Intervenções para promover o clima ético: revisão de escopo

Resumo

Esta revisão visa identificar e descrever intervenções realizadas para promover o clima ético em instituições de saúde. Foi feita revisão de escopo nas bases PubMed, Biblioteca Virtual em Saúde, EBSCOhost e Google Acadêmico, entre outubro e dezembro de 2022. Os dados foram analisados mediante síntese numérica e temática. Foram incluídos três estudos: dois quase-experimentais e um experimental. Médicos, enfermeiros e outros membros da equipe participaram da pesquisa. São descritas intervenções realizadas e resultados obtidos. As intervenções foram workshops, rodadas de ética e protocolo de ação precoce. A duração variou de duas semanas a seis meses. Houve diferença do clima ético para todos os participantes em um estudo; apenas para enfermeiros em outro; e não houve diferença em uma das pesquisas. Poucos artigos implementam e avaliam intervenções para promover o clima ético. Assim, são necessárias mais investigações que aprimorem conteúdo, didática e modos de avaliação em contextos variados e com diferentes profissionais.

Palavras-chave
Avaliação de eficácia-efetividade de intervenções; Ética profissional; Ética institucional; Clima ético hospitalar; Serviços de saúde

Abstract

This review aims to identify and describe interventions to promote an ethical climate in health institutions. Method: a scope review carried out on PubMed, Virtual Health Library, EBSCOhost, and Google Scholar from October to December 2022. Data were analyzed using numerical and thematic synthesis and included two quasi-experimental and one experimental studies. Physicians, nurses, and other team members participated in this review, which describes the carried out interventions and obtained results. The interventions included workshops, ethics rounds, and an early action protocol that lasted from two weeks to six months. This review found a difference in the ethical climate for all participants in one study, only for nurses in another study, and no significant differences in the last studies. Few studies implement and evaluate interventions to promote an ethical climate. More studies are needed to improve content, didactics, and assessment methods in different contexts with several professionals.

Keywords
Evaluation of the efficacy-effectiveness of interventions; Ethics, professional; Ethics, institutional; Organizational culture; Health services

Resumen

Esta revisión busca identificar y describir intervenciones para promover un clima ético en instituciones sanitarias. Se realizó una revisión de alcance en las bases de datos PubMed, Biblioteca Virtual en Salud, EBSCOhost y Google Scholar entre octubre y diciembre de 2022. Los datos se analizaron mediante síntesis numérica y temática. Se incluyeron tres estudios: dos cuasiexperimentales y uno experimental. Los participantes fueron médicos, enfermeros y otros miembros del equipo. Se describen las intervenciones y los resultados obtenidos. Las intervenciones fueron talleres, rondas de ética y protocolo de acción temprana, con una duración de dos semanas a seis meses. Un estudio reveló diferencia en el clima ético para todos los participantes; otro para solo los enfermeros; y un estudio no reportó diferencia. Pocos estudios evalúan intervenciones en esta materia. Se necesitan más estudios para mejorar los contenidos, la didáctica y los métodos de evaluación en diferentes contextos con distintos profesionales.

Palabras clave
Evaluación de eficacia-efectividad de las intervenciones; Ética profesional; Ética institucional; Clima ético hospitalario; Servicios de salud

Clima ético é definido por Victor e Cullen ¹ como um conjunto de percepções que moldam o comportamento ético dentro de uma organização. Na área da saúde, o ambiente de trabalho ao qual os profissionais são expostos é caracterizado por inúmeros desafios éticos, como o controle do envolvimento emocional que cada situação exige; a necessidade da administração de recursos financeiros e, principalmente, humanos, que gera sobrecarga de trabalho; além das relações interpessoais entre os próprios profissionais, com os pacientes e com as famílias, que podem causar conflitos ². Nesse sentido, um ambiente de trabalho que seja acolhedor e seguro, além de ser pautado na ética profissional, torna esses desafios mais fáceis de serem solucionados. Diante desse contexto, o clima ético organizacional constitui uma maneira de compreender como essas questões éticas são manejadas pela instituição e pelos trabalhadores em questão, refletindo diretamente no ambiente de trabalho e na qualidade assistencial ³.

Um clima ético desfavorável é capaz de tornar o local de trabalho hostil e causar sofrimento psíquico para os envolvidos. Já um clima ético favorável pode reduzir o sofrimento moral e a possibilidade de burnout, além de propiciar práticas laborais pautadas na ética e promover a humanização do cuidado ³. Sendo assim, torna-se fundamental identificar os fatores que influenciam positiva ou negativamente o clima ético, a fim de compreender como o funcionamento das relações de trabalho está vinculado direta ou indiretamente com a saúde do trabalhador.

Muitos estudos concluem seus achados afirmando que o clima ético deve ser promovido nas instituições de saúde, contudo as intervenções, além de mais difíceis de serem encontradas na literatura, carecem de sistematização e evidências quanto à sua efetividade ⁴. Assim, o objetivo deste artigo foi identificar e descrever intervenções realizadas para promover o clima ético em instituições de saúde.

Método

Trata-se de uma revisão de escopo, que consiste em um estudo sistematizado e exploratório para identificar a produção científica relevante, em determinada área do conhecimento, norteada pelos pressupostos do Joanna Briggs Institute (JBI) – Methodology for JBI Scoping Review ⁵. Foram seguidas as seguintes fases: definição e alinhamento dos objetivos e das questões de pesquisa; desenvolvimento dos critérios de inclusão conforme os objetivos e as questões; elaboração e planejamento da estratégia de busca e seleção dos estudos; identificação dos textos relevantes; seleção dos estudos; extração dos dados; mapeamento dos dados; e sumarização dos resultados.

Os trabalhos incluídos nesta revisão de escopo foram elencados a partir do acrônimo PCC, sendo: P=população: instituições de saúde; C=conceito: intervenções e seus resultados; e C=contexto: clima ético. Assim, a questão norteadora elaborada para esta revisão foi: quais intervenções foram realizadas para promover o clima ético nas instituições de saúde e quais foram seus resultados?

Os estudos foram selecionados em diferentes portais e bases de dados: a Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) foi acessada via PubMed, enquanto a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e o Índice Bibliográfico Espanhol de Ciências da Saúde (IBECS) foram acessados pela Biblioteca Virtual da Saúde (BVS). Ainda, utilizaram-se a plataforma EBSCOHost e a ferramenta Google Acadêmico.

Os critérios de inclusão foram: artigos originais publicados nos idiomas inglês, português e espanhol, que descreviam intervenções realizadas para promover o clima ético, no contexto das instituições e/ou dos serviços de saúde. Não foi definido limite temporal, visando incluir o maior número possível de estudos. Foram excluídas pesquisas teóricas e revisões de literatura.

A equipe de investigação definiu uma estratégia de busca, considerando os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e/ou Medical Subject Headings (MeSH) selecionados e mantendo o operador booleano “and”, respeitando as peculiaridades e características de cada base de dados. Os Descritores em Ciências da Saúde em inglês foram: “ethical climate and health and interventions” (Quadro 1). No Google Acadêmico foi utilizada a mesma estratégia de busca. As buscas foram executadas por dois pesquisadores independentes, simultaneamente, entre outubro e dezembro de 2022.

Quadro 1
Descritores de busca (Porto Alegre/RS, 2022)

Inglês	Português	Espanhol
((“Ethics”) or (“ethical climate”)) and (“educational activities”)	((“Ética”) or (“clima ético”)) and (“atividades educacionais”)	((“Ética”) or (“clima ético”)) and (“actividades educativas”)
(“ethical climate”) and (interventions)	((“clima ético”)) and (“intervenções”)	((“clima ético”) and (intervenciones)
((“Ethics”) or (“ethical climate”)) and (“educational activities”) and (“healthcare professionals”)	((“Ética”) or (“clima ético”)) and (“atividades educacionais”) and (“profissionais de saúde”)	((“Ética”) or (“clima ético”)) and (“actividades educativas”) and (“profesionales de la salud”)

Para sistematizar o processo de inclusão dos estudos, optou-se pela metodologia PRISMA Extension for Scoping Reviews (PRISMA ScR) ⁶. Os textos foram pré-selecionados em três etapas consecutivas: 1) leitura do título; 2) leitura do resumo; e 3) leitura do artigo na íntegra, conforme fluxograma apresentado na Figura 1.

Figura 1
Fluxograma do processo de seleção dos estudos conforme as recomendações do PRISMA ScR (Porto Alegre/RS, 2022)

Duas revisoras avaliaram as versões completas dos textos selecionados, considerando os critérios de inclusão e exclusão, o que resultou na amostra final do estudo. Em cada fase houve consenso entre as revisoras por meio de discussão. Os estudos que compõem o corpus de análise apresentam estratégias de capacitação, treinamento ou intervenção para promover o clima ético organizacional, avaliando seus resultados.

Foi elaborada pelos pesquisadores uma ficha de extração de dados para registrar as características dos estudos incluídos e as principais informações para a pesquisa, contendo as seções: autor, ano de publicação, país, periódico, método, participantes, intervenção realizada e resultados. Na análise dos dados, foram feitas a compilação e a comunicação dos resultados, com a intenção de apresentar a visão geral de todo o material. Esses resultados são apresentados por meio de uma descrição numérica e temática ⁵. Na descrição numérica, foram apresentadas as características dos estudos incluídos, tais como autor, ano de publicação, país, periódico, participantes e abordagens adotadas. A descrição temática foi organizada de acordo com a descrição das intervenções e seus resultados.

Foram garantidas a fidelidade e a veracidade das informações contidas nos artigos originais que fundamentaram a revisão, mediante rigor da metodologia de pesquisa, referenciação, tratamento e apresentação de dados.

Resultados

Após o processo de seleção dos artigos, três deles foram incluídos na revisão de escopo: dois estudos quase-experimentais e um estudo experi- mental. Dois foram publicados em 2021, e o outro, em 2015. Os países de publicação foram Irã, Estados Unidos e Suécia. Dois estudos envolveram toda a equipe de saúde e o outro foi realizado apenas com enfermeiros. A Escala de Clima Ético Hospitalar (Hospital Ethical Climate Survey – HECS) ⁷ foi utilizada para avaliar os efeitos das intervenções em duas das pesquisas selecionadas, e o Questionário de Clima Ético ⁸ foi usado em um dos estudos. As intervenções variaram quanto à nomenclatura, ao formato e ao tempo de duração, porém todas envolveram discussões de questões éticas (Quadro 2).

Quadro 2
Caracterização dos artigos segundo autor, ano de publicação, país, periódico, método, participantes e tipo de intervenção realizada (Porto Alegre/RS, 2023)

Autor/Ano	Título	País	Periódico	Método	Participantes	Intervenção
Silén, Haglund, Hansson, Ramklint; 2015 9	“Ethics rounds do not improve the handling of ethical issues by psychiatric staff”	Suécia	Nordic Journal of Psychiatry	Estudo quase-experimental. Escala de Clima Ético Hospitalar	Participaram 55 profissionais de saúde de quatro ambulatórios psiquiátricos	Seis rodadas de ética, com duração de uma hora, por meio da abordagem imaginativa, discutindo uma situação clínica, com a inclusão de questões éticas
Maghsoudi, Mohsenpour, Hamed; 2021 10	“Comparison of ethical decision-making and interpersonal communication skills training effects on nurses’ ethical climate”	Irã	Clinical Ethics	Estudo experimental. Questionário de Clima Ético	Enfermeiros atuantes em enfermarias de hospitais gerais universitários participaram da pesquisa (n=90)	Dois workshops de seis horas para treinamento sobre habilidades éticas de tomada de decisão e comunicação interpessoal
Pavlish e colaboradores; 2021 11	“An ethics early action protocol to promote teamwork and ethics efficacy”	Estados Unidos	Dimensions of Critical Care Nursing	Estudo quase-experimental. Escala de Clima Ético Hospitalar	Participaram 182 profissionais, sendo 149 enfermeiros e 32 médicos de seis unidades de terapia intensiva (UTI) localizadas em três centros médicos acadêmicos	Protocolo de ação precoce em ética foi apresentado aos profissionais de forma on-line e individualizada, com duração de 15 minutos, para posteriormente aplicá-lo em um processo de atendimento diário existente na UTI

Para a análise temática, são apresentadas as intervenções realizadas e os resultados obtidos. Cada uma das categorias é detalhadamente descrita a seguir.

Intervenções realizadas

A intervenção realizada por Maghsoudi, Mohsenpour e Nazif ¹⁰ foi experimental. Os participantes eram enfermeiros atuantes em enfermarias de hospitais gerais universitários e foram divididos, de forma randomizada, em três grupos: intervenção 1 (enfermaria clínica), intervenção 2 (enfermarias cirúrgica, ortopédica e dermatológica) e grupo controle (enfermarias urológica e cardíaca). Todos os participantes dos três grupos preencheram o Questionário de Clima Ético ⁸ no início do estudo e no fim da quarta semana. O questionário é composto por 26 itens, divididos em seis subescalas: climas cuidadosos, baseados em regras; climas profissionais; climas instrumentais; climas produtivos; e climas independentes. Sua pontuação ocorre por meio de uma escala Likert de cinco pontos, em que quanto maior o escore final, melhor o clima ético.

A intervenção consistiu em dois workshops de seis horas, realizados durante duas semanas consecutivas (total de 12 horas), cujo conteúdo foi diferente para cada grupo de intervenção: enquanto o grupo 1 recebeu treinamento sobre habilidades de tomada de decisão ética, o grupo 2 recebeu treinamento sobre habilidades de comunicação interpessoal. A didática utilizada foi a mesma: palestras, métodos de perguntas e respostas, discussão em grupos e trabalho em vários cenários. Os responsáveis pela realização dos workshops foram os próprios pesquisadores ¹⁰.

A intervenção realizada por Pavlish e colaboradores ¹¹ foi quase-experimental. Os participantes eram médicos e enfermeiros de seis unidades de terapia intensiva (UTI) de três centros médicos acadêmicos. Foi feita a comparação dos participantes após três e seis meses de intervenção por meio do preenchimento da HECS ⁷. A escala é composta por 26 itens, divididos em cinco subescalas: pares, pacientes, gestor, hospital e médicos. Sua pontuação ocorre por meio de uma escala Likert de cinco pontos, sendo 3,5 ou mais considerado o ponto de corte para determinar um bom clima ético organizacional.

A intervenção é um protocolo de ação precoce de ética, que consiste na discussão dos fatores de risco, do nível de risco de ocorrência de um conflito ético e do início de um plano de ação. Tudo isso deve acontecer juntamente com a rotina diária da UTI, quando são realizados os rounds na beira do leito. Para isso, todos os participantes tiveram de acessar, previamente ao início do estudo, um módulo on-line de orientação, com duração de 15 minutos, de forma individual. Os pesquisadores realizaram visitas frequentes aos locais de estudo para garantir que o protocolo estava sendo aplicado e para fornecer suporte ¹¹.

A intervenção realizada por Silén e colaboradores ⁹ foi quase-experimental. Os participantes eram profissionais de saúde (administradores, auxiliares de enfermagem, terapeutas ocupacionais, psicólogos, médicos, enfermeiros e assistentes sociais) de quatro ambulatórios psiquiátricos comparáveis entre si, considerando o grupo de pacientes atendidos e o tamanho da equipe (no mínimo dez profissionais de cada ambulatório deveriam participar da intervenção). Os ambulatórios foram divididos, de forma randomizada, em dois grupos: dois ambulatórios no grupo intervenção e dois ambulatórios no grupo controle. Todos os participantes preencheram a HECS ⁷ no início do estudo, na metade (apenas o grupo intervenção) e dois meses após a última intervenção. Nesse caso, a escala foi adaptada: a dimensão “hospital” foi renomeada para “organização”; e a dimensão “médicos” foi renomeada para “equipe”. Essa escala foi originalmente desenvolvida para ser utilizada com enfermeiros, por isso teve essas duas subescalas adaptadas para o uso com outros profissionais da equipe. Seguiu a mesma proposta de pontuação descrita no estudo citado anteriormente.

A intervenção consistiu em seis meses de rodadas de discussão ética, com duração de uma hora cada, sendo realizada uma rodada a cada mês, totalizando seis rodadas. As discussões foram lideradas por um filósofo eticista, utilizando a abordagem da ética imaginativa. Esse é um tipo de didática que promove a escuta e o compartilhamento de experiências dos participantes sobre uma situação clínica que contenha questões éticas. O objetivo é que eles possam imaginar experiências morais e valores, desafiar modelos éticos estabelecidos e expressar suas opiniões. Nessa abordagem, o moderador não diz aos participantes a solução moralmente apropriada, mas age como um facilitador da discussão. Essa orientação foi passada aos participantes, e eles escolheram qual paciente ou tema seria discutido em cada rodada ⁹.

Resultados obtidos

O estudo de Maghsoudi, Mohsenpour e Nazif ¹⁰ mostra que os participantes dos três grupos (intervenção 1, intervenção 2 e controle) eram comparáveis em termos de variáveis demográficas e contextuais. Não foi encontrado efeito independente ou de interação das variáveis demográficas nas mudanças no clima de trabalho ético. Os participantes do estudo eram em sua maioria mulheres, casadas, com média de idade de 40 anos e média de tempo de experiência profissional no local de estudo de 3,4 anos.

A média de clima ético não foi diferente entre os grupos intervenção e controle no início da pesquisa. Resultados significativos após a intervenção foram encontrados: os grupos em que foi realizada a intervenção obtiveram maiores pontuações de clima ético ao fim do treinamento quando comparados com o grupo controle (p<0,001). Ainda, houve diferença nas médias de clima ético entre os grupos intervenção. Aqueles que receberam treinamento sobre habilidades de tomada de decisão ética (intervenção 1) tiveram maiores médias de clima ético quando comparados com aqueles que receberam treinamento sobre habilidades de comunicação interpessoal (intervenção 2) (p<0,001) ¹⁰.

O estudo de Pavlish e colaboradores ¹¹ mostra que as características demográficas e contextuais diferiam entre médicos e enfermeiros: os enfermeiros tinham mais probabilidade de serem mulheres, católicas e com mais anos de experiência. Contudo, a percepção de clima ético não diferiu entre médicos e enfermeiros antes da intervenção (p=0,070). Após a intervenção, a média total de clima ético não diferiu, mas, ao realizar análises separadamente, os enfermeiros mostraram mudanças estatisticamente significativas: houve um aumento nas médias de clima ético nos três meses (p=0,001) e seis meses (p<0,001). Enquanto isso, a análise dos dados dos médicos falhou em mostrar mudanças.

Os resultados do estudo de Silén e colaboradores ⁹ mostram que não havia diferenças significativas em termos de variáveis demográficas e contextuais entre os grupos intervenção e controle. Os participantes eram em sua maioria mulheres, com média de 53 anos e 6,5 anos de experiência de trabalho nos ambulatórios.

A média de clima ético se mostrou diferente entre os grupos intervenção e controle já no início do estudo e isso se manteve até o final, sem alterações significativas. Assim, os autores concluíram que rodadas éticas em ambulatórios psiquiátricos não resultaram em mudanças significativas no clima ético. A única diferença estatisticamente significativa entre o grupo intervenção e o grupo controle ao fim da pesquisa foi na dimensão “gestor”, em que o grupo intervenção pontuou mais (p=0,006). Ainda, considerando a comparação intragrupo medida na metade do estudo nas clínicas do grupo intervenção, uma das clínicas melhorou sua pontuação na dimensão “pacientes” (p=0,039) e a outra melhorou sua pontuação na dimensão “gestor” (p=0,026) ⁹.

Discussão

O clima ético tem sido cada vez mais estudado na área da saúde. Tal fato pode estar relacionado com as evidências de que um bom clima ético pode diminuir a ocorrência de sofrimento moral ¹²-¹⁶, burnout ³,¹⁷, erros ¹⁸ e intenção de deixar o emprego ¹⁸,¹⁹, ao passo que pode aumentar a percepção de satisfação ¹⁹-²² e qualidade de vida relacionada ao trabalho ¹⁷,²³-²⁵.

São quase inexistentes os estudos que apresentam intervenções e descrevem os resultados obtidos após a realização dessas. Há uma lacuna relacionada ao fenômeno em que uma síntese, mesmo que de poucos estudos existentes e dos seus resultados, pode auxiliar pesquisadores a implementar intervenções em maior número e, principalmente, com maior potencial de efetividade.

No espectro mais amplo da ética, é possível encontrar pesquisas que implementam e avaliam intervenções para outros fenômenos. Pode-se citar, por exemplo, estudo para promover competência ética ²⁶, raciocínio moral ²⁷ e diminuir o sofrimento moral ²⁸. Seus resultados são satisfatórios, o que pode sustentar a ideia de que intervenções para promover um clima ético positivo podem ser factíveis e devem ser incentivadas.

As intervenções analisadas diferiram em termos de conteúdo, didática, participantes, tempo de duração e forma de avaliação, bem como em relação aos resultados encontrados. O estudo com melhores resultados realizou workshops (palestras, métodos de perguntas e respostas, discussão em grupos e trabalho em vários cenários) por um total de 12 horas, e a maior efetividade esteve relacionada com a temática da tomada de decisão ética ¹⁰. É importante considerar, contudo, que esse trabalho usou, para avaliação dos seus resultados, o Questionário de Clima Ético ⁸, que foi projetado para explorar as percepções dos participantes sobre como os membros de uma organização normalmente tomam decisões sobre vários eventos, práticas e procedimentos que exigem critérios éticos. Os outros dois trabalhos utilizaram a HECS ⁷, que avalia como enfermeiros e outros profissionais percebem seu ambiente de trabalho. Ou seja, trata-se de diferentes conteúdos avaliativos acerca do clima ético, o que deve ser considerado quando as intervenções forem pensadas, implementadas e avaliadas.

Outra pesquisa que mostrou resultados significativos foi a de Pavlish e colaboradores ¹¹, que implementou um protocolo de ação precoce em ética para médicos e enfermeiros de UTI. Contudo, apenas os enfermeiros apresentaram uma melhora significativa do clima ético, enquanto para os médicos não houve diferença, o que leva a questionar os motivos pelos quais a intervenção não foi representativa nesse grupo e sugere a possibilidade da realização de um estudo comparativo entre as categorias. Já o estudo de Silén e colaboradores ⁹, que utilizou a estratégia de rounds de discussão ética e que foi realizado com vários profissionais da equipe de saúde, não demonstrou resultados significativos para qualquer grupo, sugerindo questionamentos sobre o tipo de intervenção realizada e sua efetividade. Ambos utilizaram a HECS para avaliar seus achados. É preciso refletir sobre o fato de a HECS ser uma escala originalmente desenvolvida com e para enfermeiros de contexto hospitalar ⁷, o que pode levantar indagações sobre a efetividade de seu uso para outros profissionais e contextos. Quanto a esse aspecto, estudos anteriores demonstraram evidências de validade da HECS para essas situações ²⁹,³⁰. Também é preciso considerar que medidas quantitativas podem não ser as mais apropriadas para analisar fenômenos éticos como o clima ⁹.

É importante refletir também acerca do conteúdo das intervenções e das diferenças de percepção sobre clima ético entre os diferentes profissionais. Com relação à didática, apesar de os rounds serem muito utilizados como estratégia de intervenção ⁹, um estudo anterior também falhou em evidenciar sua efetividade para alteração significativa dos contextos de prática ³¹, mesmo demonstrando que possivelmente os rounds tornaram a equipe mais reflexiva, promovendo a cooperação ⁹. Já a proposta do protocolo de ação precoce em ética ¹¹ incorporou a reflexão para a prática clínica, estimulando os profissionais a pensar sobre alguma questão ética relacionada a algum de seus pacientes e a intervir nesse cenário. Essa intervenção foi sistematizada e validada pelos autores antes de ser utilizada, enquanto os rounds seguiram uma proposta mais aberta, inclusive com temas que eram escolhidos pelos participantes ao longo dos encontros.

É preciso incluir na intervenção todos os profissionais envolvidos no cuidado para que se possa promover o trabalho em equipe, que é uma das bases fundamentais de um bom clima ético ³⁰. Entretanto, deve-se considerar que existem valores diferentes que são considerados mais importantes para as diferentes profissões, uma vez que os profissionais têm responsabilidades e rotinas de trabalho distintas.

Outros fatores podem estar relacionados com os resultados dos estudos analisados, como o fato de a participação voluntária não controlar vieses e de que possíveis fatores de confusão possam não ter sido coletados e/ou analisados. De qualquer forma, treinamentos realizados no ambiente de trabalho, de forma participativa e/ou interativa e abordando necessidades reais, promovem conscientização sobre o tema, contribuem para melhores resultados, reduzem o estresse e melhoram o clima ³².

Os achados sugerem que, para aumentar a probabilidade de efetividade das intervenções, é preciso ouvir os profissionais, reconhecer situações que produzem sofrimento e entender o contexto em que os problemas morais se desenvolvem ³³. Assim, é importante incentivar as instituições de ensino e os serviços de saúde, incluindo os profissionais, a implementar intervenções que promovam o clima ético, resultando, entre outros aspectos, em maior satisfação profissional ³⁴.

Considerações finais

A pesquisa evidenciou a relevância crescente do clima ético nas instituições de saúde. Chamam a atenção o reduzido número de estudos que implementam e avaliam intervenções para promover o clima ético e a ausência de artigos brasileiros sobre o tema.

As intervenções variaram quanto a conteúdo, didática, participantes, tempo de duração e forma de avaliação, bem como em relação aos resul- tados encontrados. Intervenções sistematizadas, baseadas em metodologias participativas e realizadas com enfermeiros parecem ter maior efetividade. Contudo, é preciso avaliar, em cada caso, qual será o contexto de aplicação e quem serão os participantes, a fim de escolher a intervenção mais apropriada, bem como para definir a melhor ferramenta ou o melhor método avaliativo.

São necessários mais estudos que realizem intervenções, aprimorando o conteúdo, a didática e os modos de avaliação, em contextos variados e incluindo diferentes profissionais. Esse corpus de conhecimento é imprescindível para avançar no objetivo de promover climas éticos mais positivos nas instituições de saúde.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  14 Jun 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  11 Abr 2023
• Revisado
  02 Fev 2024
• Aceito
  26 Fev 2024