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Neurectomia timpânica endoscópica no tratamento de fístulas persistentes da glândula parótida Como citar este artigo: Marfatia H, Madhavi A, KP A, Goyal P, Kaku DR, Sharma A. Endoscopic tympanic neurectomy in the management of persistent parotid fistulae. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:114-7.

Introdução

A cirurgia endoscópica otológica foi introduzida em 199011 Thomassin JM, Duchon-Doris JM, Emram B, Rud C, Conciatori J, Vilcoq P. Endoscopic ear surgery. Initial evaluation. Ann Otolaryngol Chir Cervicofac. 1990;107:564-70. e tornou-se popular nas últimas duas décadas. Ela mudou significativamente os conceitos cirúrgicos, anatômicos e fisiológicos. A introdução do endoscópio deu origem ao conceito de cirurgia otológica minimamente invasiva. A cirurgia endoscópica de orelha média permite uma excelente visualização da parede medial do mesotímpano, além da visualização de outras áreas ocultas, como os espaços epitimpânicos anteriores, retrotímpano e pré-tímpano.

As fístulas de glândula parótida são raras e causadas por lacerações, cirurgias da glândula parótida, após infecções ou neoplasias. A persistência das fístulas da glândula parótida é motivo de grande preocupação e causa constrangimento ao paciente ao se alimentar. Não há um consenso uniforme em relação ao tratamento de escolha para fístulas crônicas da parótida e diferentes modalidades de tratamento já foram propostas (tabela 1).22 Sinha P. Successful treatment of parotid fistula with tympanic neurectomy. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;60:227-30. A neurectomia timpânica é útil em fístulas persistentes da parótida.22 Sinha P. Successful treatment of parotid fistula with tympanic neurectomy. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;60:227-30. A visão grande angular do endoscópio é útil para a neurectomia timpânica endoscópica transcanal. O nervo se divide no promontório, em um ramo anterior que sobe em direção à tuba auditiva e um ramo posterior que passa verticalmente, anterior ao nicho da janela redonda. Adicionalmente, além do ramo anterior e posterior, o nervo pode ter um ramo hipotimpânico ou mais ramos.33 Kanzara T, Hall A, Singh VJ, Leung B, Singh A. Clinical anatomy of the tympanic nerve: A review. World J Otorhinolaryngol. 2014;4:17-22. Esses ramos estão localizados em um sulco e são cobertos apenas por mucosa ou estão localizados em um canal ósseo.22 Sinha P. Successful treatment of parotid fistula with tympanic neurectomy. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;60:227-30. A endoscopia abriu novos horizontes na abordagem desse nervo, pois o endoscópio ajuda na identificação precisa dos seus ramos.44 Jufas N, Marchioni D, Tarabichi M, Patel N. Endoscopic Anatomy of the Protympanum. Otolaryngol Clin N Am. 2016;49:1107-19.

Tabela 1
Classificação dos métodos relatados na literatura para o manejo das fístulas parótidas

Antes do advento do endoscópio, o microscópio era usado para este procedimento. Antes do advento do endoscópio, usávamos o microscópio na neurectomia timpânica em casos de fístulas persistentes da glândula parótida menor. O objetivo deste estudo foi descrever nossa experiência com neurectomia timpânica endoscópica nesses casos.

Relato de caso

Encontramos três pacientes com fístula persistente de parótida que não responderam ao tratamento conservador e foram submetidos à neurectomia timpânica endoscópica. O primeiro era um homem de 30 anos que havia sido submetido a incisão e drenagem de abscesso da parótida direita em outro hospital e no 8° dia após a drenagem ele notou secreção aquosa clara na face direita ao comer/engolir. Esse problema não respondeu à linha conservadora de tratamento e o paciente apresentou-se em nosso serviço 3 meses após o procedimento de incisão e drenagem. A segunda paciente era uma menina de 12 anos, com história de secreção aquosa desde os 3 a 4 anos da região infra-auricular direita quando se alimentava, com história de ruptura espontânea de abscesso de parótida direita após a qual ela desenvolveu fístula glandular direita. A terceira paciente era uma mulher de 34 anos submetida à cirurgia de parotidectomia superficial externa e no 14° dia após a cirurgia observou secreção aquosa da região infra-auricular direita quando se alimentava.

No pré-operatório, o teste do amido foi feito em todos os pacientes, no qual o local suspeito da fístula foi pintado com betadine e deixado até secar (fig. 1). Em seguida, o sialogogo foi administrado ao paciente e o local foi polvilhado com farinha de amido. No fim do teste de amido, o local fístula salivar pode ser visto claramente (fig. 2). O consentimento por escrito e informado foi obtido de todos os pacientes em relação ao procedimento. A anestesia geral foi administrada em um caso (menina de 12 anos), enquanto os outros 2 receberam anestesia local. Após esclarecimento completo sobre o procedimento, os pacientes foram submetidos à neurectomia timpânica.

Figura 1
Local da fístula após a aplicação de betadine.

Figura 2
Após polvilhar o local com amido e administrar o sialogogo, observa-se o local do extravasamento salivar.

Um endoscópio de 3 mm de diâmetro e 14 cm de comprimento foi usado para melhor manuseio dos instrumentos. Uma das mãos segurava o endoscópio, enquanto a outra lidava com a instrumentação. Portanto, os microinstrumentos incorporados à aspiração oferecem a vantagem de não necessitar de uma ponta de aspirador separada. No entanto, eles têm a desvantagem de tornar o instrumento mais volumoso. As pontas de aspiração estão em ângulo reto com o instrumento, de modo que o tubo de aspiração não interfira durante a operação.

A incisão endomeatal de Rosen foi feita. O nervo timpânico com todos os seus ramos foi identificado no promontório (fig. 3). Um instrumento do tipo pick em ângulo reto foi usado para pinçar o nervo delicadamente. Em 2 casos, o nervo era submucoso, enquanto em um caso ele estava em um canal ósseo. Um segmento do nervo é cortado com pick de ponta afiada, removido, e as extremidades seccionadas são cauterizadas com cautério bipolar e broqueadas com broca skeeter de 0,6 mm (fig. 4), de modo a evitar qualquer reinervação e, portanto, as recorrências. Durante o broqueamento, tomou-se cuidado para não penetrar mais de 1 a 2 mm no promontório.

Figura 3
Seta aponta para o nervo timpânico no promontório.

Figura 4
O local do promontório após o nervo ter sido seccionado, e as extremidades cauterizadas e broqueadas com uma broca skeeter (0,6 mm).

Em um paciente em que a fístula ocorreu após a incisão e drenagem de abscesso da parótida, além do procedimento acima, aplicou-se ácido tricloroacético a 20% no trato fistuloso.

No pós-operatório, os pacientes foram orientados a manter uma dieta leve, com administração de antibióticos e antissialogogos, na forma de 0,5 mg de glicopirrolato por uma semana. As consultas de seguimento foram feitas semanalmente nas duas primeiras semanas e, em seguida, após 1, 2 e 3 meses.

Não houve efeitos adversos após o procedimento, todos os pacientes relataram melhoria subjetiva dos sintomas em 2 semanas e, objetivamente, o teste do amido foi negativo. Houve cessação bem-sucedida do fluxo da fístula parótida, sem recorrência ou quaisquer complicações no seguimento. O uso do endoscópio ajudou na identificação precisa dos ramos do nervo de Jacobson e também ajudou a reduzir o tempo operatório.

Discussão

O nervo de Jacobson é um ramo do nono nervo craniano e fornece fibras pré-ganglionares secretomotoras parassimpáticas para a glândula parótida. Ele se origina no núcleo salivar inferior da medula oblonga.22 Sinha P. Successful treatment of parotid fistula with tympanic neurectomy. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;60:227-30. Ele se adentra no assoalho da orelha média e atravessa o promontório anteriormente como o nervo petroso superficial menor. O nervo faz sinapse no gânglio ótico e nas fibras pós-ganglionares e, em seguida, entra na glândula parótida através do nervo auriculotemporal.55 Hunt W, Joseph D, Newell R, Hanna H. Gustatory sweating. Report of a case treated by tympanic neurectomy. Arch Otolaryngol. 1966;83:260-5. A neurectomia timpânica elimina a atividade parassimpática na glândula parótida e é uma das modalidades de tratamento nos casos de fístula persistente da parótida. Também é útil em casos de síndrome de Frey e salivação excessiva.66 Friedman WH, Swerdlow RS, Pomarico JM. Tympanic neurectomy: a review and an additional indication for this procedure. Laryngoscope. 1974;84:568-77. Seu uso também foi tentado em casos de estenose do ducto parotídeo, dilatação do ducto salivar (sialectasia), otalgia crônica intratável de origem glossofaríngea (que não responde a tratamento conservador),77 Roberts DS, Yamasaki A, Sedaghat AR, Lee DJ, Reardon E. Tympanic Plexus Neurectomy for Intractable Otalgia. Laryngoscope Investig. Otolaryngol. 2016;1:135-9. mas nossa experiência é limitada a esse respeito.

A fístula da glândula parótida ocorre mais frequentemente por lesões traumáticas e pode ser intraductal ou intraglandular. A fístula glandular pode responder bem ao tratamento conservador, enquanto a fístula ductal tem menor probabilidade de se fechar espontaneamente.88 Ananthakrishnan N, Parkash S. Parotid fistulas: a review. Br J Surg. 1982;69:641-3. Abordagens conservadoras, como antibióticos e drogas anticolinérgicas, são úteis, pois diminuem a produção de saliva. As fístulas que não respondem a tratamento conservador devem ser tratadas cirurgicamente. Radioterapia de baixa dose99 Wallenborn WM, Sydnor TA, Hsu YT, Fitz-Hugh GS. Experimental production of parotid gland atrophy by ligation of Stensen’s duct and irradiation. Laryngoscope. 1964;74:644-55. e excisão do trato fistuloso com ligadura do ducto parotídeo têm sido defendidas por alguns especialistas.1010 Hemenway WG, Bergstrom L. Parotid duct fistula. South Med J. 1971;64:912-8. A neurectomia timpânica é uma excelente modalidade de tratamento e, quando feita por via endoscópica, é minimamente invasiva, auxilia na excelente visualização e delineamento do nervo e reduz o tempo intraoperatório. Em todos os nossos casos houve alívio completo dos sintomas com fechamento bem-sucedido da fístula em um período de duas semanas e teste de amido negativo, feito no fim de um mês. Em nossa série, a neurectomia timpânica foi bem-sucedida no fechamento das fístulas ductais e glandulares. Às vezes, o efeito da neurectomia timpânica pode ser transitório, pois as fibras parassimpáticas que atingem o gânglio ótico através do gânglio geniculado ou por anastomoses entre a corda timpânica e o gânglio ótico podem não ser afetadas pela neurectomia timpânica. Entretanto, como o estímulo principal vem do nervo de Jacobson, a taxa de falha do procedimento é mínima.22 Sinha P. Successful treatment of parotid fistula with tympanic neurectomy. Indian J Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;60:227-30. Portanto, se os efeitos da neurectomia timpânica são transitórios ou permanentes, parece ser menos significativo no caso de fístula da parótida, pois a supressão da atividade é longa o suficiente para permitir a cura do trato fistuloso e o alívio dos sintomas.

Conclusão

A neurectomia timpânica endoscópica é minimamente invasiva, custo-efetiva e tem bom resultado terapêutico. Pode ser feita em regime de hospital-dia. A neurectomia timpânica tem sido uma modalidade de tratamento bem estabelecida para fístulas persistentes da parótida no passado, mas recorrências foram observadas após o procedimento. Embora o microscópio tenha sido usado para neurectomia timpânica no passado, a endoscopia oferece excelente visualização da anatomia da orelha média e permite a identificação precisa do nervo. A combinação de duas técnicas consagradas - a neurectomia timpânica e uso de endoscópio em cirurgia otológica - mostra as vantagens de associar os dois métodos na correção de fístulas persistentes da parótida e, assim, melhorar o resultado final.

O ponto mais importante a destacar aqui é que o segmento do nervo de Jacobson deve ser excisado e as pontas seccionadas devem ser cauterizadas ou broqueadas, o que evitará qualquer reinervação e recorrências.

  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.
  • Como citar este artigo: Marfatia H, Madhavi A, KP A, Goyal P, Kaku DR, Sharma A. Endoscopic tympanic neurectomy in the management of persistent parotid fistulae. Braz J Otorhinolaryngol. 2021;87:114-7.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2021

Histórico

  • Recebido
    28 Jul 2020
  • Aceito
    28 Set 2020
  • Publicado
    23 Nov 2020
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