Introdução
Os abscessos cervicais profundos são afecções graves e de múltiplas origens, sendo as mais frequentes a odontogênica e a peritonsilar. Com o advento dos antibióticos, a parotidite supurativa com formação de abscesso cervical tornou-se uma infecção bastante incomum.11. Ganesh R, Leese T. Parotid abscess in Singapore. Singapore Med J. 2005;46:553-6. A progressão da coleção para outros espaços cervicais ou torácicos pode levar a um quadro dramático de elevada mortalidade, especialmente pelo risco de mediastinite e suas complicações.
Relatamos um raro caso de abscesso parotídeo com dissecção para o mediastino, uma complicação rara de infecção de glândulas salivares.
Apresentação do caso
Paciente do sexo feminino, 38 anos, procurou o pronto-socorro com queixa de febre e dor na topografia da parótida esquerda há uma semana. Nos últimos três dias, evoluíra com dispneia, odinofagia e queda do estado geral. Não havia história de trauma, tratamento dentário ou patologias cervicofaciais prévias.
Ao exame físico, apresentava sinais clínicos de sepse e abaulamento endurecido na topografia da parótida esquerda e níveis cervicais IB, IIA e III ipsilateral. À oroscopia, apresentava trismo moderado, porém, sem alterações na orofaringe.
A tomografia computadorizada (fig.1) no corte axial evidenciou coleção compatível com abscesso acometendo os lobos superficiais e profundos da parótida, estendendo-se para os espaços mastigador e parafaríngeo esquerdos. Nos cortes coronal e sagital, foi visualizada volumosa coleção cervical com extensão inferior para o mediastino, através do espaço vascular-visceral. O corte axial do tórax mostrou coleção envolvendo o mediastino anterior e derrame pleural bilateral.
Tomografia computadorizada mostrando volumoso abscesso acometendo múltiplos espaços cervicais e com extensão para o mediastino anterior.
A paciente foi admitida na UTI e submetida à cervicotomia lateral esquerda, mediastinoscopia e toracotomia posterior para drenagem das coleções purulentas. Após o procedimento, instituiu-se antibioticoterapia (ampicilina + sulbactam) e corticoterapia endovenosa. A cultura do abscesso foi positiva para Streptococcus constelattus. Paciente permaneceu internada por 26 dias, apresentando boa evolução.
Discussão
Embora a parotidite seja a mais comum das infecções de glândulas salivares, o abscesso de parótida é uma complicação rara.11. Ganesh R, Leese T. Parotid abscess in Singapore. Singapore Med J. 2005;46:553-6. Caso não seja controlada, a infecção pode organizar-se e disseminar pelos espaços profundos cervicais, elevando sua morbimortalidade. Em geral acomete pessoas debilitadas, como portadores de doenças sistêmicas e imunossuprimidos. O principal fator de risco é a desidratação, devido à diminuição da salivação e ao aumento do crescimento bacteriano.
O Staphylococcus aureus é o agente mais comum nas infecções supurativas da parótida, chegando a quase 80% dos casos.22. Krippaehne WW, Hunt TK, Dunphy JE. Acute suppurativ parotitis: a study of 161 cases. Ann Surg. 1962;156:251-7. A infecção por múltiplos micro-organismos também é frequente e potencializa a infecção.33. Macedo JLS, Netto MX. Tratamento conservador de mediastinite necrotizante descendente. J Pneumol. 1998;24:167-70. A bactéria do caso apresentado foi o Streptococcus constellatus, estreptococo presente na flora da cavidade oral.
A invasão infecciosa dos espaços cervicais profundos pode se disseminar através das fáscias cervicais e originar abscessos com potencial de extensão para o mediastino. A mediastinite necrotizante descendente é rara, sendo uma das formas mais letais da doença. Clinicamente, caracteriza-se pelo aparecimento de manifestações toxêmicas e sintomas torácicos, como dispneia ou dor torácica, em paciente com infecção cervical, sendo sua mortalidade estimada em 40%.33. Macedo JLS, Netto MX. Tratamento conservador de mediastinite necrotizante descendente. J Pneumol. 1998;24:167-70. , 44. Estrera AS, Landay MJ, Grisham JM, Sinn DP, Platt MR. Descending necrotizing mediastinitis. Surg Gynecol Obstet. 1983;157:545-52.
A mediastinite secundária a abscesso parotídeo é um evento raro. Na revisão da literatura científica realizada (MEDLINE e LILACS), foi encontrado apenas um relato de caso de mediastinite necrotizante secundário à parotidite supurativa aguda, em um hospital geral de Toronto, no Canadá.55. Guardia SN, Cameron R, Phillips A. Fatal necrotizing mediastinitis secondary to acute suppurative parotitis. J Otolaryngol. 1991;20:54-6.
No presente caso clínico, o acometimento infeccioso do lobo profundo da parótida provavelmente estendeu-se através do túnel estilomandibular até o espaço parafaríngeo. A partir deste espaço, que é confluente a diversos outros espaços cervicais, atingiu a bainha carotídea e propagou-se caudalmente ao mediastino superior.
O tratamento clássico da mediastinite necrotizante descendente é baseado na drenagem cirúrgica ampla associada à antibioticoterapia de largo espectro.
Comentários finais
Embora o abscesso de parótida seja incomum, a possibilidade de propagação dessa infecção para o mediastino reforça a necessidade do diagnóstico e tratamento precoces.
Referências
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1Ganesh R, Leese T. Parotid abscess in Singapore. Singapore Med J. 2005;46:553-6.
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2Krippaehne WW, Hunt TK, Dunphy JE. Acute suppurativ parotitis: a study of 161 cases. Ann Surg. 1962;156:251-7.
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3Macedo JLS, Netto MX. Tratamento conservador de mediastinite necrotizante descendente. J Pneumol. 1998;24:167-70.
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4Estrera AS, Landay MJ, Grisham JM, Sinn DP, Platt MR. Descending necrotizing mediastinitis. Surg Gynecol Obstet. 1983;157:545-52.
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5Guardia SN, Cameron R, Phillips A. Fatal necrotizing mediastinitis secondary to acute suppurative parotitis. J Otolaryngol. 1991;20:54-6.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
May-June 2014
Histórico
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Recebido
24 Nov 2012 -
Aceito
29 Mar 2013