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Miofibrossarcoma mandibular na infância: ressecção cirúrgica e reconstrução com retalho fibular

CASE REPORT

IMédico, Mestre e Doutor, Fellow, Centro Médico da Universidade de Kansas, Departamento de Otorrinolaringologia

IIMédico, Fellow do Colégio Americano de Cirurgiões, Professor Assistente - Centro Médico da Universidade de Kansas, Departamento de Otorrinolaringologia

IIIMédico, Fellow do Colégio Americano de Cirurgiões, Professor Assistente - Centro Médico da Universidade de Kansas, Departamento de Cirurgia Ortopédica

IVMédico, Fellow do Colégio Americano de Cirurgiões, Professor Assistente - Centro Médico da Universidade de Kansas, Departamento de Otorrinolaringologia

VMédico, Fellow do Colégio Americano de Cirurgiões, Professor Assistente - Centro Médico da Universidade de Kansas, Departamento de Otorrinolaringologia

Endereço para correspondência

Palavras-chave: mandíbula, retalhos cirúrgicos, sarcoma.

INTRODUÇÃO

Miofibrossarcomas são raros sarcomas de partes moles que afetam primariamente a cabeça e o pescoço ou as extremidades de pacientes adultos1. A evolução da célula de origem, ou seja: o miofibroblasto, ainda nos escapa. Descrito como um fibroblasto comum modificado, ele não é nem um componente nativo de tecidos normais, nem o resultado de processos reacionais de um tecido.

O curso natural do câncer miofibroblástico segue um padrão infiltrativo de disseminação por crescimento lento, mas porta o risco de recidiva e metástase, mesmo após muitos anos. Esse último atributo pode ser explicado pela falta de uma cápsula2.

A seguir, relatamos um caso de miofibrossarcoma mandibular em uma garota de 11 anos.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Uma garota de 11 anos nos procurou com um tumor do lado esquerdo da mandíbula. O tumor foi inicialmente enucleado por via transoral, antes de a paciente ter sido avaliada em nossa clínica. O resultado da histopatologia foi consistente com miofibrossarcoma de grau intermediário a alto. Uma tomografia computadorizada feita um mês após a cirurgia mostrou massa residual, medindo 3,7cm no eixo transversal; 1,9cm no eixo anteroposterior e 3,4cm no eixo céfalo-caudal, envolvendo a maior parte do ramo.

Foi feita uma mandibulectomia segmentar, envolvendo também o ângulo da mandíbula (Figura 1A). Retiramos um retalho ósteo-fáscio-cutâneo da fíbula, incluindo 10cm de osso. O seguimento reto da fíbula, antes do seu implante no defeito foi adequadamente ostomizado para mimetizar a forma do ângulo da mandíbula (Figura 1B). A parte mole do retalho foi inserida por via intraoral para cobrir a fíbula. Além disso, ela seria usada como base de monitoramento. Antes do fechamento do lado doador, os cirurgiões ortopédicos fizeram a osteossíntese da fíbula distal à tíbia, para garantir a estabilidade do tornozelo.




O laudo anatomopatológico foi consistente com miofibrossarcoma (Figura 1C). Seis meses após o procedimento, não havia evidência de recidiva ou metástases. Além disso, a paciente demonstra boa oclusão e aceitável qualidade da fala. Não foram percebidas complicações no sítio doador e a criança gradualmente retornou às atividades físicas junto ao seu grupo da amigas.

DISCUSSÃO

Tumores malignos exibindo diferenciação miofibroblástica são muito raros e seu comportamento biológico ainda está longe de ser elucidado. Os miofibrossarcomas são sarcomas de partes moles, mas alguns poucos deles são intraósseos, como foi o caso da nossa paciente. Os miofibroblastos (Figura 1C) que originam esses sarcomas são tipos celulares reacionais, induzidos por trauma, fibrose e tumores adjacentes. Nenhuma das situações anteriormente descritas foi percebida em nossa paciente. De maneira interessante, o ligamento periodontal normal está entre os poucos sítios nos quais uma população nativa de miofibroblastos foi detectada2; entretanto, o centro da neoplasia da nossa paciente estava posterior à mandíbula dentada.

Há relatos de 11 casos de miofibrossarcoma de cabeça e pescoço em crianças. Miofibrossarcomas respondem mal à quimioterapia e radiação3.

Na população pediátrica, a reconstrução após ressecção cirúrgica é difícil tanto em termos de morbidade do sítio doador quanto de reconstrução do esqueleto facial em crescimento. Com relação a complicações no sítio doador, a instabilidade do tornozelo é relatada em 27% das crianças, que ocorre devido à maior frouxidão ligamentar que têm4. Uma vez que essa deformidade pode se tornar permanente na idade adulta, os autores sugerem a sinostose tíbio-fibular profilática com parafusos, que foi feita pela equipe de ortopedia em nosso caso.

A mandíbula feminina alcança 90% do tamanho adulto à idade de 11 anos5. A substituição segmentar por tecido vivo (osso fibular) e um componente sintético (placa) tem o risco de causar assimetria estética e maloclusão funcional. As placas não interferem no crescimento mandibular, e mais cedo ou mais tarde elas são revestidas por tecido neo-ósseo. O material interno enfraquece o tecido ósseo e cria um desafio para futuras cirurgias mandibulares6. Consequentemente, poderíamos considerar remover a placa mais tarde.

COMENTÁRIOS FINAIS

O miofibrossarcoma é uma entidade rara e indefinida, de tal sorte que qualquer novo relato de caso contribui para a compreensão de seu curso natural e tratamento. À luz de relatos anteriores, a opção de tratamento deveria ser ressecção cirúrgica. Aqui apresentamos um caso em uma paciente pediátrica, e tentamos enfatizar a importância de uma abordagem abrangente para se obter melhor desfecho oncológico, assim como uma qualidade de vida mais aceitável.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1. Mentzel T, Dry S, Katenkamp D, Fletcher CD. Low-grade myofibroblastic sarcoma: analysis of 18 cases in the spectrum of myofibroblastic tumors. Am J Surg Pathol.1998;22(10):1228-38.
  • 2. Fisher C. Myofibrosarcoma. Virchows Arch.2004;445(3):215-23.
  • 3. Smith DM, Mahmoud HH, Jenkins JJ, 3rd, Rao B, Hopkins KP, Parham DM. Myofibrosarcoma of the head and neck in children. Pediatr Pathol Lab Med.1995;15(3):403-18.
  • 4. Nathan SS, Hung-Yi L, Disa JJ, Athanasian E, Boland P, Cordeiro PG, et al. Ankle instability after vascularized fibular harvest for tumor reconstruction. Ann Surg Oncol.2005;12(1):57-64.
  • 5. Baughan B, Demirjian A, Levesque GY, Lapalme-Chaput L. The pattern of facial growth before and during puberty, as shown by French-Canadian girls. Ann Hum Biol.1979;6(1):59-76.
  • 6. Upton J, Guo L, Labow BI. Pediatric free-tissue transfer. Plast Reconstr Surg.2009;124(6 Suppl):e313-26.
  • Miofibrossarcoma mandibular na infância: ressecção cirúrgica e reconstrução com retalho fibular

    Konstantinos KourelisI; Yelizaveta ShnayderII; Vincent KeyIII; Douglas GirodIV; Terrance TsueV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Ago 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2011
    Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
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