Acessibilidade / Reportar erro

Guidelines em otorrinolaringologia: uma visão crítica Como citar este artigo: Fokkens W, Pundir V. Guidelines in Otorhinolaryngology: a critical view. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:345-6.

Nas últimas duas décadas, evidências e revisões sistemáticas têm se constituído nos pilares da estruturação dos guidelines. Medicina baseada em evidências foi definida por Sacket et al. como "o uso consciencioso, explícito e criterioso das melhores evidências atuais na tomada de decisões pertinentes ao tratamento de cada um de nossos pacientes".1Sackett DL, Rosenberg WM, Gray JA, Haynes RB, Richardson WS. Evidence-based medicine: what it is and what it isn't. BMJ (Clin Res Ed). 1996;312:71-2. A prática da medicina baseada em evidências significa a integração da experiência clínica individual com as melhores evidências clínicas externas disponíveis por pesquisas sistemáticas. A abordagem GRADE (http://www.gradeworkinggroup.org) aponta para a importância de uma estimativa do efeito da intervenção e da confiança de que a estimativa seja correta; seus autores foram os primeiros a enfatizar o equilíbrio entre efeitos desejáveis e indesejáveis. Mais de 20 organizações, inclusive a Organização Mundial da Saúde (OMS), BMJ, e Cochrane Collaboration, adotaram o sistema GRADE. Na última década, o instrumento Appraisal of Guidelines for Research & Evaluation (AGREE) (http://www.agreetrust.org) foi desenvolvido com o objetivo de abordar sistematicamente a qualidade dos guidelines para a prática clínica.

Vários guidelines baseados em evidências tem sido elaborados, tanto a nível nacional como internacional, para aplicação na área da otorrinolaringologia.2Mello JF Jr, Mion Ode G, Andrade NA, Anselmo-Lima WT, Stamm AE, Almeida WL, et al. Brazilian Academy of Rhinology position paper on topical intranasal therapy. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:391-400.

Bousquet J, Addis A, Adcock I, Agache I, Agusti A, Alonso A, et al. Integrated care pathways for airway diseases (AIRWAYS-ICPs). Eur Respir J. 2014;44:304-23.
- 4Fokkens WJ, Lund VJ, Mullol J, Bachert C, Alobid I, Baroody F, et al. EPOS 2012 European position paper on rhinosinusitis and nasal polyps 2012. A summary for otorhinolaryngologists. Rhinology. 2012;50:1-12. No entanto, ainda estamos muito longe da prática baseada em evidências em nosso cotidiano.5Al-Hussaini A, Owens D, Tomkinson A. Have two UK national guidelines had any effect on grommets day-case utilisation and rate over the last 10 years? European archives of otorhino-laryngology: official journal of the European Federation of Oto-Rhino-Laryngological Societies (EUFOS): affiliated with the German Society for Oto-Rhino-Laryngology. Head Neck Surg. 2012;269:2053-6. , 6Darrat I, Yaremchuk K, Payne S, Nelson M. A study of adherence to the AAO-HNS ''Clinical Practice Guideline: Adult Sinusitis''. Ear Nose Throat J. 2014;93:338-52. Embora tenha sido demonstrado que a aderência aos guidelines melhora significativamente a qualidade de vida de nossos pacientes, também existe um vasto corpo de provas indicando que, com frequência, a aderência aos guidelines é desapontadora.7Bousquet J, Lund VJ, van Cauwenberge P, Bremard-Oury C, Mounedji N, Stevens MT, et al. Implementation of guidelines for seasonal allergic rhinitis: a randomized controlled trial. Allergy. 2003;58:733-41. Nesse editorial, tentamos avaliar as possíveis razões pelas quais não utilizamos os guidelines como deveríamos.

Um dos maiores problemas é que ainda não somos capazes de desenvolver guidelines a nível mundial, e podem ocorrer diferenças significativas nos guidelines sobre os mesmos tópicos, dependendo do país em que foi desenvolvido. Aarts et al. demonstraram que guidelines relativos a um tópico similar podem exibir diferenças no que tange a conclusões, níveis de evidência e citações utilizadas.8Aarts MC, van der Heijden GJ, Rovers MM, Grolman W. Remarkable differences between three evidence-based guidelines on management of obstructive sleep apnea-hypopnea syndrome. Laryngoscope. 2013;123:283-91. Isso diminui a credibilidade dos guidelines. Embora estejamos cientes das diferenças nos sistemas de atendimento de saúde, seria importante que tivéssemos guidelines que fossem metodologicamente impecáveis e reconhecidos em todo o mundo; e que considerassem as possíveis diferenças regionais. Então, por hora o leitor, ao utilizar guidelines, precisa antes se certificar da sua qualidade. Nesse tocante, o instrumento AGREE constitui uma fonte de ajuda satisfatória.

Ademais, o leitor precisa ter em mente que, com frequência, as evidências nas quais os guidelines se baseiam não são esmagadoras, e que, em algumas situações, é muito difícil, ou mesmo impossível, obter um alto nível de evidência. Acredita-se que o número de estudos cirúrgicos randomizados permanecerá muito limitado. Quando há escassez e/ou limitada qualidade das evidências, frequentemente os autores dos guidelines tentam recomendar com base nas limitadas evidências disponíveis; mas em muitos casos as limitações de seus fundamentos não são levadas em conta na apresentação de elaborados esquemas diagnósticos ou terapêuticos. Com frequência, a situação oposta também é verdadeira - os guidelines fornecem respostas a uma longa lista de perguntas, sem, entretanto, orientação e assimilação; isso dificulta muito sua leitura e entendimento, comprometendo destarte seu emprego na prática cotidiana. Finalmente, quando tratamos nossos pacientes, é importante ter em mente que as evidências disponíveis podem ter sido acumuladas com base em um grupo populacional diferente daquele ao qual o nosso paciente pertence; frequentemente os estudos excluem pacientes com certas características, por exemplo, fumantes, crianças e pacientes com mais de 65 anos, ou mulheres grávidas.

Por ultimo, devemos ter em mente que a medicina é um campo em constante evolução. Os guidelines que seguimos atualmente são periodicamente atualizados à luz de novas evidências; assim, temos que nos certificar que estamos empregando as mais recentes recomendações e condutas em nossa prática diária.

Se o leitor interpretar esse editorial como um argumento contra o uso dos guidelines estará muito equivocado. Os guidelines constituem grande ajuda em nossa prática diária, proporcionando sustentação para todo profissional que não queira ou não tenha possibilidade de revisar toda a literatura disponível. Na maioria dos países, uma conduta deliberadamente diferente ou divergente das recomendações dos guidelines deve ser registrada no prontuário do paciente - e justificada por uma boa razão. Mas temos que evitar o uso dos guidelines para nossos pacientes como se fossem livros de receitas culinárias; tendo sempre bem presentes as ponderadas palavras de Sacket: A medicina baseada em evidências consiste no uso consciencioso, explícito e criterioso das melhores evidências atuais na tomada de decisões pertinentes ao tratamento de cada um dos nossos pacientes na sua individualidade.

References

  • 1
    Sackett DL, Rosenberg WM, Gray JA, Haynes RB, Richardson WS. Evidence-based medicine: what it is and what it isn't. BMJ (Clin Res Ed). 1996;312:71-2.
  • 2
    Mello JF Jr, Mion Ode G, Andrade NA, Anselmo-Lima WT, Stamm AE, Almeida WL, et al. Brazilian Academy of Rhinology position paper on topical intranasal therapy. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:391-400.
  • 3
    Bousquet J, Addis A, Adcock I, Agache I, Agusti A, Alonso A, et al. Integrated care pathways for airway diseases (AIRWAYS-ICPs). Eur Respir J. 2014;44:304-23.
  • 4
    Fokkens WJ, Lund VJ, Mullol J, Bachert C, Alobid I, Baroody F, et al. EPOS 2012 European position paper on rhinosinusitis and nasal polyps 2012. A summary for otorhinolaryngologists. Rhinology. 2012;50:1-12.
  • 5
    Al-Hussaini A, Owens D, Tomkinson A. Have two UK national guidelines had any effect on grommets day-case utilisation and rate over the last 10 years? European archives of otorhino-laryngology: official journal of the European Federation of Oto-Rhino-Laryngological Societies (EUFOS): affiliated with the German Society for Oto-Rhino-Laryngology. Head Neck Surg. 2012;269:2053-6.
  • 6
    Darrat I, Yaremchuk K, Payne S, Nelson M. A study of adherence to the AAO-HNS ''Clinical Practice Guideline: Adult Sinusitis''. Ear Nose Throat J. 2014;93:338-52.
  • 7
    Bousquet J, Lund VJ, van Cauwenberge P, Bremard-Oury C, Mounedji N, Stevens MT, et al. Implementation of guidelines for seasonal allergic rhinitis: a randomized controlled trial. Allergy. 2003;58:733-41.
  • 8
    Aarts MC, van der Heijden GJ, Rovers MM, Grolman W. Remarkable differences between three evidence-based guidelines on management of obstructive sleep apnea-hypopnea syndrome. Laryngoscope. 2013;123:283-91.
  • Como citar este artigo: Fokkens W, Pundir V. Guidelines in Otorhinolaryngology: a critical view. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:345-6.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2015
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br