Resumos
O presente estudo teve como objetivo caracterizar a termorresistência dos fungos mais termorresistentes, isolados de néctares de maracujá e abacaxi comerciais pasteurizados, bem como verificar a produção de patulina por esses fungos, quando inoculados em tais néctares. Os fungos mais termorresistentes isolados foram o Byssochlamys fulva em néctar de maracujá e o Byssochlamys nivea em néctar de abacaxi. O B. nivea, em néctar de abacaxi, mostrou-se mais termorresistente, com base nos valores de D98°C e Z, os quais resultaram em 27 min e 5,4 °C, respectivamente, em comparação com 13,6 min e 5,5 °C encontrados para B. fulva, em néctar de maracujá. A pasteurização comumente aplicada pela indústria não se mostrou suficiente para inativação dos fungos isolados. Não houve produção de patulina quando se inocularam os fungos diretamente nos néctares estudados.
Byssochlamys fulva; Byssochlamys nivea; Termorresistência; Néctar; Patulina
This study aimed at selecting and characterising the thermal resistance of thermally resistant moulds isolated from commercial pasteurised passion fruit and pineapple nectars. It also aimed to verify patulin production by such moulds following their inoculation into the products. The most thermally resistant moulds isolated from passion fruit and pineapple nectars were Byssochlamys fulva and Byssochlamys nivea, repectively. B. nivea showed the highest thermal resistance in pineapple nectar based on the D98 °C and Z-values of 27.0 min and 5.4 °C, respectively, as compared to the same parameters found for B. fulva in passion fruit nectar of 13.6 min and 5.5 °C. The pasteurisation commonly applied by industry was shown to be inadequate to inactivate the isolated moulds. No patulin production was found when the isolated moulds were inoculated directly into the nectars.
Byssochlamys fulva; Byssochlamys nivea; Heat resistance; Nectar; Patulin
Termorresistência de fungos filamentosos isolados de néctares de frutas envasados assepticamente
Thermoresistance of filamentous fungi isolated from asceptically packaged fruit nectars
Elisa Helena da Rocha FerreiraI; Lourdes Maria Pessoa MassonII; Amauri RosenthalIII, * * Autor Correspondente | Corresponding Author ; Maria de Lourdes SouzaIV; Luana TashimaV; Pilar Rodriguez de MassaguerVI
IInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro E-mail: elisahelenarocha@gmail.com II Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro E-mail: lourdes.masson@ifrj.edu.br
IIIEmbrapa Agroindústria de Alimentos (CTAA) Av. das Américas, 29501, Guaratiba CEP: 23020-470 Rio de Janeiro/RJ - Brasil E-mail: arosent@ctaa.embrapa.br
IVEmbrapa Agroindústria de Alimentos (CTAA) E-mail: mlourdes@ctaa.embrapa.br
VEmbrapa Agroindústria de Alimentos lutashima@gmail.com
VIFundação Tropical de Pesquisas e -Tecnologia André Tosello Laboratório de Termobacteriologia (LABOTERMO) E-mail: pilar.rodriguez@terra.com.br
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo caracterizar a termorresistência dos fungos mais termorresistentes, isolados de néctares de maracujá e abacaxi comerciais pasteurizados, bem como verificar a produção de patulina por esses fungos, quando inoculados em tais néctares. Os fungos mais termorresistentes isolados foram o Byssochlamys fulva em néctar de maracujá e o Byssochlamys nivea em néctar de abacaxi. O B. nivea, em néctar de abacaxi, mostrou-se mais termorresistente, com base nos valores de D98°C e Z, os quais resultaram em 27 min e 5,4 °C, respectivamente, em comparação com 13,6 min e 5,5 °C encontrados para B. fulva, em néctar de maracujá. A pasteurização comumente aplicada pela indústria não se mostrou suficiente para inativação dos fungos isolados. Não houve produção de patulina quando se inocularam os fungos diretamente nos néctares estudados.
Palavras-chave: Byssochlamys fulva; Byssochlamys nivea; Termorresistência; Néctar; Patulina.
SUMMARY
This study aimed at selecting and characterising the thermal resistance of thermally resistant moulds isolated from commercial pasteurised passion fruit and pineapple nectars. It also aimed to verify patulin production by such moulds following their inoculation into the products. The most thermally resistant moulds isolated from passion fruit and pineapple nectars were Byssochlamys fulva and Byssochlamys nivea, repectively. B. nivea showed the highest thermal resistance in pineapple nectar based on the D98 °C and Z-values of 27.0 min and 5.4 °C, respectively, as compared to the same parameters found for B. fulva in passion fruit nectar of 13.6 min and 5.5 °C. The pasteurisation commonly applied by industry was shown to be inadequate to inactivate the isolated moulds. No patulin production was found when the isolated moulds were inoculated directly into the nectars.
Key words: Byssochlamys fulva; Byssochlamys nivea; Heat resistance; Nectar; Patulin.
1 Introdução
Os alimentos mais susceptíveis à deterioração por fungos termorresistentes são frutas e produtos de frutas, como sucos, purês, néctares, polpas, concentrados, frutas enlatadas e alimentos infantis à base de frutas. Dentre os vários tipos de frutas, aquelas que são colhidas diretamente do solo ou que estão próximas dele, como morango, ameixa, maracujá, uva, abacaxi, pêssego e maçã, são as mais afetadas pela deterioração por fungos termorresistentes (HOCKING e PITT, 2001; HOUBRAKEN et al., 2006).
No Brasil, Aragão (1989) isolou fungos dos gêneros Byssochlamys, Neosartorya, Talaromyces e Eupenicillium de polpas de frutas e diferentes sucos. Rosenthal et al. (2002) verificaram a contaminação por fungos termorresistentes, principalmente do gênero Byssochlamys, em sucos de abacaxi termicamente tratados. Welke et al. (2009) e Salomão et al. (2008) verificaram a presença de fungos do gênero Byssochlamys spp. em suco de maçã, e Mattietto et al. (2007) detectaram tal presença em néctar misto de cajá e umbu.
A maioria dos fungos é filamentosos possui limitada resistência térmica e facilmente destruídas pela aplicação de calor. Entretanto, algumas espécies que possuem a característica de produzir ascósporos (reprodução sexuada), como Byssochlamys, Neosartorya e Talaromyces, entre outras, demonstram uma alta resistência térmica (HOCKING e PITT, 1984; JESENKÁ et al., 1993; PIECKOVÁ et al., 1994; TOURNAS, 1994; KING JUNIOR, 1997; RAJASHEKHARA et al., 2000; VALÉK e PIECKOVÁ, 2001; SALOMÃO et al., 2007; SLONGO e ARAGÃO, 2007; SANT'ANA et al., 2009).
A pasteurização normalmente aplicada aos produtos de frutas ativa os ascósporos dormentes, que germinam e permitem o crescimento dos fungos termorresistentes (BEUCHAT, 1986; ENGEL e TEUBA, 2001; SLONGO e ARAGÃO, 2006). Por sobreviverem aos tratamentos térmicos utilizados no processamento de frutas, esses fungos podem crescer e deteriorar os produtos estocados à temperatura ambiente, o que pode resultar em grandes perdas econômicas. As espécies de Byssochlamys são capazes de crescer fermentando em baixos níveis de oxigênio, produzindo pectinases, resultando em uma desintegração da estrutura da fruta, além de serem potencialmente produtoras de patulina (HOCKING e PITT, 2001).
A patulina é a principal micotoxina associada às espécies de Byssochlamys e pode apresentar efeitos neurotóxicos, imunotóxicos e genotóxicos em animais. Ocasiona, também, distúrbios gastrointestinais, sendo um possível agente carcinógeno e mutagênico; pode, ainda, em doses subletais, causar hemorragias no trato digestivo. A contaminação por esse metabólito tóxico tem sido relatada principalmente em sucos de maçã em níveis muito variáveis, dependendo do país e das práticas de processamento (BURDA, 1992; SYLOS e RODRIGUES-AMAYA, 1999; PRADO et al., 2000; RODRIGUES-AMAYA e SABINA, 2002; HOUBRAKEN et al., 2006; IHA et al., 2008). A Organização Mundial da Saúde e o Codex Alimentarius estabeleceram um limite de 50 μg.L-1 de patulina em sucos de maçã e bebidas prontas contendo suco de maçã (WHO, 1998). Quando o limite máximo diário de patulina é excedido em sucos e outros produtos de frutas, há um risco potencial para o homem, principalmente crianças e imunodeficientes (SELMANOGLU e ARZU KOÇKAYA, 2004).
Os objetivos deste trabalho são selecionar e avaliar os parâmetros cinéticos de inativação, por meio dos parâmetros D e Z, dos fungos filamentosos termorresistentes isolados dos néctares de maracujá e abacaxi, comparar com o tratamento dado pela indústria e também verificar a produção da micotoxina patulina por esses fungos nos respectivos néctares.
2 Material e Métodos
2.1 Amostras de néctar
As amostras de néctares de abacaxi e maracujá utilizadas para isolamento dos fungos filamentosos foram provenientes de quatro lotes de produção de uma indústria processadora de néctares tropicais. As amostras desse produto empregadas para a caracterização térmica dos fungos Byssochlamys fulva e Byssochlamys nivea foram obtidas em mercado local.
2.2 Isolamento e estocagem dos fungos filamentosos termorresistentes
Para enumeração dos fungos termorresistentes, utilizou-se o método de plaqueamento em profundidade (PITT e HOCKING, 1985).
Foram transferidos assepticamente 100 mL de amostra dos néctares para quatro tubos com tampa rosqueável 25 x 200 mm, com 25 mL em cada tubo, sendo submetidos a um tratamento térmico de 80 °C em banho termostático por 30 min, para eliminar células vegetativas e ativar os ascósporos; posteriormente, foram resfriados em banho de gelo. Seus volumes foram unidos em um único Erlenmeyer de capacidade de 250 mL em câmara de fluxo laminar, adicionando-se 100 mL de Agar Batata Dextrose em concentração dupla, 50 mg.L-1 de rosa de bengala, 4 mg.L-1 de cloranfenicol e acidificando-se com solução de ácido tartárico 10% m/v (pH final 3,5). O meio foi distribuído em oito placas de Petri de 90 mm de diâmetro, tendo cada uma um volume aproximado de 25 mL. Após solidificação do meio, as placas foram vedadas com filme PVC para evitar ressecamento e incubadas a 30 °C por 30 dias. Após este período de incubação, cada colônia de fungo que se desenvolveu foi transferida para placas contendo 25 mL de Agar Batata Dextrose (pH 5,6, DIFCO) para o seu isolamento. As placas foram incubadas a 30 °C por 7 dias.
2.3 Preparo da suspensão de ascósporos
Garrafas de Roux contendo 200 mL de Ágar Extrato de Malte (PITT, 1979) foram inoculadas com 0,5 mL de suspensão previamente preparada de cada cepa de fungo filamentoso. Para a preparação dessa suspensão, transferiu-se com uma alça em "L" estéril um fragmento de fungo para um tubo de tampa rosqueável 13 x 100 mm, contendo 2 mL de solução 0,05% de Tween 80 (solução dispersante), seguido de agitação.
Após 30 dias de incubação a 30 °C, foram transferidos para cada garrafa 25 mL de água destilada estéril e, com auxílio de uma bagueta estéril, fez-se a raspagem da superfície de crescimento do fungo. A suspensão foi filtrada em um sistema estéril de funil e camadas de gaze, colocada em garrafas com tampa rosqueável e armazenada sob refrigeração a 4 °C.
2.4 Seleção do isolado mais resistente
A suspensão de ascósporos, com um mês de idade, de cada isolado codificado, foi submetida a vários tratamentos térmicos. A Tabela 1 mostra os tratamentos mínimo e máximo aplicados aos néctares para definir o isolado mais resistente. Para cada isolado, foi utilizado tubo com tampa rosqueável 13 x 150 mm com 9 mL de néctar, previamente esterilizado, sendo cada tubo inoculado com 1 mL da suspensão de ascósporos. Após o tratamento térmico, os tubos foram imediatamente resfriados em banho de gelo. O conteúdo de cada tubo foi transferido para placa de Petri, recebendo aproximadamente 15 mL de Ágar Batata Dextrose em concentração dupla, seguido de homogeneização. Após solidificação da mistura, as placas foram incubadas a 30 °C por 7 a 21 dias. Os tratamentos foram feitos em duas replicatas. O crescimento do fungo após este período foi indicativo de resistência ao tratamento térmico.
2.5 Ensaios com a cepa do fungo termorresistente
2.5.1 Produção e coleta de ascósporos
A cepa do fungo termorresistente foi inoculada em cinco garrafas de Roux contendo 200 mL de Ágar Extrato de Malte e incubada a 30 °C, por 30 dias. Após o período de incubação, os ascósporos de cada garrafa foram coletados utilizando-se 30 mL de água estéril. A suspensão resultante foi filtrada em sistema estéril de funil revestido com gaze para remover os fragmentos de hifas. Estes fragmentos foram submetidos a ultrassom, entre 0 e 4 °C, com incrementos de 1 min até a obtenção de ascósporos livres, de forma que a concentração final, contada em Câmara de Neubauer, fosse aproximadamente 107 ascósporos.mL-1 .
2.5.2 Determinação das condições ótimas de ativação dos ascósporos
Para determinar as condições ótimas de ativação dos ascósporos, foram empregadas temperaturas de 85 °C e tempos de 5, 10, 15, 20 e 25 min. A combinação 'tempo e temperatura' que obteve a maior recuperação dos ascósporos foi considerada a condição ótima para ativação dos mesmos. Tubos TDT estéreis (duplicata) foram preenchidos com 1,8 mL de cada néctar estéril estudado e inoculados com 0,2 mL da suspensão de ascósporos preparada, seguido de homogeneização. Os tubos TDT foram selados em maçarico O2/ acetileno e colocados em banho termostático ajustado a 85 °C para receber os tratamentos térmicos. O tempo de subida até a temperatura desejada foi determinado previamente. Em cada tempo de aquecimento definido, os tubos foram retirados do banho e resfriados em banho de gelo imediatamente. Seguidamente, os tubos foram abertos assepticamente e, após diluições seriadas, fez-se o plaqueamento em profundidade em Ágar Extrato de Malte (duplicata).
As placas foram incubadas a 30 °C e as leituras feitas a partir do terceiro até o sétimo dia de incubação. A contagem foi expressa em ascósporos.mL-1.
2.6 Cinética de inativação dos ascósporo de Byssochlamys spp.
Para o ensaio da cinética de inativação, foram utilizadas temperaturas distintas para os diferentes néctares. Estes tratamentos térmicos foram próximos aos realizados pela indústria. As variações de temperatura foram baseadas no valor Z estimado (Z = 5 °C) (KOTZEKIDOU, 1997; SPLITTSTOESSER et al., 1989) e no limite de sobrevivência dos fungos. O tempo de permanência em cada temperatura foi calculado e baseou-se em "curva fantasma" (Equação 1). O tratamento térmico teve como objetivo uma redução de cinco ciclos logarítmicos, comumente utilizados na pasteurização de sucos e néctares.
Foi utilizado o método do TDT selado (PITT, 1979). Os tubos foram preparados conforme item 2.5.2 e obtiveram concentração de 106 ascósporos.mL-1 . Em seguida, os tubos foram colocados em banho termostático, ajustados às temperaturas definidas e o tratamento térmico foi efetuado considerando-se o tempo de subida de cada temperatura. Após tratamento térmico, os tubos foram resfriados e abertos assepticamente. Foram realizadas cinco diluições sucessivas e posteriores plaqueamentos em profundidade em Ágar Extrato de Malte (duplicata). Depois do meio homogeneizado e solidificado, as placas foram incubadas a 30 °C. A leitura do número de ascósporos formados foi feita do terceiro até o sétimo dia de incubação, e expressa em ascósporos.mL-1.
Com o número de sobreviventes e o tempo de aquecimento, foram construídas as curvas de sobrevivência térmica para cada temperatura e, posteriormente, a curva de destruição térmica. Como as curvas não apresentaram comportamento logarítmico, utilizou-se o método de linearização de Alderton e Snell (1970), determinando-se os parâmetros equivalentes D e Z.
2.7 Avaliação da produção de patulina
Foram envasados 200 mL de cada néctar em Erlenmeyer estéril e inoculados com 1 mL da suspensão dos respectivos fungos. Os néctares com as culturas foram incubados em BOD a 25 °C, por sete dias. Os néctares controle foram inoculados com 1 mL de água e disco de micélio somente com o meio de cultura. Todos os tratamentos foram realizados em triplicata.
As análises de patulina nos néctares foram realizadas segundo o método AOAC (TRUCKSESS, 2000), utilizando equipamento de CLAE da Waters [bomba 600, injetor 717, detector UV 2487 (λ = 276 nm)] e coluna a X-Terra RP18 (4,6 x 250 mm) de 5 μm, fase móvel acetonitrila:água (10:90) e fluxo de 0,8 mL.min-1.
3 Resultados e Discussão
3.1 Fungos isolados de cada néctar e seleção do mais resistente
Foram obtidos 21 e 19 isolados fúngicos a partir das amostras de néctares de maracujá e abacaxi, respectivamente. Os fungos isolados foram submetidos a diferentes tratamentos térmicos para se definir qual o mais termorresistente (Item 2.4). Observa-se pela Tabela 2 que os fungos com maior termorresistência sobreviveram até o limite de 103 °C/15 min no néctar de maracujá e 103 °C/7 min, no de abacaxi. Tratamentos térmicos superiores não permitiram qualquer crescimento fúngico. Estes fungos foram analisados macro e microscopicamente, segundo Pitt e Hocking (1985), apresentando estruturas semelhantes aos fungos Byssochlamys fulva (néctar de maracujá) e Byssochlamys nivea (néctar de abacaxi).
3.2 Ativação de ascósporos dos fungos termorresistentes
Uma vez que os ascósporos de fungos termorresistentes são formados, estes desenvolvem uma dormência com o tempo, que pode ser quebrada por um tratamento térmico subletal chamado ativação, permitindo a germinação e o crescimento em condições favoráveis (SPLITTSTOESSER et al., 1993).
A Figura 1 mostra as curvas de ativação do Byssochlamys fulva e do Byssochlamys nivea. Verifica-se que o tempo de ativação ótima nos dois néctares foi de 10 min a 85 °C. É possível perceber, também, que com este tratamento podem-se ativar 82,1% e 88,3% dos ascósporos nos néctares de maracujá e abacaxi, respectivamente. Essas porcentagens de ativação foram calculadas baseando-se na contagem inicial (No) e na contagem final após o tratamento térmico de ativação de 10 min a 85 °C (Nf), sendo: para néctar de maracujá, No = 5,6.106 ascósporos.mL -1 e Nf = 4,6.106 ascósporos.mL -1; para néctar de abacaxi, No =9,4.106 ascósporos.mL -1 e Nf = 8,3.106 ascósporos.mL -1.
3.3 Resistência térmica dos fungos filamentosos
A curva de inativação térmica de fungos termorresistentes não segue um comportamento logarítmico como na maioria dos ascósporos bacterianos, conforme pode ser visto nas Figuras 2 e 3. Optou-se pelo método de Alderton e Snell (1970) para linearização das curvas, conforme realizado por King Junior e Whitehand (1990), Kotzekidou (1997), Rajashekhara et al. (1996, 2000), Salomão et al. (2004, 2007), Slongo et al. (2005) e Slongo e Aragão (2007), e comprovado como sendo o mais adequado para o cálculo dos parâmetros cinéticos.
As Figuras 2 e 3 mostram a curva de sobreviventes dos ascósporos ativados de Byssochlamys fulva em néctar de maracujá e Byssochlamys nivea em néctar de abacaxi. Observou-se nas temperaturas mais baixas o aparecimento de "ombros" seguidos de taxa de morte acelerada. Estes "ombros" tornam inapropriado o cálculo dos tradicionais valores "D" e "Z", utilizando-se o método de linearização de Alderton e Snell (1970) para a obtenção de parâmetros cinéticos equivalentes.
Os "ombros" podem ser observados nas curvas a 98 °C e 95 °C nos néctares de maracujá e abacaxi, respectivamente. Com o aumento da temperatura de tratamento, as curvas tornam-se praticamente lineares.
As curvas de sobreviventes foram linearizadas segundo Alderton e Snell (1970), possibilitando o cálculo dos parâmetros cinéticos equivalentes a D (1/k) e Z (Z*). Na equação proposta por esse método, (log No - log N)ª = kt + C, No e N representam os números inicial e final de ascósporos.mL-1, respectivamente. O tempo de aquecimento, em min, em dada temperatura, é representado por "t"; a constante de taxa de morte (coeficiente angular da curva linearizada) por "k", e o intercepto da curva linearizada por "C". O expoente de linearização "a" pode ser obtido pelo inverso da inclinação do gráfico: log (log No - log N) versus log t. Este valor, calculado na menor temperatura de tratamento térmico, pode ser aplicado na linearização das curvas obtidas de tratamentos mais severos. Dessa forma, se a taxa de morte seguir a equação linearizada e não houver erros experimentais (valor de C igual a zero), o valor de 1/k deriva da equação 1/k = t / (log No - log N)ª, similar à equação da curva logarítmica D = t / (log No - log N), quando "a" é igual a 1. Por analogia entre as duas últimas equações, o parâmetro "1/k" equivale a "D". O parâmetro equivalente a "Z" é Z*, que pode ser obtido pelo negativo do inverso do coeficiente angular da curva ( - log k) versus temperatura (°C).
Os expoentes "a" foram calculados através da Figura 4 e tiveram valores de 1.0928 (R2 = 0.9209) para o B. fulva em néctar de maracujá e 0.9722 (R2 = 0.9563) para o B. nivea em néctar de abacaxi.
Com os expoentes "a" determinados, as curvas foram linearizadas conforme as Figuras 5 e 6 para o B. fulva em néctar de maracujá e o B. nivea em néctar de abacaxi. Os valores de resistência térmica (valor D) e os coeficientes de correlação (R2) para os respectivos fungos foram calculados a partir das equações das curvas linearizadas e encontram-se na Tabela 3.
A Tabela 3 mostra que os valores de D para o B. fulva em néctar de maracujá foram 27; 7,2; 2 e 0,6 min para as temperaturas de 98, 101, 104 e 107 °C, respectivamente, enquanto para o B. nivea em néctar de abacaxi, foram: D95 °C=55,2 min; D98 °C=13,6 min; D101 °C=3,5 min; D104 °C=0,9 min. Observa-se nos tratamentos com mesma temperatura (98, 101 e 104 °C) que o Byssochlamys nivea em néctar de abacaxi tem o tempo de redução decimal maior que o Byssochlamys fulva em néctar de maracujá, demonstrando maior termorresistência e necessidade de tratamento mais severo para sua inativação. Slongo e Aragão (2007) também observaram maior termorresistência de Byssochlamys nivea quando comparado com Neosartorya fischeri em suco de abacaxi: o primeiro apresenta um D85ºC= 45 min, enquanto o segundo, 30 min. Já Kotzekidou (1997) verificou em pasta de tomate um D a 90 °C de 1,5; 8,1 e 6,6 min para Byssochlamys nivea, Byssochlamys fulva e Neosartorya fischeri, respectivamente, demonstrando, neste caso, uma maior termorresistência do B. fulva. Os resultados foram bem diferentes dos encontrados por San'Ana et al. (2009) que, pelo modelo de Weibull, determinaram um δ (parâmetro semelhante a D) a 95 °C de 1,81 min para o B. fulva em suco de maçã clarificado.
A Figura 7 apresenta o gráfico (-Log k) versus temperatura para os ascósporos de B. fulva e B. nivea em néctares de maracujá e abacaxi. Os valores equivalentes a Z (Z*) são 5,4 °C (R2 = 0,9996) e 5,5 °C (R2 = 0,9999) para o B. fulva e o B. nivea, respectivamente, diferentes do encontrado por Slongo e Aragão (2007), que verificaram um Z de 4,5 min para o B. nivea em suco de abacaxi. Porém, ambos encontram-se dentro da faixa de valores de Z citados por Tournas (1994), que afirma que o Z para fungos filamentosos termorresistentes varia entre 4 e 7 °C.
3.4 Avaliação do tratamento térmico aplicado pela indústria
O tratamento térmico aplicado pela indústria objetiva uma redução mínima característica de pasteurização de cinco ciclos logarítmicos (F = 5D), cujas temperaturas e tempos de retenção estão na Tabela 4. Nesta, pode-se observar também a diferença dos tratamentos dado pela indústria e o necessário para inativação do fungo mais resistente. Sant'Ana et al. (2009) sugerem que a sobrevivência de fungos filamentosos termorresistentes na indústria é consequência da variação de temperatura durante o tratamento térmico. Variações de 2 °C podem levar o valor D de 0,16 min para tempos maiores que 4,78 min, não garantindo a segurança microbiológica do produto em relação aos fungos termorresistentes.
Os tratamentos industriais aplicados nos néctares de maracujá e abacaxi são, respectivamente, 270 e 136 vezes menores que os necessários para a inativação dos fungos Byssochlamys fulva e Byssochlamys nivea. Este resultado já era esperado, pois é conhecido que os fungos do gênero Byssochlames spp. são extremamente termorresistentes.
3.5 Avaliação da produção de patulina
Não foi detectada a presença de patulina nos néctares de maracujá e abacaxi quando inoculados com ascósporos de Byssochlamys nivea e Byssochlamys fulva, respectivamente.
4 Conclusões
Observou-se que os valores D98 °C e Z para o fungo Byssochlamys fulva em néctar de maracujá são 27 min e 5,4 °C, e para o Byssochlamys nivea em néctar de abacaxi são 13,6 min e 5,5 °C. Dessa maneira, o fungo B. nivea em néctar de abacaxi mostrou-se mais termorresistente que o B. fulva em néctar de maracujá. Em nenhuma amostra dos néctares foi detectada a micotoxina patulina.
Os fungos B. fulva e B. nivea revelaram-se extremamente termorresistentes e o tratamento térmico efetuado pela indústria mostrou-se insuficiente para garantir a inativação destes fungos.
Recebido | Received: 14/01/2009
Aprovado | Approved: 14/04/2011
- ALDERTON, J.; SNELL, N. Chemical states of bacterial spores: heat resistance and its kinetics at intermediate water activity. Applied Microbiology, Washington, v. 19, n. 4, p. 572-656,1970.
- ARAGÃO, G. M. F. Identificação e Determinação da Resistência Térmica de Fungos Filamentosos Termorresistentes Isolados de Polpa de Morango 1989. 139f. Dissertação (Mestrado em Ciência de Alimentos)-Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
- BEUCHAT, L. R. Extraordinary heat resistance of Talaromyces flavus and Neosartorya fischeri ascospores in fruit products. Journal of Food Science, Malden, v. 51, n. 6, p. 1506-1510, 1986. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2621.1986.tb13846.x
- BURDA, K. A. Incidence of patulin in apple, pear and mixed fruit products marketed in New South Wales. Journal of Food Protection, Des Moines, v. 55, n. 10, p. 796-798, 1992.
- ENGEL, G.; TEUBER, M. Heat resistance of Byssochlamys nivea in milk and cream. International Journal of Food Microbiology, Oxford, v. 12, n. 2-3, p. 225-234, 1991. http://dx.doi.org/10.1016/0168-1605(91)90073-X
- HOCKING, A. D.; PITT, J. I. Food spoilage fungi. II. Heat resistance fungi. CSIRO Food Research Quarterly, Melbourne, v. 44, n. 4, p. 73-82, 1984.
- HOCKING, A. D.; PITT, J. I. Moulds. In : MOIR, C.J.; ANDREW-KABILAFKAS, C.; ARNOLD, G.; COX, B.M.; HOCKING, A.D.; JENSON, I. Spoilage of Processed Foods: Causes and Diagnosis Australia: AIFST, 2001. p. 361-381.
- HOUBRAKEN, J.; SAMSON, R. A.; FRISVAD, J. C. Byssochlamys: significance of heat resistance and mycotoxin production. Advances in Food Mycology, New York, v. 571, n. 3, p. 211-224, 2006. PMid:16408604. http://dx.doi.org/10.1007/0-387-28391-9_14
- IHA, M. H.; SABINO, M. Incidence of patulin in Brazilian apple-based drinks. Food Control, Oxford, v. 19, n. 4, p. 417-422, 2008. http://dx.doi.org/10.1016/j.foodcont.2007.05.001
- JESENKÁ, Z.; PIECKOVÁ, E.; BERNÁT, D. Heat resistance of fungi from soil. International Journal of Food Microbiology, Oxford, v. 19, n. 3, p. 187-192, 1993. http://dx.doi.org/10.1016/0168-1605(93)90076-S
- KING JUNIOR, A. D. Heat resistance of Talaromyces flavus ascospores as determined by two phase slug flow heat exchanger. International Journal of Food Microbiology, Oxford, v. 35, n. 2, p. 147-151, 1997. http://dx.doi.org/10.1016/S0168-1605(96)01213-5
- KING JUNIOR, A. D.; WHITEHAND, L. C. Alterations of Talaromyces flavus heat resistance by growth conditions and heat medium composition. Journal of Food Science, Malden, v. 55, n. 3, p. 830-836, 1990. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2621.1990.tb05241.x
- KOTZEKIDOU, P. Heat resistance of Byssochlamys nivea, Byssochlamys fulva and Neosartorya fischeri isolated from canned tomato paste. Journal of Food Science, Malden, v. 62, n. 2, p. 410-412/437, 1997.
- MATTIETTO, R. A.; LOPES, A. S.; MENEZES, H. C. Estabilidade do néctar misto de cajá e umbú. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 27, n. 3, p. 456-463, 2007. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-20612007000300006
- PIECKOVÁ, E.; BERNÁT, D.; JESENKÁ, Z. Heat resistant fungi isolated from soil. International Journal of Food Microbiology, Oxford, v. 22, n. 4, p-297-299, 1994.
- PITT, J. I.; HOCKING, A. D. Fungi and Food Spoilage Sydney: Academic Press, 1985. 413p.
- PITT, J. L. The genus Penicillium and its Teleomorphic States Eupenicillium and Talaromyces. London: Academic Press, 1979. 634p.
- PRADO, G.; OLIVEIRA, M. S.; CUNHA, M. R.; GOMIDES, M. F.; ABRANTES, F. M.; SANTOS, L. G.; VELOSO, T.; BARROSO, R. E. Ocorrência de patulina em suco de maçã por cromatografia líquida de alta eficiência. Revista do instituto Adolfo Lutz, São Paulo, v. 59, n. 1-2, p. 21-25, 2000.
- RAJASHEKHARA, E.; SURESH, E. R.; ETHIRAJ, S. Influence of different heating media on thermal resistance of Neosartorya fischeri isolated from papaya fruit. Journal of Applied Bacteriology, Malden, v. 81, n. 3, p. 337-340, 1996.
- RAJASHEKHARA, E.; SURESH, E. R.; ETHIRAJ, S. Modulation of thermal resistance of ascospores of Neosartorya fischery by acidulants and preservatives in mango and grape juice. Food Microbiology, Oxford, v. 17, n. 3, p. 269-275, 2000. http://dx.doi.org/10.1006/fmic.1999.0312
- RODRIGUES-AMAYA, D. B.; SABINO, M. Mycotoxin research in Brazil: the last decade in review. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 1-11, 2002.
- ROSENTHAL, A.; GUERRA FILHO, D.; XAVIER, A.; DUARTE, S. Fungos filamentosos termorresistentes em linha de suco de abacaxi envasado assepticamente. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALIMENTOS,18., 2004, Porto Alegre. Resumos.. Porto Alegre: SBCTA, 2002. p. 28.
- SALOMÃO, B. C. M.; COSTA, C. A.; MASSAGUER, P. R.; ARAGÃO, G. M. F. Influência de diferentes pH do meio de aquecimento na resistência térmica de Neosartorya fischeri isolado do processo produtivo de néctar de maçã. Alimentos e Nutrição, Araraquara, v. 15, n. 1, p. 7-10, 2004.
- SALOMÃO, B. M. C.; MASSAGUER, P.; ARAGÃO, G. M. C. Isolamento e seleção de fungos termorresistentes em etapas do processo produtivo de maça. Ciência e Tecnologia de Alimentos, Campinas, v. 28, n. 1, p. 116-121, 2008.
- SALOMÃO, B. C. M.; SLONGO, A. P.; ARAGÃO, G. M. F. Heat resistance of Neosartorua fischeri in various juices. LWT - Food science and Technology, Oxford, v. 40, n. 4, p. 676-680, 2007.
- SANT'ANA, A. S.; ROSENTHAL, A.; MASSAGUER, P. R. Heat resistance and the effects of continuous pasteurization on the inactivation of Byssochlamys fulva ascospores in clarified apple juice. Journal of Applied Microbiology, Malden, v. 107, n. 1, p. 197-209, 2009. PMid:19298507. http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2672.2009.04195.x
- SELMANOGLU, G.; ARZU KOÇKAYA, E. Investigation of the effects of patulin on thyroid and testis, and hormone levels in growing male rats. Food and Chemical Toxicology, Oxford, v. 42, n. 5, p. 721-727, 2004. PMid:15046817. http://dx.doi.org/10.1016/j.fct.2003.12.007
- SLONGO, A. P.; ARAGÃO, G. M. F. Factors affecting the thermal activation of Neosartorya fischeri in pineapple and papaya nectars. Brazilian Journal of Microbiology, São Paulo, v. 37, n. 3, p. 312-316, 2006.
- SLONGO, A. P.; ARAGÃO, G. M. F. Avaliação da resistência térmica de Byssochlamys nívea e de Neosartorya fischeri em suco de abacaxi. Boletim CEPPA, Curitiba, v. 25, n. 2, p. 217-224, 2007.
- SLONGO, A. P.; MIORELLI, S.; ARAGÃO, G. M. F. Influência de diferentes fatores na termorresistência de Neosartorya fischeri em suco de mamão. Alimentos e Nutrição, Araraquara, v. 16, n. 4, p. 377-387, 2005.
- SYLOS, C. M.; RODRIGUES-AMAYA, D. B. Incidence of patulin in fruits and fruit juices marketed in Campinas, Brazil. Food additives & Contaminants, London, v. 16, n. 2, p. 71-74, 1999.
- SPLITTSTOESSER, D. F.; LAMMERS, J. M.; DOWNING, D. L.; CHUREY, J. J. Heat resistance of Eurotium herbariorum, a xerophilic mould. Journal of Food Science, Malden, v. 54, n. 3, p. 683-685, 1989.
- SPLITTSTOESSER, D. F.; NIELSEN, P. V.; CHUREY, J. J. Detection of viable ascospores of Neosartorya fischeri Journal of Food Protection, Des Moines, v. 56, p. 599-603, 1993.
- TOURNAS, V. Heat-resistant fungi of importance to the food and beverage industry. Critical Reviews in Microbiology, London, v. 20, n. 4, p. 243-263, 1994. PMid:7857517. http://dx.doi.org/10.3109/10408419409113558
- TRUCKSESS, M. W. Natural Toxins. In: HOROWITZ, W. (Ed.). Official methods of analysis of AOAC International 17. ed. Gaithersburg: AOAC International, 2000. cap. 49. p. 41.
- VALÉK, L.; PIECKOVÁ, E. Growth modeling of heat-resistant fungi: the effect of water activity. Internatinal Journal of Food Microbiology, Oxford, v. 63, n. 1-2, p-11-17, 2001.
- WELKE, J. E.; HOELTZ, M.; DOTTONI, H. A.; NOLL, I. B. Ocorrência de fungos termorresistentes em suco de maçã. Brazilian Journal of Food Technology, Campinas, II SSA, p. 78-83, 2009.
- WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO; FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION - FAO; EXPERT COMMITTEE ON FOOD ADDITIVES - JECFA. Position paper on patulin (prepared by France) 30. session. Hague, Netherlands, 1998.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
30 Jan 2012 -
Data do Fascículo
Set 2011
Histórico
-
Recebido
14 Jan 2009 -
Aceito
14 Abr 2011