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Zigomicose rino-órbito-cerebral

RELATO DE CASO

IMédico Residente em Otorrinolaringologia pelo Hospital Universitário de Brasília

IIMédica, Otorrinolaringologista pelo Hospital Universitário de Brasília

IIIMédica, Médica Residente em Otorrinolaringologia pelo Hospital Universitário de Brasília

IVMédico, Radiologista pelo Hospital Universitário de Brasília

VProfessor Doutor, Chefe e Preceptor de Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Universitário de Brasília.

Endereço para correspondência

Palavras-chave: anfotericina b, criança, diabetes melito, endoscopia, mucormicose.

INTRODUÇÃO

A zigomicose (mucormicose) é a infecção fúngica mais letal em humanos e manifesta-se como sinusite de forma rápida, progressiva e invasiva. Acomete geralmente pacientes imunodeprimidos. A mortalidade é alta, apesar do diagnóstico precoce.1,2

Apresentamos o caso de uma criança que manifestou um quadro grave de zigomicose rino-órbito-cerebral, porém com excelente evolução após tratamento agressivo.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Paciente de 12 anos, do sexo feminino, iniciou quadro súbito de dor abdominal, poliúria, polidipsia, anorexia e rebaixamento da consciência. Foi diagnosticado diabetes melito tipo I descompensado (cetoacidose diabética), apresentando glicemia de 508 mg/dl à admissão. Após uma semana de internação iniciou quadro de ptose palpebral, dor facial, estrabismo convergente, epistaxe à esquerda e piora progressiva do estado geral.

Tomografia computadorizada e ressonância magnética de crânio e seios paranasais evidenciaram tumor com densidade de partes moles em fossa nasal esquerda com invasão de seios maxilar, etmoidal, seio cavernoso e órbita ipsilateral (Figura 1).


Biópsia da lesão por via endoscópica revelou zigomicose. Iniciou-se tratamento clínico com Anfotericina B lipossomal endovenosa em altas doses, com duração de 45 dias. Houve apenas melhora discreta do quadro. Rinoscopia anterior demonstrava grande massa de cor marrom-esverdeada ocupando toda a fossa nasal esquerda.

Decidimos realizar exploração nasossinusal endoscópica. Durante o procedimento, evidenciou-se grande massa proveniente do seio maxilar e da própria fossa nasal esquerda. Foi realizado debridamento cirúrgico e limpeza exaustiva de seio maxilar e região de seios etmoidal e esfenoidal com solução fisiológica hipertônica, além de irrigação da região com solução de anfotericina B. Exame histopatológico revelou zigomicose por fungos do gênero Mucor.

A paciente evoluiu bem, retornando em uma semana para revisão. À rinoscopia anterior evidenciou-se recidiva da massa fúngica. Nova tomografia computadorizada de seios paranasais sugeria recidiva da lesão. A paciente foi então submetida a 29 sessões diárias de oxigenoterapia em câmara hiperbárica, além da troca de Anfotericina B lipossomal por Itraconazol endovenoso devido ao longo período em uso da primeira, além do controle rigoroso do diabetes.

Houve discreta melhora e estabilidade do quadro geral, levando-nos a optar pela realização de nova exploração cirúrgica via endoscópica tipo "second look". Observou-se que a fossa nasal esquerda apresentava-se ampla e limpa, sem qualquer evidência de infecção. O óstio do seio maxilar mostrava-se pérvio e não havia sinais de zigomicose.

A paciente recebeu alta hospitalar com o quadro estabilizado e usando Itraconazol por via oral. A imagem endoscópica confirmou resolução da doença.

Atualmente permanece sem queixas. A glicemia capilar é rigorosamente controlada. Apresenta paralisias dos nervos III e IV à esquerda, porém com acuidade visual mantida e sem diplopia.

DISCUSSÃO

Mucormicose ou zigomicose é uma rara doença oportunista causada por fungos da ordem Mucorales, à qual pertencem os gêneros Mucor, Rhizopus, Rhizomucor, Absidia e Apophysomyces. A espécie mais virulenta e frequente é a Rhizopus oryzae, que invade e oblitera vasos sanguíneos levando a isquemia tecidual.1,2 Essa doença pode se manifestar em diferentes formas clínicas, sendo a zigomicose rino-órbito-cerebral (ZROC) a forma mais grave, manifestando-se geralmente em casos de diabetes melito de difícil controle.3

Presume-se que o modo de transmissão seja basicamente por via inalatória.

Várias condições clínicas estão associadas à mucormicose, mas apenas dois fatores claramente predispõem os pacientes a essa doença. O primeiro é a acidose metabólica e o segundo, um comprometimento na função dos neutrófilos ou monócitos.4

Como regra geral, o tratamento da mucormicose é multimodal e inclui o uso de antifúngicos sistêmicos, debridamento cirúrgico e controle clínico da condição que predispôs o paciente à doença.3

COMENTÁRIOS FINAIS

O adequado controle da ZROC deve incluir diagnóstico precoce, controle da doença de base, tratamento com agentes antifúngicos sistêmicos, drenagem sinusal e orbitária adequadas e excisão dos tecidos necróticos, além da oxigenoterapia hiperbárica.5

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1. Petrikkos G, Sklada A, Sambatakou H, Toskas A, Valopoulos G, Glannopoulou M, Katsllambros N. Mucormycosis: Ten-Year Experiance at a Terciary-Care Center in Greece. Eur J Clin Microbiol Infect Dis. 2003;22:753-6.
  • 2. Lueg EA, Ballagh RH, Forte, V. Analysis of the recent cluster of invasive fungal sinusitis at the Toronto Hospital for Sick Children. J Otolaryngol. 1996;25:366-70.
  • 3. Eucker J, Sezer O, Graf B, et al. Mucormycoses. Mycoses. 2001;44:253-60.
  • 4. Chimn RY, Diamond RD. Generations of chemotatic-factors by Rhizopus oryzae in the presence and absence of serum: relationship to hyphal damage mediated by human neutrophils and effects of hyperglycemia and ketoacidosis. Infect Immun. 1982;38:1123-9.
  • 5. Hejny C, Kerrison J.B, Newman NJ, Cameron SM. Rhino-Orbital Mucormycosis in a Patient With Acquired Immunodeficiency Syndrome (AIDS) and Neutropenia. Am J Ophtalmol. 2001;132:111-2.
  • Zigomicose rino-órbito-cerebral

    Igor Teixeira RaymundoI; Beatriz Gonzalez De AraújoII; Carina De Carvalho CostaII; Joana Pinho TavaresIII; Cleyverton Garcia LimaIV; Luiz Augusto NascimentoV
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Set 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2009
    Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
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