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(Re)pensar a bioética: análise interseccional dos direitos sexuais e reprodutivos

Resumo

A bioética, desenvolvida no período pós-Segunda Guerra Mundial na América do Norte, é definida como um campo epistemológico multidisciplinar centrado na conciliação do saber biológico com os valores humanos. Neste artigo, pretende-se discutir a dimensão político-social da bioética, utilizando uma abordagem interseccional, de perspectivas antiopressão, anticapitalistas, feministas e antirracistas. Por isso, propõem-se outras concepções para esse campo de saberes, reivindicando seu posicionamento. O intuito é repensar a bioética de forma expansiva, motivo pelo qual este escrito é propositivo ao pensamento e incentivador de novas possibilidades. Para exemplificar como a intersecção entre as pautas antiopressão estão relacionadas à bioética, serão abordados temas relativos aos direitos sexuais e reprodutivos.

Bioética; Direitos sexuais e reprodutivos; Enquadramento interseccional

Abstract

Bioethics, developed during the post Second World War in North America, is defined as a multidisciplinary epistemological field centered on conciliating biological knowledge and human values. This paper discusses the political-social dimension of bioethics from an intersectional approach with anti-oppression perspectives, that is, anti-capitalist, feminist, and anti-racist perspectives. We propose other conceptions for this field of knowledge, claiming its positioning. By rethinking bioethics in an expansive manner, this paper is propositional to thought and encourages new possibilities. To exemplify the intersection between anti-oppression agendas and bioethics, we approach themes related to sexual and reproductive rights.

Bioethics; Reproductive rights; Intersectional framework

Resumen

La bioética, desarrollada en el período posterior a la Segunda Guerra Mundial en Norteamérica, se define como un campo epistemológico multidisciplinar centrado en la conciliación del conocimiento biológico con los valores humanos. En este artículo se pretende discutir la dimensión político-social de la bioética, utilizando un enfoque interseccional, desde perspectivas antiopresivas, anticapitalistas, feministas y antirracistas. Por lo tanto, se propone otras concepciones para este campo de conocimiento, reivindicando su posición. La intención es repensar la bioética de manera expansiva, por lo que este trabajo invita a la reflexión y fomenta nuevas posibilidades. Para ejemplificar cómo la intersección entre las agendas antiopresión se relacionan con la bioética, se abordarán temas relacionados con los derechos sexuales y reproductivos.

Bioética; Derechos sexuales y reproductivos; Marco interseccional

Pensar novos rumos para a bioética

A palavra “bioética” apareceu primeiramente escrita em 1970, no artigo do oncologista estadunidense Van Rensselaer Potter intitulado Bioethics, the Science of Survival 11. Potter VR. Bioethics, the science of survival. Perspect Biol Med [Internet]. 1970 [acesso 30 out 2022];14(1):127-53. DOI: 10.1353/pbm.1970.0015
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(Bioética, a ciência da sobrevivência). Potter pleiteava a criação de uma nova ciência, a da sobrevivência, que conciliaria o saber biológico (bio) com os valores humanos (ética) 22. Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola; 2003.. Para Potter, a humanidade necessitava de uma nova sabedoria que proporcionasse o modo de conhecer e usar o conhecimento 11. Potter VR. Bioethics, the science of survival. Perspect Biol Med [Internet]. 1970 [acesso 30 out 2022];14(1):127-53. DOI: 10.1353/pbm.1970.0015
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essencial para a sobrevivência e para a melhoria da qualidade de vida. A grande contribuição de Potter, a partir desse novo campo, a bioética, diz respeito à sua preocupação em englobar questões populacionais e ambientais, relacionadas à paz e à pobreza.

A bioética alcançou sua força teórica, principalmente nas universidades estadunidenses, a partir de 1979, com a publicação da obra Os Princípios da Ética Biomédica 33. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 6ª ed. New York: Oxford University Press; 2009., de autoria do filósofo Tom Beauchamp e do teólogo James Childress. De acordo com Diniz e Guilhem 44. Diniz D, Guilhem D. O que é bioética? Brasília: Brasiliense; 2002., o livro representou a pioneira e eficaz tentativa de fornecer ferramentas para lidar com os dilemas relacionados às escolhas morais das pessoas no âmbito da saúde e da doença. A bioética principialista se desenvolve a partir dessa publicação, focalizando princípios essenciais, cuja aplicação busca resolver dilemas éticos na área da saúde. Esses princípios incluem autonomia, beneficência, não maleficência, justiça e confidencialidade 22. Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola; 2003..

Percebe-se que Potter inicialmente não pensou em uma bioética estritamente biomédica, todavia, seu desenvolvimento posterior a restringiu ao campo das ciências biológicas 22. Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola; 2003.. A força da teoria principialista desenvolvida por Childress e Beauchamp é tamanha que frequentemente a bioética é identificada tão somente a partir dessa corrente, desconsiderando todo o campo de conhecimento desenvolvido ao seu redor – e limitando aquele que poderia se desenvolver. Esses princípios, direcionados inicialmente para solucionar dilemas éticos na saúde, foram ampliados irrestritamente e, por isso, considerados por muitos como universais 22. Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola; 2003.. Diniz e Guilhem apontam que Beauchamp e Childress buscaram a integração de propostas de decência coletiva com as liberdades individuais, de solidariedade com a privacidade e de tolerância com o pluralismo em uma mesma perspectiva teórica 44. Diniz D, Guilhem D. O que é bioética? Brasília: Brasiliense; 2002., motivo pelo qual muitos consideram um projeto impossível de ser executado.

Também há críticas ao idealismo que permitiu a rápida difusão da teoria principialista, uma vez que, no intuito de construir um modelo teórico passível de universalização, a teoria pressupôs a existência de um indivíduo livre de influências sociais, negligenciando o fato de que, em cenários de desigualdade social, o pleno exercício da liberdade muitas vezes não é viável 44. Diniz D, Guilhem D. O que é bioética? Brasília: Brasiliense; 2002.. Assim sendo, há quem reinterprete o principialismo para focar na relação profissional/paciente ou para afirmar a importância do aspecto social e das transformações culturais. Por via diversa, há quem proponha outras abordagens, como a ética das virtudes, a ética da responsabilidade, a ética narrativa, entre outras 22. Durand G. Introdução geral à bioética: história, conceitos e instrumentos. 5ª ed. São Paulo: Edições Loyola; 2003..

A médica e bioeticista Fátima Oliveira 55. Oliveira F. Feminismo, luta anti-racista e bioética. Cad Pagu [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2022];(5):73-107. Disponível: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1775
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, por exemplo, considerava que as dinâmicas pertinentes aos direitos reprodutivos e às pontuações da sexualidade, antirracistas e feministas são escassas nos fóruns de bioética no mundo. Trinta anos depois, ainda sentimos a necessidades de pautar outros rumos para a bioética, reivindicando-a por uma via pouco explorada, fundamentada na interseccionalidade 66. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estud Fem [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];10(1):171-88. DOI: 10.1590/s0104-026x2002000100011
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Por isso, este estudo busca explorar e contribuir para as formas de (re)pensar a bioética para além do principialismo. Nesse ponto, mais que relembrar as obras que o antecedem e que, a seu modo, fazem críticas e expandem a bioética, busca-se construir outros conhecimentos possíveis na ação política nesse campo. Ambiciona-se reconsiderar premissas e reivindicar a bioética como campo em disputa. Para exemplificar o ponto de convergência entre as pautas antiopressão e a bioética, serão abordados temas relativos aos direitos sexuais e reprodutivos, o que não significa que sejam os únicos passíveis de reflexão. O intuito é que o pensamento bioeticista se fortaleça como uma ferramenta de resistência contra opressões, de construção de confluências nas diferenças e como uma epistemologia de celebração de existências diversas.

Bioética interseccional

Bioética antic apitalista, feminista e antirracista

A bioética, vista para além de dilemas éticos clínicos, aborda a ética ambiental, animal, do trabalho, das ciências, entre outros temas. Enquanto um campo aberto para discutir as relações entre seres sencientes (mas não somente), questões fundamentais que representam crises contemporâneas de proporções monumentais podem e devem ser pautadas interdisciplinarmente. Nesse sentido, Fátima Oliveira argumentou que a ciência é uma construção social e, portanto, inevitavelmente reflete as ideias de opressão de gênero e de raça. Além disso, observou que as instituições que produzem ciência ainda são predominantemente controladas por homens, bem como identificou que os métodos de pesquisa não são neutros, mas, sim, ligados às necessidades daqueles que financiam as pesquisas 55. Oliveira F. Feminismo, luta anti-racista e bioética. Cad Pagu [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2022];(5):73-107. Disponível: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1775
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No intuito de modificar esse cenário, buscamos respaldo na interseccionalidade 66. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estud Fem [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];10(1):171-88. DOI: 10.1590/s0104-026x2002000100011
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para refletir como a relação entre o sistema capitalista, o racismo e o sexismo está no centro das discussões bioéticas de modo geral, especialmente quando discutimos os direitos sexuais e reprodutivos a partir do sul global. A interseccionalidade destaca como os eixos de poder relacionados à classe social, ao gênero e à raça, por exemplo, na medida em que se vinculam de modo complexo e dinâmico, manifestam experiências de desigualdades e/ou privilégios. Além disso, o especismo, o etarismo, o capacitismo e outras perspectivas capazes de vulnerabilizar modos de vida específicos podem e devem ser utilizados como ferramentas teórico-metodológicas da bioética e da interseccionalidade.

Crenshaw 77. Crenshaw K. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum [Internet]. 1989 [acesso 11 dez 2022];1(8):139-67. Disponível: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=1052&context=uclf
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explica que, repetidamente, as análises das desigualdades de gênero são feitas apartadas das análises das desigualdades de raça ou classe e, por isso, é comum o apagamento de pessoas que passam por todas essas opressões ao mesmo tempo 77. Crenshaw K. Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics. University of Chicago Legal Forum [Internet]. 1989 [acesso 11 dez 2022];1(8):139-67. Disponível: https://chicagounbound.uchicago.edu/cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=1052&context=uclf
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. Para evitar essa invisibilização, é importante que as variadas faces do prisma de opressões (que atingem de modo particular as mulheres negras e indígenas) sejam identificadas e nomeadas. A autora denomina esse processo de “superinclusão” quando, diante de uma questão com características interseccionais, somente se destaca uma perspectiva de opressão. É o que pode acontecer, como veremos adiante, na abordagem do direito ao aborto seguro, que envolve tanto questões relacionadas a gênero, frequentemente consideradas, quanto aspectos relacionados a raça e a classe, muitas vezes invisibilizados.

No Brasil, o termo interseccionalidade ganhou relevância principalmente por meio da tradução da obra de Crenshaw, em 2002 66. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estud Fem [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];10(1):171-88. DOI: 10.1590/s0104-026x2002000100011
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. De acordo com Rios, Perez e Ricoldi 88. Rios F, Perez O, Ricoldi A. Interseccionalidade nas mobilizações do Brasil contemporâneo. LS [Internet]. 2019 [acesso 12 mar 2023];22(40):36-51. Disponível: https://revistas.pucsp.br/index.php/ls/article/view/46648
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, mesmo que a utilização do termo interseccionalidade se mostre recente no Brasil, o pensamento negro nacional das gerações de 1970 e 1980 já articulava raça, classe e gênero para explicar as desigualdades aqui vivenciadas. Não por acaso, o debate sobre o racismo, protagonizado pelo movimento social negro, denuncia há décadas sua posição estrutural na sociedade capitalista, construída por meio da exploração e da naturalização primeiro da escravização e depois da subalternalização dos povos negros e indígenas 99. Carneiro S. Mulheres em movimento. Estud Av. [Internet]. 2003 [acesso 30 out 2022];17(49):117-33. Disponível: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9948
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Especificamente sobre o feminismo negro, Carla Akotirene 1010. Akotirene C. Interseccionalidade. São Paulo: Jandaíra; 2019. destaca que o movimento social expunha, anteriormente ao termo interseccionalidade, a diversidade de opressões vividas pelas mulheres negras. De acordo com a filósofa, os impactos do sexismo, do capitalismo e do racismo são, desde sempre, marcadores da perspectiva do feminismo negro, sendo o conceito de interseccionalidade um desejo de instrumentalizar metodologicamente essa perspectiva.

Ilustrando esse ponto, já na década de 1980, Sueli Carneiro 1111. Carneiro S. Escritos de Uma Vida. São Paulo: Jandaíra; 2019., em seu artigo “Mulher negra”, destacava o conjunto de opressões pelas quais passavam (e passam) as mulheres negras brasileiras e como suas particularidades eram invisibilizadas tanto no Movimento Negro quanto no Movimento Feminista. O discurso feminista, que, na perspectiva dessa autora, abarca a opressão das mulheres proveniente das relações de gênero estabelecidas pelo sistema patriarcal, por muitas vezes não contempla a diferença qualitativa dessa forma de opressão na construção das subjetividades das mulheres negras, tendo em vista as especificidades das opressões interseccionais vivenciadas por esse segmento social racializado 1111. Carneiro S. Escritos de Uma Vida. São Paulo: Jandaíra; 2019..

Assim como Sueli Carneiro, Lélia Gonzalez 1212. Gonzalez L. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar; 2020. destacou como as perspectivas das mulheres negras eram desconsideradas dentro dos movimentos sociais, principalmente na tomada de decisões, e complementou destacando que a luta das mulheres negras, por conta do seu caráter interseccional intrínseco à sua vivência, contribui para mudanças tanto no que tange a gênero quanto no que se refere à raça na sociedade brasileira.

Adicionalmente, quando pensamos nas complexidades de abordar a interseccionalidade a partir do sul global, é importante pensar no conceito de colonialidade do poder, proposto por Aníbal Quijano 1313. Quijano A. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos Rumos [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022]; 17(37):4-28. DOI: 10.36311/0102-5864.17.v0n37.2192
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. Ele concebe que o capitalismo historicamente não existe, não existiu e é provável que não venha a existir separado ou independente de outras tantas formas de exploração. Consoante a esse autor, o capitalismo está intrinsecamente relacionado com a combinação estrutural de todas as diferentes formas historicamente reconhecidas de controle do trabalho e de sua exploração, que abrangem desde a escravidão ao pagamento de salários, dentro do sistema de distribuição global e desigual de mercadorias 1313. Quijano A. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos Rumos [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022]; 17(37):4-28. DOI: 10.36311/0102-5864.17.v0n37.2192
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Quijano argumenta que a classificação social racista surgiu junto com o desenvolvimento das Américas, da Europa e do sistema capitalista. Ele também afirma que a dominação colonial foi estabelecida sobre a totalidade da população do planeta durante o processo de expansão do colonialismo europeu 1313. Quijano A. Colonialidade, poder, globalização e democracia. Novos Rumos [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022]; 17(37):4-28. DOI: 10.36311/0102-5864.17.v0n37.2192
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. Todavia, o autor articula a ideia de raça e colonialismo, mas não traz o gênero para o centro do projeto colonial, como propõe María Lugones 1414. Lugones M. Rumo a um feminismo descolonial. Rev Estud Fem [Internet]. 2014 [acesso 30 out 2022];22(3):935-52. DOI: 10.1590/s0104-026x2014000300013
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. A autora reafirma o gênero, assim como a raça, na centralidade da constituição do poder capitalista colonial, mas paralelamente expõe críticas ao conceito de interseccionalidade por considerar que Crenshaw 66. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estud Fem [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];10(1):171-88. DOI: 10.1590/s0104-026x2002000100011
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separa raça e gênero em diferentes eixos 1515. Costa CD. Interrogando Lugones: reflexões sobre um debate inconcluso. Rev Estud Fem [Internet]. 2022 [acesso 30 out 2022];30(1):e85070. DOI: 10.1590/1806-9584-2022v30n185070.

Lugones afirma que a lógica colonial atravessa setores multifacetados, tocando aspectos sociais, de ordem da cosmologia e da ecologia, bem como elementos espirituais e econômicos 1414. Lugones M. Rumo a um feminismo descolonial. Rev Estud Fem [Internet]. 2014 [acesso 30 out 2022];22(3):935-52. DOI: 10.1590/s0104-026x2014000300013
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, gerando, entre outras dicotomias hierárquicas, a separação entre aqueles considerados dignos de viver e aqueles passíveis a matar ou deixar morrer. Assim, ocorreu a naturalização do brutal acesso aos corpos das pessoas por meio de exploração inaudita, violência sexual, regulamentação da reprodução e um sistema de terror institucionalizado 1414. Lugones M. Rumo a um feminismo descolonial. Rev Estud Fem [Internet]. 2014 [acesso 30 out 2022];22(3):935-52. DOI: 10.1590/s0104-026x2014000300013
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Logo, o controle da reprodução humana foi uma forma de coerção colonial comum nas Américas, utilizada para invisibilizar os saberes populares e subalternizar sobretudo as mulheres, a partir da biologização fundamentada no binarismo de gênero. Em outras palavras, a colonia- lidade desempenha um papel na naturalização da concepção de sexo, a fim de legitimar relações de poder inerentes ao próprio sistema capitalista 1616. Dias MC, Gonçalves L, Gonzaga P, Soares S, organizadoras. Feminismos decoloniais: homenagem a María Lugones. Rio de Janeiro: Ape'Ku Editora; 2020., com concepções que se atualizam até os dias de hoje. Dessa forma, as nativas das Américas e as mulheres negras em diáspora foram subalternizadas e oprimidas por todo tipo de violações, tratadas como mercadorias, utilizadas e descartadas em favor da geração de riquezas.

Essas opressões históricas interseccionadas não podem ser ignoradas por uma ciência que defende a vida em sua diversidade. Assim sendo, fazemos um convite a repensar a bioética para além do principialismo e da barreira invisível que limita pensamento e ação, como leciona Fisher 1717. Fisher M. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? São Paulo: Autonomia Literária; 2020., em Realismo Capitalista. Consequentemente, afastamo-nos dos princípios hipotéticos e da restrição da bioética a dilemas clínicos e propomos sua disputa a partir da intersecção entre gênero, raça e classe, que será discutida a seguir a partir dos direitos reprodutivos, com destaque para o contexto brasileiro.

Reprodução humana e bioética interseccional

A bioética como uma ética da sobrevivência 11. Potter VR. Bioethics, the science of survival. Perspect Biol Med [Internet]. 1970 [acesso 30 out 2022];14(1):127-53. DOI: 10.1353/pbm.1970.0015
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, mesmo sem o mesmo prestígio da bioética principialista, permanece em desenvolvimento e seus estudiosos abordam temas vinculados à eugenia, aos direitos reprodutivos e às sexualidades. Esses pontos convergem com pautas dos movimentos sociais negro, indígena, feminista e LGBTQIA+, os quais constroem, dentro e fora do ambiente acadêmico, críticas à ciência desde a década de 1960, mesmo que praticamente ausentes das discussões nos fóruns bioeticistas até a década de 1990. Por isso, Fátima Oliveira 55. Oliveira F. Feminismo, luta anti-racista e bioética. Cad Pagu [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2022];(5):73-107. Disponível: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1775
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contestava a necessidade de os movimentos sociais atuarem conjuntamente à bioética no intuito de construir uma nova ética: não sexista, antirracista e libertária.

A referida bioeticista estabeleceu uma linha histórica sobre as intersecções entre o feminismo e a bioética, dando destaque para a Finrrage (Feminist International Network of Resistence to Reproductive and Genetic Engineer – Rede Internacional Feminista de Resistência à Engenharia Genética e Reprodutiva) e o I e II Congresso da Repú- blica Federal da Alemanha – Mulheres contra as Tecnologias Genéticas e Reprodutivas – realizados em 1985 e 1988. Ocorre que tanto a Finrrage como os congressos citados se posicionaram contra a regulamentação das novas tecnologias reprodu- tivas, entendendo que elas seriam um ataque específico contra a dignidade humana da mulher e ao seu direito à autodeterminação 55. Oliveira F. Feminismo, luta anti-racista e bioética. Cad Pagu [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2022];(5):73-107. Disponível: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1775
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Em outras palavras, os primeiros posicionamentos de algumas vertentes do movimento feminista foram de resistência a essas novas tecnologias, principalmente porque reconheciam a potência que elas tinham de reposicionar o papel das mulheres na gestão social da reprodução humana. O texto da Declaração de Comilla 1818. Ubinig. Declaration of Comilla [Internet]. In: Proceedings of Finrrage-Ubinig International Conference 1989; 19-25 mar 1989; Dhaka. Dhaka: Ubinig; 1989 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://bitly.ws/3avCT
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também abordou questões relacionadas a raça e a classe no contexto do tema, afirmando que as experiências iniciais com engenharia genética e reprodução ao redor do mundo tendem a agravar a já precária situação das mulheres na sociedade e a ampliar as disparidades existentes entre as pessoas em termos de raça, classe, casta, gênero e religião. As mulheres dos países participantes destacaram como a ideologia eugenista e o racismo estão na base das políticas de controle populacional. A declaração enfatizou a resistência a tais políticas e a métodos de controle populacional, argumentando que eles mascaram as verdadeiras causas da pobreza, como a exploração perpetrada pelas classes mais privilegiadas 1818. Ubinig. Declaration of Comilla [Internet]. In: Proceedings of Finrrage-Ubinig International Conference 1989; 19-25 mar 1989; Dhaka. Dhaka: Ubinig; 1989 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://bitly.ws/3avCT
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De acordo com Fátima Oliveira 55. Oliveira F. Feminismo, luta anti-racista e bioética. Cad Pagu [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2022];(5):73-107. Disponível: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1775
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, o movimento feminista começou a se envolver na bioética devido à escassa atenção dada às questões relacionadas à opressão e à perspectiva de gênero na abordagem bioética. Paralelamente, os bioeticistas começaram a se posicionar como as principais autoridades a determinar decisões éticas, incluindo aquelas que abordam temas de saúde e direitos sexuais e reprodutivos, que são de particular interesse para as mulheres. De maneira preocupante, Oliveira conclui que, por meio da bioética, os homens estão recuperando o controle sobre as decisões relativas à vida das mulheres 1919. Oliveira F, Ferraz TC, Ferreira LCO. Ideias feministas sobre bioética. Rev Estud Fem [Internet]. 2001 [acesso 30 out 2022];9(2):483-511. DOI: 10.1590/S0104-026X2001000200009.

As iniciativas da Finrrage, dos congressos sobre as tecnologias genéticas e reprodutivas e da Política de Pesquisas para Desenvolvimento de Alternativas (Ubinig, na sigla em bengalês) para introduzir a teoria feminista na bioética, porém, partem de uma premissa equivocada e representativa de um tempo em que as tecnologias eram sinônimo de grandes dúvidas e apreensão. Atualmente, as engenharias genética e reprodutiva são tecnologias conceituadas que permitiram e permitem que diversas pessoas – inclusive mulheres – exerçam seus direitos sexuais e reprodutivos. Logo, a eugenia e a opressão/subalternização das mulheres em relação às tecnologias de reprodução humana não devem ter como causa as tecnologias em si, mas sim as estruturas classistas, racistas e patriarcais intrínsecas ao sistema capitalista.

Em outras palavras, as engenharias genéticas não são capazes, por si só, de intensificar as hierarquias de gênero, raça e classe, todavia, quando não democratizadas, indisponíveis em sistemas públicos de saúde, restritas a estratos sociais específicos, sim. Logo, o problema não é a tecnologia (a qual, inclusive, ampara mulheres e pessoas com identidades de gênero dissidentes), e sim as estruturas opressivas que a regem. Por isso, divergimos de posições que percebem as tecnologias reprodutivas tão somente como agravantes da situação das mulheres por considerarmos que tais concepções não abordam adequadamente raça e ignoram teorias de gênero e classe social. Não por acaso, posteriormente, as colocações da Finrrage foram adotadas e cooptadas ao longo dos anos por agentes sociais e políticos reacionários 2020. Lewis S. Full surrogacy now: feminism against family. New York: Verso Books; 2019..

Para que a bioética se paute pela interseccionalidade, sem ser capturada por posicionamentos disfarçados de progressistas e perpetradores de opressões, trataremos os direitos sexuais e reprodutivos a partir de questionamentos sobre quem pode exercer os direitos de reproduzir-se, gestar e maternar por meio de reflexões que englobam raça, classe e gênero.

Maternidade (des)sacralizada

A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 2121. Declaração Universal dos Direitos Humanos [Internet]. 1948 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https:// bitly.ws/3avDb
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e a Conferência Internacional da ONU sobre População e Desenvolvimento (CIPD) 2222. Fundo de População das Nações Unidas. Relatório da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento - Plataforma de Cairo, 1994 [Internet]. Brasília: UNFPA; 2007 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://bitly.ws/3avDZ
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, realizada no Cairo em 1994, conferiram papel primordial à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos em âmbito internacional. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 inclui no seu art. 226, § 7º 2323. Brasil. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 out 1988 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://bitly.ws/32jVN
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, a responsabilidade do Estado no que se refere ao planejamento familiar 2424. Brasil. Presidência da República. Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 jan 1996 [acesso 30 out 2022]. Seção 1. Disponível: https://bityli.com/ME4E4n
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, que também inclui a dignidade da pessoa humana e a paternidade responsável como livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos para o exercício desses direitos, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas 2525. Brasil. Ministério da Saúde. Direitos sexuais e direitos reprodutivos: uma prioridade do governo [Internet]. Brasília: Ministério da Saúde; 2005 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://bitly.ws/3avvj
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.

A previsão dos direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos e fundamentais, por mais que signifique um símbolo da luta dos movimentos feministas, negros e indígenas, não se consolida meramente a partir de um marco legal, pelo contrário, a construção desses direitos é uma luta constante. Isso porque, de acordo com a configuração política, social e econômica, os corpos sobre os quais recaem a reprodução social são constantemente postos a serviço de interesses alheios aos seus. A via pela qual isso ocorre é de mão dupla, eventualmente esses corpos são restringidos a gestar e parir, mas, como também são os principais responsáveis pela produção da locomotiva do capital, são estimulados a produzir a força de trabalho necessária 2626. Bhattacharya T. O que é a teoria da reprodução social? Revista Outubro [Internet]. 2019 [acesso 30 out 2022];(32):99:113. Disponível: https://bitly.ws/3avvN
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Nessa direção, teóricas como Lélia Gonzalez 1212. Gonzalez L. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar; 2020., Sueli Carneiro 99. Carneiro S. Mulheres em movimento. Estud Av. [Internet]. 2003 [acesso 30 out 2022];17(49):117-33. Disponível: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9948
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e Angela Davis 2727. Davis A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo; 2016. pontuam o papel das mulheres escravizadas, negras e indígenas como responsáveis pela reprodução e pelo cuidado, no intuito de repor e ampliar a mão de obra a serviço da consolidação do sistema capitalista. A exploração sexual das mulheres escravizadas resultou na contabilização da sua capacidade reprodutiva como um fator relevante a ser monetizado. Portanto, aquelas com capacidade de ter muitos filhos eram repetidamente violentadas e utilizadas como mão de obra no trabalho doméstico e fonte de leite humano, além disso, eram cobiçadas e vendidas como tesouros 1212. Gonzalez L. Por um feminismo afro-latino-americano. Rio de Janeiro: Zahar; 2020..

Porém, isso em nenhum momento significou que, como mães, as mulheres escravizadas gozassem de uma condição mais respeitável sociopoliticamente 2727. Davis A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo; 2016.. Longe disso, mesmo com todo o trabalho de reprodução social, as mulheres escravizadas não eram poupadas dos afazeres sexuais, domésticos e das plantações, sendo exigida produtividade tal qual a das demais pessoas escravizadas. Até hoje as mulheres amefricanas 2828. Cardoso CP. Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez. Rev Estud Fem [Internet]. 2014 [acesso 30 out 2022];22(3):965-86. DOI: 10.1590/s0104-026x2014000300015
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têm o estereótipo de fortes e com maior tolerância à dor, características consideradas tabus pela ideologia da feminilidade do século XIX 2727. Davis A. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo; 2016. e atual. Assim sendo, a exaltação ideológica da maternidade não se estendia, e não se estende, a essas mulheres, afinal, delas foi usurpada a sua autonomia reprodutiva, a qual foi usufruída como uma forma de produção de mão de obra necessária para a manutenção da circulação das mercadorias. A elas, oportunamente, não foi estendida a feminilidade e a sacralidade da maternidade.

Dessa forma, historicamente, reproduzir-se (ou não), gestar (ou não) e maternar (ou não) não foram direitos igualmente experienciados, assim como o próprio direito à vida e ao acesso às tecnologias reprodutivas. Assim, ao invés de estratificarmos essas pautas, tratando-as como se divergentes fossem, propomos a seguir tratá-las conjuntamente, no intuito de expandir direitos que se confluem em suas divergências e que, caso consolidados, são capazes de assegurar os processos de reprodução, contracepção e maternagem de toda(e)(o)s.

Três lados da mesma moeda

Reprodução, contracepção e maternagem

No Brasil da década de 1960, uma das principais reivindicações do movimento feminista era a igualdade sexual, principalmente baseada na conquista do direito à contracepção e ao aborto legal. Acreditava-se que a conquista desses dois direitos seria capaz de modificar a identidade feminina reduzida à maternidade 2929. Giffin K. Pobreza, desigualdade e eqüidade em saúde: considerações a partir de uma perspectiva de gênero transversal. Cad Saúde Pública [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];18(suppl):103-12. DOI: 10.1590/s0102-311x2002000700011. Porém, o movimento feminista não concebeu que o direito à contracepção, ao aborto e à maternidade em si não eram e não são igualmente experenciados por todas as pessoas capazes de gestar e parir.

Conforme orientações de Jurema Werneck 3030. Werneck J. Ou belo ou o puro? Racismo, eugenia e novas (bio)tecnologias. In: Rotania A, Werneck J, editoras. Sob o signo das bios: vozes críticas da sociedade civil. Rio de Janeiro: E-papers Serviços Editoriais; 2004. p. 49-63., os métodos contraceptivos hormonais recém-desenvolvidos foram adotados pelas mulheres brancas do Ocidente como o principal componente da denominada “revolução sexual”. No entanto, por outro lado, esses métodos introduziram novas possibilidades de controle coercitivo da fertilidade das mulheres negras, indígenas e asiáticas, indo além das opções já existentes, como a esterilização cirúrgica.

Os métodos contraceptivos celebrados por uma parcela da população, a qual passou a ter maior controle sobre seus próprios processos reprodutivos, não foram igualmente recebidos, uma vez que, simultaneamente, os mesmos métodos permitiram ao Estado impor campanhas de redução populacional direcionadas às populações empobrecidas e não brancas. Campanhas nesse sentido são baseadas, até os dias atuais, em crenças eugenistas 3131. Motta AS. A vivência de mulheres no abortamento induzido [dissertação] [Internet]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; 2016 [acesso 30 out 2022]. Disponível: http://www.repositorio-bc.unirio.br:8080/xmlui/handle/unirio/10861
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de que a pobreza seria, entre outros motivos, uma consequência do comportamento reprodutivo de determinados setores da sociedade. Como exemplo sintomático, podemos citar a fala do ex-presidente do Brasil, Jair Messias Bolsonaro, que quando deputado federal defendeu o controle de natalidade para a segurança nacional com a utilização da “pílula do aborto”, uma vez que, baseado na crença preconceituosa sobre a natalidade e a pobreza, afirmou que pessoas subnutridas não eram úteis ao Brasil. Portanto, não deveriam se reproduzir 3232. Sadi A, Guedes O. Bolsonaro já citou pílula do aborto como solução para controle da natalidade. G1 [Internet]. 16 out 2022 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://www.finrrage.org/wp-content/uploads/2016/03/Comilla_Proceedings_1989.pdf
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O texto de Kimberlé Crenshaw 66. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estud Fem [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];10(1):171-88. DOI: 10.1590/s0104-026x2002000100011
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enfatiza que políticas que afetam os direitos reprodutivos de mulheres pobres, negras e periféricas, como esterilização e controle coercitivo da fertilidade, frequentemente têm suas bases em preconceitos que retratam essas mulheres como sexualmente indisciplinadas. Isso constitui discriminação interseccional, pois deriva de estereótipos étnicos e de gênero, ampliando as situações de vulnerabilidade dessas mulheres a medidas punitivas 66. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estud Fem [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];10(1):171-88. DOI: 10.1590/s0104-026x2002000100011
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A utilização de métodos contraceptivos direcionados a setores populares da sociedade, predominantemente mulheres não brancas, é uma prática recorrente de controle demográfico populacional em diversos países, como é o caso do Brasil. A invisibilização dessa história termina por ignorar as hierarquias raciais dentro da sociedade, desconsiderando que as pautas de mulheres brancas de classe média e alta não são universais, como apontam bell hooks 3333. Hooks B. Mulheres negras: moldando a teoria feminista. Rev Bras Ciênc Política [Internet]. 2015 [acesso 30 out 2022];(16):193-210. DOI: 10.1590/0103-335220151608
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e Sueli Carneiro 99. Carneiro S. Mulheres em movimento. Estud Av. [Internet]. 2003 [acesso 30 out 2022];17(49):117-33. Disponível: https://www.revistas.usp.br/eav/article/view/9948
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Diante da tentativa do Estado brasileiro de redução populacional direcionada às populações empobrecidas e não brancas, em 1993, mulheres negras de 16 estados e 45 organizações diferentes elaboraram a Declaração de Itapecerica da Serra. No documento, destacaram as problemáticas decorrentes do controle populacional de grupos específicos e apontaram para o teor racista dessas políticas (as quais visavam a diminuição da população negra e não branca e partiam da premissa de que o crescimento populacional dessa população era a causa da pobreza e da miséria). As mulheres lá presentes expuseram o fato de que, mesmo com a diminuição da fecundidade, os níveis de pobreza permaneceram, revelando a necessidade evidente de melhor distribuição de renda e da reforma agrária 3434. Roland E. Saúde reprodutiva da população negra no Brasil: entre Malthus e Gobineau. Portal Geledés [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://www.geledes.org.br/saude-reprodutiva-da-populacao-negra-no-brasil-entre-malthus-e-gobineau/
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A problemática decorrente do controle populacional debatida em 1993, porém, permanece até a atualidade. Em 2018, por exemplo, o Poder Judiciário do Estado de São Paulo permitiu a esterilização compulsória de mulheres vulnerabilizadas em situação de rua, empreendendo um ato ilícito de esterilização sem o consentimento das pessoas submetidas ao procedimento violador 3535. Toledo M. Esterilização de mãe de 8 no interior de o São Paulo vira alvo de investigação. Folha de S.Paulo [Internet]. 11 jun 2018 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/06/esterilizacao-de-mae-de-8-no-interior-de-sao-paulo-vira-alvo-de-investigacao.shtml
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Outro exemplo que vale menção é a Portaria SCTIE/MS 13, de 19 de abril de 2021 3636. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria SCTIE/MS nº 13, de 19 de abril de 2021. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, p. 235, 14 abr 2021 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sctie/2021/prt0013_22_04_2021.html
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, que incorpora o implante subdérmico de etonogestrel condicionado à criação de programa específico na prevenção da gravidez não planejada para mulheres em idade fértil em situação de rua, com HIV/aids em uso de dolutegravir, em uso de talidomida, privadas de liberdade, trabalhadoras do sexo e em tratamento de tuberculose em uso de aminoglicosídeos, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.

No que tange aos dois exemplos, vale pontuar que não se nega que o Estado brasileiro deva promover políticas públicas que permitam às pessoas exercerem seus direitos sexuais e reprodutivos, entre eles o direito à esterilização 3737. Brasil. Lei nº 14.443, de 2 de setembro de 2022. Altera a Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, para determinar prazo para oferecimento de métodos e técnicas contraceptivas e disciplinar condições para esterilização no âmbito do planejamento familiar. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 5 set 2022 [acesso 30 out 2022]. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14443.htm
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e à contracepção (artigo 3º, parágrafo único da Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996) 2424. Brasil. Presidência da República. Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Regula o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências. Diário Oficial da União [Internet]. Brasília, 15 jan 1996 [acesso 30 out 2022]. Seção 1. Disponível: https://bityli.com/ME4E4n
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, todavia, direcionar métodos anticoncepcionais para populações já em situação de vulnerabilidade resulta em uma confusão indesejada entre direito e eugenia.

Nesse sentido, concordando com o que diz Crenshaw 66. Crenshaw K. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Rev Estud Fem [Internet]. 2002 [acesso 30 out 2022];10(1):171-88. DOI: 10.1590/s0104-026x2002000100011
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, tanto os casos de esterilização compulsória quanto a Portaria SCTIE/MS 13 consideram estereótipos de gênero preexistentes que diferenciam mulheres a partir da sua condição de saúde e sua conduta sexual (ou da percepção dela), assim como de estereótipos raciais, étnicos e de classe, estigmatizando grupos listados como sexualmente indisciplinados. Dessa forma, os referidos casos expõem a forma como o Estado brasileiro elege determinadas mulheres que serão impedidas de exercer o direito a se reproduzir e a maternar, caso assim desejem.

No espaço-tempo em que reproduzir, gestar e maternar são direitos parcialmente acessíveis, uma atuação bioeticista meramente principialista nem sempre será eficaz para evitar políticas públicas contraceptivas que, em verdade, mostram-se eugenistas ao priorizar quais corpos são passíveis de exercer sua autodeterminação sexual e reprodutiva e quais não são. Análises que se concentram apenas na autonomia podem negligenciar os impactos das desigualdades sociais, em que a liberdade e a justiça muitas vezes não podem ser exercidas de forma plena 44. Diniz D, Guilhem D. O que é bioética? Brasília: Brasiliense; 2002..

No livro Principles of Biomedical Ethics, de Beauchamp e Childress 33. Beauchamp TL, Childress JF. Principles of biomedical ethics. 6ª ed. New York: Oxford University Press; 2009., os autores afirmam que o princípio do respeito pela autonomia é o reconhecimento do seu direito a ter opiniões, a fazer escolhas e a tomar decisões baseadas em seus valores e crenças. Os autores elaboraram um rol de elucidações sobre as variedades de consentimento autônomo, sobre a capacidade para a escolha autônoma, entre alternativas, no intuito de rebater algumas críticas elaboradas à autonomia. Essas críticas, em sua maioria, estão vinculadas à maneira pela qual a autonomia foi priorizada em relação aos outros três princípios, o que resultou na ideia de que a perspectiva individual dos conflitos fosse a única determinante para a resolução deles 3838. Garrafa V. Da bioética de princípios a uma bioética interventiva. Bioética [Internet]. 2005 [acesso 30 out 2022];13(1):125-14. Disponível: https://revistabioetica.cfm.org.br/revista_bioetica/article/view/97
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. Enquanto isso, o princípio da justiça foi o que menos ganhou pauta na teoria principialista e em outras teorias hegemônicas da bioética no início da institucionalização da disciplina 44. Diniz D, Guilhem D. O que é bioética? Brasília: Brasiliense; 2002..

Percebe-se que a autonomia sexual e reprodutiva consubstanciada nos métodos anticoncepcionais e no acesso ao aborto, celebrados pelo movimento feminista como uma forma de superação da identidade feminina restrita à maternidade, não pode ser vista apenas por uma perspectiva, sob pena de invisibilizar a realidade das mulheres negras e indígenas. Primeiramente, de qual identidade feminina se está falando? A premissa considera a existência de uma identidade feminina única, o que é facilmente perceptível quando se aborda a maternidade sob uma concepção interseccional. As mulheres negras, indígenas e da classe trabalhadora não têm uma identidade restrita à maternidade, afinal, também são as responsáveis por trabalhos extenuantes, pela reprodução e pelo cuidado, atividades que ultrapassam a ideologia da feminilidade branca. Além disso, como exposto pelos casos de esterilização e contracepção compulsórias, maternar sequer é um direito exercido igualmente, uma vez que o Estado brasileiro age contrário a Constituição e veda, de forma coercitiva, determinadas maternidades, curiosamente as não brancas, corpos para os quais a autonomia sequer é cogitada.

Nesse sentido, a defesa individual da autonomia, que muitas vezes se limita a mulheres brancas de classe média e alta, pode conduzir ao seu oposto, ou seja, a um egoísmo exacerbado que tem o potencial de eliminar qualquer perspectiva coletiva para abordar as injustiças sociais 3939. Garrafa V. De uma "bioética de princípios" a uma "bioética interventiva" - crítica e socialmente comprometida Anvisa [Internet]. 2006 [acesso 30 out 2022]. Disponível: https://bitly.ws/3avL3
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, no caso específico, as violações aos direitos sexuais e reprodutivos de todas as pessoas capazes de gestar e parir. Em contrapartida, a bioética a partir de uma análise interseccional pode contribuir para a compreensão de processos reprodutivos em geral (englobando, portanto, contracepção, reprodução e maternagem na mesma pauta, como lados diferentes da mesma moeda), reforçando um projeto de emancipação e consciência da sexualidade social, percebendo que alteridades não devem ser ocultadas, mas estimuladas em suas confluências para a construção de uma reivindicação coletiva dos direitos sexuais e reprodutivos que sequer devem ser limitados às mulheres.

Por um viés interseccional, a bioética é capaz de tecer críticas à estratificação social que hierarquiza pessoas e consente quem pode gestar, parir e maternar e quem não pode, assim como hierarquiza crianças desejáveis de nascer e as que não são (seja por meio da esterilização ou contracepção compulsória dos corpos ou por meio do descaso seletivo à infância e à juventude negra, indígena e periférica). Nesse sentido, uma crítica às políticas eugenistas – tão habituais no campo da bioética – seria, intrinsecamente, uma crítica ao capitalismo, ao racismo e ao sexismo, aliada à luta coletiva pelos direitos sexuais e reprodutivos a partir das diferenças que constituem os povos.

Afinal, qual é o lugar da bioética?

Este artigo buscou refletir sobre possíveis caminhos para uma bioética com perspectiva interseccional e formas de construí-los a partir de debates sobre os direitos sexuais e reprodutivos. Nesse sentido, considerou-se que a bioética deve passar por análises anticapitalistas, antirracistas e feministas para a resolução dos casos e dilemas consequentes dos avanços das novas tecnologias, notadamente aqui abordadas as relacionadas à reprodução humana. Caso assim não opere e se mantenha a tendência unicamente principialista, a bioética pode terminar como uma disciplina teórica sem fundamento prático no sul global, tendo seus próprios princípios facilmente capturados por discursos que perpetuam opressões.

Como dito anteriormente, Fátima Oliveira 55. Oliveira F. Feminismo, luta anti-racista e bioética. Cad Pagu [Internet]. 2009 [acesso 30 out 2022];(5):73-107. Disponível: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cadpagu/article/view/1775
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,1919. Oliveira F, Ferraz TC, Ferreira LCO. Ideias feministas sobre bioética. Rev Estud Fem [Internet]. 2001 [acesso 30 out 2022];9(2):483-511. DOI: 10.1590/S0104-026X2001000200009pontua que o intuito dessa “nova” epistemologia conhecida como bioética seria destacar o caráter social das ciências biológicas. Não obstante a grande contribuição da pesquisadora ao pensamento, o que aqui se propõe não é mero resgate, mas a compreensão de que as ciências são intrinsecamente sociais, pondo fim aos mitos de neutralidade e parcialidade que são constantemente invocados pela “racionalidade” colonial. Nesse sentido, dialogar sobre a não neutralidade, com a qual as tecnologias de contracepção, reprodução humana e aborto são historicamente adotadas, e sobre a seletividade do maternar foi uma das vias possíveis de (re)pensar a bioética, mas não é a única.

Debates bioéticos que levam em conta a interseccionalidade devem considerar confluências sem ignorar diferenças e pensar novas alternativas, tecnologias e saberes 1717. Fisher M. Realismo capitalista: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo? São Paulo: Autonomia Literária; 2020.. Por isso, buscamos (re)pensar a bioética e a reprodução humana para que os estudiosos percebam suas pautas como faces diferentes da mesma moeda, e não foquem somente o princípio da autonomia.

Tentamos elucidar outros conhecimentos para tratar direitos sexuais e reprodutivos, abordando simultaneamente a profunda desigualdade social e histórica de uma sociedade atravessada pela colonialidade, no intuito de visibilizar as diversidades de raça, gênero e classe de pessoas que passam por todas essas opressões. Assim, iniciativas de abordar os temas a partir da neutralidade científica ou de estratificação de pautas atentam contra as bases interseccionais de análise necessárias às lentes bioéticas.

A bioética, com base na interseccionalidade, pode construir meios de sobrevivência, de amortecimento de danos, de melhor alocação de medicamentos escassos, de distribuição de leitos quando insuficientes, assim como pode pontuar as causas dos desastres ambientais, das políticas eugenistas, da escassez de medicamentos, leitos e vacinas. A forma possível que aqui propomos de repensar o lugar da bioética é como uma epistemologia interdisciplinar que constrói um elo entre as ciências e as não ciências, impedindo que avanços biotecnocientíficos se desvinculem de análises interseccionais de raça, classe, gênero ou outras possíveis. Uma bioética preocupada com pautas antiopressão é interseccional, anticapitalista, antirracista e feminista em sua essência.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2023
  • Recebido
    30 Nov 2023
  • Aceito
    5 Jan 2024
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