Resumo
No Brasil os transexuais, indivíduos cuja identidade de gênero diverge do sexo biológico, são marginalizados pela sociedade e encontram dificuldades para acessar o Sistema Único de Saúde. O presente estudo buscou identificar essas dificuldades por meio de revisão integrativa de artigos publicados nos últimos cinco anos nas bases SciELO, LILACS, MEDLINE, Campus Virtual de Saúde Pública, Base de Dados de Enfermagem e ColecionaSUS. Foram obtidos 26 artigos, dos quais apenas nove satisfizeram os critérios de inclusão, e, a partir das referências destes, incluíram-se mais nove trabalhos, totalizando 18. Os resultados mostram que as dificuldades encontradas são: hostilidade no atendimento; desrespeito ao nome social; despreparo técnico-científico dos profissionais; dificuldade de acesso aos procedimentos transgenitalizadores; e preconceito. Portanto, é imprescindível aplicar intervenções para minimizar a segregação dessas pessoas, sendo necessário mais pesquisas nessa área.
Sistema Único de Saúde; Pessoas transgênero; Atenção à saúde
Abstract
In Brazil, transgender individuals, those whose gender identity differs from the assigned biological sex, are marginalized by society and face difficulties in accessing the Unified Health System. This study sought to identify these difficulties by carrying out an integrative review of papers published in the SciELO, LILACS, MEDLINE, Virtual Campus for Public Health, Base de Dados de Enfermagem, and ColecionaSUS databases, in the last five years. Of the 26 articles found, only nine met the inclusion criteria. Based on their references other nine papers were included, thus totaling 18. Results point to the following difficulties encountered: hostility in care; disrespect for the social name; technical and scientific unpreparedness of professionals; difficulty of access to gender reassignment procedures; and prejudice. It is therefore of paramount importance to implement interventions to minimize segregation, and invest in further research on this topic.
Unified Health System; Transgender persons; Delivery of health care
Resumen
En Brasil, los transexuales, individuos cuya identidad de género diverge del sexo biológico, son marginados por la sociedad y encuentran dificultades para acceder al Sistema Único de Salud. El presente estudio trató de identificar dichas dificultades por medio de la revisión integradora de artículos publicados en los últimos cinco años en las bases SciELO, LILACS, MEDLINE, Campus Virtual de Saúde Pública, Base de Dados de Enfermagem y ColecionaSUS. Se obtuvieron 26 artículos, de los cuales solo nueve cumplieron con los criterios de inclusión, y, con base en sus referencias, se incluyeron otros 9, lo que resultó en 18 trabajos. Los resultados constataron las siguientes dificultades: hostilidad en la atención; falta de respeto al nombre social; falta de preparación técnico-científica de los profesionales; dificultad de acceso a los procedimientos de transgenitalización; y prejuicio. Por lo tanto, es esencial aplicar intervenciones para minimizar la segregación de estas personas, así como para promover más investigaciones en esta área.
Sistema Unificado de Salud; Personas transgénero; Atención a la salud
Pessoas transgênero vivenciam discordância entre autopercepção de seu gênero e aquele definido no momento de seu nascimento a partir do sexo biológico, o que pode se manifestar em aspectos tanto sociais quanto físicos. Assim, há grande diversidade nessa população, de modo que alguns indivíduos escolhem viver com essa discordância, outros fazem apenas mudança social por meio das vestimentas e do nome social e, ainda, outros passam pelo processo de transexualização – embora estigmas sociais os desencorajem de buscar assistência em saúde 1 .
Até recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) listava em seu manual de classificação de doenças a palavra “transexualismo”, o que representava ideia de patologização da transexualidade. Somente em maio de 2019 a OMS retirou a transexualidade do rol de doenças mentais da Classificação Internacional de Doenças (CID), o que representou grande avanço para a saúde pública e para os direitos humanos 2 .
É imprescindível ressaltar que, apesar de não ser mais designada como doença pela OMS, a transexualidade ainda é alvo de muito preconceito no Brasil. De acordo com o Dossiê dos assassinatos e da violência contra travestis e transexuais brasileiras em 2019 3 , publicado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais, o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo.
Nesse sentido, ainda que não haja impedimento completo ao atendimento dessa população no âmbito da saúde, a discriminação é importante desafio a ser enfrentado. Apesar disso, reconhece-se que movimentos sociais e novas políticas públicas contribuem para que na maioria dos casos o preconceito não seja explícito, o que, ainda que não seja a situação ideal, resulta em atendimento até certo ponto respeitoso 4 .
Sabe-se que a discriminação por identidade de gênero influencia a determinação social da saúde e o processo de sofrimento e adoecimento subsequente à rejeição. Nesse sentido, tendo em vista os princípios de equidade, universalidade e integralidade, percebeu-se a necessidade de criar programa para acolher esse público em todos os níveis de hierarquização do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria 1.707/2008 5 , estabeleceu o processo transexualizador, que integra conjunto de ações ambulatoriais e hospitalares para acolher pessoas que desejam realizar os procedimentos de readequação sexual.
Tal processo, instituído no contexto da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), visa à atenção integral a essa população, de modo que os serviços de saúde prestem acolhimento humanizado e respeitoso, com uso do nome social 6 . Assim, o início do cuidado dos transexuais e travestis se dá na atenção básica, etapa em que ocorre a identificação das particularidades de cada caso e posterior referenciamento para a atenção especializada. Esta, por sua vez, oferece consultas e exames específicos, cirurgias, medicamentos, próteses e atendimento de urgência.
Entretanto, os serviços estão aglomerados em poucos estados do país, o que contraria o princípio da universalidade de acesso à saúde proposto pela política e pelos princípios do SUS. Segundo dados do Ministério da Saúde 5 , estão habilitados para o funcionamento do processo transexualizador apenas dez estabelecimentos de saúde, concentrados em Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo.
Essa população enfrenta ainda outras dificuldades para ter acesso à atenção primária e aos conseguintes níveis de hierarquização: o preconceito e o desconhecimento sobre o uso do nome social por parte de funcionários do sistema de saúde, mesmo que se trate de direito garantido por lei aos indivíduos transexuais 7 ; e a necessidade de comprovação da transexualidade, visto que o autodiagnóstico não é suficiente para que as pessoas transgênero tenham acesso a seus direitos 8 .
Nesse viés, cabe ressaltar que tais entraves reforçam a marginalização desse público e amplificam problemas de aceitação resultantes da estigmatização, discriminação e violência sofridas desde a infância. Assim, essa população se encontra em contexto de vulnerabilidade moral que se pauta por argumentos teóricos oriundos de tradições culturais, religiosas, filosóficas e até de cunho científico. Nessa situação, é extremamente desafiador se posicionar sobre tal problemática de forma crítica, conforme os princípios da bioética, devido a essa pluralidade de aspectos ideológicos 9 .
Queiroga 10 aponta que, segundo dados publicados pela organização não governamental Trangender Europe, o Brasil é o país mais transfóbico do mundo – e não seria diferente no SUS. A trajetória das pessoas transgênero no sistema público de saúde brasileiro é rodeada de negação de direitos e omissão no atendimento. Tais fenômenos se relacionam principalmente com a falta de capacitação dos profissionais da saúde para atender as demandas e necessidades de saúde dessa população 4 .
Os transexuais enfrentam muitos desafios em diversos aspectos, do pessoal ao social. Nesse sentido, este estudo buscou ressaltar as principais dificuldades vividas por essa população no contexto do sistema público de saúde brasileiro, com enfoque principalmente nas dificuldades de acesso aos serviços oferecidos pela atenção básica e especializada em saúde.
Método
Este trabalho é de natureza quantitativa e consistiu em revisão integrativa da literatura médica atual. Para nortear a pesquisa, formulou-se a seguinte questão: quais são as dificuldades enfrentadas por transexuais para ter acesso à assistência primária e ao processo transexualizador oferecido pelo SUS? A busca foi realizada em junho de 2020 nas seguintes bases: SciELO, LILACS, no MEDLINE, Campus Virtual de Saúde Pública, Base de Dados de Enfermagem e ColecionaSUS.
Os critérios de inclusão foram: 1) artigos publicados em português com resumos disponíveis; 2) artigos publicados nos últimos cinco anos; e 3) estudos empíricos e/ou de revisão de literatura. Foram excluídos artigos que, mesmo tratando das dificuldades vividas pelos transexuais, não se relacionassem com o SUS ou que abordassem o SUS sem mencionar as dificuldades vividas por essa população. As seguintes palavras-chave, extraídas dos Descritores em Ciências da Saúde, foram utilizadas: “Sistema Único de Saúde”, “pessoas transgênero” e “atenção à saúde”.
Os artigos encontrados passaram por triagem mediante a leitura dos resumos, sendo analisados completamente apenas os que atendiam aos três critérios de inclusão. Os trabalhos selecionados foram então copiados das bibliotecas virtuais e organizados conforme a ordem de seleção. Depois disso, cada artigo foi lido integralmente e os dados foram analisados por meio da estatística descritiva.
Resultados
A busca nas bases de dados encontrou 26 artigos, dos quais apenas nove satisfizeram a todos os critérios de inclusão e foram considerados para análise ( Figura 1 ).
Após a seleção dos nove artigos, buscaram-se nas suas referências pesquisas que atendessem aos critérios estabelecidos, resultando em nove novos textos. Os 18 trabalhos selecionados foram resumidos conforme a Tabela 1 .
Discussão
Acesso aos serviços de saúde
Indivíduos transgênero, travestis e transexuais são as pessoas mais suscetíveis a sofrer preconceito, discriminação e vários tipos de violência, tanto física quanto psicológica 12 . Assim, a dificuldade de acesso à saúde não se restringe a problemas de infraestrutura, pois também se deve à heterossexualidade normalizada, ao machismo e à intolerância ao “diferente” por parte da sociedade e dos profissionais de saúde 14 . Desse modo, considerando essa população como minoria e entendendo que a sociedade brasileira não está preparada para lidar multiprofissionalmente com ela, deve-se atentar para o papel do SUS na inclusão dos transexuais no sistema universal de saúde 13 .
As dificuldades no acesso à saúde podem ser explicadas por estigmas sofridos pela pessoa transexual, isto é, juízos pré-estabelecidos que levam o indivíduo a não buscar seus direitos 15 . Eles podem ocorrer em três esferas:
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Estigma antecipado: preocupação com possível discriminação;
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Estigma internalizado: desvalorização do eu, com base na orientação sexual ou identidade de gênero, pela não heteronormatividade; e
-
Estigma promulgado: casos reais de discriminação.
Essa realidade não é apenas brasileira, mas global. Estudo canadense, realizado em Winnipeg, Manitoba, com 30 transexuais e 11 profissionais de saúde, evidenciou que existem lacunas no conhecimento científico dos médicos, que apresentam dúvidas sobre aplicação hormonal (endocrinologia), ginecologia e psiquiatria 16 . Os próprios médicos entrevistados descreveram lacunas em sua formação quanto à abordagem dessa condição 16 - 17 .
Assim, compreender o estigma e a patologização da transexualidade é um dos papéis do profissional de saúde no acolhimento humanizado e na mudança da realidade social. Nesse sentido, pesquisa de abordagem qualitativa, descritiva e exploratória feita com 12 usuários do SUS que se definiam como transexuais no estado do Rio de Janeiro evidenciou que todos os participantes relataram já ter procurado o serviço de saúde público. Porém, os entrevistados afirmam que procurar o SUS está sempre em último plano, pois o desgaste da humilhação e descaso a que frequentemente são submetidos afasta essas pessoas dos serviços médicos 18 .
Essa vulnerabilidade social atrelada à saúde LGBT, com foco nos transexuais, é tema imprescindível para a bioética. Tal problemática se relaciona principalmente ao acolhimento inadequado e não humanizado prestado a essa população, de forma a contradizer os princípios éticos do SUS, que propõem a equidade como base para resolver distorções na distribuição da saúde, possibilitando o acesso universal.
Sendo assim, o profissional de saúde deve abordar com sensibilidade a história de vida do paciente e conversar sobre identidade de gênero de forma a manter o ambiente seguro e agradável. Essa relação de confiança pautada no respeito possibilita um atendimento de qualidade 28 .
Patologização da transexualidade
Na quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-V), da Associação America de Psiquiatria, o termo “transtorno” foi substituído por “disforia”, que, entretanto, ainda caracteriza doença 19 . E na CID-11, adotada pela OMS em maio de 2019, a terminologia sobre pessoas trans foi inserida na área de sexualidade, passando a ser referida como “incongruência de gênero” 2 .
A necessidade de se identificar na ambivalência de corpo e gênero faz com que pessoas transexuais busquem realizar mudanças corporais que colocam em risco sua vida 20 . Alguns exemplos disso são administração de silicone industrial, uso de hormônios sem acompanhamento médico e cirurgias plásticas clandestinas. Esses procedimentos podem apresentar efeitos adversos, causando sequelas irreversíveis e até morte.
Na maioria das vezes, o indivíduo se submete a tais intervenções devido à marginalização a que está sujeito, de modo que, perante o desejo de modificar o corpo, não tem consciência dos riscos de adoecimento. Diante disso, o médico não deve culpabilizar pacientes nessas condições 12 .
Processo transexualizador
Considerando que o Brasil enfrenta o problema do estigma da travestilidade, em esfera micro e macroestrutural, o acesso da população trans ao SUS deve ser pensado desde a descoberta da identidade de gênero. O processo transexualizador é direito da pessoa trans e compreende respeito ao nome social, hormonioterapia acompanhada por médico e cirurgias de redesignação. Portanto, deve ser pensado de forma holística 4 .
A garantia do direito ao processo transexualizador oferecido pelo SUS representa grande avanço para a promoção da saúde da pessoa trans, pois reconhece que mudanças fenotípicas são necessárias para a saúde tanto física quanto mental. Porém, mesmo com essas conquistas, a população trans encontra dificuldades para realizar os procedimentos, devido à associação da transexualidade com doença. Assim, a patologização demonstrada por profissionais pouco capacitados leva ao diagnóstico de “transexualismo”, o que torna mais seletivo o acesso aos serviços oferecidos pelo sistema 13 .
Para a cirurgia de transgenitalização normatizada pela Resolução CFM 1.955/2010 29 , é necessária avaliação rigorosa por equipe multidisciplinar, que inclui acompanhamento psiquiátrico, por período mínimo de dois anos, para confirmar o diagnóstico de transtorno de identidade de gênero. Contudo, estudo realizado em 2018 em ambulatório de unidade de referência especializada em doenças infecciosas parasitárias especiais no estado do Pará demonstrou que algumas equipes de saúde não contam com psiquiatras, ficando a responsabilidade a cargo de psicólogos 19 .
Nome social
A linguagem é produtora de sentidos e significados que caracterizam o ser como um todo. Nesse sentido, o nome social é importante direito conquistado, pois implica respeito à forma como a pessoa trans se enxerga, conforme sua aparência masculina ou feminina 13 . Portanto, a recusa em adotar o nome social de pacientes trans em estabelecimentos de saúde é forma de transfobia e travestifobia que configura importante barreira à promoção da saúde dessa população 21 .
O nome social promove acesso à saúde, pois transexuais e travestis se sentem mais acolhidos, o que melhora a interação entre médico e paciente 21 . Assim, ao ser incluído como a pessoa que reconhece em si, o usuário sente-se confortável para acessar os serviços e usufruir de seus direitos em saúde, o que é crucial ao atendimento, visto que afeta a satisfação e os resultados do paciente 22 .
Do ponto de vista ético, profissionais de saúde devem se abster de julgamentos de cunho moral e religioso no atendimento à população LGBT. Esses valores incitam a estigmatização e, junto à pseudoneutralidade científica, podem resultar na associação irrestrita de pessoas trans a infecções sexualmente transmissíveis (IST), especialmente HIV. Desse modo, a atuação profissional fundada nos moldes da heteronormatividade apresenta-se como fator limitante da atenção de qualidade, sendo associada até mesmo ao adoecimento, razão pela qual também deve ser considerada como ponto de partida dos dilemas éticos 30 .
A importância de respeitar primariamente o nome social das pessoas trans em ambientes de saúde, a fim de promover a inclusão desse grupo, se materializa na seguinte citação:
Você provavelmente não é um especialista em questões trans – está tudo bem. Você não precisa ser um especialista para me tratar com bondade e compaixão: algo tão simples como o nome com o qual você me chama faz uma enorme diferença 31 .
Consequências
A discriminação leva as pessoas trans a evitar atendimento médico, vulnerabilizando-as e aumentando seu risco de sofrer estresse relacionado ao status minoritário, depressão e suicídio, e até de contrair HIV e outras IST 17 , 22 , 23 . Ainda, esses indivíduos sofrem as consequências sociais de sua condição – como estigmatização, violência e marginalização –, além da angústia relacionada à própria identidade de gênero, que diz respeito a sua saúde sexual, que poucos compreendem e aceitam tal como é 20 .
As consequências para a saúde mental da população transgênero também são graves. Essas pessoas estão mais propensas a viver na pobreza, ser discriminadas em entrevistas de emprego e sofrer violência de indivíduos não transgênero. Ademais, elas estão mais predispostas ao abandono familiar e à falta de moradia. Essas mazelas se agravam no caso de mulheres trans pretas, que apresentam maiores taxas de disparidade social e menores índices de acesso a saúde 24 .
Possíveis intervenções
Manual internacional lista seis práticas que podem contribuir para a criação de ambiente saudável e inclusivo no atendimento de serviços de saúde:
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Deve-se ter humildade cultural e oferecer atendimento sem preconceitos, respeitando as preferências individuais no uso das terminologias de identidade de gênero;
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É preciso treinar funcionários quanto a questões de saúde das pessoas transgênero;
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Áreas de espera dos serviços de saúde devem conter panfletos, revistas e imagens que incluam essa população, indicando o compromisso com essa comunidade;
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Banheiros devem, preferencialmente, possibilitar que o indivíduo escolha qual usar baseado em sua predileção;
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Os profissionais dos serviços de saúde precisam ser fluentes nas terminologias básicas usadas pela comunidade trans; e
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Conhecer as especificidades locais ou individuais de sua população 25 .
No que concerne a tratamentos hormonais, as diretrizes da Associação Profissional Mundial para a Saúde dos Transgênero recomendam que o profissional de saúde seja capacitado e treinado em saúde comportamental, capaz de realizar competente avaliação de disforia de gênero antes mesmo de começar a hormonioterapia. Além disso, recomenda-se atrelar o início da terapia hormonal a termo de consentimento informado, pois algumas mulheres e homens trans podem não se sentir preparados, tanto física quanto psicologicamente, para as mudanças corporais 26 .
Outra proposta de intervenção seria substituir o modelo patologizante de acesso ao processo transexualizador por padrão de consentimento livre e esclarecido. Do mesmo modo, é importante promover educação permanente sobre transexualidade para capacitar profissionais de saúde, além de investir mais em pesquisa sobre/com pessoas trans no Brasil e no mundo, principalmente no meio médico, para embasar o atendimento mais humanizado e adequado a essa população 27 .
Considerações finais
A maior dificuldade enfrentada por transexuais no acesso ao sistema público de saúde brasileiro é a falta de aceitação nos centros de atendimento, que resulta em discriminação, preconceito e hostilidade. Além disso, o despreparo técnico-científico dos profissionais de saúde no acolhimento, tratamento e oferta dos procedimentos transgenitalizadores aos transexuais é fator limitante para o acesso desse público ao SUS. Embora em menor intensidade, outras dificuldades também são enfrentadas.
A fim de minimizar a segregação dos transexuais na saúde pública, a principal proposta de intervenção consiste em proporcionar ambiente inclusivo e acolhedor, onde o nome social e as terminologias utilizadas por esses indivíduos sejam respeitadas. Além disso, é importante capacitar profissionais de saúde com base nos princípios bioéticos para acolher e acompanhar o transexual, alterando os procedimentos para modelo de consentimento livre e esclarecido.
É importante relatar que se observou certa dificuldade para encontrar pesquisas nacionais e internacionais sobre o assunto exposto, o que eleva a importância deste trabalho. Por sua vez, ressalta-se que é necessário instigar produções científicas sobre esse tema, inclusive em terreno nacional, perante a carência de materiais em bancos de dados brasileiros.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
09 Maio 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2022
Histórico
-
Recebido
25 Out 2020 -
Revisado
28 Set 2021 -
Aceito
26 Out 2021