Associação da Monitorização Terapêutica de Tacrolimo com Marcadores Laboratoriais de Função Renal em Receptores de Aloenxerto Renal

RESUMO

Introdução:

O transplante renal constitui o tipo de transplante mais realizado no Brasil. O tacrolimo é um dos principais fármacos utilizados na terapia imunossupressora pós-transplante e possui como um de seus principais efeitos adversos a nefrotoxicidade. Os exames laboratoriais de avaliação da função renal possuem grande importância no acompanhamento de pacientes pós-transplante renal, auxiliando no diagnóstico de eventos indicativos de disfunção do enxerto.

Objetivo:

O presente estudo objetivou avaliar a associação entre alterações laboratoriais de função renal e os níveis sanguíneos de tacrolimo em pacientes pós-transplante renal.

Métodos:

Estudo observacional, analítico e transversal. Foram analisados os resultados dos níveis sanguíneos de tacrolimo e das dosagens de ureia, creatinina e estimativa da Taxa de Filtração Glomerular (eTFG), bem como os dados sociodemográficos de receptores de transplante renal acompanhados em um hospital universitário, que realizaram exames laboratoriais entre os meses de janeiro de 2021 e julho de 2022 no período próximo a 1 ano após a realização do transplante. As variáveis analisadas na pesquisa foram colhidas a partir dos registros dos prontuários dos pacientes e posteriormente analisadas, as análises estatísticas consideraram p < 0,05. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Walter Cantídio sob o parecer número 5.436.434 e CAAE número 57396622.1.0000.5045.

Resultados:

A amostra foi composta, majoritariamente, pelo sexo masculino, cor parda, idade média de 51,5 anos (DP ± 12,5) e de cidades do interior do Ceará. Quanto ao percentual de pacientes com alterações laboratoriais, 50,62% (n = 45) deles apresentaram alterações dos níveis sanguíneos de tacrolimo; ainda, 56,79% (n = 46) apresentaram alterações na dosagem de creatinina sérica, 49,38% (n = 40) apresentaram alterações na dosagem de ureia sérica e 59,26% (n = 48) apresentaram uma eTFG alterada. As análises de correlação realizadas sugeriram uma baixa significância entre variações das variáveis estudadas.

Conclusão:

Os resultados obtidos sugerem não existir relação entre variações das concentrações sanguíneas de tacrolimo e o surgimento de alterações nos resultados de biomarcadores renais clássicos ao final do primeiro ano pós-transplante. Entretanto, faz-se necessária a realização de novos estudos para uma maior compreensão do impacto causado por alterações dos níveis sanguíneos de tacrolimo na função renal de receptores de aloenxerto renal.

Descritores
Transplante de Rim; Tacrolimo; Toxicidade de Fármacos; Monitoramento de Medicamentos

ABSTRACT

Introduction:

Kidney transplantation is the most commonly performed type of transplant in Brazil. Tacrolimus is one of the primary drugs used in post-transplant immunosuppressive therapy, and one of its main adverse effects is nephrotoxicity. Laboratory tests to assess renal function are of great importance in monitoring post-kidney transplant patients, helping to diagnose events indicative of graft dysfunction.

Objective:

The present study aimed to evaluate the association between laboratory changes in renal function and blood levels of tacrolimus in post-kidney transplant patients.

Methods:

Observational, analytical and cross-sectional study. The results of blood levels of tacrolimus and measurements of urea, creatinine and estimated Glomerular Filtration Rate (eGFR) were analyzed, as well as the sociodemographic data of kidney transplant recipients followed at a university hospital who underwent laboratory tests between months from January 2021 to July 2022 in a period close to 1 year after the transplant. The variables analyzed in the research were collected from the patient's medical records and subsequently analyzed; the statistical analyses considered p < 0.05. The project was approved by the Ethics Committee of the Walter Cantídio University Hospital under opinion number 5,436,434 and CAAE number 57396622.1.0000.5045.

Results:

The sample was mainly composed of males, mixed race, with an average age of 51.5 years (SD ± 12.5) and from cities in the interior of Ceará. Regarding the percentage of patients with laboratory changes, 50.62% (n = 45) showed changes in tacrolimus blood levels. 56.79% (n = 46) had changes in serum creatinine levels, 49.38% (n = 40) had changes in serum urea levels, and 59.26% (n = 48) had altered eGFR. The correlation analyses suggested a low significance between variations of the variables studied.

Conclusion:

The results indicate no relationship between variations in tacrolimus blood concentrations and the appearance of changes in the results of classic renal biomarkers at the end of the first year post-transplant. However, it is necessary to carry out new studies to understand better the impact of changes in blood levels of tacrolimus on the renal function of renal allograft recipients.

Descriptors
Kidney Transplantation; Tacrolimus; Drug Toxicity; Drug Monitoring

INTRODUÇÃO

Ao longo das últimas décadas, o transplante de órgãos pode ser considerado como uma alternativa terapêutica com crescimento significativo no número de indicações, principalmente devido aos avanços que proporcionaram uma melhor qualidade de vida aos pacientes que necessitam realizar esse procedimento¹. O Brasil é uma referência mundial no que diz respeito à realização de transplantes², sendo o transplante renal, realizado em pacientes em estágio terminal de doença renal crônica, o mais realizado no país^3,4.

Após a realização do transplante, o paciente passa a necessitar, ao longo de sua vida, de um acompanhamento multiprofissional contínuo e também da utilização de fármacos imunossupressores, visando prevenir a ocorrência de rejeições do enxerto e aumentar a sua sobrevida após o procedimento⁵. Nesse sentido, a terapia farmacológica é utilizada na prevenção de rejeições agudas e crônicas, por meio da inibição das ações do sistema imunológico do receptor do órgão, sendo dividida em duas fases – indução e manutenção –, nas quais são utilizados fármacos imunossupressores com diferentes mecanismos de ação³.

No contexto dos transplantes renais, o tacrolimo é um dos principais fármacos utilizados na terapia imunossupressora de manutenção pós-transplante³. Esse fármaco pertence à classe dos inibidores da calcineurina e atua na promoção da imunossupressão por meio da inibição da ativação dos linfócitos T. Apesar de seus efeitos terapêuticos, o tacrolimo é capaz de produzir diversos efeitos tóxicos, sendo o potencial nefrotóxico o mais notável deles⁶.

A monitorização das concentrações sanguíneas de tacrolimo constitui uma importante ferramenta para o controle dos efeitos produzidos por esse fármaco, uma vez que suas concentrações terapêuticas são próximas das tóxicas. Assim, a utilização desse exame busca minimizar a ocorrência de efeitos indesejáveis no organismo promovidos pela presença de tacrolimo em concentrações acima da janela terapêutica, bem como prevenir a falha da terapia devido à presença de concentrações subterapêuticas⁶.

Os exames laboratoriais de avaliação da função renal possuem grande importância no que diz respeito ao acompanhamento de pacientes pós-transplante renal, principalmente quando estes fazem uso de fármacos nefrotóxicos como o tacrolimo. Os resultados desses exames são utilizados para guiar os médicos no correto diagnóstico de complicações renais após a realização do transplante³, sendo importante a precocidade da identificação do problema para um bom prognóstico do paciente⁷.

Entretanto, os biomarcadores de avaliação da função renal utilizados atualmente na rotina laboratorial possuem limitações. Por exemplo, em alguns casos, as mensurações de suas concentrações podem não condizer com o real estado da função renal do indivíduo, o que pode prejudicar o correto diagnóstico de um possível dano renal no paciente⁸.

Com base no exposto, torna-se relevante identificar o comportamento dos marcadores laboratoriais de função renal em pacientes tratados com tacrolimo, para auxiliar na tomada de decisão clínica e no ajuste de dosagem. Dessa forma, o presente estudo possui como objetivo avaliar a associação entre alterações laboratoriais de função renal e os níveis sanguíneos de tacrolimo em pacientes pós-transplante renal.

MÉTODOS

Desenho do estudo

Trata-se de um estudo de caráter observacional, analítico e transversal, pois observa e analisa relações entre variáveis em um determinado momento, sem intervenção do pesquisador e usando métodos estatísticos para analisar os dados coletados⁹. Por meio deste, buscou-se avaliar a associação entre as alterações nos marcadores de função renal e os níveis sanguíneos de tacrolimo apresentados por pacientes pós-transplante renal.

O período de realização do estudo se deu entre os meses de janeiro de 2021 e julho de 2022.

Local de estudo

O estudo foi desenvolvido no Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC), vinculado ao complexo hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC), em Fortaleza, Ceará, Brasil.

O HUWC é integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS) e exerce importante papel na assistência à saúde do estado do Ceará. O hospital oferece serviços divididos em especialidades clínicas e cirúrgicas, além de especialidades não médicas, como a farmácia ambulatorial e clínica. Os transplantes estão inseridos nas especialidades clínicas ofertadas pelo HUWC, que é considerado referência nacional na realização de transplantes hepáticos e renais, juntamente com o acompanhamento dos pacientes pós-procedimento, realizando também transplantes de medula óssea e de córnea¹⁰.

Amostra do estudo

Foram incluídos no estudo pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, receptores de transplante renal acompanhados no ambulatório do serviço de nefrologia do HUWC, que realizaram exames laboratoriais de acompanhamento entre os meses de janeiro de 2021 e julho de 2022 no período próximo a 1 ano após a data de realização do transplante e que utilizam tacrolimo como terapia imunossupressora, totalizando 81 pacientes. Foram considerados como critérios de exclusão: pacientes em uso de outros fármacos nefrotóxicos, portadores de problemas urológicos e histórico de rejeição aguda após o transplante.

Variáveis estudadas

• Dados sociodemográficos dos pacientes: sexo, idade, etnia, procedência;

• Níveis sanguíneos de tacrolimo dos pacientes, utilizando-se como faixa terapêutica valores de concentração entre 3-5 ng/mL¹¹.

• Resultados de exames de avaliação da função renal:

  Determinação das concentrações séricas de ureia (valor de referência 10-50 mg/dL)¹², creatinina (valor de referência 0,6-1,3 mg/dL)¹¹ e estimativa da taxa de filtração glomerular (calculada pela equação de Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration – CKD-EPI), tendo como referência os valores recomendados pela organização Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), sendo estes > 60 mL/min/1,73 m^{2 12}.

Avaliação de parâmetros laboratoriais

A análise da função renal dos pacientes se deu por meio dos resultados dos testes de determinação sérica de creatinina, ureia e cálculo da estimativa da taxa de filtração glomerular (eTFG) de acordo com a equação de CKD-EPI, recomendada pelas diretrizes sobre doença renal crônica (DRC) elaboradas pela KDIGO e publicadas em 2013¹².

Para a avaliação dos resultados, calculou-se os valores médios obtidos de cada variável, e os resultados individuais foram categorizados de acordo com os valores de referência para creatinina e ureia sérica estabelecidos pelo laboratório da instituição onde o estudo foi desenvolvido. Já a eTFG teve como referência os valores recomendados pela KDIGO¹².

De acordo com o protocolo imunossupressor do transplante renal da instituição onde o estudo foi desenvolvido, os níveis sanguíneos de tacrolimo recomendados para pacientes com mais de 1 ano de realização do transplante correspondem à faixa de 3-5 ng/mL¹¹.

Coleta e análise dos dados

Os dados coletados foram tabulados em planilha eletrônica do software Microsoft Office Excel^® para posterior análise estatística utilizando o software IBM-SPSS v20. A normalidade dos dados foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. Os dados numéricos não paramétricos foram representados como mediana e intervalo interquartil; já as variáveis categóricas foram representadas como frequências absoluta e relativa (n, %). Com a finalidade de conferir relação linear entre variáveis numéricas contínuas, foi realizado o teste de correlação de Spearman. As medianas foram comparadas usando Kuskall-Wallis com pós-teste de Dunn. Como critério de significância, foi adotado p < 0,05.

Aspectos éticos

O projeto foi submetido ao Comitê de Ética do Hospital Universitário Walter Cantídio (CEP-HUWC) por meio da Plataforma Brasil, sendo aprovado sob o parecer número 5.436.434 e CAAE número 57396622.1.0000.5045. O estudo foi desenvolvido obedecendo integralmente os princípios éticos estabelecidos na resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

RESULTADOS

Dos 81 pacientes transplantados renais avaliados no período do estudo, 61,7% (n = 50) pertenciam ao sexo masculino com uma idade média de 51,5 anos (DP ± 12,5), sendo a mínima de 25 anos e a máxima de 82 anos. No que diz respeito a sua etnia, 97,6% (n = 79) eram pardos. Em relação a sua procedência, apenas 21% (n = 17) dos pacientes residiam na cidade de Fortaleza, sendo a maioria proveniente do interior do estado do Ceará, 46,9% (n = 38), seguido por aqueles oriundos de outros estados – 30,9% (n = 25). A Tabela 1 apresenta a caracterização do perfil sociodemográfico dos pacientes.

Tabela 1
Caracterização da população em estudo em relação ao perfil sociodemográfico.

Variável	Média ± Desvio-padrão
Idade	51,5 ± 12,5 anos
Variável	N (%)
Sexo	N = 81
Feminino	31 (38,3%)
Masculino	50 (61,7%)
Etnia	N = 81
Amarela	1 (1,2%)
Branca	1 (1,2%)
Parda	79 (97,6%)
Procedência	N = 81
Fortaleza-CE	17 (21%)
Interior do Ceará	38 (46,9%)
Outros estados	25 (30,9%)
Sem dados	1 (1,2%)

• Fonte: Elaborada pelos autores.

Dessa forma, os resultados dos níveis sanguíneos de tacrolimo dos pacientes foram analisados obtendo-se uma concentração média de 5,39 ng/mL (DP ± 2,71), IC95 = 4,80 – 5,98. Quanto à distribuição individual dos pacientes de acordo com suas concentrações sanguíneas de tacrolimo e os valores da faixa terapêutica desse fármaco, 49,48% (n = 40) dos pacientes apresentaram níveis séricos de tacrolimo dentro do intervalo terapêutico, enquanto 45,68% (n = 37) apresentaram concentrações sanguíneas de tacrolimo acima desse intervalo, conforme mostra a Tabela 2.

Tabela 2
Distribuição individual dos pacientes de acordo com suas concentrações sanguíneas de tacrolimo e os valores da faixa terapêutica.

Concentração Sanguínea de Tacrolimo	n (%)
Abaixo da faixa terapêutica (< 3 ng/mL)	4 (4,94%)
Dentro da faixa terapêutica ( ≥ 3 ≤ 5 ng/mL)	40 (49,38%)
Acima da faixa terapêutica ( > 5 ng/mL)	37 (45,68%)
Total	81 (100%)

• Fonte: Elaborada pelos autores.

No que diz respeito à creatinina sérica, observou-se uma concentração média de 1,56 mg/dL (± 0,97), com 56,79% (n = 46) dos pacientes apresentando dosagens fora dos valores de referência. Quanto à ureia sérica, calculou-se uma média de concentração de 53,60 mg/dL (± 21,81), com 49,38% (n = 40) dos pacientes apresentando alterações em suas dosagens. Para a eTFG, encontrou-se uma média de 54,31 mL/min/1,73 m2 (± 21,24), com 59,26% (n = 48) dos pacientes apresentando resultados abaixo dos valores de referência. Os resultados obtidos encontram-se dispostos na Tabela 3.

Tabela 3
Valores médios dos biomarcadores de função renal de pacientes transplantados renais e quantidade de alterações apresentadas.

Variável	Valores de Referência	Média ± Desvio-padrão	Pacientes com resultado fora dos valores de referência n (%)
Creatinina sérica (mg/dL)	0,6 – 1,3	1,56 (± 0,97)	46 (56,79%)
Ureia sérica (mg/dL)	10 – 50	53,60 (± 21,81)	40 (49,38%)
eTFG (mL/min/1,73 m2)	> 60	54,31 (± 21,24)	48 (59,26%)

• Fonte: Elaborada pelos autores.

Procurou-se estabelecer uma correlação entre os valores das dosagens sanguíneas de tacrolimo e os resultados dos biomarcadores da função renal analisados, e para isso aplicou-se o teste de correlação de Pearson. Ao realizar-se a análise da correlação entre os resultados da dosagem de concentração sanguínea de tacrolimo e os valores encontrados das concentrações séricas de creatinina e ureia, não foi observado resultado significante, encontrando-se p = 0,120 e p = 0,569, respectivamente. Também não foi encontrada significância ao analisar-se a correlação entre a variável de concentração sanguínea de tacrolimo e os valores da eTFG obtidos, encontrando-se p = 0,172. A Tabela 4 apresenta os valores do coeficiente de correlação de Spearman (Rho), bem como os valores de p obtidos para cada variável após a aplicação do teste de correlação de Pearson.

Tabela 4
Resultados do teste de correlação de Spearman entre os valores de concentração sanguínea de tacrolimo e os resultados dos biomarcadores da função renal.

Variável	Rho	p
Creatinina sérica	-0,174	0,120
Ureia sérica	-0,064	0,569
eTFG	0,153	0,172

• Fonte: Elaborada pelos autores.

Os pacientes foram então separados de acordo com a classificação de seus resultados de dosagem da concentração sanguínea de tacrolimo, segundo a faixa terapêutica estipulada pelo estudo (3-5 ng/mL), em três grupos: pacientes com resultados abaixo, dentro e acima das concentrações terapêuticas do fármaco. Foi feita a comparação entre as medianas dos valores das dosagens dos biomarcadores da função renal dos pacientes estratificados em cada grupo utilizando-se o teste de Kruskal-Wallis com pós-teste de Dunns. Ao realizar-se a análise, não foi encontrado resultado significante. A Tabela 5 traz os resultados obtidos após a realização dos testes.

Tabela 5
Resultados do teste de Kruskal-Wallis com pós-teste de Dunns aplicado entre os grupos de diferentes concentrações sanguíneas de tacrolimo e as médias de seus resultados nos exames de avaliação da função renal.

Variável	< 3,0 ng/mL (n = 4)	Entre 3,0 e 5,0 ng/mL (n = 40)	> 5,0 ng/mL (n = 37)	p
Creatinina sérica (mg/dL)	2,15 (1,05 – 2,43)	1,50 (1,20 – 1,80)	1,30 (1,05 – 1,70)	0,1701
Ureia sérica (mg/dL)	71,50 (47,75 – 82,50)	49,50 (37,75 – 63,75)	50,00 (36,50 – 57,00)	0,3221
eTFG (mL/min/1,73 m2)	27,80 (26,05 – 88,80)	48,70 (36,20 – 67,65)	58,30 (44,15 – 70,45)	0,1574

• Fonte: Elaborada pelos autores.

DISCUSSÃO

O tacrolimo é um dos principais medicamentos utilizados no regime imunossupressor de pacientes pós-transplante renal³. Entretanto, devido ao seu caráter nefrotóxico, se faz necessária uma monitorização constante das concentrações que essa substância atinge no organismo do paciente, bem como uma avaliação contínua dos parâmetros da função renal a fim de evitar quadros que levem à perda do enxerto^6,7. Contudo, os principais biomarcadores da função renal utilizados na rotina laboratorial nos últimos tempos são limitados. Os mesmos estão sujeitos à interferência de diversos fatores, além de apresentarem baixa sensibilidade e especificidade⁸. Dessa forma, é de grande importância a investigação da relação entre as concentrações sanguíneas de tacrolimo e a frequência de alterações laboratoriais de função renal, para identificação da existência de padrões de alteração capazes de auxiliar na tomada de decisão clínica e ajustes posológicos.

A análise do perfil sociodemográfico dos pacientes em acompanhamento pós-transplante renal possibilita um maior conhecimento sobre a parcela da população que mais comumente necessita realizar esse tipo de procedimento. Esses dados fornecem subsídios aos profissionais de saúde para que os mesmos proporcionem um cuidado direcionado a esse perfil de pacientes. No presente estudo, observou-se predomínio de pacientes do sexo masculino (61,7%), com idade média de 51,5 anos (DP ± 12,5). Perfil semelhante foi encontrado no estudo de Oliveira et al.¹³, realizado em Florianópolis, que analisou o perfil sociodemográfico e clínico de 122 pacientes com transplante renal em um hospital filantrópico, onde 68,9% dos pacientes receptores do transplante eram do sexo masculino e possuíam uma idade média em torno de 50 anos. O estudo de Mota¹⁴, realizado em Fortaleza e que avaliou a qualidade de vida de 197 pacientes transplantados renais em um hospital universitário, também encontrou dentro da população analisada uma predominância de pacientes do sexo masculino (52%), sendo o percentual encontrado inferior ao obtido no presente estudo, com idade média de aproximadamente 48 anos – dados que corroboram os achados da presente pesquisa.

Segundo o Ministério da Saúde, a população masculina encontra-se mais vulnerável ao desenvolvimento de doenças, destacando-se as enfermidades crônicas, como hipertensão arterial sistêmica e o diabetes mellitus, que constituem importantes fatores de risco para o desenvolvimento de doença renal crônica. Somando-se a esse fator, é observado que indivíduos do sexo masculino procuram menos atendimento em estabelecimentos de saúde quando comparados ao sexo feminino¹⁵. Assim, temos que os fatores apresentados ratificam a presença de uma maioria de pacientes do sexo masculino dentre aqueles que necessitaram do procedimento de transplante renal.

Quanto a sua etnia, 97,6% dos pacientes em estudo eram pardos. Mota¹⁴, em pesquisa realizada com pacientes transplantados no Ceará, obteve que 69% dos pacientes de seu estudo declararam-se negros ou pardos, possuindo resultado semelhante ao encontrado no presente estudo, enquanto Oliveira et al.¹³, em estudo com pacientes transplantados de Santa Catarina, apresentaram resultados divergentes, com a maioria dos pacientes analisados (92,5%) pertencentes à etnia branca. Assim, foi possível observar que as características étnicas da população de pacientes transplantados renais estão sujeitas a uma variação dependente das características da região em que residem, uma vez que estudos realizados na região Nordeste apresentaram uma predominância de pacientes negros e pardos, enquanto o estudo realizado na região Sul do país obteve predominância de pacientes de etnia branca.

Na avaliação de sua procedência, a maioria dos receptores de transplante renal (77,8%) precisou deslocar-se da sua cidade de origem para a realização dos exames de acompanhamento. No estudo de Mota¹⁴, 55% da amostra analisada realizava o tratamento fora da cidade de origem, apresentando um resultado abaixo do encontrado no presente estudo, mas que ainda representa a maioria dos pacientes analisados, corroborando o encontrado no presente trabalho. Esse achado representa um fator que causa grande impacto na qualidade de vida do paciente transplantado, devido à necessidade de realização de deslocamentos constantes para a realização de seu acompanhamento ou até mesmo a mudança de sua cidade de origem.

No que diz respeito à análise dos resultados das concentrações sanguíneas de tacrolimo dos pacientes em estudo, encontrou-se um valor médio de 5,39 ng/mL (DP ± 2,71), IC95 = 4,80 – 5,98. Esse achado difere do encontrado no estudo de Alghanem et al.¹⁶, que analisou os resultados de monitorização terapêutica de tacrolimo de 232 pacientes pós-transplante renal ao longo de um ano utilizando a faixa terapêutica de 5-8 ng/mL. Nesse estudo, os autores obtiveram uma concentração média de tacrolimo no valor de 7,0 ng/mL ao fazer a dosagem do fármaco após um ano da realização do transplante. Apesar das discrepâncias entre os valores médios de tacrolimo dosados nos pacientes, verifica-se que ambos os estudos encontraram concentrações médias próximas ou dentro da faixa terapêutica estipulada para cada um.

Alghanem et al.¹⁶ também analisaram os resultados das concentrações sanguíneas dos receptores de acordo com o intervalo terapêutico estipulado e encontraram que 11,6% dos pacientes analisados estavam com concentrações sanguíneas de tacrolimo abaixo da faixa terapêutica, 60,3% possuíam concentrações sanguíneas dentro da faixa terapêutica e 28% estavam com concentrações sanguíneas acima da faixa terapêutica determinada. O presente estudo encontrou percentuais de pacientes com concentrações sanguíneas do fármaco analisado em níveis subterapêuticos e dentro da faixa terapêutica, assim como o estudo supracitado, sendo estes 4,94% e 49,48%, respectivamente. Já o percentual de pacientes com concentrações sanguíneas de tacrolimo acima da faixa terapêutica foi superior quando comparado à literatura analisada, sendo de 45,68%.

O alto percentual de pacientes com concentrações sanguíneas fora da faixa terapêutica estipulada para o tacrolimo, com níveis sanguíneos acima ou abaixo dessa janela, representa motivo de atenção para os profissionais de saúde na realização do acompanhamento desses pacientes. Têm-se a necessidade de que seja dada uma maior atenção a fatores preveníveis que possam provocar essas variações de concentração do fármaco, como uma baixa adesão do paciente ao tratamento ou mesmo a falta de orientação para que o paciente, no dia de realização do exame, não administre o medicamento antes da coleta da amostra.

Na análise dos resultados dos parâmetros bioquímicos dos pacientes em estudo, encontrou-se concentrações médias para creatinina sérica e ureia sérica de 1,56 mg/dL (DP ± 0,97) e 53,60 mg/dL (DP ± 21,81), respectivamente. Os dados encontrados corroboram com os resultados obtidos pelo estudo de Lira¹⁷, realizado com 58 pacientes transplantados renais em um hospital universitário de Fortaleza, onde obtiveram-se concentrações médias para creatinina sérica e ureia sérica de 1,63 mg/dL e 55,89 mg/dL, respectivamente. Em ambos os estudos, os valores médios de concentração sérica de ureia e creatinina encontrados estavam ligeiramente acima dos valores de referência utilizados por cada trabalho. No que diz respeito à eTFG, o valor médio encontrado para os pacientes em estudo foi de 54,31 mL/min/1,73 m² (DP ± 21,24), sendo esse resultado fora dos valores recomendados por KDIGO¹², onde valores de eTFG com base na concentração sérica de creatinina abaixo de 60 mL/min/1,73 m² devem ser reportados como diminuídos. O valor médio de eTFG dos pacientes em estudo também apresentou-se abaixo do encontrado no estudo de Alghanem et al.¹⁶, que, ao utilizar a equação de CKD-EPI para estimar eTFG dos pacientes após uma ano da realização do transplante, obtiveram um valor médio de 66 mL/min/1,73 m².

No que diz respeito à análise de correlação entre os resultados da dosagem de concentração sanguínea de tacrolimo e os valores das concentrações séricas de creatinina e ureia, bem como dos valores obtidos na eTFG dos pacientes analisados, não foi encontrado resultado estatisticamente significante, tendo as análises de correlação apresentado valores de p maiores que 0,05. Assim, o presente estudo não observou relação entre as concentrações sanguíneas de tacrolimo e os resultados de exames de avaliação da função renal. Ao realizar-se, através do teste de Kruskal-Wallis com pós-teste de Dunns, a comparação dos valores médios das dosagens dos biomarcadores da função renal dos pacientes estratificados em grupos de acordo com a sua concentração sanguínea do fármaco em relação à faixa terapêutica, não se observaram resultados significativos, a exemplo do ocorrido no teste realizado previamente.

A creatinina é uma substância oriunda do metabolismo muscular que é livremente filtrada pelo glomérulo e não sofre reabsorção, nem metabolização pelo rim. Devido a essas características, a creatinina é comumente utilizada na avaliação da função de filtração executada pelos rins. Entretanto, os níveis séricos desse biomarcador podem não condizer com o real estado do paciente, uma vez que as concentrações adotadas pela maioria dos laboratórios como acima do normal (1,3 mg/dL) podem estar associadas a reduções da ordem de 50% -60% da taxa de filtração glomerular, o que prejudica a precocidade do diagnóstico e o tratamento de possíveis lesões¹⁸.

Outro biomarcador tradicionalmente utilizado na avaliação da função renal é a ureia, metabólito nitrogenado da degradação de proteínas no organismo. Assim como a creatinina, essa é uma substância livremente filtrada pelo glomérulo, porém constitui-se em um preditor fraco da filtração glomerular, pois entre 40% e 70% dessa molécula retornam ao plasma por difusão passiva tubular após ser filtrada pelos rins. Por esse fator, as concentrações séricas de ureia são comumente avaliadas em associação aos níveis de creatinina. Devido a essas limitações, é de grande importância a associação de exames que avaliem outros aspectos do funcionamento e estrutura renal, que muitas vezes não estão associados ao mecanismo de filtração desse órgão¹⁹. Dentre estes, pode-se destacar a avaliação de presença de distúrbios eletrolíticos ou outras alterações decorrentes de lesões tubulares, anormalidades do sedimento urinário e, também, a utilização de marcadores de lesão do parênquima renal como a proteinúria e a microalbuminúria⁷. Na população analisada, observou-se uma baixa frequência na solicitação desses últimos exames, levantando a necessidade da inclusão dos mesmos para que o monitoramento da função renal dos pacientes pós-transplante renal seja mais completo e efetivo.

Dessa forma, devido às limitações apresentadas pelos principais biomarcadores clássicos utilizados na avaliação da função renal, o desenvolvimento de novos biomarcadores de avaliação renal tem se tornado uma das principais temáticas de pesquisas direcionadas ao sistema renal. Moléculas como a lipocalina associada à gelatinase de neutrófilos (NGAL), cistatina C, molécula-1 de lesão renal (KIM-1), interleucina-18 (IL-18), entre outras, têm sido avaliadas com o objetivo de promover uma maior precocidade no diagnóstico de lesão renal e um melhor prognóstico para o paciente⁸.

Os resultados obtidos através da pesquisa permitiram a obtenção dos valores médios das dosagens sanguíneas de tacrolimo, bem como dos biomarcadores de avaliação da função renal da população em estudo, estando estes ligeiramente fora dos valores de referência preconizados para cada variável. Também foi possível aferir o percentual dos pacientes analisados que apresentaram algum tipo de alteração quanto aos resultados de seus exames, sendo este percentual de 50,62% no que diz respeito aos níveis sanguíneos de tacrolimo, somando-se os percentuais de pacientes acima e abaixo da faixa terapêutica estipulada para o fármaco.

Quanto aos percentuais de pacientes com alterações nos resultados dos exames de avaliação da função renal, 56,79% apresentaram alterações na dosagem de creatinina sérica, 49,48% revelaram alterações na dosagem de ureia sérica e 59,26% apresentaram um eTFG alterada. Em relação às análises de correlação entre as dosagens de tacrolimo e os resultados dos exames de avaliação renal, não se obteve resultado estatisticamente significante, indicando não existir relação entre as variáveis. Também não foi estatisticamente significante o resultado da comparação de pacientes estratificados em grupos de acordo com a sua concentração sanguínea do fármaco em relação à faixa terapêutica, sugerindo não existir diferença significativa entre os grupos quanto aos resultados dos exames de avaliação da função renal.

Como principal limitação do estudo, pode ser destacada a variação dos exames solicitados pelos profissionais médicos para avaliação da função renal de cada paciente pós-transplante renal. A falta de um número maior de pacientes-alvo da pesquisa que realizaram avaliação das concentrações sanguíneas de eletrólitos, bem como a determinação de proteinúria, microalbuminúria e medição do clearance de creatinina pelo método laboratorial invibializou a análise dos resultados desses biomarcadores e da relação existente entre os mesmos e os níveis sanguíneos de tacrolimo. Dessa forma, houve um prejuízo na avaliação da real relação entre as concentrações sanguíneas de tacrolimo e os potencias danos causados à função renal dos pacientes.

CONCLUSÃO

Os resultados obtidos pelo trabalho sugerem não existir relação entre variações das concentrações sanguíneas de tacrolimo e o surgimento de alterações nos resultados de biomarcadores clássicos da função renal dosados ao final do primeiro ano pós-transplante. Esses parâmetros utilizados atualmente na rotina laboratorial como ferramentas de avaliação da função renal possuem limitações, podendo suas concentrações, em alguns casos, não condizerem com o real estado da função renal do indivíduo. Dessa forma, sugere-se a realização de novos estudos avaliando a correlação das concentrações sanguíneas de tacrolimo e a dosagem de biomarcadores inovadores da função renal, os quais vêm apresentando maior especificidade e sensibilidade quando comparados aos biomarcadores clássicos em estudos recentes.

Os dados obtidos pela pesquisa são capazes de fornecer subsídios para a oferta de uma melhor assistência ao paciente pós-transplantado renal. Entretanto, faz-se necessária a realização de novos estudos que auxiliem em uma maior compreensão do impacto causado por alterações da concentração sanguínea do tacrolimo, utilizado no regime imunossupressor pós-transplante na função renal desses pacientes visando uma maior qualidade de vida para os mesmos, bem como o aumento de sua sobrevida.

AGRADECIMENTOS

Não se aplica.

• FINANCIAMENTO

  Não se aplica.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Todos os dados foram gerados ou analisados neste estudo.

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Editado por

Editora de Seção: Ilka de Fátima Santana F Boin https://orcid.org/0000-0002-1165-2149

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Set 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  17 Jul 2024
• Aceito
  09 Ago 2024