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SAOS na infância: onde estamos?

EDITORIAL

SAOS na infância: onde estamos?

Nos últimos anos, com o notório desenvolvimento da Medicina do Sono, encontramo-nos diante de uma melhor definição de aspectos fisiopatológicos, clínicos e terapêuticos de doenças de elevada prevalência, como à Síndrome da Apneia Obstutiva do Sono (SAOS). Enquanto os parâmetros estão bem definidos e os desfechos melhor estudados para os adultos, a literatura médica nesse contexto é mais escassa para a infância, o que, entretanto, não impediu a emergência de novos paradigmas em relação a Apnéia do Sono na Criança.

Sabidamente, a SAOS na Infância leva a alterações morfométricas faciais, comportamentais e cognitivas, como hiperatividade e déficit de atenção. No entanto, mais recentemente, observou-se que ela também está associada a desfechos metabólicos e cardiovasculares, como aumento da resistência à insulina e hipertensão arterial sistêmica, dentre outros, e, ainda, ao desenvolvimento de SAOS na adultície. Diante dessas novas repercussões, a SAOS na infância deve ser reconhecida e agressivamente tratada.

Na Segunda Edição da Classificação Internacional de Distúrbios do Sono, de 2005, a SAOS na infância encontra-se definida a partir de critérios clínicos e polissonográficos: queixa de ronco e respiração dificultosa durante o sono, associados a outros sinais e sintomas de SAOS, e que tenha polissonografia com um Índice de Apneias + Hipopneias > 1/hora, hipoxemia, hipercapnia, fragmentação do sono, e evidências indiretas de aumento de resistência de vias aéreas. Com eventos de hipopnéias fazendo parte dos critérios diagnósticos, e não apenas eventos de apnéias, casos interpretados como "ronco primário" atualmente são entendidos como "SAOS leve". Como os eventos de hipopnéias são mais sutis, tem sido frequente o diagnóstico polissonográfico de SAOS em crianças, apesar dos pais não informarem eventos respiratórios obstrutivos importantes durante a noite.

Na avaliação pré-cirúrgica, o papel da polissonografia diagnóstica torna-se mais importante na definição de casos boderlines do ponto de vista clínico, em especial porque os preditores clínicos, como tamanho das amígdalas, têm resultados contraditórios: é frequente o caso de crianças com SAOS grave e tonsilas não obstrutivas, e vice-versa.

Se o exame de polissonografia, por um lado, torna-se mais relevante, por outro lado, não deve ser instrumento isolado na estratificação de gravidade. Crianças com mesmo Índice de Apnéias + Hipopnéias podem ter acometimentos clínicos diferentes, e uma criança com maior índice pode se encontrar mais preservada clinicamente que outra de menor índice. De modo geral, considera-se casos com 1/h < IAH < 5/h como comprometimento leve, e casos com IAH >5/h como comprometimento moderado a grave, a depender de uma avaliação mais global do exame polissonográfico e, principalmente, da clínica apresentada pela criança.

Do ponto de vista terapêutico, passamos também por uma reflexão. O procedimento de adenoamigdalectomia, tradicionalmente curativo para a grande maioria dos casos, apresenta, à luz de novos critérios para SAOS residual, taxas de cura tão desapontadoras como 25%-60%. Também os resultados variam de acordo com diferenças metodológicas na definição de SAOS residual, sendo a mais rígida, de IAH < 1/h, associada à resolução de apenas 27% dos casos em recente estudo multicêntrico, com a ressalva de aproximadamente 50% da amostra ser portadora de obesidade. Os preditores mais citados de doença residual são justamente obesidade e doença grave à época do diagnóstico. Ainda não é claro o quão a anamnese durante avaliação pós-cirúrgica pode discriminar casos curados de casos residuais. Sem dúvida, a mesma deve incluir não apenas questionamentos sobre presença de roncos e pausas respiratórias durante a noite, mas também sobre manutenção de sono agitado. A melhora cognitiva e comportamental pode ou não ocorrer.

Estamos nos deparando, tanto do ponto de vista diagnóstico como do ponto de vista terapêutico, como uma medicina ideal, respaldada por exame complementar, e uma medicina possível, como o é para tantas outras entidades clínicas. Diante disso, quando solicitar o exame de polissonografia? Tal temática deve despertar a emergência de novas padronizações. Por enquanto, parece razoável solicitar exame de polissonografia antes do procedimento de adenoamigdalectomia ao menos para: crianças com comorbidades; crianças obesas; na suspeita de que a criança seja portadora de SAOS grave; e na definição de casos duvidosos. A polissonografia deve ser indicada após a cirurgia nos casos de persistência dos sintomas e em crianças portadoras de SAOS grave antes do procedimento.

Os novos conceitos, paradoxalmente, nos colocam frente a frente com antigos ensinamentos: a anamnese nas avaliações pré e pós-operatória deve ser cuidadosa; cada criança precisa ser avaliada de uma forma mais holística; e, quando o exame complementar estiver disponível, o mesmo pode não ser determinante da gravidade clínica, devendo cada caso ser avaliado, indivíduo por indivíduo.

Encontramo-nos, enfim, talvez ainda um pouco longe de uma fórmula ou consenso, mas, certamente, mais perto da verdade.

Leila Azevedo de Almeida

Médica Assistente da Neurologia do HCFMRP-USP

Wilma Terezinha Anselmo-Lima

Profa. Associada da Otorrinolaringologia da FMRP-USP

Fabiana Cardoso Pereira Valera

Profa. Doutora da Otorrinolaringologia da FMRP-USP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Ago 2011
  • Data do Fascículo
    Jun 2011
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