda pior, pois percebiam pela postura do profissional a dimensão do seu envolvimento, interesse, preocupação e empenho destinados às crianças e aos próprios familiares 1414. Menin GE, Pettenon MK. Terminalidade da vida infantil: percepções e sentimentos de enfermeiros. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 4 nov 2016];23(3):608-14. DOI: 10.1590/1983-80422015233097 .

Embora a morte seja processo natural, não é fácil destinar cuidados a alguém desenganado, principalmente um filho, pois a vivência desse processo obriga a lidar precocemente com a perda do ente amado. Os filhos são, por natureza, os sucessores dos pais, e sua morte é envolta em profundo desespero. A notícia desperta também angústia no cuidador, que inevitavelmente reflete sobre sua própria finitude.

Esse amálgama de emoções dolorosas torna muito difícil enfrentar e compartilhar esse momento, fazendo desse acompanhamento terminal um dos maiores desafios que o cuidador pode enfrentar 1818. Coelho MEM, Ferreira AC. Cuidados paliativos: narrativas do sofrimento na escuta do outro. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2015 [acesso 4 nov 2016];23(2):340-8. DOI: 10.1590/1983-80422015232073 . Trata-se de processo permeado por crises de medo e insegurança. Entretanto, escutar e apoiar as pessoas que desejam ser ouvidas é fator terapêutico. Não há técnica específica ou maneira correta de auxiliar esses pacientes, porque o morrer é tão singular quanto o viver.

Em decorrência da singularidade do processo, a literatura tem apontado a importância do preparo técnico da equipe que comunica as más notícias. Dramatização, role-play , pacientes simulados, pacientes padronizados e workshops são estratégias úteis para ensinar e desenvolver habilidades comunicativas durante a graduação médica, preenchendo lacunas na formação dos profissionais. Estudos apontam que a comunicação habilidosa e não iatrogênica pode ser ensinada a graduandos de medicina, por exemplo, por meio de aulas didáticas, discussões em grupo, práticas de atuação individuais ou em grupo, com pacientes simulados e momentos didáticos durante o atendimento clínico, ressaltando a dramatização como melhor técnica para esse fim 1919. Bonamigo EL, Destefani AS. A dramatização como estratégia de ensino da comunicação de más notícias ao paciente durante a graduação médica. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2010 [acesso 18 jul 2019];18(3):725-42. Disponível: https://bit.ly/2FWQolL
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, 2020. Nonino A, Magalhães SG, Falcão DP. Treinamento médico para comunicação de más notícias: revisão da literatura. Rev Bras Educ Méd [Internet]. 2012 [acesso 18 jul 2019];36(2):228-33. DOI: 10.1590/S0100-55022012000400011 .

Percebeu-se na escuta dos entrevistados deste estudo que a morte para muitos é assunto velado, gerador de fortes emoções, possivelmente pela negação causada pela perspectiva da perda do filho. Não falar evita concretizar a possibilidade. O silêncio em torno da iminência da morte pode ainda ser visto como mecanismo de defesa contra o medo crescente e a impotência.

O entendimento dos familiares sobre a comunicação mostrou tênue relação entre conteúdo e forma. Comunicar com assertividade pode amenizar incertezas e medos, sendo importante fator na aceitação da doença e na participação ativa na assistência paliativa. Fatores considerados humanizantes, como postura empática, acolhimento e afetos positivos relacionados à vivência do sofrimento do outro, repercutem na boa relação entre profissional, paciente e família, assim como na qualidade de vida e da boa morte.

Considerações finais

A comunicação de más notícias é imperativo cotidiano no cenário de oncologia pediátrica, embora a prática não seja formalizada por protocolos. Notícias difíceis são transmitidas com base na experiência e observação, amparadas na ética médica e na empatia da equipe, porém com razoável conformidade com princípios preconizados na literatura. A atual situação sinaliza a oportunidade de aprimorar a equipe em relação ao complexo objeto da sua prática profissional.

O compartilhamento de informações na assistência paliativa envolve questões éticas que determinam sua obrigatoriedade, mas também gera repercussões psicológicas nos familiares do paciente. Este estudo revelou que a comunicação sobre prognósticos fechados se torna ainda mais difícil porque reitera cotidianamente o sofrimento decorrente do complexo confronto do sujeito com a morte.

Pela ambivalência das más notícias, a comunicação profissional em cuidados paliativos revela-se como fator gerador de sofrimento em familiares de crianças e adolescentes que evoluem sem êxito terapêutico. Este achado chama atenção para a necessidade de permanente assistência em saúde mental para os familiares e de estratégias de preparo técnico-ético da equipe profissional.

O estudo com familiares acompanhantes permitiu conhecer a vivência de importante componente da tríade equipe/paciente/família, sendo necessário que investigações futuras abordem a experiência do ponto de vista de profissionais e pacientes.

Anexo

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    8 Abr 2018
  • Revisado
    16 Jul 2019
  • Aceito
    18 Jul 2019
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