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Reperfusão Retrógrada no Transplante de Fígado: Uma Revisão Integrativa da Literatura

RESUMO

Introdução:

o transplante de fígado é um processo complexo, o qual possui controvérsias sobre qual a técnica de reperfusão é a mais adequada para minimizar os danos gerados por lesão isquêmica, não havendo consenso sobre uma técnica de reperfusão de escolha primária. Portanto, este estudo visa investigar a produção científica a respeito da reperfusão retrógrada e sua implicação no contexto do transplante hepático.

Método:

revisão integrativa da literatura desenvolvida por meio de buscas nas bases de dados PubMed, Scielo e Lilacs. Para compor esta revisão, após análise e aplicação dos critérios definido pelos autores, foram selecionados 6 artigos publicados, sem limitação da data de publicação.

Resultados:

a revascularização retrógrada durante o transplante hepático parece ser uma boa alternativa para redução de complicações intraoperatórias e diminuição do tempo de isquemia do enxerto, além de não possuir desvantagem importante que justifique a não utilização da técnica durante o procedimento. A maior limitação dos estudos incluídos na revisão foi a pouca quantidade de transplantes de fígado que utilizam da técnica, já que há preferência pela revascularização anterógrada, principalmente portal.

Conclusão:

a reperfusão retrógrada se mostrou eficiente para reduzir metabólitos tóxicos e síndrome pós-reperfusão, além de possuir certa influência na estabilidade hemodinâmica e na menor incidência de perda do enxerto por disfunção primária. Porém, faz-se necessária a produção de novos estudos que possam comprovar tais repercussões dessa técnica.

Palavras-chave
Retrograde Reperfusion; Liver Transplant; Revascularization

ABSTRACT

Introduction:

liver transplantation is a complex process, which has controversies about which reperfusion technique is the most suitable to minimize the damage caused by ischemic injury. There is no consensus on a technique of reperfusion of primary choice in the evidence found. Therefore, we can´t reach a conclusion.

Purpose:

this study aims to investigate the scientific production of retrograde reperfusion and its implication in liver transplants. Method: integrative review of the literature, developed through searches in the PubMed, Scielo, and Lilacs Databases. After the analysis and application of the inclusion and exclusion criteria defined by the authors, we selected 6 published articles to write this review, without restricting the dates of publication.

Results:

Retrograde revascularization during liver transplantation seems to be a correct option for reducing intrasurgical complications and decreasing graft ischemia time, in addition to having no significant disadvantage that justifies the non-use of the technique during the procedure. The major limitation of the studies included in the review was the small number of liver transplants in which the technique was used, since there is a preference for anterograde revascularization, mainly portal.

Conclusion:

retrograde reperfusion proved being efficient in reducing toxic metabolites and post-reperfusion syndrome, in addition to having a certain influence on hemodynamic stability and a lower incidence of graft loss due to primary dysfunction. However, it is necessary to develop new studies that can prove the repercussions of this technique.

Keywords
Reperfusão Retrógrada; Transplante de Fígado; Revascularização

INTRODUÇÃO

O transplante de fígado é indicado, principalmente, para doenças hepáticas terminais. Em 1968, Starzl relatou os primeiros transplantes hepáticos (Tx hepático) realizados com sucesso,11 Starzl TE, Groth CG, Brettschneider L, Penn I, Fulginiti VA, Moon J, et al. Homotransplante Ortotópico de Fígado Humano. Ann Surg, 1968;168(3):392-415. https://doi.org/10.1097/00000658-196809000-00009
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mas, desde então, técnicas cirúrgicas são questionadas, investigadas e comparadas.22 Millis JM, Melinek J, Csete M, Imagawa DK, Olthoff KM, Neelankanta G, et al. Randomized controlled trial to evaluate flush and reperfusion techniques in liver transplantation. Transplante. 1997;63(3):397-403. https://doi.org/10.1097/00007890-199702150-00012
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Portanto, os tipos de reperfusão empregadas no transplante fazem parte desses questionamentos, e estudos buscam encontrar o melhor método para minimizar as lesões no enxerto e diminuir o tempo cirúrgico.

As técnicas de reperfusão utilizadas no transplante ortotópico de fígado podem ser divididas em duas categorias (Fig. 1): as revascularizações sequenciais do enxerto, nas quais ele é perfundido, seja pela veia porta, seja pela artéria hepática (reperfusão anterógrada), ou ainda pela veia cava inferior (reperfusão retrógrada); e a revascularização simultânea, na qual há reperfusão concomitante pela veia porta e pela artéria hepática.33 Polak WG, Porte RJ. The sequence of revascularization in liver transplantation: It does make a difference. Liver Transplant. 2006;12(11):1566-70. https://doi.org/10.1002/lt.20797
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Figura 1
Fluxograma sobre técnicas de reperfusão no transplante de fígado.

A etapa de revascularização do enxerto é um dos pontos críticos da cirurgia de Tx hepático. Atrelado a isso, vários fatores estão associados ao sucesso do procedimento e a não rejeição do órgão, sendo um deles o tempo de isquemia.33 Polak WG, Porte RJ. The sequence of revascularization in liver transplantation: It does make a difference. Liver Transplant. 2006;12(11):1566-70. https://doi.org/10.1002/lt.20797
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O tempo de isquemia é de extrema importância durante o procedimento,categorizado em três tipos: a fria; a quente; e a total (Fig. 2). O tempo de isquemia fria é referente ao intervalo desde o clampeamento da aorta do doador, se o transplante for de um doador cadáver, até a retirada do enxerto da solução de preservação.

Figura 2
Tempos de isquemia.

O tempo de isquemia quente é referente ao intervalo desde a retirada do fígado da solução de preservação até a abertura da anastomose da veia porta durante a implantação do enxerto hepático no paciente receptor, caso a revascularização de escolha seja a anterógrada, método mais frequente de revascularização. Assim, somando ambos os tempos de isquemia, tem-se o tempo de isquemia total. Tanto a isquemia fria quanto, principalmente, a isquemia quente levam a um processo de dano celular,33 Polak WG, Porte RJ. The sequence of revascularization in liver transplantation: It does make a difference. Liver Transplant. 2006;12(11):1566-70. https://doi.org/10.1002/lt.20797
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,44 Medeiros FC, Silveira MH, Gomes MS. Lesão por isquemia e reperfusão hepática: reação em cadeia causada pela ação de radicais livres durante procedimentos cirúrgicos. [Apresentado no III Colóquio Estadual de Pesquisa Multidisciplinar e I Congresso Nacional de Pesquisa Multidisciplinar]. Eixo I - Ciências Biológicas e Saúde 2018. [acesso em 2023 Jan 25]. Disponível em: https://publicacoes.unifimes.edu.br/index.php/coloquio/article/view/489
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prejudicando a viabilidade do órgão.

Dano celular

Uma das funções primordiais do fígado é a manutenção da homeostase, e procedimentos cirúrgicos, como o transplante hepático, podem resultar em lesões causadas pela isquemia ou pela reperfusão do enxerto, nesses casos, as lesões são resultantes da mudança no fluxo sanguíneo hepático. A fisiopatologia desse tipo de lesão parece estar interligada com a ação de espécies reativas de oxigênio produzidos durante a reperfusão, as quais podem estimular a liberação de citocinas pró-inflamatórias, induzindo inflamação mediada por neutrófilos.44 Medeiros FC, Silveira MH, Gomes MS. Lesão por isquemia e reperfusão hepática: reação em cadeia causada pela ação de radicais livres durante procedimentos cirúrgicos. [Apresentado no III Colóquio Estadual de Pesquisa Multidisciplinar e I Congresso Nacional de Pesquisa Multidisciplinar]. Eixo I - Ciências Biológicas e Saúde 2018. [acesso em 2023 Jan 25]. Disponível em: https://publicacoes.unifimes.edu.br/index.php/coloquio/article/view/489
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Reperfusão retrógrada

Durante a reperfusão do órgão implantado no transplante hepático, é comum a ocorrência de instabilidades hemodinâmicas decorrentes de distúrbios ácido-base. Nesse contexto, diferentes técnicas cirúrgicas podem ser consideradas na intenção de prevenir e reduzir as complicações intraoperatórias, principalmente, a Síndrome Pós-Reperfusão Hepática (SPRH).55 Yang C, Huang L, Xinyu L, Zhu J, Leng X. Effects of retrograde reperfusion on the intraoperative internal environment and hemodynamics in classic orthotopic liver transplantation. BMC Surg. 2018;18:115. https://doi.org/10.1186/s12893-018-0441-0
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Alguns estudos demonstramque a reperfusão retrógrada através da veia cava inferior (VCI) pode ser uma boa escolha para reduzir os eventos hemodinâmicos que ocorrem durante a cirurgia.55 Yang C, Huang L, Xinyu L, Zhu J, Leng X. Effects of retrograde reperfusion on the intraoperative internal environment and hemodynamics in classic orthotopic liver transplantation. BMC Surg. 2018;18:115. https://doi.org/10.1186/s12893-018-0441-0
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88 Heidenhain C, Heise M, Jonas S, Bem-Asseur M, Puhl G, Mittler J, et al. Retrograde reperfusion via vena cava lowers the risk of initial nonfunction but increases the risk of ischemic-type biliary lesions in liver transplantation – a randomized clinical trial. Transpl Int. 2006;19(9):738-48. https://doi.org/10.1111/j.1432-2277.2006.00347.x
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Nesse tipo de reperfusão, diferente do método mais comumente empregado — o qual revasculariza o fígado de maneira anterógrada pela liberação do clampeamento da veia porta —, a revascularização é realizada de forma retrógrada pela liberação da VCI, seja no transplante convencional, seja no piggyback, anteriormente à liberação da veia porta. Dessa forma, haverá sangue chegando ao fígado antes que ocorra a liberação da anastomose da veia porta.55 Yang C, Huang L, Xinyu L, Zhu J, Leng X. Effects of retrograde reperfusion on the intraoperative internal environment and hemodynamics in classic orthotopic liver transplantation. BMC Surg. 2018;18:115. https://doi.org/10.1186/s12893-018-0441-0
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88 Heidenhain C, Heise M, Jonas S, Bem-Asseur M, Puhl G, Mittler J, et al. Retrograde reperfusion via vena cava lowers the risk of initial nonfunction but increases the risk of ischemic-type biliary lesions in liver transplantation – a randomized clinical trial. Transpl Int. 2006;19(9):738-48. https://doi.org/10.1111/j.1432-2277.2006.00347.x
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Embora trabalhos tenham investigado a importância do método de reperfusão retrógrada na redução da lesão do enxerto, não existe nenhum protocolo estabelecido. Portanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica em busca de uma visão geral do emprego da revascularização retrógrada e das implicações desse procedimento que estão descritas na literatura.

MÉTODO

A revisão integrativa (RI) foi o método escolhido para o presente estudo, o qual foi conduzido com a elaboração da questão norteadora, com a busca de estudos primários na literatura, a avaliação dos estudos incluídos na revisão, a análise e síntese dos resultados e a apresentação da revisão integrativa99 Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto – Enferm. 2008;17(4):758-64. https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018
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(Fig. 3).

Figura 3
Fluxograma de identificação, seleção e inclusão dos estudos na revisão integrativa.

A pergunta condutora da RI foi fundamentada na estratégia PICO, acrônimo de: Paciente (candidatos ao transplante hepático); Intervenção (técnica de reperfusão retrógrada durante a cirurgia do transplante de fígado); Controle ou Comparação (não se aplica ao estudo); e Desfecho ou Outcome, resultando no seguinte questionamento: quais as evidências disponíveis na literatura sobre a realização da revascularização retrógrada como técnica no transplante hepático?

Para o levantamento bibliográfico, realizou-se uma busca nas seguintes bases de dados: PubMed — serviço da U. S. National Library of Medicine (NLM); Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); e Brasil Scientific Electronic Library Online (SciELO). Foram utilizados, para a busca dos artigos na literatura, os seguintes descritores e suas combinações nas línguas portuguesa e inglesa: “Transplante hepático”, “Reperfusão retrógrada”, “Liver transplant”, “Retrograde reperfusion”. Além desses descritores, artigos da base de dados PubMed foram selecionados com o filtro “humans”, e a busca por “Reperfusão retrógrada e Transplante hepático” não gerou nenhum resultado na SciELO e LILACS.

Os critérios de inclusão para a seleção dos artigos foram: artigos publicados em português ou inglês, artigos na íntegra com a temática referente à revisão integrativa e artigos publicados e indexados nos referidos bancos de dados sem limitação para a data de publicação (Fig. 4).

Figura 4
Artigos incluídos neste estudo.

Para a primeira seleção bibliográfica foi realizada a leitura de título e resumo. Posteriormente, seguiu-se a leitura na íntegra dos artigos, e, os que se adequaram aos critérios de inclusão, foram anexados à amostra da revisão integrativa.

Para a extração dos dados, foi utilizado um roteiro e foi elaborado um quadro com os dados de cada estudo selecionado, contemplando dados de identificação do artigo, localidade e características metodológicas.

Para a identificação do delineamento dos estudos primários, adotou-se a nomenclatura utilizada pelos próprios autores das pesquisas. Quando não houve a identificação do tipo de estudo, a análise do delineamento foi embasada nos conceitos da literatura especializada.

A análise e a síntese dos dados foram realizadas na forma descritiva, possibilitando ao leitor o resumo de cada estudo incluído na revisão integrativa, assim como identificando a necessidade de novos estudos futuros sobre essa temática para responder aos questionamentos aqui levantados.

RESULTADOS

A revascularização retrógrada durante o Tx hepático parece ser uma boa alternativa para redução de complicações intraoperatórias e diminuição do tempo de isquemia do enxerto, além de não possuir desvantagem importante que justifique a não utilização da técnica durante o procedimento. A maior limitação dos estudos incluídos na revisão foi a pouca quantidade de transplantes de fígado que utilizou a técnica, já que há preferência pela revascularização anterógrada, principalmente, portal (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1
Características dos estudos primários segundo autores, ano, local do estudo, delineamento e autoria.
Tabela 2
Síntese dos estudos primários segundo objetivo, método e principais resultados.

DISCUSSÃO

Cerca de 75% a 80% do sangue que chega para irrigar o fígado provém da veia porta, motivo pelo qual a técnica de reperfusão anterógrada com anastomose de veia cava seguida da anastomose de veia porta é a mais amplamente utilizada, já que, devido ao alto fluxo sanguíneo, a reperfusão é mais rápida e homogênea.66 Czigany Z, Scherer MN, Pratschke J, Guba M, Nadalin S, Mehrabi A, et al. Technical aspects of orthotopic liver transplantation-a survey-based study within the Eurotransplant, Swisstransplant, Scandiatransplant, and British Transplantation Society Networks. J Gastrointest Surg. 2018;23(3):529-37. https://doi.org/10.1007/s11605-018-3915-6
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,1313 Wu Y, Liu Y, Li M, Liu Z, Gong J. IRAK-4-shRNA previne isquemia/. lesão de reperfusão através de diferentes períodos de perfusão através da veia porta após transplante hepático em ratos. Transplant Proc. 2016;48(8):2803-8. https://doi.org/10.1016/j.transproceed.2016.06.058
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Nesse método de revascularização, a sequência realizada é a anastomose da veia cava inferior (VCI), supra-hepática e infra-hepática, e da veia porta (VP). Depois de realizadas as anastomoses, o passo seguinte é a revascularização do parênquima hepático liberando a veia cava seguido da VP. Para concluir a revascularização do fígado, é realizada a anastomose da artéria hepática.55 Yang C, Huang L, Xinyu L, Zhu J, Leng X. Effects of retrograde reperfusion on the intraoperative internal environment and hemodynamics in classic orthotopic liver transplantation. BMC Surg. 2018;18:115. https://doi.org/10.1186/s12893-018-0441-0
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Porém, nesse tipo de revascularização do enxerto hepático, na técnica convencional, grande quantidade de sangue fica estagnado devido ao clampeamento da VCI infradiafragmática, gerando consequências hemodinâmicas e acarretando maior acúmulo de metabólitos e radicais livres, tendo em vista maior tempo de isquemia quente. Algo que é minimizado caso se utilize a técnica piggyback.77 Soeiro FS. Transplante hepático: comparação entre as técnicas convencionais sem bypass venovenoso e com preservação da veia cava inferior (piggyback) em pacientes sob anestesia venosa total. Botucatu. Tese (Doutorado em Anestesiologia) – Universidade Estadual Paulista; 2010.

A técnica utilizada durante o procedimento implica diretamente as repercussões hemodinâmicas e o tempo de isquemia do órgão, fatores que podem influenciar futuras complicações, sejam intraoperatórias, sejam pós-operatórias.

A técnica convencional (Fig.5) para o transplante de fígado ortotópico consiste na ressecção retro-hepática da VCI supra-hepática e infra-hepática e no clampeamento da VP durante a hepatectomia do receptor.11 Starzl TE, Groth CG, Brettschneider L, Penn I, Fulginiti VA, Moon J, et al. Homotransplante Ortotópico de Fígado Humano. Ann Surg, 1968;168(3):392-415. https://doi.org/10.1097/00000658-196809000-00009
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,77 Soeiro FS. Transplante hepático: comparação entre as técnicas convencionais sem bypass venovenoso e com preservação da veia cava inferior (piggyback) em pacientes sob anestesia venosa total. Botucatu. Tese (Doutorado em Anestesiologia) – Universidade Estadual Paulista; 2010. Em decorrência disso, há interrupção do fluxo da veia cava inferior e porta durante a fase anepática. Dessa forma, há diminuição do retorno venoso, do débito cardíaco, da pressão arterial e da perfusão de vários órgãos vitais.77 Soeiro FS. Transplante hepático: comparação entre as técnicas convencionais sem bypass venovenoso e com preservação da veia cava inferior (piggyback) em pacientes sob anestesia venosa total. Botucatu. Tese (Doutorado em Anestesiologia) – Universidade Estadual Paulista; 2010. Por causa dessa redução brusca do retorno venoso, o paciente pode apresentar desequilíbrio hemodinâmico, que pode ser mais grave em alguns pacientes.

Figura 5
Técnicas para o implante do enxerto no transplante hepático.

A técnica piggyback (Fig. 5) consiste na preservação da VCI do paciente que irá receber o enxerto. Como o clampeamento da VCI é parcial, não há oclusão total do fluxo da veia cava. Dessa forma, os benefícios dessa técnica são menores repercussões hemodinâmicas, ou seja, não dissecação retrocaval, redução do período anepático e maior facilidade caso haja necessidade de retransplante.77 Soeiro FS. Transplante hepático: comparação entre as técnicas convencionais sem bypass venovenoso e com preservação da veia cava inferior (piggyback) em pacientes sob anestesia venosa total. Botucatu. Tese (Doutorado em Anestesiologia) – Universidade Estadual Paulista; 2010.

Além da escolha do tipo de técnica empregada na implantação do enxerto no paciente receptor, há a escolha do tipo de revascularização a ser utilizada. A técnica mais amplamente utilizada para revascularizar o enxerto hepático é a anterógrada portal, na qual há, primeiramente, o desclampeamento da veia porta para posterior liberação da anastomose da artéria hepática, completando a revascularização total do enxerto. Além dessa técnica, outro tipo de revascularização anterógrada é a arterial, a qual consiste na liberação anastomose da artéria hepática antes da liberação da anastomose da veia porta (Fig. 6).

Figura 6
Tipos de revascularização.

Nesse contexto, a reperfusão retrógrada foi descrita visando reduzir as implicações hemodinâmicas durante o transplante e os danos isquêmicos do enxerto em ambos os tipos de técnica, convencional e piggyback.1010 Kniepeiss D, Iberer F, Grasser B, Schaffellner S, Stadlbauer V, Tscheliessnigg K-H. A single-center experience with retrograde reperfusion in liver transplantation. Transpl Int. 2003;16(10):730-5. O método consiste na reperfusão retrógrada da veia cava e posterior reperfusão anterógrada da veia porta. Empregando essa técnica no transplante ortotópico de fígado, levantou-se a hipótese de que a perfusão sobre baixa pressão e com sangue venoso, pouco oxigenado, diminui a produção de metabólitos tóxicos e radicais livres, além de manter a estabilidade hemodinâmica e reduzir a incidência de Síndrome Pós-Reperfusão Hepática (SPRH), quando comparada à técnica de revascularização anterógrada, que é mais amplamente empregada.55 Yang C, Huang L, Xinyu L, Zhu J, Leng X. Effects of retrograde reperfusion on the intraoperative internal environment and hemodynamics in classic orthotopic liver transplantation. BMC Surg. 2018;18:115. https://doi.org/10.1186/s12893-018-0441-0
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,88 Heidenhain C, Heise M, Jonas S, Bem-Asseur M, Puhl G, Mittler J, et al. Retrograde reperfusion via vena cava lowers the risk of initial nonfunction but increases the risk of ischemic-type biliary lesions in liver transplantation – a randomized clinical trial. Transpl Int. 2006;19(9):738-48. https://doi.org/10.1111/j.1432-2277.2006.00347.x
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,1010 Kniepeiss D, Iberer F, Grasser B, Schaffellner S, Stadlbauer V, Tscheliessnigg K-H. A single-center experience with retrograde reperfusion in liver transplantation. Transpl Int. 2003;16(10):730-5.,1111 Kniepeiss D, Zink M, Florian I, Schaffellner S, Jakoby E, Duller D, et al. Influence of retrograde flushing via the caval vein on the post-reperfusion syndrome in liver transplantation. Clin Transplant. 2004;18(6):638-41. https://doi.org/10.1111/j.1399-0012.2004.00231.x
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.

CONCLUSÃO

A reperfusão retrógrada mostra-se mais eficiente na eliminação de radicais livres e metabólitos tóxicos do enxerto hepático, comparada com a revascularização anterógrada, e, até certo ponto, equilibra o paciente hemodinamicamente e reduz distúrbios eletrolíticos. Além disso, foram demonstrados valores de enzimas hepáticas diminuídas no pós-operatório, menor incidência de perda do fígado por disfunção primária e de síndrome pós-reperfusão. Entretanto, esses indicativos de melhoria estejam presentes nos artigos incluídos nessa revisão, não é possível concluir de forma fidedigna a utilização da técnica de reperfusão retrógrada como a melhor técnica de revascularização no Tx hepático, tendo em vista a pouca quantidade de dados disponíveis na literatura. Dessa forma, entende-se como necessária a produção de mais estudos que elucidem a influência da reperfusão retrógrada na redução do tempo de isquemia quente e, consequentemente, na diminuição do risco de lesão celular do enxerto.

AGRADECIMENTOS

Os autores expressam profunda gratidão a todos os profissionais da Unidade de Transplante de Fígado de Pernambuco, que utilizam seus conhecimentos para transformar a vida de centenas de pacientes que necessitam de transplante de fígado.

Além disso, desejamos agradecer a todos os familiares que ofereceram apoio emocional durante todo o processo de pesquisa, inclusive àqueles que já partiram, mas que continuam a nos inspirar em nosso crescimento intelectual e humano. Suas contribuições foram essenciais para o sucesso deste estudo.

  • Como citar: Paiva LN, Fonseca Neto OCL. Reperfusão Retrógrada no Transplante de Fígado: Uma Revisão Integrativa da Literatura. BJT. 2023.26 (01):e0123. https://doi.org/10.53855/bjt.v26i1.499_PORT
  • FINANCIAMENTO

    Não aplicável.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Não aplicável.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editora de seção: Ilka de Fátima Santana F Boin https://orcid.org/0000-0002-1165-2149

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2023
  • Aceito
    30 Mar 2023
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