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Entendendo a função da trompa de Eustáquio Como citar este artigo: Teixeira MS. Understanding Eustachian tube function. Braz J Otorhinolaryngol. 2020. https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2020.02.001

A principal função da orelha média (OM) é capturar as pressões sonoras ambientais e transferi-las para a cóclea. Uma função eficiente da OM exige que a mesma seja mantida à pressão quase atmosférica, o que é alcançado por aberturas periódicas da trompa de Eustáquio (TE) e transferência do bolo gasoso com a frequência necessária para restabelecer a pressão na OM próxima da ambiente.11 Doyle WJ. A formal description of middle ear pressure regulation. Hear Res. 2017;354:73-85. A TE é uma comunicação biológica entre a OM e a nasofaringe e é geralmente fechada para impedir a transmissão de pressões, sons e patógenos nasofaríngeos à OM. Durante a deglutição e outras manobras, a ativação dos músculos paratubários resulta em uma abertura transitória do lúmen da TE, permitindo livre circulação de ar e equilíbrio das pressões entre a nasofaringe e a OM. Embora infecções bacterianas/virais, alergias nasais e outros fatores desencadeiem o desenvolvimento de inflamação da OM, a função inadequada da TE faz com que a inflamação da OM persista por muito tempo após a agressão inicial ter sido resolvida. O tratamento tradicional para a disfunção da TE (DTE) é a inserção de um tubo de ventilação para restabelecer a pressão ambiente da OM, resolver a inflamação presente, eliminar efusões e, portanto, melhorar a audição.22 Bluestone CD. Eustachian tube - Structure, Function, Role in Otitis Media. Hamilton, London: B.C. Decker Inc; 2005.

Ainda não existe uma definição universalmente aceita para DTE, mas com o surgimento de novas modalidades de tratamento, como a tuboplastia da trompa de Eustáquio com dilatação por balão (TEDB), a necessidade de critérios diagnósticos claros para os quais esse procedimento seria indicado tornou-se crucial. Na ausência de tais critérios universalmente aceitos, muitos estudos sobre TEDB tem usado apenas os sintomas reportados pelos pacientes para diagnosticar DTE e recomendar a dilatação por balao.33 Schilder AG, Bhutta MF, Butler CC, Holy C, Levine LH, Kvaerner KJ, et al. Eustachian tube dysfunction: consensus statement on definition, types, clinical presentation and diagnosis. Clin Otolaryngol. 2015;40:407-11. Mas pesquisas e esforços para que medidas objetivas sejam a base do diagnóstico da DTE tem expandido os conceitos técnicos e levado a uma melhor compreensão da função tubaria.44 Smith ME, Takwoingi Y, Deeks J, Alper C, Bance ML, Bhutta MF, et al. Eustachian tube dysfunction: A diagnostic accuracy study and proposed diagnostic pathway. PLoS One. 2018;13:e0206946.,55 Alper CM, Teixeira MS, Richert BC, Douglas Swarts J. Presentation and eustachian tube function test results in children evaluated at a specialty clinic. Laryngoscope. 2019;129:1218-28. Sob essa visão, a mecânica de abertura da TE tem dois componentes principais: os componentes passivos, representados pelas forças elásticas e teciduais que mantêm a TE fechada, e os componentes ativos, representados pelos músculos paratubários que se opõem a essas forças para abrir o lúmen da TE.44 Smith ME, Takwoingi Y, Deeks J, Alper C, Bance ML, Bhutta MF, et al. Eustachian tube dysfunction: A diagnostic accuracy study and proposed diagnostic pathway. PLoS One. 2018;13:e0206946.,55 Alper CM, Teixeira MS, Richert BC, Douglas Swarts J. Presentation and eustachian tube function test results in children evaluated at a specialty clinic. Laryngoscope. 2019;129:1218-28. O equilíbrio e a harmonia entre esses dois componentes representam uma boa função da TE e ditam a extensão e o sucesso na abertura da TE para manter a OM saudável. Por outro lado, o desequilíbrio seletivo ou combinado, parcial ou completo, simultâneo ou temporal entre esses dois componentes irá criar diferentes graus de anormalidades, que variam de TE patente a obstruída.

A aplicação clínica dessa nova abordagem no entendimento da DTE foi apresentada em uma publicação recente, na qual 30 crianças (54 orelhas) de 6 a 17 anos e com otite média crônica e/ou recorrente e achados sugestivos de DTE foram testadas em uma clínica especializada. Resumidamente, os parâmetros da função passiva da TE foram categorizados com base nas propriedades protetoras da TE e incluíram a pressão de abertura (PA), pressão de fechamento (PF) e resistência em estado estacionário (RE) para o teste de resposta forçada (TRF) e o grau de alterações da pressão da orelha média medidos antes e depois do teste de Sniff e da manobra de Valsalva. Os parâmetros da função ativa incluíram eficiência de dilatação (ED) para o TRF, correção percentual de +200 daPa e -200 daPa OM-gradientes de pressão nasofaríngeos (com o teste de inflação-deflação para membranas timpânicas não intactas e com testes de câmara de pressão para membranas timpânicas intactas) e a pressão da OM equilibrada antes e após as manobras de Toynbee e Valsalva, medidas por timpanometria. Além disso, dois parâmetros derivados para o TRF foram calculados: resistência da TE no estado estacionário (RE = pressão no estado estacionário/fluxo trans-TE) e eficiência da dilatação da TE (ED = resistência no estado estacionário/resistência ativa). A análise dos dados do teste de função da TE mostrou que as propriedades passivas e ativas da TE eram normais em 3,7% das orelhas, normais para passivas/anormais para ativas em 22,2% das orelhas, normais para ativas/anormais para passivas em 16,7% das orelhas e 57,4% das orelhas eram anormais em ambas as categorias de função passiva e ativa. Nessa série, seria possível identificar orelhas nas quais a TEDB seria contraindicada (aqueles com propriedades ativas e passivas normais e aqueles que mostrassem TE fáceis de abrir) e os candidatos ideais para o procedimento, aqueles indivíduos nos quais as pressões para abrir a TE fossem maior do que a esperada.55 Alper CM, Teixeira MS, Richert BC, Douglas Swarts J. Presentation and eustachian tube function test results in children evaluated at a specialty clinic. Laryngoscope. 2019;129:1218-28.

É verdade que a sensibilidade e a especificidade dos testes de função da TE ainda não foram bem estabelecidas e que esses estudos iniciais precisam ser validados, mas são os primeiros passos para reconhecer que a DTE não é apenas um estado de estar “muito fechada” ou “muito aberta”, mas sim um espectro de distúrbios que podem ter fisiopatologias distintas. O uso de medidas objetivas para caracterizar a função da TE é extremamente importante tanto para criar parâmetros universais na avaliação da TE como para determinar o sucesso de novas modalidades de tratamento. Dentre os desafios estão a identificação e o desenvolvimento de novos testes para melhor discriminar as propriedades passivas e ativas da TE e o estabelecimento da faixa de normalidade para cada parâmetro. O objetivo é criar protocolos de teste simples e reprodutíveis em um ambiente clínico, por exemplo, aproveitando melhor os recursos dos softwares dos timpanômetros que ja estão comercialmente disponíveis. Por fim, a expectativa é que uma melhor compreensão das características individuais da DTE nos permita adaptar o tratamento de acordo com a causa específica e evitar intervenções desnecessárias.

  • Instituicao de financiamento
    National Institutes of Health (EUA) Grant P-50 DC007667.
  • Como citar este artigo: Teixeira MS. Understanding Eustachian tube function. Braz J Otorhinolaryngol. 2020. https://doi.org/10.1016/j.bjorl.2020.02.001

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    Bluestone CD. Eustachian tube - Structure, Function, Role in Otitis Media. Hamilton, London: B.C. Decker Inc; 2005.
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    Schilder AG, Bhutta MF, Butler CC, Holy C, Levine LH, Kvaerner KJ, et al. Eustachian tube dysfunction: consensus statement on definition, types, clinical presentation and diagnosis. Clin Otolaryngol. 2015;40:407-11.
  • 4
    Smith ME, Takwoingi Y, Deeks J, Alper C, Bance ML, Bhutta MF, et al. Eustachian tube dysfunction: A diagnostic accuracy study and proposed diagnostic pathway. PLoS One. 2018;13:e0206946.
  • 5
    Alper CM, Teixeira MS, Richert BC, Douglas Swarts J. Presentation and eustachian tube function test results in children evaluated at a specialty clinic. Laryngoscope. 2019;129:1218-28.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Oct 2020
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