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Limiares auditivos em altas frequências em pacientes com fibrose cística: revisão sistemática Como citar este artigo: Caumo DT, Geyer LB, Teixeira AR, Barreto SS. Hearing thresholds at high frequency in patients with cystic fibrosis: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:464-74.

Resumo

Introdução:

A audiometria de altas frequências pode contribuir para a detecção precoce de alterações auditivas causadas por medicações ototóxicas. No tratamento dos pacientes com fibrose cística, existem muitos fármacos ototóxicos amplamente utilizados. A detecção precoce de alterações auditivas deve permitir que sejam identificadas antes que o dano atinja as frequências da fala. A lesão causada pela ototoxicidade é irreversível, traz importantes consequências sociais e psicológicas. Nas crianças, a perda auditiva, mesmo restrita às altas frequências, pode afetar o desenvolvimento da linguagem.

Objetivo:

Investigar a eficácia e a efetividade do monitoramento da audição por meio da audiometria de altas frequências em pacientes pediátricos com fibrose cística.

Método:

Foram consultadas as bases de dados eletrônicas PubMed, Medline, Web of Science e Lilacs, de janeiro a novembro de 2015. Foram selecionados os estudos em que foi feita audiometria de altas frequências em pacientes com fibrose cística em tratamento com medicamentos ototóxicos e publicados em português, inglês e espanhol. Para a avaliação da qualidade metodológica dos artigos optou-se pelo uso do sistema Grade.

Resultados:

No processo de busca feito de janeiro de 2015 a novembro de 2015 foram encontradas 512 publicações, 250 na PubMed, 118 na Medline, 142 na Web of Science e dois na Lilacs. Desses, foram selecionados nove artigos.

Conclusão:

Identificou-se a ocorrência de perda auditiva em altas frequências em pacientes com fibrose cística sem queixas auditivas. Admite-se que audiometria em altas frequências possa ser um método de diagnóstico precoce a ser recomendado para investigação auditiva de pacientes em risco de ototoxicidade.

PALAVRAS-CHAVE
Fibrose cística; Audiometria; Ototoxicidade; Perda auditiva

Abstract

Introduction:

High-frequency audiometry may contribute to the early detection of hearing loss caused by ototoxic medications. Many ototoxic drugs are widely used in the treatment of patients with cystic fibrosis. Early detection of hearing loss should allow known harmful drugs to be identified before the damage affects speech frequencies. The damage caused by ototoxicity is irreversible, resulting in important social and psychological consequences. In children, hearing loss, even when restricted to high frequencies, can affect the development of language.

Objective:

To investigate the efficacy and effectiveness of hearing monitoring through high-frequency audiometry in pediatric patients with cystic fibrosis.

Methods:

Electronic databases PubMed, MedLine, Web of Science and LILACS were searched, from January to November 2015. The selected studies included those in which high-frequency audiometry was performed in patients with cystic fibrosis, undergoing treatment with ototoxic drugs and published in Portuguese, English and Spanish. The GRADE system was chosen for the evaluation of the methodological quality of the articles.

Results:

During the search process carried out from January 2015 to November 2015, 512 publications were identified, of which 250 were found in PubMed, 118 in MedLine, 142 in Web of Science and 2 in LILACS. Of these, nine articles were selected.

Conclusion:

The incidence of hearing loss was identified at high frequencies in cystic fibrosis patients without hearing complaints. It is assumed that high-frequency audiometry can be an early diagnostic method to be recommended for hearing investigation of patients at risk of ototoxicity.

KEYWORDS
Cystic fibrosis; Audiometry; Ototoxicity; Hearing loss

Introdução

A fibrose cística (FC), também chamada de mucoviscidose, é causada por mutações de um gene localizado no braço longo do cromossomo 7 (7q31). Esse gene faz a codificação da proteína reguladora de condução transmembrana da FC (cystic fibrosis transmembrane conductance regulator - CFTR), que funciona como um canal de cloro, faz e regula o transporte de íons através da membrana celular.11 Dalcin PTR, Christiano P, Menna-Barreto SS. Diagnóstico e Tratamento das bronquiectasias: uma atualização. Rev HCPA. 2007;27:53.

Nos indivíduos com FC há falha na secreção de cloro no epitélio respiratório, o que acarreta uma absorção excessiva de sódio, resulta em maior influxo de água para as células e, portanto, aumenta a viscosidade do muco. O muco torna-se cerca de 30 a 60 vezes mais espesso do que o normal. Não afeta de forma direta o batimento mucociliar, porém torna-se ineficaz no clearance de substância tão viscosa, gera estase, que predispõe à obstrução dos óstios e ao aumento de colonização bacteriana.22 Carvalho CP, Teixeira DC, Ribeiro ACG, Barreiros AC, Fonseca MT. Manifestações otorrinolaringológicas da fibrose cística: revisão de literatura. Arq Int Otorrinolaringol. 2008;12:552-8.,33 McShane D, Davies JC, Wodehouse T, Bush A, Geddes D, Alton EW. Normal nasal mucociliary clearance in CF children: evidence against a CFTR-related defect. Eur Respir J. 2004;24:95-100. Isso pode ocasionar infecções pulmonares recorrentes, doença pulmonar obstrutiva crônica, rinossinusites, polipose nasossinusal, má absorção gastrointestinal secundária à insuficiência pancreática, íleo meconial, prolapso retal e infertilidade por obstrução dos ductos deferentes.22 Carvalho CP, Teixeira DC, Ribeiro ACG, Barreiros AC, Fonseca MT. Manifestações otorrinolaringológicas da fibrose cística: revisão de literatura. Arq Int Otorrinolaringol. 2008;12:552-8.

A incidência da FC varia de acordo com a etnia, é mais comum na branca. Por ser uma doença autossômica recessiva, quando cada um dos progenitores tem o gene para a FC, a probabilidade de nascimento de um filho com a doença é de 25%. De acordo com as etnias, a incidência da FC pode variar de 1/2.000 a 1/5.000 brancos nascidos vivos na Europa, nos Estados Unidos e no Canadá, 1/15.000 negros americanos e 1/40.000 na Finlândia.44 Ribeiro JD, Ribeiro MAGO, Ribeiro AF. Controvérsias na fibrose cística - do pediatra ao especialista. J Pediatr. 2002;78:171-86.,55 Temkate LP. Cystic fibrosis in the Netherlands. Int J Epidemiol. 1977;6:23-34.

No Brasil, a incidência estimada para a Região Sul é mais próxima da população caucasiana centro-europeia, enquanto que, para outras regiões, diminui para cerca de 1/10.000 nascidos vivo.44 Ribeiro JD, Ribeiro MAGO, Ribeiro AF. Controvérsias na fibrose cística - do pediatra ao especialista. J Pediatr. 2002;78:171-86. A prevalência da mutação no gene CFTR (ΔF508) na população infantil dos pacientes com FC nascidos em Porto Alegre é de 60%, estima-se uma incidência de 10 casos por ano na cidade.66 Maróstica PJC, Santos JA, Souza WAS, Raskin S, Abreu e Silva FA. Estimativa da incidência de fibrose cística em Porto Alegre: análise a partir da frequência da mutação delta F508 em recém-nascidos normais. Rev AMRIGS. 1995;39:205-7.

O diagnóstico da FC é essencialmente clínico, embora a triagem neonatal tenha permitido diagnosticar casos mesmo antes do início dos sintomas. O diagnóstico pode ser feito pelo achado de duas mutações no gene FC, dois resultados alterados do teste do suor ou pela presença de ao menos um dos seguintes sintomas: doença pulmonar obstrutiva/supurativa ou sinusal crônica, insuficiência pancreática exócrina crônica ou histórico familiar de FC.22 Carvalho CP, Teixeira DC, Ribeiro ACG, Barreiros AC, Fonseca MT. Manifestações otorrinolaringológicas da fibrose cística: revisão de literatura. Arq Int Otorrinolaringol. 2008;12:552-8.,44 Ribeiro JD, Ribeiro MAGO, Ribeiro AF. Controvérsias na fibrose cística - do pediatra ao especialista. J Pediatr. 2002;78:171-86. Para os pacientes nos quais a concentração de cloro no suor é normal ou limítrofe e nos quais as mutações de dois genes FC não são identificadas o exame da diferença de potencial nasal (DPN) pode ser usado como evidência de disfunção da CFTR. O julgamento clínico continuará a ser essencial para pacientes que têm sintomas atípicos ou típicos, mas que não têm provas conclusivas de disfunção CFTR.77 Rosenstein BJ, Cutting GR. The diagnosis of cystic fibrosis: a consensus statement. Cystic Fibrosis Foundation Consensus Panel. J Pediatr. 1998;132:589-95.

No tratamento de pacientes com FC, muitos fármacos ototóxicos são amplamente usados, entre eles os aminoglicosídeos (AGs), que podem causar perda de audição. Alguns AGs são classificados como mais vestibulotóxicos (afetam o sistema vestibular), outros como mais cocleotóxicos (afetam a cóclea). Assim, é recomendável o controle da audição desses pacientes na busca da detecção precoce de sinais, mesmo assintomáticos, de deterioração e lesão do sistema auditivo.88 Mulrennan AS, Helm J, Bright Thomas R, Dodd M, Jones A, Webb K. Aminoglycoside ototoxicity susceptibility in cystic fibrosis. Thorax. 2009;64:271-2.

As drogas ototóxicas têm a capacidade de danificar diretamente o órgão de Corti, degeneram primeiro as células ciliadas externas, com início nas espiras da base da cóclea, e se propagam em direção ao seu ápice. A degeneração celular pode se estender às células ciliadas internas, com início no ápice da cóclea se a exposição ao agente ototóxico persistir.99 Mitre EI. Ototoxicidade. In: Mitre EI, editor. Conhecimentos essenciais para atender bem a inter-relação otorrinolaringologia e fonoaudiologia. São José dos Campos: Pulso; 2003. p.65-8.

A ototoxicidade tem assumido um papel importante, especialmente em crianças mais jovens, visto que geralmente é considerada irreversível e acarreta um sério prejuízo futuro.1010 Silva AM, Latorre MRDO, Cristofani LM, Odone FV. A prevalência de perdas auditivas em crianças e adolescentes com câncer. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73:608-14. Exames audiométricos que avaliam altas frequências são especialmente usados com o propósito de detectar perdas auditivas neurossensoriais relacionadas à ototoxicidade.1111 Piltcher OB, Teixeira VN, Oliveira MW. The prevalence of neurosensorial hearing loss among cystic fibrosis patients from Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2003;67:939-41.

A audiometria de altas frequências (AAF) é mencionada na literatura internacional como um procedimento sensível na detecção precoce de alterações auditivas causadas por medicações ototóxicas. Embora não exista um critério para a interpretação dos resultados, muitos investigadores têm declarado que o monitoramento auditivo é fundamental para evitar que ocorra um processo de degeneração na espira basal da cóclea.1212 Jacob LCB, Aguiar FP, Tomiasi AA, Tschoeke SN, Bittencourt RF. Auditory monitoring in ototoxicity. Braz J Otorhinolaryngol. 2006;72:836-44.

13 Groh D, Pelanova J, Jilek M, Popelar J, Kabelka Z, Syka J. Changes in otoacoustic emissions and high-frequency hearing thresholds in children and adolescents. Hear Res. 2006;212:90-8.

14 Mulheran M, Degg C, Burr S, Morgan DW, Stableforth DE. Occurrence and risk of cochleotoxicity in cystic fibrosis patients receiving repeated high-dose aminoglycoside therapy. Antimicrob Agents Chemother. 2001;45:2502-9.
-1515 Correa Pombo B, Martin C. High-frequency audiometry: hearing thresholds in normal ears. An Otorrinolaringol Ibera Am. 2001;28:175-84.

A AAF é considerada um exame subjetivo da audição feito em cabine acústica, com fones especialmente calibrados para emitir sons agudos de 8.000 a 16.000 Hz.1515 Correa Pombo B, Martin C. High-frequency audiometry: hearing thresholds in normal ears. An Otorrinolaringol Ibera Am. 2001;28:175-84. Esse exame contribui para a melhor compreensão da lesão coclear em frequências mais agudas, o que não se obtém com a audiometria convencional, cuja faixa de frequência compreende somente até 8.000 Hz.

O monitoramento da audição deve permitir que a lesão seja identificada antes que o dano atinja as frequências da fala e, consequentemente, prejudique a sua compreensão. De acordo com estudos prévios, está bem definido que as alterações auditivas provocadas por drogas ototóxicas iniciam na base da cóclea e atingem primariamente as frequências mais agudas.1616 Reis HG, Tschiedel B, Broto JP. Limiares audiométricos de altas frequências em pacientes com diabetes mellitus insulino-dependente. Scientia Medica, Porto Alegre: PUCRS. 2006;16:16-22.

A AAF parece identificar danos auditivos assintomáticos nos pacientes com FC, pode contribuir para a detecção precoce de perdas auditivas.1717 Klagenberg KF, Oliva FC, Gonçalves CGO, Lacerda ABM, Garofani VG, Zeigelboim BS. Audiometria de altas frequências no diagnóstico complementar em audiologia: uma revisão da literatura nacional. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16:109-14.,1818 Weigert LL, Piltcher OB, Procianoy EFA, Buss CH, Barreto SSM. Avaliação do uso da audiometria em frequências ultra-altas em pacientes submetidos ao uso de ototóxicos. Rev Bras Med. 2013;50:6-15. Buscar evidências científicas nesse contexto torna-se necessário, uma vez que esses pacientes normalmente têm acesso à audiometria convencional, mas poderiam se beneficiar ainda mais com a avaliação auditiva em frequências mais agudas. O objetivo desta pesquisa foi avaliar a acurácia da AAF na identificação de perdas auditivas em pacientes pediátricos com FC.

Método

A revisão sistemática foi feita nas bases de dados PubMed, Medline, Web of Science e Lilacs. Não houve restrição quanto ao ano de publicação. Foram usados os seguintes descritores provenientes dos DeCS (Descritores em Ciências da Saúde): audiometria (Audiometry), perda auditiva (Hearing Loss), fibrose cística (Cystic Fibrosis), aminoglicosídeos (Aminoglycosides) e anormalidades induzidas por medicamentos (Abnormalities, Drug-Induced).

A avaliação dos títulos e dos resumos identificados na busca inicial foi feita por dois pesquisadores de forma independente, obedeceu rigorosamente aos critérios de inclusão e exclusão previamente definidos no protocolo de pesquisa. Os estudos eram incluídos quando apresentavam o título, o tema e/ou a palavra-chave condizente com a proposta deste estudo feito com crianças e adolescentes com fibrose cística em tratamento com medicação ototóxica. Entre as intervenções deveria estar incluída a AAF, que é a mensuração do desfecho de interesse (limiares auditivos em altas frequências). Foram considerados artigos com idiomas em português, espanhol e inglês.

Para avaliação da qualidade metodológica dos artigos optou-se pelo uso do sistema Grade (grades of recommendation, assessment, development, and evaluation). Esse sistema fornece, além de critérios para os graus de evidências, uma definição para a qualidade das evidências. Esse sistema procurou ser claro e explícito, levou em consideração o delineamento do estudo, sua execução, consistência e direção linear e direta no julgamento da qualidade da evidência para cada resultado/consequência importante.1919 Atkins D, Best D, Briss PA, Eccles M, Falck-Ytter Y, Flottorp S, et al. Grading quality of evidence and strength of recommendations. BMJ. 2004;328:1490.,2020 Guyatt GH, Oxman AD, Kunz R, Falck-Ytter Y, Vist GE, Liberati A, et al. Going from evidence to recommendations. BMJ. 2008;336:1049-51. Segue a qualidade das evidências conforme o sistema Grade:2121 Guyatt GH, Norris SL, Schulman S, Hirsh J, Eckman MH, Akl EA, et al. Methodology for the development of antithrombotic therapy and prevention of thrombosis guidelines: Antithrombotic Therapy and Prevention of Thrombosis: American College of Chest Physicians Evidence-Based Clinical Practice Guidelines. Chest. 2012;141:53-70.

  • Alta (A): Consistente, com evidência em ensaios controlados randomizados ou metanálises, sem limitações importantes ou com evidências excepcionalmente fortes de estudos observacionais. É muito improvável que pesquisas adicionais possam mudar a confiança nos efeitos estimados;

  • Moderada (B): Evidência de ensaios controlados randomizados com limitações importantes (resultados inconsistentes, falhas metodológicas, imprecisão, resultados indiretos). Pesquisas adicionais provavelmente tenham impacto na confiança da estimativa do efeito e podem mudar essa estimativa;

  • Baixa (C): Evidência de pelo menos um resultado importante de estudos observacionais, série de casos ou estudos controlados randomizados com falhas graves ou evidência indireta. É muito provável que pesquisas adicionais tenham impacto importante na confiança da estimativa de efeito e que mudem a estimativa.

  • Muito baixa (C): É incerta qualquer estimativa de efeito.

As evidências que compõem as revisões sistemáticas não são indicadas diretamente como recomendações, mas constituem-se em instrumentos que apoiam as recomendações finais das diretrizes. O sistema Grade considera como forte a recomendação de um teste diagnóstico quando os benefícios suplantam claramente riscos e "carga da doença", ou vice-versa. Quando os benefícios são restritos, apresentem riscos e "carga da doença", o sistema Grade classifica como fraca a recomendação.2222 Guyatt GH, Oxman AD, Vist GE, Kunz R, Falck-Ytter Y, Alonso-Coello P, et al. GRADE: an emerging consensus on rating quality of evidence and strength of recommendations. BMJ. 2008;336:924-6.

Resultados

No processo de busca, feito de janeiro a novembro de 2015, foram encontradas 512 publicações (250 na PubMed, 118 na Medline, 142 na Web of Science e duas na Lilacs). Com a exclusão dos artigos repetidos entre as bases de dados pesquisadas, obtivemos 224 registros. Após a leitura dos títulos e resumos foram excluídos 211 artigos, por não avaliarem o desfecho nem a exposição de interesse. As 13 publicações restantes foram revisadas com leitura e avaliação do texto completo. Nessa etapa foram excluídas quatro publicações, por não avaliarem o desfecho de interesse. Dessa forma, a estratégia de busca identificou nove artigos que atenderam aos critérios de inclusão para esta revisão, conforme fluxograma de seleção dos estudos (fig. 1). As nove publicações selecionadas após a estratégia de busca estão descritas na tabela 1 e a qualificação da evidência conforme o sistema Grade é apresentada na tabela 2.

Figura 1
Fluxograma do processo de busca e seleção dos estudos sobre os limiares auditivos em pacientes pediátricos com fibrose cística em tratamento com medicamento ototóxico.

Tabela 1
Principais características dos estudos
Tabela 2
Sistema Grade para qualidade da evidência

Discussão

Em todos os estudos incluídos nesta revisão, há o registro de perda auditiva nos grupos de pacientes com FC em tratamento com medicamentos ototóxicos. Entretanto, resultados estatisticamente significativos foram verificados em cinco dos estudos que fizeram AAF em pacientes fibrocísticos tratados com AGs.1818 Weigert LL, Piltcher OB, Procianoy EFA, Buss CH, Barreto SSM. Avaliação do uso da audiometria em frequências ultra-altas em pacientes submetidos ao uso de ototóxicos. Rev Bras Med. 2013;50:6-15.,2323 Al-Malky G, Suri R, Dawson SJ, Sirimanna T, Kemp D. Aminoglycoside antibiotics cochleotoxicity in paediatric cystic fibrosis patients: a study using extended high-frequency audiometry and distortion product otoacoustic emissions. Int J Audiol. 2011;50:112-22.

24 McRorie TI, Bosso J, Randolph L. Aminoglycoside ototoxicity in cystic fibrosis. Am J Dis Child. 1989;143:1328-32.

25 Al-Malky G, Dawson SJ, Sirimanna T, Bagkeris E, Suri R. High-frequency audiometry reveals high prevalence of aminoglycoside ototoxicity in children with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2015;14:248-54.
-2626 Geyer LB, Menna Barreto SS, Weigert LL, Teixeira AR. High frequency hearing thresholds and product distortion otoacoustic emissions in cystic fibrosis patients. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:89-97.

Nos outros quatro estudos desta revisão, os autores observaram que o risco para cocleotoxicidade na FC é relativamente baixo, não há diferença significativa entre os grupos de pacientes e controles. Tais estudos sugerem mais pesquisas que possam incluir o efeito cumulativo do uso medicamentoso.1414 Mulheran M, Degg C, Burr S, Morgan DW, Stableforth DE. Occurrence and risk of cochleotoxicity in cystic fibrosis patients receiving repeated high-dose aminoglycoside therapy. Antimicrob Agents Chemother. 2001;45:2502-9.,2727 Mulheran M, Hyman-Taylor P, Tan KH, Lewis S, Stableforth D, Knox A, et al. Absence of cochleotoxicity measured by standard and high-frequency pure tone audiometry in a trial of once versus three-times-daily tobramycin in cystic fibrosis patients. Antimicrob Agents Chemother. 2006;50:2293-9.

28 Pedersen SS, Jensen T, Osterhammel D, Osterhammel P. Cumulative and acute toxicity of repeated high-dose tobramycin treatment in cystic fibrosis. Antimicrob Agents Chemother. 1987;31:594-9.
-2929 Martins LMN, Camargos PAM, Becker CG, Guimarães RES. Hearing loss in cystic fibrosis. Int J Pediatr Otorhynolaryngol. 2010;74:469-73. Esses resultados menos expressivos parecem estar relacionados com o curto tempo de acompanhamento dos pacientes.

Em relação à aplicabilidade da AAF, todos os estudos recomendam seu uso para monitoramento auditivo como uma avaliação complementar à audiometria tonal limiar (ATL) em pacientes com FC. Uma revisão sistemática feita com o objetivo de analisar a produção científica nacional a respeito da aplicação clínica da AAF e seu uso concluiu que a AAF tem sido amplamente usada na prática audiológica para a identificação precoce de alterações auditivas, no monitoramento auditivo de sujeitos expostos a drogas ototóxicas ou a agentes otoagressores e no diagnóstico complementar, quando se avaliam populações especiais, como no caso dos portadores de doenças renais crônicas, diabete e patologias auditivas.1717 Klagenberg KF, Oliva FC, Gonçalves CGO, Lacerda ABM, Garofani VG, Zeigelboim BS. Audiometria de altas frequências no diagnóstico complementar em audiologia: uma revisão da literatura nacional. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16:109-14.

Em parte dos estudos incluídos nesta investigação foi usada a pesquisa de emissões otoacústicas e produto de distorção (EOAPD) na avaliação auditiva desses pacientes, mostrou-se que o exame também contribuiu para o diagnóstico de ototoxicidade nas crianças com FC.1818 Weigert LL, Piltcher OB, Procianoy EFA, Buss CH, Barreto SSM. Avaliação do uso da audiometria em frequências ultra-altas em pacientes submetidos ao uso de ototóxicos. Rev Bras Med. 2013;50:6-15.,2323 Al-Malky G, Suri R, Dawson SJ, Sirimanna T, Kemp D. Aminoglycoside antibiotics cochleotoxicity in paediatric cystic fibrosis patients: a study using extended high-frequency audiometry and distortion product otoacoustic emissions. Int J Audiol. 2011;50:112-22.,2525 Al-Malky G, Dawson SJ, Sirimanna T, Bagkeris E, Suri R. High-frequency audiometry reveals high prevalence of aminoglycoside ototoxicity in children with cystic fibrosis. J Cyst Fibros. 2015;14:248-54.,2626 Geyer LB, Menna Barreto SS, Weigert LL, Teixeira AR. High frequency hearing thresholds and product distortion otoacoustic emissions in cystic fibrosis patients. Braz J Otorhinolaryngol. 2015;81:89-97.,2929 Martins LMN, Camargos PAM, Becker CG, Guimarães RES. Hearing loss in cystic fibrosis. Int J Pediatr Otorhynolaryngol. 2010;74:469-73. A vantagem desse exame é possibilitar a detecção de perdas auditivas em crianças menores de quatro anos, que geralmente não podem ser submetidas a audiometria, por requerer métodos de condicionamento nem sempre viáveis. Já a limitação do uso das EOAPD é que elas geralmente detectam somente perdas inferiores a 45 dBNA.

Em uma pesquisa que monitorou a audição de pacientes expostos à cisplatina, foram avaliados 13 indivíduos por meio da pesquisa dos limiares auditivos nas frequências de 250 Hz a 18 kHz, além do exame de emissões otoacústicas transientes (EOAT) e produto de distorção (EOAPD). Observou-se que, após a infusão de 120 mg/m2 de cisplatina, os limiares de audibilidade pioraram a partir da frequência de 8 kHz, registrados pela AAF. A resposta global e as amplitudes absolutas nas frequências de 1, 2 e 3 kHz da EOAT tendem a permanecer presentes até o fim do tratamento, porém o mesmo não ocorre com a frequência de 4 kHz. Os autores concluíram que a AAF foi o método mais efetivo na detecção precoce da ototoxidade da cisplatina.3030 Garcia AP, Iório MCM, Petrilli AS. Monitoramento da audição de pacientes expostos à cisplatina. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69:215-21.

Em quatro estudos incluídos nesta revisão foram identificados mais indivíduos com sinais de ototoxicidade por meio da AAF em comparação com a audiometria convencional.1818 Weigert LL, Piltcher OB, Procianoy EFA, Buss CH, Barreto SSM. Avaliação do uso da audiometria em frequências ultra-altas em pacientes submetidos ao uso de ototóxicos. Rev Bras Med. 2013;50:6-15.,2323 Al-Malky G, Suri R, Dawson SJ, Sirimanna T, Kemp D. Aminoglycoside antibiotics cochleotoxicity in paediatric cystic fibrosis patients: a study using extended high-frequency audiometry and distortion product otoacoustic emissions. Int J Audiol. 2011;50:112-22.,2424 McRorie TI, Bosso J, Randolph L. Aminoglycoside ototoxicity in cystic fibrosis. Am J Dis Child. 1989;143:1328-32.,2828 Pedersen SS, Jensen T, Osterhammel D, Osterhammel P. Cumulative and acute toxicity of repeated high-dose tobramycin treatment in cystic fibrosis. Antimicrob Agents Chemother. 1987;31:594-9. Esses estudos sugerem que a AAF seja feita para a detecção de ototoxicidade em crianças com FC que receberam tratamento com AG.

Já nos estudos de Mulheran et al. (2001)1414 Mulheran M, Degg C, Burr S, Morgan DW, Stableforth DE. Occurrence and risk of cochleotoxicity in cystic fibrosis patients receiving repeated high-dose aminoglycoside therapy. Antimicrob Agents Chemother. 2001;45:2502-9. e Mulheran et al. (2006)2727 Mulheran M, Hyman-Taylor P, Tan KH, Lewis S, Stableforth D, Knox A, et al. Absence of cochleotoxicity measured by standard and high-frequency pure tone audiometry in a trial of once versus three-times-daily tobramycin in cystic fibrosis patients. Antimicrob Agents Chemother. 2006;50:2293-9. a queda nos limiares nas altas frequências é observada tanto no grupo controle quanto nos pacientes com FC. Os autores sugeriram que a FC pode funcionar como um fator de proteção para cocleotoxicidade devido à eliminação renal mais rápida do AGS, relataram que o defeito que causa a permeabilidade diminuída ao cloro pode prejudicar o transporte dos AGS para as células ciliadas externas e internas da cóclea. Outros fatores relacionados à perda auditiva, como prematuridade e história prévia de infecções intrauterinas, além do uso AGs, poderiam contribuir para uma maior prevalência de perda auditiva no grupo que não usou AGs.

Dois estudos desta revisão sugeriram que o uso de AGs não é o único fator causal para a perda auditiva na FC.2323 Al-Malky G, Suri R, Dawson SJ, Sirimanna T, Kemp D. Aminoglycoside antibiotics cochleotoxicity in paediatric cystic fibrosis patients: a study using extended high-frequency audiometry and distortion product otoacoustic emissions. Int J Audiol. 2011;50:112-22.,2929 Martins LMN, Camargos PAM, Becker CG, Guimarães RES. Hearing loss in cystic fibrosis. Int J Pediatr Otorhynolaryngol. 2010;74:469-73. Segundo Al-Malky et al. (2011),2323 Al-Malky G, Suri R, Dawson SJ, Sirimanna T, Kemp D. Aminoglycoside antibiotics cochleotoxicity in paediatric cystic fibrosis patients: a study using extended high-frequency audiometry and distortion product otoacoustic emissions. Int J Audiol. 2011;50:112-22. a ocorrência de perda auditiva foi associada à alta exposição aos AGs; no entanto, a alta exposição resultou em perda auditiva na minoria dos pacientes. De acordo com os autores deste estudo, a análise genética pode ajudar a explicar a dicotomia encontrada em resposta aos AGs.

Conrad et al. (2008)3131 Conrad DJ, Stenbit AE, Zettner EM, Wich I, Eckhardt C, Hardiman G. Frequency of mitochondrial 12s ribosomal RNA variants in an adult cystic fibrosis population. Pharmacogenet Genomics. 2008;18:1095-102. verificaram que a predisposição genética por meio de mutação mitocondrial (A15555G) torna pacientes mais suscetíveis à perda auditiva ocasionada pelos AGs, mesmo em doses mais fracas do medicamento. Novos estudos prospectivos poderão contribuir para elucidar a causa da perda auditiva na FC.

Uma revisão sistemática, que buscou avaliar o papel da triagem auditiva de rotina para perda auditiva neurossensorial em crianças com FC em tratamento com AGs, mostrou que o exame mais usado nos estudos foi a AAF (6/12), seguido das EOAPD (4/12), e apenas um estudo incluiu as EOAT (1/12) e audiometria de tronco encefálico (1/12).3232 Farzal Z, Kou YF, St John R, Shah GB, Mitchell RB. The role of routine hearing screening in children with cystic fibrosis on aminoglycosides: a systematic review. Laryngoscope. 2015;79:240-5. Outros estudos que usaram a AAF para monitoramento auditivo em pacientes durante tratamento com medicamentos ototóxicos (quimioterápicos ou conservadores da função renal) reforçam a importância da aplicabilidade clínica do exame, com vistas a prevenir as alterações auditivas permanentes.3030 Garcia AP, Iório MCM, Petrilli AS. Monitoramento da audição de pacientes expostos à cisplatina. Rev Bras Otorrinolaringol. 2003;69:215-21.,3333 Zeigelboim BS, Mangabeira-Albernaz PL, Fukuda Y. High frequency audiometry and chronic renal failure. Acta Otolaryngol. 2001;121:245-8.,3434 Almeida EOC, Umeoka WG, Viera RC, Moraes IF. Estudo audiométrico de alta frequência em pacientes curados de câncer tratados com cisplatina. Rev Bras Otorrinolaringol. 2008;74:382-90.

No estudo de Martins et al. (2010)2929 Martins LMN, Camargos PAM, Becker CG, Guimarães RES. Hearing loss in cystic fibrosis. Int J Pediatr Otorhynolaryngol. 2010;74:469-73. foi registrada a perda auditiva em 4% da amostra, quando considerada a média tritonal das frequências de 500, 1.000 e 2.000 Hz. Quando usado outro critério para configurar perda auditiva, em que se considerava aumento do limiar auditivo em duas ou mais frequências, inclusive as altas frequências, foi constatada perda auditiva superior a 25 dBNa em 11% dos pacientes da amostra. Uma vez conhecido o fato de que os AGs provocam perda de audição inicialmente nas altas frequências, e que essas são desconsideradas no primeiro critério, reforça-se a importância do monitoramento auditivo por meio da AAF. Assim, mesmo que o paciente não apresente perda auditiva clinicamente significativa, ele pode ser beneficiado com o monitoramento que inclui as altas frequências, quando inicia um novo tratamento com medicamento ototóxico. A variabilidade dos critérios usados reforça a ideia de que a perda auditiva pode ser subdetectada se usarmos os critérios de perda auditiva convencionais.3535 Aitken LM, Fiel SB. Cystic fibrosis. Dis Month. 1993;39:1-52.

A via de administração dos antibióticos AGs foi observada nos estudos desta revisão, conforme mostrado na tabela 3.

Tabela 3
Vias de administração dos antibióticos AGs observadas nos estudos

A farmacocinética de todos os AGs é bastante semelhante. Devido à sua natureza polar, são pouco absorvidos pelo trato gastrintestinal, menos de 1% da dose é absorvido após administração oral ou retal. A principal via de administração é, portanto, parenteral, a droga atinge concentração plasmática máxima depois de 30 a 90 minutos da aplicação intramuscular e 30 minutos após sua injeção intravenosa. A antibioticoterapia é indicada para tratamento da exacerbação da doença e para tratamento preventivo na tentativa de suprimir a carga bacteriana.3636 Dalcin PTR, Perin C, Barreto SSM. Diagnóstico e tratamento das bronquiectasias: uma atualização. Revista do HCPA & Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2007;27:51-60.

As evidências mais recentes têm fundamentado o uso da antibioticoterapia inalatória nos pacientes com infecção crônica por Pseudomonas aeruginosa, sob a forma de tratamento de manutenção ou de supressão crônica, em especial nos pacientes com FC. Embora o uso da tobramicina inalatória esteja fundamentado em ensaios clínicos randomizados,3737 Bonnie W, Ramsey BW, Margaret S, Pepe MS, Joanne M, Quan JM, et al. Intermittent administration of inhaled tobramycin in patients with cystic fibrosis. N Engl J Med. 1999;340:23-30. em virtude do elevado custo, seu uso tem sido reservado para os pacientes que não toleraram ou não responderam ao uso de outros antibióticos.3838 Orriols R, Roig J, Ferrer J, Sampol G, Rosell A, Ferrer A, et al. Inhaled antibiotic therapy in non-cystic fibrosis patients with bronchiectasis and chronic bronchial infection by Pseudomonas aeruginosa. Respir Med. 1999;93:476-80.,3939 Yankaskas JR, Marshall BC, Sufian B, Simon RH, Rodman D. Cystic fibrosis adult care: consensus conference report. Chest. 2004;125:1-39.

Entre os três estudos que avaliaram e compararam a audição de adultos e de crianças com FC em uso de AGs,1414 Mulheran M, Degg C, Burr S, Morgan DW, Stableforth DE. Occurrence and risk of cochleotoxicity in cystic fibrosis patients receiving repeated high-dose aminoglycoside therapy. Antimicrob Agents Chemother. 2001;45:2502-9.,2424 McRorie TI, Bosso J, Randolph L. Aminoglycoside ototoxicity in cystic fibrosis. Am J Dis Child. 1989;143:1328-32.,2727 Mulheran M, Hyman-Taylor P, Tan KH, Lewis S, Stableforth D, Knox A, et al. Absence of cochleotoxicity measured by standard and high-frequency pure tone audiometry in a trial of once versus three-times-daily tobramycin in cystic fibrosis patients. Antimicrob Agents Chemother. 2006;50:2293-9. dois constataram maiores alterações auditivas nos pacientes adultos.1414 Mulheran M, Degg C, Burr S, Morgan DW, Stableforth DE. Occurrence and risk of cochleotoxicity in cystic fibrosis patients receiving repeated high-dose aminoglycoside therapy. Antimicrob Agents Chemother. 2001;45:2502-9.,2424 McRorie TI, Bosso J, Randolph L. Aminoglycoside ototoxicity in cystic fibrosis. Am J Dis Child. 1989;143:1328-32. McRorie, Bosso e Randolph (1989)2424 McRorie TI, Bosso J, Randolph L. Aminoglycoside ototoxicity in cystic fibrosis. Am J Dis Child. 1989;143:1328-32. encontraram diferenças significativas em frequências superiores a 16.000 Hz nos pacientes menores de 20 anos e limiares elevados em todas as frequências testadas em pacientes acima de 20 anos. No estudo de Mulheran (2001),1414 Mulheran M, Degg C, Burr S, Morgan DW, Stableforth DE. Occurrence and risk of cochleotoxicity in cystic fibrosis patients receiving repeated high-dose aminoglycoside therapy. Antimicrob Agents Chemother. 2001;45:2502-9. em que foram avaliados 70 pacientes com FC em uso de AGs, 27 crianças e 43 adultos, constatou-se que somente uma das crianças apresentou perda auditiva atribuída ao uso de AGs. Quando analisados os resultados em adultos, verificou-se que 11 pacientes apresentaram perda auditiva atribuída ao uso de AGs. Esses resultados mais expressivos no grupo de pacientes adultos podem estar associados ao maior tempo de uso do medicamento ototóxico, sugerem um risco cumulativo.

O estudo feito por Mulheran et al. (2006)2727 Mulheran M, Hyman-Taylor P, Tan KH, Lewis S, Stableforth D, Knox A, et al. Absence of cochleotoxicity measured by standard and high-frequency pure tone audiometry in a trial of once versus three-times-daily tobramycin in cystic fibrosis patients. Antimicrob Agents Chemother. 2006;50:2293-9. sugere forte evidência científica por se tratar de um ensaio clínico randomizado controlado. Esse estudo foi feito com 125 crianças e 94 adultos com FC, com o objetivo de investigar risco cumulativo do uso de ototóxico. Comparou-se um grupo de pacientes com tratamento de uma dose diária de tobramicina com um grupo tratado com três doses diárias desse medicamento. A audiometria foi feita no início do tratamento, no fim de um curso de 14 dias de tratamento e de seis a oito semanas após o término do tratamento. Os limiares auditivos em ambos os grupos caíram entre 25 e 75 dB NA nas frequências de 10 a 16 kHz. Assim, o prejuízo no limiar auditivo desses pacientes foi verificado tanto com doses menores quanto com doses maiores do medicamento ototóxico. A perda auditiva foi identificada por meio da AAF nesses pacientes, mas não foi possível verificar diferenças entre as doses de tratamento como o estudo pretendia.

Contudo, há fortes indícios de que por meio da AAF é possível identificar precocemente a ocorrência de perdas auditivas ou quedas progressivas nos limiares, mesmo que não relacionadas somente ao uso de ototóxicos.

Conclusão

A audiometria em altas frequências tem sido pesquisada e empregada como instrumento de diagnóstico e monitoração de alterações auditivas em pacientes com fibrose cística.

Nesta revisão, identificou-se a ocorrência de perda auditiva em altas frequências em pacientes com fibrose cística ainda sem queixas auditivas.

Admite-se que audiometria em altas frequências possa ser um método de diagnóstico precoce a ser recomendado para investigação auditiva de pacientes em risco de ototoxicidade.

  • Como citar este artigo: Caumo DT, Geyer LB, Teixeira AR, Barreto SS. Hearing thresholds at high frequency in patients with cystic fibrosis: a systematic review. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:464-74.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
  • ERRATA

    No artigo "Limiares auditivos em altas frequências em pacientes com fibrose cística: revisão sistemática"(Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83(4):464-474), onde se lê Adriana R. Teixeira, deve ler-se Adriane R. Teixeira. A versão online do artigo já foi corrigida.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2017

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2016
  • Aceito
    17 Out 2016
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