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Conhecimento de alunos dos ensinos fundamental e médio sobre pesquisa experimental em animais

Resumo

A pesquisa experimental com uso de modelos animais para representar uma realidade específica é alvo de críticas por parte da população. Este estudo analisou o conhecimento de alunos do ensino fundamental e médio sobre métodos de pesquisa experimental/animal, diretrizes/leis éticas oficiais e instituições reguladoras. Ao todo, 35 alunos responderam a um questionário informativo com perguntas objetivas sobre o assunto. Apenas 18 alunos (Grupo 1) assistiram a uma palestra sobre o tema. O questionário foi aplicado novamente aos 35 alunos. A análise do primeiro questionário mostrou rejeição por 51,4% dos estudantes em relação aos métodos utilizados na pesquisa experimental. Observaram-se mudanças significativas nos padrões de resposta entre a primeira e a segunda avaliação, com diminuição do número de alunos que discordam totalmente dos métodos utilizados na pesquisa experimental no Grupo 1 (38,8%) em relação ao Grupo 2 (88,2%). Esses dados sugerem que atividades educativas podem aumentar a aceitação da pesquisa experimental pela comunidade.

Experimentação animal; Desenvolvimento de medicamentos; Comissão de ética; Vacinas

Abstract

Experimental research with the use of animal models to represent a specific reality is a target of criticism by the population. This study analyzed the knowledge of elementary and high school students on experimental/animal research methods, official ethical guidelines/laws, and regulatory institutions. In total, 35 students answered an informative questionnaire with objective questions about the subject. Only 18 students (Group 1), attended a lecture on the subject. The questionnaire was reapplied to all 35 students. The analysis of the first questionnaire round showed rejection by 51.4% of the students toward the methods used in experimental research. Significant changes in answer patterns between the first and second evaluations were observed, with a decrease in the number of students who strongly disagree with the methods used in experimental research in Group 1 (38.8%) compared to Group 2 (88.2%). These data suggest that educational activities could increase the acceptance of experimental research by the community.

Animal experimentation; Drug development; Ethics committees; Vaccines

Resumen

La investigación experimental en animales para representar una realidad específica es criticada por la población. Este estudio analizó el conocimiento de los alumnos de la primaria y la secundaria sobre los métodos de investigación experimental/animal, los lineamientos/leyes éticas oficiales e instituciones que reglamentan. Un cuestionario con preguntas objetivas sobre el tema fue respondido por 35 alumnos. Solo 18 alumnos (Grupo 1) asistieron a una conferencia sobre el tema. El cuestionario se aplicó nuevamente a 35 alumnos. El primer cuestionario mostró que el 51,4% de los alumnos rechazaban los métodos utilizados en la investigación experimental. Hubo cambios significativos en las respuestas entre la primera y la segunda evaluación, con menor número de alumnos que estaban totalmente en desacuerdo con los métodos de la investigación experimental en el Grupo 1 (38,8%) en comparación con el Grupo 2 (88,2%). Por tanto, las actividades educativas pueden incrementar la aceptación comunitaria de la investigación experimental.

Experimentación animal; Desarrollo de medicamentos; Comités de ética; Vacunas

Pesquisa experimental é o uso de vários modelos para representar uma realidade específica, para que fenômenos biológicos, físicos, químicos e sociais possam ser estudados, e os achados da pesquisa sejam aplicados a outras espécies e a múltiplos contextos 11. Guimarães MA. Ética na experimentação animal. In: Andersen ML, D'Almeida V, Ko GM, Kawakami R, Martins PJF, Magalhães LE, Tufik S, editores. Princípios éticos e práticos do uso de animais de experimentação. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2004. p. 1-15.. A pesquisa experimental está associada a preocupações com a proteção da saúde humana contra a possível toxicidade de novos compostos, com restrições a experimentos com seres humanos estipuladas no Código de Nuremberg e na Declaração de Helsinque.

O critério de seleção para modelos experimentais baseia-se principalmente nas semelhanças metabólicas e fisiológicas de cada animal com o ser humano 22. Parke DV. Ethical aspects of the safety of medicines and other social chemicals. Sci Eng Ethics [Internet]. 1995 [acesso 4 jan 2024];1:283-98. Disponível: https://bitly.ws/3cJeX
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. Esse tipo de pesquisa é adotado em laboratórios de pesquisa científica básica ou aplicada e para indústrias farmacêuticas e de cosméticos. O conhecimento científico moderno é resultado direto desse tipo de experimentação 11. Guimarães MA. Ética na experimentação animal. In: Andersen ML, D'Almeida V, Ko GM, Kawakami R, Martins PJF, Magalhães LE, Tufik S, editores. Princípios éticos e práticos do uso de animais de experimentação. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2004. p. 1-15.. A pesquisa experimental leva em consideração os princípios éticos, a relevância do estudo e os resultados potenciais gerados, bem como seu impacto social.

Embora esse tipo de experimento seja conduzido desde o século V a.C. com Hipócrates, os debates sobre questões éticas só começaram no início do século XIX 33. Bocca AL, Sebben A. Uso de animais em pesquisa: o fim justifica os meios. Brasília Med [Internet]. 2009 [acesso 4 jan 2024];46(supl 1):75-8. Disponível: https://bitly.ws/3cJfm
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. A Inglaterra foi o primeiro país a criar uma lei contra a crueldade animal 11. Guimarães MA. Ética na experimentação animal. In: Andersen ML, D'Almeida V, Ko GM, Kawakami R, Martins PJF, Magalhães LE, Tufik S, editores. Princípios éticos e práticos do uso de animais de experimentação. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2004. p. 1-15.. As leis de proteção animal se disseminaram depois disso, e sociedades de proteção animal foram criadas em todo o mundo 33. Bocca AL, Sebben A. Uso de animais em pesquisa: o fim justifica os meios. Brasília Med [Internet]. 2009 [acesso 4 jan 2024];46(supl 1):75-8. Disponível: https://bitly.ws/3cJfm
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.

Discussões sobre bioética iniciaram-se na década de 1930, seguidas pela Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008, que regulamenta atividades relacionadas ao uso de animais para ensino e pesquisa, propõe técnicas alternativas e estipula a melhoria de laboratórios e biotérios 44. Dittrich N, Pires GN, Tufik S, Andersen ML. Importância do conhecimento sobre bioética e da Lei 11.794/2008 na graduação. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 4 jan 2024];27:542-8. DOI: 10.1590/1983-80422019273339. Essa legislação também contempla a existência de instituições reguladoras, como o Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea), o Cadastro das Instituições de Uso Científico de Animais (Ciuca) e a Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua).

A pesquisa experimental em animais é alvo constante de críticas por parte da população, que associa a prática a sofrimento animal, por vezes descon- siderando medidas tomadas para assegurar o bem-estar dos bichos. Os cientistas devem seguir diretrizes éticas e aplicar conceitos como os 3Rs e as 5 liberdades. Os 3Rs referem-se a substitui- ção (replacement – substituição de modelos animais por outros modelos), redução (reduction – redução do número de animais utilizados) e refinamento (refinement – sofisticação dos métodos de estudo) 55. Graham ML, Prescott MJ. The multifactorial role of the 3Rs in shifting the harm-benefit analysis in animal models of disease. Eur J Pharmacol [Internet]. 2015 [acesso 4 jan 2024];759:19-29. DOI: 10.1016/j.ejphar.2015.03.040
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.

O conceito de 5 liberdades considera as necessidades e direitos dos animais, assegurando nutrição, ambiente e saúde física e mental e exigindo liberdade de fome e sede, desconforto, dor, lesões e doenças, para expressar comportamento normal, medo e angústia. Medidas como manter o con- trole de temperatura, umidade e ruídos, além de cuidado com as dimensões da gaiola – que deve ser proporcional ao tamanho do animal –, são algumas das medidas para garantir o conforto do animal 66. Beauchamp TL, Ferdowsian HR, Gluck JP. Where Are We in the Justification of Research Involving Chimpanzees? Kennedy Inst Ethics J [Internet]. 2012 [acesso 4 jan 2024];22(3):211-42. DOI: 10.1353/ken.2012.0012
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. Brinquedos e acessórios são usados para aliviar o estresse de animais em gaiolas; este procedimento é chamado de enriquecimento ambiental.

Essa resistência à experimentação animal também pode ser consequência da circulação de informações de fontes não confiáveis, da falta de divulgação sobre os métodos de condução da pesquisa experimental e da falta de conhecimento sobre a legislação que garante a ética no progresso científico alcançado com experimentação animal.

Considerando esse contexto, este estudo buscou avaliar o conhecimento e a opinião de estudantes do ensino fundamental e médio sobre o tema “experimentação animal e suas regulamentações no Brasil”, por meio da avaliação do impacto que intervenções educativas com esse tema têm para criar um posicionamento mais favorável a pesquisa experimental que vise o desenvolvimento de novos medicamentos e vacinas.

Método

Trata-se de estudo experimental controlado e prospectivo, com amostra aleatória e mascaramento dos participantes. Os participantes (se maiores de 18 anos) ou responsáveis legais (se menores) concordaram com a pesquisa assinando um termo de consentimento livre e esclarecido; indivíduos menores de 18 anos assinaram outro termo. Os alunos foram contatados através das escolas, que receberam todas as informações necessárias sobre o projeto, incluindo o termo de consentimento e o link do questionário on-line.

O grupo selecionado para participar do projeto incluiu 35 alunos do ensino fundamental e médio de uma escola particular de São Paulo/SP, no período de março a agosto de 2022. A amostra inicial foi randomizada em dois grupos: um convidado para assistir a uma palestra (Grupo 1 [G1]: n=18) e outro que não o fez (Grupo 2 [G2]: n=17).

O instrumento de pesquisa foi um questionário escrito e informativo com perguntas objetivas sobre pesquisas experimentais com modelos animais e sobre a existência de normas e diretrizes específicas, além de órgãos reguladores. Para garantir o anonimato, apenas idade, gênero e ano escolar atual foram coletados.

Em um primeiro momento, todos os alunos foram solicitados a responder o questionário, visando avaliar seu conhecimento/opinião, mas também informá-los. O G1 foi convidado a participar de uma palestra on-line sobre o uso de animais em experimentação, com foco em aspectos da produção de medicamentos/vacinas, direitos dos animais e sociedades protetoras. A palestra discutiu os avanços científicos obtidos por esse método, os cuidados com os animais utilizados e a legislação brasileira sobre esse tipo de pesquisa, incluindo as penalidades aplicadas a pesquisadores que não cumprirem a lei.

Aproximadamente um mês após a intervenção primária, o questionário foi reaplicado aos Grupos 1 e 2. No segundo questionário, os alunos informaram se assistiram ou não à palestra e se gostariam de visitar as instalações de um laboratório e biotério de pesquisa experimental com animais.

Análise estatística

Os dados categóricos de gênero e respostas ao questionário foram descritos em forma de frequência absoluta (n) e relativa (%), e os dados contínuos (idade), em forma de média ± desvio-padrão. Para comparação entre as amostras independentes foi utilizado o teste t de Student não pareado. O teste de Fisher foi usado para comparar dados categóricos. O nível de significância adotado foi de p<0,05. Para as análises, foi utilizado o software Graphpad Prisma.

Resultados

Amostra global

A média de idade da amostra foi 16 anos (variando de 14 a 18 anos), sendo 13 estudantes do sexo masculino e 22 estudantes do sexo feminino, cursando o ensino fundamental (n=20) ou o ensino médio (n=15) em 2022.

As análises das respostas de todo o grupo no primeiro questionário mostram que a maioria dos estudantes acreditava conhecer o conceito de pesquisa experimental (Tabela 1). Em relação à opinião sobre as três fases da pesquisa experimental (1. estudos em modelos computacionais e/ou células cultivadas, 2. modelos animais, 3. seres humanos), quase metade concordou com as três fases; uma minoria discordou; e os demais concordaram parcialmente. Estes últimos foram majoritariamente favoráveis à fase 1, seguidas pelas fases 3 (seres humanos) e 2 (modelos animais).

Tabela 1
Respostas ao primeiro questionário de todos os participantes (n=35)

Em relação à discordância com as fases do método científico, 42,8% dos participantes acreditam que o uso de modelos animais priva-os de liberdade; 37,1% acreditam que os modelos animais os prejudicam; 25,7% acreditam que os modelos animais não podem prever o que acontecerá com os seres humanos; 14,2% usariam medicamentos, vacinas e cosméticos que não foram testados quanto a segurança e eficácia em computadores, células e animais; 5,7% acreditam que células isoladas não podem prever o que acontecerá com um modelo animal em seres humanos; e 2,8% acreditam que a pesquisa experimental é muito cara, não confiam nos modelos computacionais, ou tinham outras justificativas.

A maioria dos alunos sabia que é ilegal fazer qualquer pesquisa experimental sem aprovação de um comitê independente especializado em ética em pesquisa, composto por membros de diversas profissões e da sociedade civil. A maioria também sabia que pesquisa experimental em humanos é regulamentada e controlada por comitês de ética em todo o mundo para proibir a exposição de humanos a riscos sem benefícios potenciais previamente obtidos com testes laboratoriais e em animais. A maioria estava ciente das leis e organizações regulatórias para o uso de animais em pesquisas e de que punições, penalidades e proibições são aplicáveis a pesquisadores que violam as leis de pesquisa experimental.

Por outro lado, uma minoria sabia que o Brasil tem, desde 2008, uma das legislações mais avançadas para a proteção e bem-estar dos animais em pesquisa experimental (Lei 11.794/2008, conhecida como Lei Arouca). Da mesma forma, apenas um terço dos participantes sabia que os animais utilizados na pesquisa experimental são mantidos em ambientes especiais, chamados biotérios, que cumprem todos os requisitos para diminuir o estresse e garantir o bem-estar dos animais.

Embora a maioria soubesse que quaisquer pro- cedimentos considerados dolorosos ou angusti- antes deveriam ser feitos sob anestesia, apenas um terço sabia que, após um procedimento invasivo, como cirurgia, os animais devem ser sacrificados sem dor, sob anestesia. Curiosamente, a maioria se interessou pela área de pesquisa e gostaria de saber mais sobre o assunto.

Grupo 2

Efeito isolado do questionário

Após a aplicação do segundo questionário, a análise do Grupo 2 (Tabela 2), não submetido a intervenção com a palestra, mostrou diferença significativa, com aumento do número de alunos que acreditam conhecer o conceito de pesquisa experimental, e uma mudança nas porcentagens daqueles que concordavam totalmente com o método científico e daqueles que discordavam totalmente quando comparados ao grupo que concordava parcialmente com o método.

Tabela 2
Respostas ao primeiro questionário versus o segundo questionário do Grupo 2 (n=17), para avaliação do efeito isolado do questionário

Nenhuma mudança significativa foi observada em relação às fases da pesquisa experimental entre aqueles que concordavam parcialmente, embora tenha sido observado aumento nas razões para discordância com as fases do método científico (Figura 1), exceto pelas razões “Eu não confio nos modelos computacionais”, “O uso de modelos animais priva-os de liberdade” e “A pesquisa experimental é muito cara”.

Figura 1
Respostas à pergunta 3 (Se você discorda de qualquer fase da pesquisa experimental, por quê? Selecione quantos quiser). (a). Grupo 2 (sem intervenção) no 1º versus 2º questionário (n=17); (b). Grupo 1 (com palestra intervencionista) no 1º versus 2º questionário (n=18). Razões: 1. Não confio em modelos computacionais; 2. Células isoladas não podem prever o que acontecerá em modelos animais ou seres humanos; 3. Os modelos animais não podem prever o que acontecerá com os seres humanos; 4. O uso de modelos animais priva-os de liberdade; 5. O uso de modelos animais os prejudica; 6. Eu usaria medicamentos, vacinas e cosméticos que não foram testados anteriormente em computadores, células e animais quanto a segurança e eficácia; 7. A pesquisa experimental é muito cara; 8. Outras.

Grupo 1

Efeito combinado do questionário e da palestra

O Grupo 1 também participou de uma palestra. Para isolar seu efeito, as respostas do G1 ao segundo questionário foram comparadas com as respostas do grupo ao primeiro questionário (Tabela 3). Houve diferença significativa em rela- ção a três perguntas.

Tabela 3
Respostas ao primeiro questionário versus o segundo questionário do G1 versus G2 (n=18) para avaliação do efeito da palestra

Na comparação com o G2, o G1 mostrou uma mudança entre aqueles que concordavam parcialmente com o método científico e aqueles que concordavam totalmente com o método. Entre aqueles que concordavam parcialmente, não houve mudança significativa em relação às fases da pesquisa experimental.

Em relação à discordância com as fases do método científico, a comparação entre as duas rodadas de questionários apresentou mudanças expressivas (Figura 1), com exceção de “Não confio em modelos computacionais”. Além disso, o G1 estava mais ciente das leis e organizações regulatórias para o uso de animais em pesquisas. O G1 também teve mais alunos cientes de que o Brasil possui uma das legislações mais avançadas para a proteção e bem-estar dos animais em pesquisa experimental desde 2008.

Discussão

Nossos resultados indicaram que, em geral, os alunos do ensino fundamental e médio privado brasileiro acreditam conhecer o método da pesquisa experimental e concordam com suas fases. No entanto, sentem maiores restrições em relação a pesquisa experimental com modelos animais do que com humanos. Foram detectados alguns conceitos sobre pesquisas experimentais com animais que podem fundamentar essas restrições, desde a visão de que os animais sofrem e são privados de liberdade até a crença de que modelos animais não podem prever o que acontecerá com seres humanos.

Os modelos animais possibilitam o estudo de processos específicos com o objetivo de melhorar as condições da saúde humana, e seu uso está em conformidade com a Declaração de Helsinque, no sentido de que a pesquisa médica em seres humanos deve ser precedida por experimentos de laboratório 11. Guimarães MA. Ética na experimentação animal. In: Andersen ML, D'Almeida V, Ko GM, Kawakami R, Martins PJF, Magalhães LE, Tufik S, editores. Princípios éticos e práticos do uso de animais de experimentação. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo; 2004. p. 1-15..

A pesquisa normalmente evolui de culturas de células para testes em animais e depois para testes em humanos, ainda dependendo da experimentação animal para desenvolvimento ou validação de resultados. No entanto, os riscos e benefícios devem ser equilibrados para se alcançar um curso de ação razoável 77. Redmond EJR. Using monkeys to understand and cure parkinson's disease. Hasting Cent Rep [Internet]. 2012 [acesso 4 jan 2024]:7-11. DOI: 10.1002/hast.100
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. O apoio público a pesquisa com modelos animais depende da demonstração dos benefícios potenciais de uma pesquisa combinada com técnicas experimentais e aplicação integral dos 3Rs 55. Graham ML, Prescott MJ. The multifactorial role of the 3Rs in shifting the harm-benefit analysis in animal models of disease. Eur J Pharmacol [Internet]. 2015 [acesso 4 jan 2024];759:19-29. DOI: 10.1016/j.ejphar.2015.03.040
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. Em relação à liberdade animal, é fundamental divulgar à sociedade que animais de laboratório não sobreviveriam em seu hábitat natural se fossem liberados na natureza 88. Evans HL. Nonhuman primates in behavioral toxicology: issues of validity, ethics and public health. Neurotoxicol Teratol [Internet]. 1990 [acesso 4 jan 2024];12(5):531-6. DOI: 10.1016/0892-0362(90)90018-8
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.

A maioria dos alunos em nossa amostra sabia da necessidade de licença para fazer pesquisas, particularmente com humanos, mas também com animais; do uso de anestesia para evitar desconforto/estresse, das leis/organizações disponíveis, bem como das penalidades/multas. Os alunos demonstraram grande interesse pela pesquisa, particularmente na área experimental. Os resultados também foram elevados quanto ao desconhecimento sobre quão avançada é a legislação brasileira de proteção a animais em pesquisa, sobre a existência de biotérios especializados em bem-estar animal e sobre os procedimentos de eutanásia para evitar sofrimento.

As normas para a prática didático-científica da vivissecção animal existem no Brasil desde 1979, com a Lei 6.638, que posteriormente foi substituída em 2008 33. Bocca AL, Sebben A. Uso de animais em pesquisa: o fim justifica os meios. Brasília Med [Internet]. 2009 [acesso 4 jan 2024];46(supl 1):75-8. Disponível: https://bitly.ws/3cJfm
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. A fiscalização estimula a sociedade a adotar leis baseadas na bioética animal, que refletirão no respeito aos animais utilizados em pesquisa 44. Dittrich N, Pires GN, Tufik S, Andersen ML. Importância do conhecimento sobre bioética e da Lei 11.794/2008 na graduação. Rev. bioét. (Impr.) [Internet]. 2019 [acesso 4 jan 2024];27:542-8. DOI: 10.1590/1983-80422019273339. A Lei Ambiental Brasileira (1998) reforçou essa ideia ao determinar a punição pelo uso de animais em experimentos quando estiverem disponíveis métodos alternativos 99. Souza APO, Molento CFM, Bones VC, Quadros J, Schuppli CA, Weary DM. Brazilian attitudes towards the use of animals in research. BJVRAS [Internet]. 2017 [acesso 4 jan 2024];54(2):109-16. DOI: 10.11606/issn.1678-4456.bjvras.2017.114440
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O apoio da sociedade ao uso de animais em pesquisa médica baseou-se na crença de que não havia alternativas adequadas 99. Souza APO, Molento CFM, Bones VC, Quadros J, Schuppli CA, Weary DM. Brazilian attitudes towards the use of animals in research. BJVRAS [Internet]. 2017 [acesso 4 jan 2024];54(2):109-16. DOI: 10.11606/issn.1678-4456.bjvras.2017.114440
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. É interessante notar que a sociedade apoia o uso de animais em pesquisas que contribuem para tratamentos e reduzem o sofrimento humano, mas não apoiam a pesquisa básica 99. Souza APO, Molento CFM, Bones VC, Quadros J, Schuppli CA, Weary DM. Brazilian attitudes towards the use of animals in research. BJVRAS [Internet]. 2017 [acesso 4 jan 2024];54(2):109-16. DOI: 10.11606/issn.1678-4456.bjvras.2017.114440
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. Nossos resultados apontaram efeitos positivos tanto do questionário informativo quanto da palestra, mesmo que tenham ocorrido em perguntas diferentes.

Enquanto o questionário levou a aumento no número de alunos que concordam parcialmente com as três fases da pesquisa experimental, a pales- tra levou a maior número daqueles que concordam totalmente, associado a uma redução de conceitos questionáveis. Contudo, a palestra permitiu melhor entendimento da legislação brasileira de proteção a animais em pesquisa.

O tamanho reduzido da amostra e a impossibilidade de impedir que alunos que assistiram à palestra conversassem sobre o assunto com os colegas que não estiveram presentes são limitações deste estudo. Como nossa amostra estava restrita a alunos do ensino fundamental e médio, são necessários mais estudos com alunos de outros níveis de ensino.

Considerações finais

A pesquisa com animais enfrenta resistência da sociedade, que é mais forte do que quanto a pesquisa com humanos. Os alunos da amostra deste estudo associaram os métodos de pesquisa experimental a sofrimento e falta de liberdade dos animais. No entanto, a maioria deles gostaria de saber mais sobre o assunto. Isso demonstra oportunidades para iniciativas educacionais a serem implementadas por pesquisadores brasileiros. Neste contexto, a legislação bioética e o trabalho dos comitês de ética poderiam ser mais divulgados.

As intervenções, na forma de questionário informativo e palestra, levam a uma posição mais favorável a pesquisa experimental. Esses resultados demonstraram que o acesso a informações confiáveis é crucial para melhor compreensão do processo científico e para uma posição mais favorável quanto a pesquisa experimental para o desenvolvimento de medicamentos e vacinas. Isso pode ser positivamente reforçado com maior divulgação de avanços científicos baseados em modelos experimentais.

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    » https://doi.org/10.11606/issn.1678-4456.bjvras.2017.114440
  • Aprovação CEP/CAAE 25047419.9.0000.5505

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2023
  • Revisado
    4 Jan 2024
  • Aceito
    10 Jan 2024
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