Doação e Transplantes de Órgãos: Contribuições dos Profissionais Sobre o Trabalho Interprofissional nos Programas

RESUMO

Objetivo:

Com este estudo, objetivou-se identificar as contribuições de melhoria na relação de trabalho interprofissional apontadas por profissionais envolvidos nos programas de procura e de transplantação de órgãos e tecidos.

Método:

estudo exploratório com abordagem quanti-qualitativo realizado no período de 21 meses, com a participação de profissionais da área da saúde convidados a preencher um questionário online da plataforma de formulários do Google. Após a coleta, organizaram-se os dados quantitativos, analisando-os de maneira descritiva e, em categorias, os dados qualitativos, submetendo-os à análise de conteúdo.

Resultados:

participaram do estudo 130 profissionais de saúde, sendo 84% do gênero feminino, dos quais 64% se declararam de cor de pele branca; de faixa etária entre 41–59 anos, sendo que (31%) trabalhavam há mais de quinze anos nos programas. As categorias identificadas foram: condições de trabalho; valorização dos profissionais não médicos; suporte psicológico e financiamento para capacitação dos profissionais apontadas como melhorias na relação de trabalho nos programas.

Conclusão:

o estudo possibilitou identificar que na relação de trabalho as condições laborais e maior valorização da equipe interprofissional aliadas ao oferecimento de suporte psicológico aos profissionais são estratégias necessárias, podendo trazer impactos na satisfação dos profissionais, na saúde mental, além de melhorias nos processos de trabalho, impactando as taxas de transplantes.

Palavras-chave
Condições de Trabalho; Estratégias de Saúde; Transplantes

ABSTRACT

Objective:

This study aimed to identify the contributions for improvement in the interprofessional working relationship pointed out by professionals involved in organ and tissue procurement and transplantation programs.

Method:

exploratory study with a quanti-qualitative approach conducted over a period of 21 months, with the participation of health professionals invited to complete an online questionnaire on the Google form platform. After collection, the quantitative data were organized and analyzed descriptively, and the qualitative data were categorized and submitted to content analysis.

Results:

130 health professionals participated in the study, 84% were female, of which 64% said they were white, between 41-59 years old, and 31% had worked for more than 15 years in the programs. The categories identified were: working conditions; appreciation of non-medical professionals; psychological support to professionals and funding for training of professionals pointed out as improvements in the work relationship in the programs.

Conclusion:

the study identified that working conditions and greater valorization of the interprofessional team allied to offering psychological support to professionals are necessary and important strategies, and may bring impacts on the satisfaction of professionals, on mental health, in addition to improvements in work processes, impacting transplantation rates.

Keywords
Working Conditions; Health Strategies; Transplants

INTRODUÇÃO

O avanço na medicina trouxe novas perspectivas tecnológicas de saúde a fim de garantir qualidade de vida aos pacientes que apresentam agravos à saúde e que dependem do transplante de órgãos para manutenção da vida.¹

O Brasil possui o maior programa público de transplante de órgãos, tecidos e células do mundo, que é garantido a toda a população por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). O SUS financia 96% dos transplantes² no país, no entanto, apesar do grande volume de procedimentos de transplantes realizados nos últimos anos, a quantidade de pessoas em lista de espera por um órgão ainda é numerosa; o que denota grande desafio em todo o mundo, devido ao baixo número de doações por milhão de população, situação agravada na pandemia de covid-19.

No Instituto Português do Sangue e da Transplantação, a doação é presumida; e o país ocupou, em 2020, o terceiro lugar no ranking mundial da doação de órgãos de doador falecido, ficando atrás da Espanha e da Croácia, com 33,4 doadores por milhão de habitantes. Em 2019, estagnou no índice de 33,8 de doadores, em consequência da pandemia, havendo queda de 60% nas doações e de 68% nos transplantes.^3,4

O trabalho nos programas de captação e de transplantes de órgãos/tecidos é complexo e são realizados por equipes diferentes. Na captação de órgãos/tecidos², o processo documentado em prontuário consiste na identificação do potencial doador, realização de diversos exames clínicos e laboratoriais para definição do diagnóstico de morte encefálica, notificação à central de transplantes, entrevista familiar para o consentimento da doação (exceto nos países como Portugal, onde não ocorre a entrevista porque o consentimento é presumido); suporte à família do doador, manutenção do potencial doador e, caso ocorra o consentimento da doação, elaboração da logística para a retirada dos órgãos, acionando a equipe de transplantação até a devolução do corpo do doador à família.

Já o processo da equipe de transplantes requer um preparo específico de cuidados, que envolve desde o acompanhamento sistemático durante o pré-transplante – e, no caso de disponibilidade de um órgão, a convocação do paciente receptor da lista de espera –, exames clínicos e laboratoriais de compatibilidade até o recebimento do órgão transplantado, promovendo, desta forma, o restabelecimento das funções de um órgão ou tecido doente.²

Todos estes processos exigem competência técnica e comprometimento profissional para o trabalho a partir dos protocolos definidos nas legislações do Sistema Nacional de Transplantes,² assegurando que todos os aspectos clínicos e éticos estabelecidos sejam seguidos para o atendimento aos pacientes receptores durante o pré e no pós-transplantes. Isto garante que um conjunto de ações – desde as orientações sobre uso de medicações, alimentação, autocuidado do paciente, direitos sociais, suporte psicológico até, principalmente, apoio da família cuidadora – seja cumprido e benéfico aos receptores.^2,5

Por se tratar de relações sociais e interpessoais entre os profissionais das equipes, é necessário levar em conta certas particularidades passíveis de ocorrer, tornando-se necessárias observações dos problemas apontados nestes processos de trabalho. Jawoniyi et al.⁶ consideram que profissionais bem treinados refletem na melhoria dos índices, isto porque demonstram a existência de um sistema organizado e sólido no programa de transplantes de órgãos.

Os pesquisadores, ao acompanharem programas de transplantação, nos quais observaram a relação de trabalho de enfermeiros e médicos^7,8, destacaram a necessidade de maior compreensão a respeito desta relação interprofissional. Mercado-Martínez et al.^7,8 foram unânimes na concepção de que outros profissionais, como assistentes sociais, fisioterapeutas, nutricionistas, entre outros poderiam apontar outras contribuições de melhorias aos programas de transplantação.

Diante do exposto, esta investigação teve como objetivo identificar as contribuições de melhoria na relação de trabalho interprofissional apontadas por profissionais envolvidos nos programas dos centros de procura e transplantação de órgãos e tecidos.

MÉTODO

Trata-se de estudo exploratório, com abordagem quanti-qualitativa, realizado no período de março 2021 a dezembro 2022, tendo dois campos de estudo: no Brasil, a Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp –, no estado de São Paulo, Brasil; e o Departamento de Ciências Públicas e Políticas Públicas do Instituto Universitário de Lisboa – ISCTE-IUL –, Lisboa, Portugal.

A investigação baseia-se na triangulação metodológica⁹: “uso de múltiplos métodos, reflete uma tentativa de assegurar uma compreensão em profundidade do fenômeno em questão”, sendo um caminho seguro para a validação da pesquisa. É a alternativa para se empreender múltiplas práticas metodológicas, perspectivas e observadores em uma mesma pesquisa, o que garante rigor, riqueza e complexidade ao trabalho, neste caso, consiste em obter dados capazes de propiciar análises mais sólidas dos programas.

Como procedimento metodológico de recolha de dados, foram convidados médicos, enfermeiros, dentistas, assistentes sociais, psicólogos, biólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e outros profissionais para participarem da pesquisa, tendo como critério de inclusão o trabalho, há mais de seis meses, em programas envolvendo procura de órgãos e tecidos; banco de olhos, centrais e hospitais de transplantação.

Em seguida, enviou-se o link da plataforma de formulários do Google, para preenchimento do questionário semiestruturado, com duração de cerca de vinte minutos, contendo as características sociais: gênero, faixa etária, declaração étnico-racial, formação profissional, tipo de programas de procura de órgãos ou de transplantação, tempo de trabalho, e uma pergunta qualitativa relacionada à dinâmica do trabalho interprofissional.

No período do estudo, 165 profissionais acessaram o questionário online, dos quais 35 se recusaram a participar, sendo excluídos do estudo, totalizando a amostra de 130 participantes, os quais assinaram o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido” da pesquisa.

Os dados quantitativos foram organizados em planilha do Excel para serem analisados por frequência descritiva, enquanto nos dados qualitativos realizou-se a pré-análise, a exploração dos depoimentos dos participantes; e, após leituras flutuantes,¹⁰ definiram-se as quatro variáveis categóricas, submetendo-as à análise de conteúdo.¹¹ Para garantia do anonimato dos participantes, utilizou-se a letra (P) de participante seguida por um número cardinal (P1, P2, P3 e subsequente).

A pesquisa seguiu todos os preceitos éticos, em conformidade com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que normatiza as diretrizes éticas para o desenvolvimento de pesquisa envolvendo seres humanos no cenário nacional, sendo aprovada nos Comitês de Ética em Pesquisa da Unicamp, sob número CAAE 40797620.3.0000.5404, e do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa (Portugal), conforme Processo 1.179/2021.

RESULTADOS

Apresentam-se, na Tabela 1, as características sociais dos participantes.

Tabela 1
Características dos participantes, formação profissional, programas e tempo de trabalho.

Variáveis		N	Percentual
Gênero
	Feminino	109	84
	Masculino	21	16
Faixa Etária
	41-59 anos	60	46
	30-40 anos	42	32
	18-29 anos	18	14
	>60 anos	10	8
Cor de pele declarada
	Branca	83	64
	Parda	26	21
	Preta	16	12
	Indígena	3	2
	Amarela	2	1
Formação Profissional
	Enfermagem	50	38
	Serviço Social	29	22
	Medicina	24	18
	Fisioterapia	10	9
	Farmacêutica	6	5
	Psicologia	4	3
	Nutrição	3	2
	Biólogo/Biomédico	3	2
	Odontologia	1	1
Programas
	Procura de Órgãos e Tecidos	55	42
	Programas de Transplantação	75	58
Tempo de Trabalho
	>15 anos	40	31
	>3 anos - 6 anos	30	23
	>6 meses - 3 anos	23	19
	>6 anos - 9 anos	15	11
	>10 anos - 15 anos	22	16

• Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

As variáveis categóricas apontadas pelos participantes são apresentadas a seguir, na Tabela 2:

Tabela 2
Variáveis categóricas relacionadas ao trabalho nos programas de captação e de transplantes de órgãos/tecidos.

Variáveis categóricas relacionadas ao trabalho nos Programas	N	(%)
a) Condições de trabalho	57	43
b) Valorização dos profissionais não médicos	32	25
c) Suporte psicológico aos profissionais	25	19
d) Financiamento para capacitação dos profissionais	16	13
Total	130	100

• Fonte: Elaborado pelos autores, 2022.

Na categoria a) condições de trabalho, os depoimentos a seguir retratam anseio dos participantes por estas melhorias nos programas de captação e de transplantes de órgãos:

(...) Melhorar as condições de trabalho e salário da equipe e oferecer programa de educação continuada

(P.32).

(...) Seria muito bom se pudéssemos ter uma estrutura hospitalar segura para os profissionais

(P.69).

(...) Ampliação do número de profissionais envolvidos no programa, remuneração adequada para a equipe multiprofissional, concurso público para membros de comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplantes

(CIHDOTT) (P.29).

(...) No mundo que estamos vivendo está difícil a realização dos transplantes devido à falta de UTI e profissionais

(P.120).

Em relação à categoria b) valorização dos profissionais não médicos, o incômodo dos participantes ficou evidente, como demonstrado nos depoimentos abaixo:

(...) Primeira estratégia é valorizar o trabalho da enfermagem, pois é praticamente 80% da mão de obra na saúde. Esta categoria valorizada no pós-pandemia com carga horária decente faz a diferença

(P.55).

(...) Incluir a nutrição no pré, e pós-operatório desses pacientes. Durante a internação e após no ambulatório

(P.40).

(...) O assistente social pode agregar seu conhecimento junto com os outros profissionais, possibilitando a atenção à saúde do paciente transplantado e sua família para além da doença. Com uma comunicação eficiente, é possível que haja um atendimento humanizado e efetivo a partir das questões trazidas pela família e a discussão interprofissional

(P.15).

(...) Criar sistema de progressão de cargo e salário dentro dos programas de doação e transplante

(P.26).

(...) É preciso garantir a equidade entre os profissionais com respeito e transparência, creio que todo profissional deveria ser tratado da mesma forma

(P.78).

(...) Respeitando e valorizando todas as categorias profissionais que participam do processo de doação e transplantes

(P.63).

(...) Bonificar os profissionais da ponta do processo, por exemplo: enfermagem, serviço social etc

(P.115).

Na categoria c) suporte psicológico aos profissionais, os participantes do estudo apontaram o apoio como um incentivo para o cuidado com a saúde mental dos envolvidos nos programas:

(...) Nesse momento pandêmico, penso que nos fizeram pensar muito em algumas ações, em especial, a valorização à vida

(P.100).

(...) Aumentar a divulgação e conscientização sobre a importância de sermos doadores, principalmente, maior suporte aos profissionais

(P.32).

(...) Acolhimento psicológico das famílias e dos profissionais envolvidos no processo

(P.33).

Em relação à categoria d) financiamento para capacitação dos profissionais, torna-se evidente o anseio desses especialistas em relação ao aperfeiçoamento do trabalho nos programas.

(...) Sinto que falta priorização do Estado e das instituições em capacitar os profissionais que atuam no processo de captação e doação de órgãos

(P.32).

(...) Criar e implementar programas públicos de formação de profissionais para atuação em transplantes em todo o território nacional, partindo da expertise dos profissionais que atuam na área

(P.42).

(...) O SNT deveria fazer um upgrade no sistema de informática. O programa está ultrapassado, cheio de limitações, o que dificulta o trabalho dos profissionais que nele operam

(P.5).

(...) Penso que a principal estratégia é o investimento em capacitação dos profissionais para que se sintam motivados, além do financiamento para melhores condições de trabalho

(P.26).

(...) Capacitar profissionais que atuam na doação e nos núcleos de transplante, utilizando os ambientes virtuais de aprendizagem

(P 112).

(...) Treinamento da equipe multidisciplinar sobre o fluxograma e protocolos para doação de órgãos por toda a equipe assistencial e multiprofissional

(P.10).

(...) Educação dos profissionais de saúde específica para doação de órgãos é fator decisivo, tanto para o refinamento técnico do transplante, quanto para a melhoria dos índices de captação de órgãos

(P.49).

DISCUSSÃO

Neste estudo, que se propôs a apontar as contribuições de melhoria na relação de trabalho interprofissional em programas de captação e transplantação de órgãos e tecidos, observou-se na caracterização dos participantes que 109 (84%) se declararam do gênero feminino. Na autodeclaração étnico-racial, 83 (64%) disseram ser brancas e sessenta (46%) tinham a faixa etária entre 41–59 anos.

Dos participantes com maior participação no estudo, cinquenta (38%) tinham formação na área de enfermagem. Em relação aos programas, 55 (42%) estavam lotados em captação de órgãos/tecidos enquanto 75 (58%) atuavam em programas de transplantação. Um total de quarenta (31%) de respondentes deste grupo tem tempo de trabalho superior a quinze anos nos programas. Percebe-se que as mulheres prevalecem ocupando os espaços sócio-ocupacionais relacionados ao cuidado da saúde da população.

É importante destacar o consenso na literatura^12,13 de que as condições laborais são sempre uma preocupação nos estudos, levando em conta jornada de trabalho, ambiente, número insuficiente de recursos humanos, cuidado com a equipe, infraestrutura dos espaços sócio-ocupacionais nas instituições e materiais nos serviços para atendimento da demanda dos programas. Algumas vezes, há falta de equipamentos de proteção individual (EPI) indispensáveis aos profissionais.

Backes et al.¹³ apontaram ainda que as equipes de enfermagem são as mais afetadas nas condições de trabalho, por se tratar de extensas jornadas, levando ao descontentamento da equipe, como apontado em estudos anteriores.¹⁴

No Brasil, ainda pode ser acrescido outro fator: a falta de piso da categoria de enfermagem, aspecto que leva o profissional, muitas vezes, a exercer sua função em mais de um espaço sócio-ocupacional diferente, para garantia dos meios de subsistência.

A categoria “trabalho”, de acordo com as mudanças no processo de reestruturação produtiva da morfologia do mundo do trabalho, vêm sofrendo transformações de modo acelerado desde a década de 1970 do século XXI, em decorrência da crise estrutural do capital.¹⁵ Cabe lembrar que esta crise é agravada por uma proliferação das políticas gerenciais de flexibilização e precarização das condições de contrato dos trabalhadores; e a área da saúde sofre este impacto a partir da redução de recursos humanos, agravada com a não reposição de vagas após aposentadoria dos profissionais, principalmente em instituições públicas.

Os resultados do presente estudo apontaram a apreensão por parte dos profissionais no que diz respeito à insalubridade dos locais de trabalho devido à pandemia, que precisa ser considerada, já que seus fatos podem ter incorrido em afastamento dos profissionais de suas atividades laborais. Além disso, a pandemia impactou os índices de transplantação, como aponta alguns estudos.¹⁶

Há uma logística específica e iniciada pela captação e extração do órgão doado, que envolve testes de compatibilidade e, em concomitante, a convocação do receptor, além de outras ações até a cirurgia de transplante. Como já apontado anteriormente, os processos de trabalho nos programas ocorrem, muitas vezes, em longas jornadas; e os profissionais se dedicam para o preparo do receptor até chegar à realização dos procedimentos de transplantes.

Em uma pesquisa nacional produzida nos Estados Unidos, foram encontradas evidências de esgotamento em 40% de cirurgiões de transplantes, enquanto na Europa houve evidências de exaustão emocional em 17,6%. Desta maneira, é importante enfatizar que tais fatores podem incorrer de forma agravante na saúde mental dos profissionais, impactando os programas.¹⁶

A pandemia da covid-19 afetou todo o sistema de transplantação devido ao decréscimo de 16% nos procedimentos de transplantes em todo o mundo,¹⁷ além disso, afetou também os profissionais, devido alteração da rotina e por conta das condições insalubres de trabalho no ambiente hospitalar e em todas as áreas onde ocorrem os programas de captação e de transplantação.

Como pode ser observado nos depoimentos, houve uma expectativa dos profissionais para que a gestão dos dois programas dê maior atenção para valorizar a equipe não médica. A hegemonia médica é um fato real em toda a área de saúde. Neste sentido, Fernandes et al.¹⁸ enfatizam que a valorização de toda a equipe interprofissional resulta em motivação e impacta as melhorias dos índices dos programas.

O trabalho multiprofissional é decisivo para que os programas de captação e transplantes obtenham sucesso. Desta forma, é preciso que ocorra ampla valorização dos profissionais dedicados a esta função.^16,19

Estudos relacionados consideraram que a baixa sensibilidade dos gestores dos programas em relação à temática do estudo ocasiona insatisfação e desmotivação da equipe atuante na área e no processo, pois é notório certo privilégio apenas por uma determinada categoria profissional, desconsiderando que, para a eficácia nos resultados e índices, todos os envolvidos desempenham funções necessárias.²⁰

Muitos profissionais que atuam na comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplantes não são remunerados para essa função e exercem paralelamente outras funções no hospital, o que acaba causando desmotivação, insatisfação e sentimento de falta de reconhecimento aos profissionais, além de sobrecarga de trabalho

(Evaldt, 2022, p.4).²⁰

A exposição à morte e ao sofrimento²¹ é uma característica da carreira na área da saúde, no entanto, foi verificado a ocorrência do aumento dos níveis de exaustão²² emocional em enfermeiros.

A exaustão emocional é um estado de estresse emocional excessivo acompanhado de depleção total de energia. Enquanto o estresse ocupacional também pode ser influenciado pelas características pessoais dos trabalhadores, como presenciar a morte de pacientes, cuidar de pacientes muito dependentes ou confusos e déficit de pessoal nos termos da relação entre o número de pacientes e de enfermeiros

(Sacadura-Leite et al., 2019, p.70).²²

Outro fator a ser observado é o surgimento de problemas como síndrome de burnout, depressão e estresse nos profissionais de saúde, sintomas os quais poderiam ser relacionados ao tempo de trabalho desempenhado no hospital para realização de uma cirurgia de transplantes²³. Desta maneira, o suporte psicológico aos profissionais vem sendo amplamente apontado como necessário:

Entre profissionais da área de saúde, principalmente os que possuem relação direta com os pacientes, o desgaste emocional, em consequência das tarefas, é notório, desencadeando sobrecargas, como sentimentos de angústia, estresse, síndromes depressivas, entre outros agravos, muitas vezes associados a distúrbios físicos

(Silva et al., 2017, p.35).²³

A literatura subsidia nossos resultados apontando que “Os agravos emocionais decorrentes das cargas de trabalho são expressos no corpo do trabalhador por meio da ocorrência de doenças relacionadas com o trabalho”.^22-24

O desgaste físico e psíquico na equipe profissional pode ocorrer com alguma frequência quando há exposição a situações incontroláveis, como lidar, diariamente, com a morte de pacientes e comunicar más notícias às famílias dos pacientes.

Foi constatado o impacto nas relações familiares²⁵ de profissionais de saúde em decorrência de problemas no ambiente de trabalho, sendo que propõe-se acompanhamento prévio dos profissionais como forma preventiva de evitar maiores danos à saúde mental.

No que se refere à gestão de pessoas, os resultados apontam para a relevância de realizar o acompanhamento contínuo do contexto de trabalho no sentido de proporcionar um ambiente saudável e prazeroso para os seus profissionais, com o objetivo de atenuar o conflito trabalho-família. Isto é importante, pois os resultados de pesquisas anteriores demonstram os impactos negativos desse conflito tanto na vida das pessoas quanto no contexto laboral

(Andrade et al., 2020, p.469).²⁵

Os resultados reforçam os já publicados,²⁶ constatando que durante a pandemia houve aumento nos níveis de estresse e de tensão emocional nos profissionais de saúde. Ripp et al.²⁶ sugerem uma força-tarefa para minimizar tal situação. No presente estudo, foram realizados grupos de apoio virtual por pessoal treinado da área da saúde mental, profissionais estes que ofereceram sessões de aconselhamento individuais e grupais.

A educação em saúde e o aprimoramento constante nos programas de transplantes são reforçados na literatura^27–28, pois resultam na qualidade dos serviços prestados à população. Estes resultados já consolidam o anseio e o comprometimento das equipes interprofissionais dos programas, apontando sugestões para melhoria no processo de trabalho.

As ações educativas devem estar embasadas nas reais necessidades de cada equipe em cada instituição. Para tanto, é importante o engajamento da equipe de saúde, bem como comprometimento dos gestores para efetivá-las

(Senna et al., 2020, p.9).²⁹

O comprometimento profissional para a causa da saúde pública é extremamente importante, pois a captação, a doação e os transplantes se utilizam de alta tecnologia de saúde, de recursos humanos e materiais nas instituições para atendimento de qualidade à população. O profissional comprometido e motivado contribui para a qualidade do atendimento e na produção de conhecimento, promovendo, desta forma, o acesso igualitário da população aos procedimentos, e salvando vidas que dependem exclusivamente de um órgão e/ou tecido.

As contribuições apontadas pelos participantes da pesquisa possibilitam a disposição dos gestores dos programas de captação, doação e transplantes de órgãos e tecidos, para repensarem formas de melhorar as condições de trabalho, acolhendo os demais profissionais não médicos e oferecendo oportunidades para maior investimento em capacitação nesta área.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou identificar que as condições de trabalho e a maior valorização da equipe interprofissional, aliadas ao oferecimento de suporte psicológico aos profissionais, são estratégias necessárias e importantes nas relações de trabalho. Os resultados confirmam que essas estratégias podem trazer impactos na satisfação dos profissionais, na saúde mental, além de promover melhorias nos processos de trabalho, impactando nas taxas de transplantes.

Diante dos resultados encontrados, numa perspectiva da nova morfologia do trabalho – em que se vivencia, na atualidade, os espaços sócio-ocupacionais de saúde –, surge a necessidade de maior investimento na capacitação e no treinamento das equipes dos programas de captação e de transplantação, nos quais poderiam ser adotados, prioritariamente, pela gestão, para atendimento das realidades nas instituições de saúde.

AGRADECIMENTOS

Nada a declarar.

• Como citar: Fernandes MEN, Ferreira JML, Boin IFSF, Espírito Santo MILA. Doação e Transplantes de Órgãos: Contribuições dos Profissionais sobre o Trabalho Interprofissional nos Programas. BJT. 2023.26 (01): e1623. https://doi.org/10.53855/bjt.v26i1.503_PORT

• FINANCIAMENTO

  Não aplicável

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Todos os dados foram gerados ou analisados neste estudo.

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Editado por

Editora de seção: Edna Frasson de Souza Montero https://orcid.org/0000-0003-1437-1219

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  13 Set 2024
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  02 Mar 2023
• Aceito
  10 Abr 2023