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Análise de Sobrevida do Enxerto em Pacientes Pediátricos Submetidos ao Transplante Renal

RESUMO

Introdução:

O transplante renal é a terapia padrão ouro para doença renal crônica (DRC) em estágio final. Entretanto, aspectos relacionados às características do doador e do receptor, à técnica cirúrgica, ao protocolo de imunossupressão e comorbidade podem impactar a sobrevida do enxerto.

Objetivos:

Avaliar os fatores associados à sobrevida do enxerto em pacientes pediátricos submetidos ao transplante renal.

Métodos:

Estudo descritivo do tipo coorte retrospectivo que incluiu todos os pacientes de 1 a 18 anos submetidos ao transplante renal na Unidade Renal Pediátrica do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), Recife, Brasil, de janeiro de 2017 a dezembro de 2021, com tempo mínimo de seguimento de 10 meses, totalizando 51 pacientes. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do IMIP sob o CAAE: 52023921.1.0000.5201.

Resultados:

A mediana de idade dos pacientes ao transplante renal foi de 12 anos (9-13), sendo 27 (52,9%) do sexo masculino e oito (15,6%) com menos de 5 anos. As principais etiologias da DRC foram as anomalias congênitas do rim e do trato urinário (n = 25; 49%). Quanto ao transplante renal, 49 (96,1%) foram de doador falecido e a mediana do tempo de seguimento foi de 32 (14-42) meses. Após o transplante, 58% da população eram hipertensos, enquanto 80,4% apresentavam dislipidemia. As taxas de sobrevida do enxerto e do paciente em 5 anos, avaliadas pela curva de Kaplan Meier, foram, respectivamente, 86,3 e 90,2%. Sete pacientes (n = 5) perderam o enxerto, sendo a causa mais frequente a trombose de veia renal. As causas não glomerulares de DRC mostraram menor sobrevida do enxerto quando comparadas às causas glomerulares (log rank p = 0,010).

Conclusão:

As taxas de sobrevida do enxerto e dos pacientes em nossa casuística assemelham-se aos dados nacionais e mundiais. As causas mais frequentes de perda do enxerto foram os eventos tromboembólicos. Além disso, observamos elevada prevalência de hipertensão e dislipidemia. Esses resultados nos direcionam para estabelecer estratégias para melhorar a sobrevida nos transplantes renais pediátricos.

Descritores
Pediatria; Transplante de Rim; Insuficiência Renal Crônica; Análise de Sobrevida

ABSTRACT

Introduction:

Kidney transplantation is the gold standard therapy for end-stage chronic kidney disease (CKD). However, aspects related to the characteristics of the donor and the recipient, the surgical technique, the immunosuppression protocol and comorbidities can impact graft survival.

Objectives:

To evaluate factors associated with graft survival in pediatric patients undergoing kidney transplantation.

Methods:

Descriptive, retrospective cohort study, which included all patients aged 1 to 18 years who underwent kidney transplantation at Unidade Renal Pediátrica of Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), Recife, Brazil, from January 2017 to December 2021, with a minimum follow-up time of 10 months, totaling 51 patients. The IMIP ethics and research committee approved the study under CAAE: 52023921.1.0000.5201.

Results:

The median age of patients undergoing kidney transplantation was 12 years (9-13); 27 (52.9%) were male and eight (15.6%) were younger than 5 years of age. The main etiologies of CKD were congenital anomalies of the kidney and urinary tract (n = 25; 49%). As for kidney transplants, 49 (96.1%) were from a deceased donor and the median follow-up time was 32 (14-42) months. After transplantation, 58% of the population were hypertensive, while 80.4% had dyslipidemia. The 5-year graft and patient survival rates, assessed using the Kaplan Meier curve, were 86.3 and 90.2%, respectively. Seven (n = 5) patients lost the graft, the most common cause being renal vein thrombosis. Nonglomerular causes of CKD showed lower graft survival when compared to glomerular causes (log rank p = 0.035).

Conclusion:

Our sample’s graft and patient survival rates are similar to national and global data. The most frequent causes of graft loss were thromboembolic events. Furthermore, we observed a high prevalence of hypertension and dyslipidemia. These results direct us to establish strategies to improve survival in pediatric kidney transplants.

Descriptors
Pediatrics; Kidney Transplant; Chronic Renal Failure; Survival Analysis

INTRODUÇÃO

Em crianças com doença renal crônica, o transplante renal demonstra uma melhora significativa na sobrevida e na qualidade de vida em comparação com a diálise11 Verghese PS. Pediatric kidney transplantation: a historical review. Pediatr Res 2017;81(1-2):259-64. https://doi.org/10.1038/pr.2016.207
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. Apesar do número de transplantes renais em pediatria e da sua consolidação como padrão ouro para estágios avançados de doença renal crônica, ainda há muitos obstáculos a serem enfrentados, incluindo a manutenção da sobrevida do enxerto. A falência do enxerto é fator importante de morbimortalidade pós-transplante, merecendo atenção especial nas práticas clínicas. A idade do doador e do receptor do enxerto, a técnica cirúrgica utilizada, o protocolo de imunossupressão, bem como as características do doador podem impactar a sobrevida do enxerto renal em longo prazo22 Etesami K, Lestz R, Hogen R. Pediatric kidney transplantation in the United States. Curr Opin Organ Transplant 2020;25(4):343-7. https://doi.org/10.1097/MOT.0000000000000783
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. Além disso, compreende-se que obesidade, hipertensão, diabetes e dislipidemias são fatores implicados na morbimortalidade. Dessa forma, o entendimento dessas questões é fundamental para garantir condutas mais eficientes, principalmente visando a prevenção à rejeição e perda do enxerto em longo prazo33 Keith DS, Vranic G, Barcia J, Norwood V, Nishio-Lucar A. Longitudinal analysis of living donor kidney transplant rates in pediatric candidates in the United States. Pediatr Transplant 2017;21(2):e12859. https://doi.org/10.1111/petr.12859
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.

A literatura médica ainda é escassa no que diz respeito aos pacientes pediátricos, especialmente no cenário regional. Portanto, nosso estudo se propõe a avaliar os fatores associados à sobrevida do enxerto em crianças e adolescentes submetidos ao transplante renal em um centro de referência no nordeste do país.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo de coorte retrospectivo com avaliação de crianças de 1 a 18 anos de idade submetidas ao transplante renal pediátrico na Unidade Renal Pediátrica do Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP), Recife, Brasil, no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2021, com tempo mínimo de seguimento de 10 meses. Os critérios de exclusão foram impossibilidade de coleta por falta de dados nos prontuários, recusa do paciente e falta de assinatura do termo de consentimento.

Rotina do serviço

O serviço de transplante renal pediátrico do IMIP é referência no nordeste e realizou em média 12 transplantes renais ao ano, nos últimos 10 anos. Atualmente, realiza apenas transplantes de doadores falecidos em pacientes com até 18 anos incompletos e peso mínimo de 10 kg. Até 2021, a indução de imunossupressão era realizada utilizando preferencialmente basiliximabe em pacientes com risco imunológico habitual, reservando a timoglobulina como opção terapêutica para pacientes de alto risco imunológico. Atualmente, tendo em vista a maior disponibilidade da medicação no Sistema Único de Saúde (SUS), optou-se pela indução com timoglobulina para todos os pacientes. A imunossupressão de manutenção inicial é realizada por meio de terapia tríplice com a associação de tacrolimo, micofenolato sódico e prednisona. O uso de terapia anticoagulante no pós-operatório não é realizado universalmente, apenas em pacientes com histórico prévio de trombose, após avaliação e indicação da hematologia. Nos primeiros dias após o transplante, os pacientes são internados na unidade de terapia intensiva (UTI) pediátrica, posteriormente seguidos na enfermaria de nefrologia pediátrica, com tempo médio de internação de 9 dias. As consultas no seguimento ambulatorial são semanais durante os primeiros 3 meses após o transplante e individualizadas conforme as necessidades do paciente.

Instrumento de coleta de dados

A coleta de dados contemplou variáveis demográficas, dados antropométricos, clínicos e laboratoriais do receptor, como idade no momento do transplante renal, sexo, etiologia da doença renal crônica e tempo de diálise antes do transplante. Também foram coletados dados do doador e do transplante, como tempo de transplante renal, se o doador era vivo ou falecido, idade do doador e tempo de isquemia fria, painel de anticorpos reativos e uso de drogas imunossupressoras. Índice de massa corpórea (IMC), função renal, dosagens de creatinina, perfil lipídico, presença de dislipidemias e hipertensão arterial após o transplante renal também foram registrados.

Análise estatística

Os dados foram coletados utilizando-se um formulário padronizado, com perguntas fechadas e pré-codificadas para entrada no computador, registrados em uma tabela construída no Excel para o Windows e posteriormente analisados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences versão 29. Os dados contínuos e semicontínuos foram analisados pelo teste de Shapiro-Wilk para determinação da normalidade. As variáveis contínuas foram expressas como média ± desvio-padrão (DP) ou mediana e percentis (25; 75). A sobrevida foi analisada pela curva de Kaplan Meier com log rank. Para todo o estudo foi considerado o risco α ≤ 0,05 para erro tipo I.

Aspectos éticos

A pesquisa seguiu a Resolução CNS 466/12 para pesquisa em seres humanos e foi aprovada pelo comitê de ética sob o número CAAE: 52023921.1.0000.5201.

RESULTADOS

No período de janeiro de 2017 a dezembro de 2021, foram realizados 51 transplantes renais na Unidade Renal Pediátrica do IMIP, com todos os pacientes incluídos na amostra. A mediana de idade dos pacientes no momento do transplante renal foi de 12 anos (9-13), sendo 27 (52,9%) do sexo masculino e oito (15,6%) com menos de 5 anos. Quanto à etiologia da doença renal crônica (DRC), 25 (49,1%) eram pacientes com anomalia congênita do rim e do trato urinário, enquanto 23 (45,1%) apresentavam glomerulopatias e três (5,8%) outras causas. A mediana do tempo de diálise antes do transplante renal foi de 29 (12-60) meses, sendo a hemodiálise a modalidade mais frequente (n = 29, 56,8%). Esses dados estão apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Perfil demográfico dos pacientes.

Os dados estão apresentados como n (%) e média e desvio padrão, mediana (25-75).

Quanto aos dados do transplante renal, a mediana de tempo de transplante foi de 32 (14-42) meses, sendo a maioria (n = 49; 96,1%) proveniente de doadores falecidos. Cinquenta pacientes mostraram painel de anticorpos reativos igual a 0, com mediana de tempo de isquemia fria de 15 (11-18) horas. Sete (17,6%) pacientes perderam o enxerto e cinco (9,8%) evoluíram para óbito. Em nossa amostra, nenhum paciente fez uso de anticoagulação profilática. Além disso, nenhum foi priorizado, submetido a retransplante ou apresentou anticorpo antidoador. Os dados do transplante renal estão demonstrados na Tabela 2.

Tabela 2
Dados do transplante renal.

Os dados estão apresentados como n (%) e média e desvio padrão, mediana (25-75).

Quanto aos dados clínicos e laboratoriais após o transplante, cinco pacientes (9,8%) apresentavam sobrepeso/obesidade, 30 (58,8%) apresentavam hipertensão arterial e 41 (80,4%) eram dislipidêmicos (Tabela 3).

Tabela 3
Dados clínicos e laboratoriais dos pacientes após o transplante renal (n = 51).

Os dados estão apresentados como n (%) e média e desvio padrão, mediana (25-75).

A avaliação pela curva de Kaplan Meier mostrou que as taxas de sobrevida do enxerto e do paciente em 60 meses foram, respectivamente, de 86,3 e 90,2% (Fig. 1).

Figura 1
Sobrevida do enxerto e dos pacientes.

Ao analisarmos a sobrevida do enxerto em relação à etiologia da DRC, observamos que as glomerulopatias mostravam maior sobrevida quando comparadas às causas não glomerulares. A análise das demais variáveis não mostrou diferença na taxa de sobrevida do enxerto (Tabela 4).

Tabela 4
Análise de sobrevida do enxerto de acordo com as variáveis clínicas e demográficas.

Dos sete pacientes que perderam o enxerto, cinco foram por trombose de veia renal, um por rejeição celular aguda devida à má aderência ao tratamento e outro por rejeição humoral. Das 51 crianças avaliadas neste estudo, cinco (9,8%) foram a óbito. Os óbitos ocorreram no período de até 2 anos após o transplante, com quatro pacientes sofrendo perda do enxerto renal devido à trombose venosa associada e um paciente falecendo com enxerto funcionante. Quanto à causa dos óbitos, dois pacientes apresentaram sepse, sendo um por colangite esclerosante e outro por complicações de doença linfoproliferativa; um paciente faleceu por doença cardiovascular, um por distúrbio hidroeletrolítico e outro por choque hemorrágico. Esses dados estão apresentados na Tabela 5.

Tabela 5
Dados dos pacientes que evoluíram para óbito.

DISCUSSÃO

No presente estudo, a sobrevida do enxerto renal e dos pacientes foi, respectivamente, de 86,3 e 90,2%. Esses dados são semelhantes aos dos North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies44 North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies. NAPRTCS 2014 Annual Transplant Report [acesso em 20 Fev 2024] Disponível em: https://naprtcs.org/system/files/2014_Annual_Transplant_Report.pdf
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(NARPTCS), que incluiu 12.189 pacientes pediátricos e observou, no período de 2005 a 2013, uma sobrevida do enxerto, em 5 anos, de 83%. Dados do Australian and New Zealand Dialysis and Transplant Registry (ANZDATA)55 Larkins NG, Wong G, Alexander SI, McDonald S, Prestidge C, Francis A, et al. Survival and transplant outcomes among young children requiring kidney replacement therapy. Pediatr Nephrol 2021;36(8):2443-52. https://doi.org/10.1007/s00467-021-04945-9
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, com 322 crianças com menos de 5 anos, mostraram uma sobrevida do enxerto em 1, 5 e 10 anos, respectivamente, de 93, 87 e 77%. Estudo semelhante realizado no Brasil, Collaborative Brazilian Pediatric Renal Transplant Registry (CoBrazPed-RTx)66 Souza VC, Garcia CD, Pestana JM, Stopa Martins SB, Custódio LFP, Bittencourt V, et al. Collaborative Brazilian pediatric renal transplant registry (CoBrazPed-RTx): a report from 2004 to 2018. Pediatr Transplant 2019;23(6):e13463. https://doi.org/10.1111/petr.13463
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, que avaliou 2.744 pacientes, obteve sobrevida do enxerto, de 2014 a 2018, de 87% quando o transplante foi realizado com doador vivo e 78% quando foi com doador falecido. A sobrevida dos pacientes nesse estudo foi de 95 e 94% para doador vivo e falecido, respectivamente. Esses estudos44 North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies. NAPRTCS 2014 Annual Transplant Report [acesso em 20 Fev 2024] Disponível em: https://naprtcs.org/system/files/2014_Annual_Transplant_Report.pdf
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,66 Souza VC, Garcia CD, Pestana JM, Stopa Martins SB, Custódio LFP, Bittencourt V, et al. Collaborative Brazilian pediatric renal transplant registry (CoBrazPed-RTx): a report from 2004 to 2018. Pediatr Transplant 2019;23(6):e13463. https://doi.org/10.1111/petr.13463
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compararam pacientes que receberam enxerto de doadores vivos e falecidos e mostraram maior sobrevida no grupo de transplante de doadores vivos. Isso pode ser justificado pelos efeitos deletérios da isquemia fria prolongada e/ou lesão de isquemia-reperfusão presentes em aloenxertos de doadores falecidos, diferentemente do ambiente controlado com lesão isquêmica mínima no rim de doadores vivos, capaz de viabilizar uma meia vida prolongada nesse tipo de enxerto. Entretanto, em nosso estudo não foi possível essa análise, devido à maioria dos doadores ser falecido.

Tanto em transplantes de doadores vivos quanto de falecidos, os estudos mostram que uma das causas mais frequentes de perda de enxerto é a trombose renal77 Torricelli FCM, Watanabe A, David-Neto E, Nahas WC. Current management issues of immediate postoperative care in pediatric kidney transplantation. Clinics (São Paulo) 2014;69(Suppl 1):39-41. https://doi.org/10.6061/clinics/2014(sup01)07
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8 Prudhomme T, Mesnard B, Abbo O, Banuelos B, Territo A. Postoperative surgical complications after pediatric kidney transplantation in low weight recipients (<15 kg): a systematic review. Curr Opin Organ Transplant 2023;28(4):297-308. https://doi.org/10.1097/MOT.0000000000001074
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9 Keller AK, Jorgensen TM, Jespersen B. Identification of risk factors for vascular thrombosis may reduce early renal graft loss: a review of recent literature. J Transplant 2012. https://doi.org/10.1155/2012/793461
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-1010 Beatrice JM, Takahashi MS, Celeste DM, Watanabe A, Koch VHK, Carneiro JDA. Thromboprophylaxis after kidney transplantation in children: ten-year experience of a single Brazilian center. Pediatr Transplant 2021;25(8):e14101. https://doi.org/10.1111/petr.14101
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. Esse dado se confirmou em nossa observação, sendo as perdas precoces, no primeiro mês pós-transplante. O estudo do CoBrazPed-RTx66 Souza VC, Garcia CD, Pestana JM, Stopa Martins SB, Custódio LFP, Bittencourt V, et al. Collaborative Brazilian pediatric renal transplant registry (CoBrazPed-RTx): a report from 2004 to 2018. Pediatr Transplant 2019;23(6):e13463. https://doi.org/10.1111/petr.13463
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também observou a trombose renal como principal etiologia (20%), seguida por disfunção do enxerto (17%) e morte com enxerto funcionante (15%). Tais achados diferem do relatório do NAPRTCS44 North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies. NAPRTCS 2014 Annual Transplant Report [acesso em 20 Fev 2024] Disponível em: https://naprtcs.org/system/files/2014_Annual_Transplant_Report.pdf
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, que encontrou a rejeição crônica como principal causa da perda do enxerto (35,8%), seguida por rejeição aguda (13%) e trombose vascular (9,6%), além da morte com enxerto funcionante em 9,1% dos casos.

As tromboses de enxerto renal podem estar relacionadas às características do doador, do receptor e com variáveis pré-operatórias, como tempo de isquemia, técnica cirúrgica e manejo no pós-operatório imediato99 Keller AK, Jorgensen TM, Jespersen B. Identification of risk factors for vascular thrombosis may reduce early renal graft loss: a review of recent literature. J Transplant 2012. https://doi.org/10.1155/2012/793461
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10 Beatrice JM, Takahashi MS, Celeste DM, Watanabe A, Koch VHK, Carneiro JDA. Thromboprophylaxis after kidney transplantation in children: ten-year experience of a single Brazilian center. Pediatr Transplant 2021;25(8):e14101. https://doi.org/10.1111/petr.14101
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11 Bapistella S, Zirngibl M, Buder K, Toulany N, Laube GF, Weitz M. Prophylactic antithrombotic management in adult and pediatric kidney transplantation: a systematic review and meta-analysis. Pediatr Transplant 2021;25(4):e14021. https://doi.org/10.1111/petr.14021
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-1212 Gander R, Asensio M, Royo GF, Molino JA, García L, Madrid A, et al. Vascular thrombosis in pediatric kidney transplantation: graft survival is possible with adequate management. J Pediatr Urol 2018;14(3):222-30. https://doi.org/10.1016/j.jpurol.2018.01.027
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. No Brasil, um estudo retrospectivo realizado por Avilez et al.1313 Avilez ND, Souza ABP, Domenico BRD, Prates LC, Mazzali M, Lima ML. Analysis of factors related to the success of pediatric kidney transplantation: a 35 years experience. Transplant Proc 2024;56(1):44-9. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2023.11.002
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, na Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, mostrou que a perda do enxerto por trombose estava associada, principalmente, àqueles pacientes submetidos ao segundo transplante (22,7% vs. 8,2% no primeiro transplante) e doador com IMC alto (com média de IMC de 29,11 no grupo com trombose vs. 22,47 no grupo sem trombose).

Atualmente, há muita discussão sobre as formas de profilaxia, medicamentosa ou não, para diminuir a incidência de trombose e outros eventos vasculares que podem levar à perda do enxerto renal. Porém, apesar das graves consequências da trombose renal nesses pacientes, ainda não há consenso sobre a realização de tromboprofilaxia medicamentosa no transplante renal pediátrico. Alguns centros já fazem uso de heparina de baixo peso molecular, heparina não fracionada ou, ainda, antiagregantes plaquetários com essa finalidade99 Keller AK, Jorgensen TM, Jespersen B. Identification of risk factors for vascular thrombosis may reduce early renal graft loss: a review of recent literature. J Transplant 2012. https://doi.org/10.1155/2012/793461
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,1010 Beatrice JM, Takahashi MS, Celeste DM, Watanabe A, Koch VHK, Carneiro JDA. Thromboprophylaxis after kidney transplantation in children: ten-year experience of a single Brazilian center. Pediatr Transplant 2021;25(8):e14101. https://doi.org/10.1111/petr.14101
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,1414 Al Midani A, Rudarakanchana N, Nagra A, Fidan K, Tugtepe H, Matthias M, et al. Low-dose aspirin reduces the rate of renal allograft thrombosis in pediatric renal transplant recipients. Exp Clin Transplant 2020;18(2):15763. https://doi.org/10.6002/ect.2018.0358
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,1515 Buder K, Zirngibl M, Bapistella S, Nadalin S, Tönshoff B, Weitz M. Current practice of antithrombotic prophylaxis in pediatric kidney transplantation – Results of an international survey on behalf of the European Society for Paediatric Nephrology. Pediatr Transplant 2020;24(7):e13799. https://doi.org/10.1111/petr.13799
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. Em nosso centro, ainda não fazemos profilaxia de rotina nesses pacientes.

Tendo em vista a importância dos eventos tromboembólicos como principal complicação que leva à perda precoce do enxerto, um questionário realizado em 80 centros de transplante renal pediátrico pela European Society for Paediatric Nephrology, no período de 2019 a 2020, e uma revisão sistemática realizada na Alemanha sobre a profilaxia antitrombótica no transplante renal pediátrico mostraram que essa prática parece reduzir o número de complicações trombóticas. Entretanto, os riscos de sangramento ainda permanecem desconhecidos. Esses centros destacam, ainda, que a melhor medicação a ser utilizada, o momento para o início e a população de pacientes que deve fazer uso da tromboprofilaxia ainda permanecem incertos, sendo variável entre os centros transplantadores estudados1111 Bapistella S, Zirngibl M, Buder K, Toulany N, Laube GF, Weitz M. Prophylactic antithrombotic management in adult and pediatric kidney transplantation: a systematic review and meta-analysis. Pediatr Transplant 2021;25(4):e14021. https://doi.org/10.1111/petr.14021
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,1515 Buder K, Zirngibl M, Bapistella S, Nadalin S, Tönshoff B, Weitz M. Current practice of antithrombotic prophylaxis in pediatric kidney transplantation – Results of an international survey on behalf of the European Society for Paediatric Nephrology. Pediatr Transplant 2020;24(7):e13799. https://doi.org/10.1111/petr.13799
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. No Brasil, um estudo realizado no Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, por Beatrice et al.1010 Beatrice JM, Takahashi MS, Celeste DM, Watanabe A, Koch VHK, Carneiro JDA. Thromboprophylaxis after kidney transplantation in children: ten-year experience of a single Brazilian center. Pediatr Transplant 2021;25(8):e14101. https://doi.org/10.1111/petr.14101
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, relatou 10 anos de experiência com a realização de profilaxia antitrombótica e evidenciou redução na taxa de trombose, sem aumentar o risco de sangramento.

Outros fatores que podem estar associados à perda do enxerto são a etiologia da DRC, o tempo de isquemia fria, a idade do doador e do receptor, a hipertensão e a dislipidemia. Em nossa casuística, observamos pacientes cuja etiologia da DRC não eram as glomerulopatias, ou seja, majoritariamente, as anomalias congênitas do rim e do trato urinário apresentaram menor sobrevida do enxerto. Esses dados diferem do estudo NARPTCS44 North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies. NAPRTCS 2014 Annual Transplant Report [acesso em 20 Fev 2024] Disponível em: https://naprtcs.org/system/files/2014_Annual_Transplant_Report.pdf
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, que mostrou que a sobrevida do enxerto em pacientes glomerulopatas era menor. Esse estudo mostrou que o grupo de pacientes submetidos ao transplante renal de doador falecido apresentava uma taxa de sobrevida do enxerto em 5 anos de 63% para aqueles pacientes cuja etiologia da doença era glomerulonefrite; para aqueles com glomeruloesclerose segmentar e focal (GESF), a taxa foi de e 67%. No estudo da CoBrazPed-RTx66 Souza VC, Garcia CD, Pestana JM, Stopa Martins SB, Custódio LFP, Bittencourt V, et al. Collaborative Brazilian pediatric renal transplant registry (CoBrazPed-RTx): a report from 2004 to 2018. Pediatr Transplant 2019;23(6):e13463. https://doi.org/10.1111/petr.13463
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, foi evidenciado que a taxa de sobrevivência do enxerto, de acordo com a etiologia em 5 anos, foi de 84% para pacientes que não tinham GESF e de 68% para os que tinham. Os pacientes com GESF tiveram 26,7% de perda do enxerto devido à recidiva da doença primária, e esse grupo teve 1,5 vezes o risco de perda do enxerto em comparação com os receptores cuja etiologia não era a GESF. É difícil analisar a diferença dos nossos resultados em comparação à literatura, e qualquer afirmação pode ser especulativa. Entretanto, é possível que o predomínio da perda do enxerto por trombose em nossa amostra, sendo essa uma causa de perda precoce, possa ter, de alguma forma, contribuído para a diferença nos resultados.

Quanto ao tempo de isquemia fria, semelhante ao estudo NAPTRCS44 North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies. NAPRTCS 2014 Annual Transplant Report [acesso em 20 Fev 2024] Disponível em: https://naprtcs.org/system/files/2014_Annual_Transplant_Report.pdf
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, não observamos associação desse fator com a sobrevida do enxerto. Da mesma forma, não encontramos associação da idade do doador nem do receptor com a sobrevida do enxerto. Os estudos de Moudgil et al.1616 Moudgil A, Martz K, Stablein DM, Puliyanda DP. Good outcome of kidney transplants in recipients of young donors: a NAPRTCS data analysis. Pediatr Transplant 2011;15(2):167-71. https://doi.org/10.1111/j.1399-3046.2010.01432.x
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, que analisaram crianças norte-americanas submetidas ao transplante renal, também não identificaram diferença na sobrevida dos enxertos entre doadores de 6 a 35 anos e aqueles com menos de 5 anos. Já em outro estudo1717 Dale-Shall AW, Smith JM, McBride MA, Hingorani SR, McDonald RA. The relationship of donor source and age on short- and long-term allograft survival in pediatric renal transplantation. Pediatr Transplant 2009;13(6):711-8. https://doi.org/10.1111/j.1399-3046.2008.01054.x
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, foi observado que a utilização de enxertos de doadores com idade mais avançada se associou a uma pior sobrevida do enxerto, principalmente quando doador falecido, sendo aqueles com mais de 55 anos de idade de pior prognóstico.

Quanto à idade do receptor, em nosso estudo, oito crianças (15,6%) tinham menos de 5 anos e, embora com uma casuística muito pequena, não observamos diferenças na análise de sobrevida quanto à idade do receptor, mais ou menos de 5 anos, tampouco quanto ao sexo. Nossos resultados se assemelham aos do NAPRTCS44 North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies. NAPRTCS 2014 Annual Transplant Report [acesso em 20 Fev 2024] Disponível em: https://naprtcs.org/system/files/2014_Annual_Transplant_Report.pdf
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. Já os dados do ANZDATA55 Larkins NG, Wong G, Alexander SI, McDonald S, Prestidge C, Francis A, et al. Survival and transplant outcomes among young children requiring kidney replacement therapy. Pediatr Nephrol 2021;36(8):2443-52. https://doi.org/10.1007/s00467-021-04945-9
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mostraram pouca diferença na sobrevida do enxerto em 5 anos, para crianças que receberam um transplante antes dos 2 anos, comparadas àquelas com 6 anos ou mais – 81 e 83%, respectivamente. Entretanto, outro estudo brasileiro semelhante notou tendência à pior sobrevida naqueles cujos transplantes ocorreram em receptores com menos de 5 anos1818 Lima MGDR. Curso clínico de uma coorte de pacientes pediátricos submetidos ao transplante renal: uma análise de sobrevida. Dissertação [Mestrado em Ciências da Saúde – Área de Concentração Saúde da Criança e do Adolescente] – Universidade Federal de Minas Gerais; 2012..

No presente estudo, 58,8% dos pacientes apresentavam hipertensão arterial após o transplante, o que se aproxima dos dados da literatura1919 Winterberg PD, Garro R. Long-term outcomes of kidney transplantation in children. Pediatr Clin North Am 2019;66(1):269-80. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2018.09.008
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, na qual 50 a 65% dos receptores apresentam hipertensão 1 ano após o transplante. Isso se deve, provavelmente, a uma combinação de rápido ganho de peso, efeitos colaterais de medicamentos e lesão renal2020 Mosca S, Gregório B, Costa T, Correia-Costa L, Mota C. Pediatric kidney transplant and cardiometabolic risk: a cohort study. J Bras Nefrol 2022;44(4):511-21. https://doi.org/10.1590/2175-8239-JBN-2021-0202
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. Em nossa casuística, a maioria dos pacientes apresentava IMC adequado para idade e, embora não tenha sido observada associação dessa variável nem da hipertensão com a taxa de sobrevida do enxerto no período analisado, o controle do peso e da hipertensão é meta que deve ser perseguida2121 Ashoor IF, Dharnidharka VR. Non-immunologic allograft loss in pediatric kidney transplant recipients. Pediatr Nephrol 2019;34(2):211-22. https://doi.org/10.1007/s00467-018-3908-4
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,2222 Mousavi SSB, Valavi E, Aminzadeh M, Shahbazian H, Otukesh H, Hoseini R, et al. Changes in body mass index after pediatric renal transplantation. Saudi J Kidney Dis Transpl 2020;31(2):448-53. https://doi.org/10.4103/1319-2442.284020
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.

Em um estudo que analisou a hipertensão pós-transplante, foi visto que crianças com hipertensão sistólica tiveram taxa de falha do enxerto significativamente maior, independentemente do tipo de doador, causa da insuficiência renal, presença ou ausência de rejeição aguda e função do aloenxerto 1 ano após o transplante. Para cada aumento de 10% na pressão arterial sistólica, em 1 ano após o transplante renal há risco duplicado de subsequente falha do enxerto. Um efeito negativo da pressão arterial sistólica elevada no resultado em longo prazo foi visto mesmo em crianças de “baixo risco”, com transplante de doador vivo, sem rejeição aguda e com aloenxerto relativamente bom (taxa de filtração glomerular > 50 mL/min por 1,73 m22 Etesami K, Lestz R, Hogen R. Pediatric kidney transplantation in the United States. Curr Opin Organ Transplant 2020;25(4):343-7. https://doi.org/10.1097/MOT.0000000000000783
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) 1 ano após o transplante2323 Mitsnefes MM, Khoury PR, McEnery PT. Early posttransplantation hypertension and poor long-term renal allograft survival in pediatric patients. J Pediatr 2003;143(1):98-103. https://doi.org/10.1016/S0022-3476(03)00209-9
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. Isso é importante referir, visto que alguns estudos anteriores argumentaram que o aumento da pressão arterial não seria a causa, mas simplesmente um marcador de disfunção crônica do aloenxerto que pode se desenvolver como resultado da presença dos fatores de risco anteriormente descritos2424 Ponticelli C, Citterio F. Non-immunologic causes of late death-censored kidney graft failure: a personalized approach. J Pers Med 2022;12(8):1271. https://doi.org/10.3390/jpm12081271
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.

A dislipidemia é uma complicação comum após o transplante renal e importante fator de risco para doenças cardiovasculares, que também contribuem para a disfunção renal. A patogênese é multifatorial, mas há associação importante com o uso de imunossupressores, principalmente a ciclosporina. Nosso estudo mostrou que 80,4% dos pacientes apresentavam dislipidemia após o transplante, porém não houve diferença na taxa de sobrevida do enxerto comparado àqueles que não apresentaram essa alteração. O fato de não termos encontrado essa associação não nos isenta dos cuidados com o tratamento desses pacientes, tendo em vista o alto risco cardiovascular e a possibilidade de rejeição crônica em longo prazo. Dessa forma, o controle da dislipidemia deve ser uma meta a ser alcançada1919 Winterberg PD, Garro R. Long-term outcomes of kidney transplantation in children. Pediatr Clin North Am 2019;66(1):269-80. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2018.09.008
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,2525 Bock ME, Wall L, Dobrec C, Chandran M, Goebel J. Management of dyslipidemia in pediatric renal transplant recipients. Pediatr Nephrol 2021;36(1):51-63. https://doi.org/10.1007/s00467-019-04428-y
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,2626 Habbig S, Volland R, Krupka K, Querfeld U, Strologo LD, Noyan A, et al. Dyslipidemia after pediatric renal transplantation – The impact of immunosuppressive regimens. Pediatr Transplant 2017;21(3):e12914. https://doi.org/10.1111/petr.12914
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.

Na nossa casuística, o óbito ocorreu em cinco (9,8%) pacientes. Desses, dois foram secundários à sepse, um por doença cardiovascular, um por distúrbio hidroeletrolítico e outro por choque hemorrágico. No estudo CoBrazPed-RTx66 Souza VC, Garcia CD, Pestana JM, Stopa Martins SB, Custódio LFP, Bittencourt V, et al. Collaborative Brazilian pediatric renal transplant registry (CoBrazPed-RTx): a report from 2004 to 2018. Pediatr Transplant 2019;23(6):e13463. https://doi.org/10.1111/petr.13463
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, o óbito ocorreu em 5,4% dos pacientes, sendo as principais etiologias a infecção (47%) e a doença cardiovascular (19%). Dados do ANZDATA2727 Francis A, Johnson DW, Melk A, Foster BJ, Blazek K, Craig JC, et al. Survival after kidney transplantation during childhood and adolescence. Clin J Am Soc Nephro. 2020;15(3):392-400. https://doi.org/10.2215/CJN.07070619
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, em contrapartida, mostram maior mortalidade por causas cardiovasculares (40%), seguidas de causas infecciosas (17%) e câncer (12%). Esse relatório aponta, ainda, o 1º ano após o transplante como o período de maior risco de morte, com cerca do dobro da incidência por paciente/ano em comparação aos anos subsequentes. A infecção foi a causa mais comum de morte nesse período. Esses dados corroboram os achados de nosso estudo, no qual a totalidade dos óbitos ocorreu em até 2 anos após o transplante. Nossos resultados também se aproximam do relatório do NAPRTCS44 North American Pediatric Renal Trials and Collaborative Studies. NAPRTCS 2014 Annual Transplant Report [acesso em 20 Fev 2024] Disponível em: https://naprtcs.org/system/files/2014_Annual_Transplant_Report.pdf
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, que mostrou mortalidade de 5,3%, sendo a infecção a principal causa (28,4%), seguida por doença cardiopulmonar (14,6%), causas de malignidade (11,5%) e complicações relacionadas à diálise (3%).

Ao longo dos tempos, observa-se, na literatura, uma melhora significativa na mortalidade pós-transplante, especificamente devido às melhorias nos protocolos de imunossupressão, prevenção e tratamento das infecções, assim como maior atenção aos riscos cardiovasculares. Quanto às desordens linfoproliferativas pós-transplante (DLPT), não houve melhora na mortalidade, que se mantém estável2828 Amaral S. Secular trends in survival outcomes of kidney transplantation for children: is the future bright enough? Clin J Am Soc Nephrol 2020;15(3):308-10. https://doi.org/10.2215/CJN.00370120
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. Sabe-se que a DLPT está associada à infecção primária pelo vírus Epstein-Barr (EBV), e a melhoria nas estratégias terapêuticas está relacionada ao melhor conhecimento sobre a biologia da DLPT, ao papel da infecção por EBV e à aplicação de técnicas genômicas moleculares2929 Dierickx D, Habermann TM. Post-transplantation lymphoproliferative disorders in adults. N Engl J Med 2018;378(6):549-62. https://doi.org/10.1056/NEJMra1702693
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.

Apesar das melhorias na sobrevida geral dos pacientes submetidos ao transplante renal, a doença cardiovascular permanece como causa de um terço dos óbitos naqueles que recebem transplante antes dos 21 anos de idade, e a expectativa de vida desses pacientes é cerca de 15 a 20 anos menor que a população geral1919 Winterberg PD, Garro R. Long-term outcomes of kidney transplantation in children. Pediatr Clin North Am 2019;66(1):269-80. https://doi.org/10.1016/j.pcl.2018.09.008
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,2828 Amaral S. Secular trends in survival outcomes of kidney transplantation for children: is the future bright enough? Clin J Am Soc Nephrol 2020;15(3):308-10. https://doi.org/10.2215/CJN.00370120
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. Esforços precisam ser somados para otimizar a função em longo prazo do enxerto, identificando precocemente os riscos e melhorando as intervenções terapêuticas.

Na elaboração deste estudo, identificamos limitações que devem ser consideradas. Por ser um estudo retrospectivo, a análise de outras variáveis associadas à perda do enxerto renal, além das mencionadas, ficou restrita pela falta de dados nos prontuários. Outro obstáculo foi o fato de ser um estudo unicêntrico, com pequena casuística e com poucos transplantes de doadores vivos, o que dificultou a generalização dos resultados. Em contrapartida, os aspectos relevantes da pesquisa foram conhecer os desfechos de sobrevida dos transplantes renais pediátricos realizados no centro de referência na área, o IMIP, identificar os fatores de risco associados a esses resultados e, dessa forma, poder contribuir para propor melhorias no manejo do paciente renal pediátrico transplantado.

CONCLUSÃO

Neste estudo pudemos observar que as características de sobrevida do enxerto e dos pacientes se assemelham aos dados da literatura. A trombose renal como causa predominante de perda do enxerto, demonstrada aqui, nos direciona para o planejamento de um protocolo de medidas de prevenção. Além disso, a averiguação da elevada prevalência de fatores não imunológicos, como a hipertensão e a dislipidemia, que contribuem para a rejeição crônica e a mortalidade cardiovascular, precisa de abordagem individualizada para controle a partir de uma rotina de atendimento normatizada, estruturada e padronizada.

AGRADECIMENTOS

Não se aplica.

  • FINANCIAMENTO

    Não se aplica.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Os autores disponibilizam os dados da pesquisa sob solicitação.

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Editado por

Editora de Seção: Ilka de Fátima Santana F. Boin https://orcid.org/0000-0002-1165-2149

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    20 Fev 2024
  • Aceito
    29 Mar 2024
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