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Análise do Conhecimento dos Acadêmicos de Medicina de Mafra-SC Acerca da Morte Encefálica e Transplante de Órgãos

RESUMO

Introdução:

O transplante de órgãos (TO) é um avanço histórico na medicina, pois é o resultado da evolução das técnicas cirúrgicas e das drogas imunossupressoras. A morte encefálica (ME), que é definida como a parada total e irreversível das funções cerebrais está intimamente relacionada aos TO, pois esses pacientes são potenciais doadores de órgãos.

Objetivo:

O presente trabalho se objetiva em avaliar o conhecimento dos acadêmicos de medicina da Universidade do Contestado, a respeito de morte encefálica e transplante de órgãos.

Materiais e métodos:

Trata-se de um estudo prospectivo, analítico e descritivo realizado com os acadêmicos de medicina da Universidade do Contestado no qual foi aplicado questionários para avaliar o conhecimento acerca do tema abordado. Na pesquisa participaram 139 acadêmicos da primeira a nona fase do curso de medicina, sendo 68,6 % do sexo feminino e 31,4 % do sexo masculino. Desses 62,6 % já participaram de alguma aula sobre ME e 44,6 % de alguma aula sobre TO. 84,2 % dos alunos não se sentem aptos a fazer o diagnóstico de ME, e cerca de 51,8 % avaliam seu conhecimento sobre os temas da pesquisa como regular, 38,8 % como ruim e apenas 9,4 % avaliam esse como sendo bom. Ainda sobre a ME 69,8 % dos participantes conhecem o seu conceito, porém quando questionados sobre critérios de ME, exames necessários para o seu diagnóstico e sobre a legislação brasileira necessária para que ocorra a doação as respostas foram divergentes. No estudo 79,9 % dos participantes têm intenção de doar seus órgãos.

Conclusão:

A maioria dos acadêmicos apresentam conhecimento sobre ME e TO porém não se sentem aptos a fazer o diagnóstico de ME. O estudo mostrou ainda que grande parte dos participantes gostariam de ser doadores de órgãos.

Palavras-chave
Morte encefálica; Transplante de órgãos; Estudantes de Ciências da Saúde

ABSTRACT

Introduction

Organ transplantation (OT) is a historical advance in medicine as result of the evolution of surgical techniques and immunosuppressive drugs. Brain death (BD) which is defined as the total and irreversible cessation of brain functions, closely related to OT, as these patients are potential organ donors.

Objective:

This study aims to evaluate the knowledge from Universidade do Contestado’s medical students regarding brain death and organ transplantation.

Materials and methods:

This is a prospective, analytical and descriptive study, carried out with Universidade do Contestado’s medical students, where questionnaires were applied to evaluate their knowledge on the addressed topic. In the research 139 students participated from the first to the ninth phase of the medical course, being 68.6 % feminine and 31.4 % masculine. Of these, 62.6 % have already participated in a class on ME and 44.6 % in a class on OT. 84.2 % of students do not feel able to make the diagnosis of BD, and about 51.8 % assess their knowledge of the research topics as regular, 38.8 % as poor and only 9.4 % assess it as being good. Still about BD, 69.8 % of the participants know its concept, but when asked about BD criteria, exams needed for its diagnosis and about the Brazilian legislation necessary for the donation to occur, the answers were divergent. In the study, 79.9 % of the participants intend to donate their organs.

Conclusion:

Most students presented knowledge around BD and OT but do not feel capable of making BD diagnosis. The study also showed that most participants would like to be organ donors.

Keywords
Brain death; Organ transplantation; Students, Health Occupations

INTRODUÇÃO

Em 1964 iniciava uma nova etapa na medicina brasileira, ao realizar o primeiro transplante de órgãos (TO) no Brasil, no Hospital dos Servidores do Estado (HSE) do Rio de Janeiro. Sendo o doador uma criança de nove meses, portadora de hidrocefalia, e o receptor um jovem de 18 anos, portador de doença renal crônica em tratamento com diálise peritoneal11 Moura-Neto, JA, Moura AF, Souza E. Cinquenta anos do primeiro transplante no brasil. Brazilian Journal of Transplantation. 2016;19(4):26–29. https://doi.org/10.53855/bjt.v19i4.118
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Há muitos anos surgiu o termo morte encefálica (ME) que foi descrito a primeira vez por Mollaret e Goullon no ano de 1959. Morte encefálica é definida como a perda completa e irreversível das funções cerebrais, bem como a incapacidade de permanecer vivo sem suporte artificial22 Westphal GA, Veiga VC, Franke CA. Diagnosis of brain death in Brazil. Revista Brasileira de terapia intensiva. 2019;31:403-409. https://doi.org/10.5935/0103-507X.20190050
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. Esses pacientes em ME são potenciais doadores de órgãos, e para tanto é necessário que se saiba fazer a confirmação deste diagnóstico através dos critérios estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina na resolução n° 2.173 de 2017, que facilitam a investigação da ME e auxiliam os médicos na determinação desse diagnóstico33 Westphal GA, Robinson CC, Cavalcanti AB, Gonçalves ARR, Guterres CM, Teixeira C, Falavigna M. Diretrizes brasileiras para o manejo de potenciais doadores de órgãos em morte encefálica. Uma força-tarefa composta por Associação de Medicina Intensiva Brasileira, Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos, Brazilian Research in Critical Care Network e Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2021;33:1-11. https://doi.org/10.5935/0103-507X.20210001
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O TO é uma alternativa de tratamento muito utilizada na medicina para oferecer melhor qualidade de vida (QV) aos pacientes que apresentam falência de algum órgão devido doença prévia ou acidente44 Corsi CAC, Almeida EC, Bueno SMV, dos Santos MA. Mapeamento das estratégias educativas para estudantes do ensino básico quanto ao processo de doação e transplante de órgãos e tecidos humanos: revisão integrativa. Arquivos de Ciências da Saúde da UNIPAR. 2020;24(3):169-177. https://doi.org/ 10.25110/arqsaude.v24i3.2020.7426
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. Segundo o Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), veiculado à Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), nos últimos 10 anos o Brasil teve mais de 80 mil transplantes, mas ainda assim, as filas continuam longas, e muitos pacientes acabam falecendo antes mesmo de serem chamados55 Reis FPD, Gomes BHP, Pimenta LL, Etzel A. Brain death and tissue and organ transplantation: the understanding of medical students. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013;25:279-283. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20130048.
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Então, é necessária uma boa compreensão do processo de doação de órgãos pela família, pois estes se sentem muitas vezes apreensivos e indecisos, e com isso são incapazes de decidir sobre doar ou não os órgãos da pessoa falecida, sendo de responsabilidade do profissional de saúde atuar nesse cenário para sanar possíveis dúvidas que possam surgir e estimular a política de doação de órgãos66 Morais TR, Morais MR. A importância da educação na promoção da doação de órgãos. Revista Brasileira em Promoção da Saúde. 2012:25(3):251-252. http://dx.doi.org/10.5020/18061230.2012.p251.
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No tocante a isso, a educação médica é fator importante para a melhora do índice de captação de órgãos, visto que, já existem evidências na literatura que demonstram o conhecimento insuficiente dos médicos acerca do assunto77 Amaral ASR, Roza BA, Galvão FHF, Jardim KM, Medina-Pestana JO. Knowledge of organ donation among one group of Brazilian professors of medicine. In Transplantation proceedings. 2002;34(2):449-450. http://dx.doi.org/10.1016/s0041-1345(02)02591-5.
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. Por isso, o presente estudo tem como objetivo avaliar o conhecimento dos acadêmicos de medicina de uma universidade catarinense acerca do tema.

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo prospectivo, analítico, descritivo, de delineamento transversal e de abordagem quali-qualitativa, realizado com os acadêmicos do primeiro ao quinto ano do curso de medicina de uma faculdade particular na cidade de Mafra, no estado de Santa Catarina, totalizando 139 alunos, entre outubro e novembro de 2021.

Os participantes foram convidados a responder um questionário, de forma voluntária e sem identificação, para avaliar o grau de compreensão sobre o processo de transplante de órgãos e critérios diagnósticos de ME. O questionário foi aplicado de forma online através do programa Google Forms, e enviado para todos os 306 alunos matriculados no curso de medicina no segundo semestre de 2021 através de uma lista de e-mails institucionais fornecida pela coordenação do curso e, com isso, trata-se então de números absolutos da população estudada, não sendo necessário realizar cálculo amostral ou delimitar amostra.

Como não se evidenciou uma ferramenta já validada para analisar esses parâmetros abordados no estudo, foi necessário adaptar um questionário através de parâmetros analisados em outros estudos semelhantes que já foram relatados na literatura, considerando informações básicas sobre o conhecimento em transplante de órgãos e sobre os critérios diagnósticos de morte encefálica. No questionário as questões foram objetivas e divididas em 3 seções: primeiro a caracterização dos acadêmicos, depois foi avaliado a respeito da doação e transplante de órgãos e, por fim, a respeito da morte encefálica.

O estudo teve início após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Contestado – UnC, no qual os alunos através do e-mail institucional (@aluno.unc.br), receberam o convite para participar da pesquisa com o link do questionário, também foram realizadas visitas nas salas de aula para reforçar o convite para a participação dos acadêmicos na pesquisa. A coleta de dados aconteceu nos dias 04/11/2021 até 19/11/2021. Ao finalizar os questionários, estes foram encaminhados diretamente ao remetente. O aluno que não respondeu ou não finalizou o questionário foi considerado como “perda”.

Os critérios de inclusão foram todos os acadêmicos do curso de medicina da Universidade do Contestado que estavam devidamente matriculados no segundo semestre de 2021. Já os critérios de exclusão foram os alunos que não estão devidamente enquadrados nos critérios mencionados e que não aceitaram participar da pesquisa.

Os riscos deste estudo foram mínimos, mas consistiam em cansaço ou desconforto ao responder o questionário e identificação do aluno, mas é válido lembrar que a identidade dos participantes foi preservada assim como os dados coletados nos questionários. Já os benefícios do estudo consistem em esclarecer sobre o conhecimento dos acadêmicos acerca dos temas abordados e se esses são tratados de forma satisfatória durante a graduação, e este também é um bom instrumento para avaliar e rever o currículo das escolas médicas com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre morte encefálica, doação e transplante de órgãos.

Para análise de dados, foi utilizado o mesmo programa em que foram aplicados os questionários, chamado Google Forms. Os dados coletados foram acrescentados a uma planilha eletrônica, onde foi confeccionado gráficos para visualização e análise dos resultados obtidos.

Foi realizada uma análise descritiva da população estudada segundo as variáveis em estudo (caracterização dos acadêmicos, avaliação do conhecimento sobre morte encefálica e seu diagnóstico e sobre doação e transplante de órgãos), com o objetivo de apresentar informações por intermédio de gráficos, para que se tenha maior compreensão dos fatos que eles representam.

Conforme a Resolução do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde nº 466/12 e a Resolução nº 510/16, “toda pesquisa que envolve seres humanos deve ser submetida à apreciação de um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP)”, portanto o projeto desta pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Contestado pela Plataforma Brasil com CAAE nº 52449721.8.0000.0117, e aprovado através do Parecer Consubstanciado n° 5.055.078. Todos os participantes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e sobre o anonimato do questionário através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido quando optaram pela participação, e este foi assinado junto ao preenchimento do questionário.

RESULTADOS

Caracterização dos acadêmicos

Dos 306 alunos matriculados no curso de medicina da Universidade do Contestado (UNC) no segundo semestre de 2021, 139 (45,4 %) alunos concordaram em responder o questionário. O restante dos alunos foi tido como perca, pois se recusaram a responder o questionário.

Dos 139 participantes, 59 (42,4 %) estão no ciclo básico, abrangendo alunos da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª fase, 71 (51 %) estão no ciclo clínico que compreende 5ª, 6ª, 7ª e 8ª fase e 8 (5,7 %) estão no internato sendo alunos da 9ª fase (Fig. 1). Desses, 44 (31,4 %) são do sexo masculino e 94 (68,6 %) do sexo feminino. Mais da metade destes, nunca participaram de uma aula sobre transplante de órgãos e ou morte encefálica (Fig. 2).

Figura 1
Fase cursada pelos acadêmicos.
Figura 2
Quantitativo de alunos que já participaram de aula sobre transplante de órgãos e/ou morte encefálica.

Dos 139 participantes, 117 (84,2 %) não se sentem aptos a diagnosticar a morte encefálica e apenas 22 (15,8 %) deles se sentem aptos, sendo que 13 (9,4%) alunos consideram o seu nível de conhecimento acerca dos temas abordados como bom, 72 (51,8%) acadêmicos avaliam seu nível de conhecimento como regular e 54 (38,8%) alunos classificaram como ruim.

Análise sobre o conhecimento a respeito da morte encefálica

Em relação as perguntas de conhecimento específicos, a maior parte dos alunos acertaram o conceito de ME quando assinalaram a resposta que a definia como a perda completa e irreversível das funções do encéfalo. Já as questões sobre os critérios de morte encefálica no Brasil, foi solicitado que assinalassem a alternativa incorreta e podemos perceber que as respostas foram variadas, conforme é possível observar na Tabela 1.

Tabela 1
Análise de conhecimento específico acerca de morte encefálica e critérios para diagnóstico de morte encefálica.

Sobre os órgãos que podem ser doados em uma ME, 105 (75,5%) alunos selecionaram córneas, rins e coração, 80 (57,6%) selecionaram pâncreas, 98 (70,5%) selecionaram pulmão, 57 (41%) selecionaram ossos, 103 (74,1%) selecionaram fígado, 63 (45,3%) selecionaram músculos, 97 (69,8%) selecionaram pele e 45 (32,4%) selecionaram vasos (Fig. 3).

Figura 3
Órgãos que podem ser doados para transplante.

Com relação a quais funções devem estar ausentes para se declarar a ME, 12 (8,8%) acadêmicos assinalaram a perda irreversível da função cortical, 81 (59,6%) assinalaram como a perda irreversível de toda função cortical e de tronco cerebral, 16 (11,8%) assinalaram que é variável de acordo com a lei do país e 27 (19,9%) não sabiam responder.

Sobre o diagnóstico de ME, 26 (18,7%) participantes afirmaram que é necessário que o exame clínico seja realizado por médico especialista, sendo neurologista ou intensivista, 9 (6,5%) afirmaram que o médico que irá realizar o diagnóstico de morte encefálica deve ter vínculo com a Comissão intra-hospitalar de doação de órgãos e tecidos para transplante (CIHDOTT) e 104 (74,8%) afirmaram que é necessárias duas avaliações clínicas feitas por médicos diferentes e capacitados com intervalo de tempo entre elas.

Com relação aos exames utilizados para o diagnóstico de ME, a maior parte dos participantes selecionaram as opções eletroencefalograma e tomografia computadorizada, 79 % e 29,7 % respectivamente, como é possível observar na Fig. 4. Apesar do eletroencefalograma ser o método mais conhecido de diagnóstico, a tomografia computadorizada não é um dos exames utilizados para tal diagnóstico.

Figura 4
Exames complementares para diagnóstico de morte encefálica.

Analise acerca da doação de órgãos

Sobre a intenção de doar os órgãos, 111 (79,9%) alunos se mostraram favoráveis a isso e alegam ter o desejo de ser doador, 5 (3,6%) não têm intenção de doar e 23 (16,5%) participantes nunca pensaram sobre o assunto.

Sobre a legislação vigente no Brasil, os alunos se mostraram em dúvida sobre quais os protocolos para que ocorra a doação de órgão, ficando divididos entre ser necessário documento registrado em cartório ou não e apenas a vontade dos familiares (Fig. 5).

Figura 5
Critérios segundo a legislação brasileira para que ocorra a doação de órgãos.

Em relação às contraindicações absolutas para doação, mais da metade dos alunos responderam corretamente quando assinalaram as alternativas que indicavam como contraindicações infecção por HIV (94,2 %), neoplasia passada ou presente (55,4 %) e sepse grave (66,2 %). Menos da metade alunos erraram essa questão quando responderam: paciente com infecção prévia 44 (31,7 %), paciente com doença isquêmica prévia (AVC ou IAM) e 18 (12,9 %) pacientes obesos.

Sobre os fatores que possam causar a exclusão dos receptores na lista de transplante, foi observado que boa parte dos alunos não tinham conhecimento a respeito, já que os resultados mostraram que 63 (46,3 %) acreditam que não existe nenhum fator que cause a exclusão do paciente da lista de transplante (Fig. 6).

Figura 6
Fator de exclusão dos receptores da lista para transplantes.

Sobre o custeio dos transplantes pelo Sistema Único de Saúde (SUS), 3 (2,2 %) participantes assinalaram que o SUS cobre apenas transplantes intervivos, 17 (12,2 %) acadêmicos assinalaram que o SUS cobre apenas transplantes através de doador falecido e 119 (85,6 %) alunos responderam que o SUS custeia transplantes intervivos e de doador falecido. Sobre a doação intervivos, 57 (41 %) participantes afirmaram ser possível somente através de autorização judicial, 35 (25,2 %) assinalaram que o pulmão é um exemplo de órgão que não pode ser doado por doador vivo, 28 (20,1 %) afirmam que não parentes só podem ser doadores com autorização judicial e 19 (13,7 %) assinalaram que é permitido juridicamente o transplante através de pagamento do receptor para o doador, contanto que o doador não sofra riscos de vida ou comprometimento de sua saúde.

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo demonstraram que a taxa de adesão média foi de 45,4 % dos alunos, sendo maior do que a taxa do estudo do Galvão et al.,88 Galvao FH, Caires RA, Azevedo-Neto RS, Mory EK, Figueira ER, Otsuzi TS, Machado MC. Conhecimento e opinião de estudantes de medicina sobre doação e transplante de órgãos. Revista da Associação Médica Brasileira. 2007;53:401-406. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-42302007000500015.
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com 32 % dos acadêmicos de uma faculdade pública de medicina de São Paulo (SP) e do estudo de Reis et al.,55 Reis FPD, Gomes BHP, Pimenta LL, Etzel A. Brain death and tissue and organ transplantation: the understanding of medical students. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013;25:279-283. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20130048.
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com 42,5 % dos alunos de medicina de uma faculdade particular de Santos (SP) que tinham um objetivo similar ao desta pesquisa. Em relação ao gênero dos participantes da pesquisa, obtivemos o dado de que 68,6 % são do sexo feminino e 31,4 % do sexo masculino, sendo esses dados semelhantes ao do estudo do Reis et al.,55 Reis FPD, Gomes BHP, Pimenta LL, Etzel A. Brain death and tissue and organ transplantation: the understanding of medical students. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013;25:279-283. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20130048.
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que obtiveram 67,4 % dos participantes do sexo feminino e 32,6 % do sexo masculino.

O estudo também demonstrou que os alunos de medicina matriculados em uma universidade do planalto norte catarinense, em sua maioria, têm uma base intermediária sobre a morte encefálica, enquanto no estudo do Reis et al.,55 Reis FPD, Gomes BHP, Pimenta LL, Etzel A. Brain death and tissue and organ transplantation: the understanding of medical students. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013;25:279-283. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20130048.
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mostras que os alunos participantes da pesquisa apresentavam um baixo nível de conhecimento sobre essa temática, pois esta não era abordada de forma satisfatória no currículo da instituição de ensino em questão.

No estudo, quando questionados acerca do assunto transplante de órgãos, 38,8 % dos alunos classificam esse conhecimento como ruim, 51,8 % como regular e apenas 9,4 % como bom, podendo avaliar que o assunto de ME é mais abordado que o TO na instituição. Outro ponto que reforça essa ideia é que na pesquisa, 62,6 % dos participantes já tiveram contato com alguma aula sobre o tema morte encefálica sendo ela através da faculdade, curso, congresso ou liga acadêmica, mas em contrapartida apenas 44,6 % dos acadêmicos já participaram de alguma aula acerca do assunto transplante de órgãos. Vale ressaltar que 42,7 % dos entrevistados estão cursando o ciclo básico, sendo que ainda irão consolidar seu conhecimento acerca do assunto estudado, visto que estes temas são abordados mais efetivamente no ciclo clínico e internato.

Em relação aos órgãos que podem ser doados nos casos de ME, 105 (75,5 %) alunos entendem que esse paciente pode ser doador de córneas, rins e coração, em relação a músculos e tendões somente 63 (45,3 %) dos acadêmicos assinalaram esta alternativa e quando questionados sobre a possibilidade de doar vasos apenas 45 (32,4 %) acadêmicos selecionaram essa alternativa. Já no estudo de Reis et al.;55 Reis FPD, Gomes BHP, Pimenta LL, Etzel A. Brain death and tissue and organ transplantation: the understanding of medical students. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013;25:279-283. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20130048.
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12,84 % dos acadêmicos selecionaram coração e rins e apenas 3,67 % apontaram vasos sanguíneos como potenciais tecidos para doação.

No que se refere ao conceito de morte encefálica, 97 (69,8 %) acadêmicos sabiam corretamente a definição, em contrapartida em um estudo realizado por Maia e Amorim99 Maia BO, Amorim JS. Morte encefálica: conhecimento de acadêmicos de enfermagem e medicina. Brazilian Journal of Transplantation. 2009;12(2):1088-1091. https://doi.org/10.53855/bjt.v12i2.258
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obtiveram resultados melhores, em que 90 % dos alunos de medicina participantes da pesquisa conseguiram informar o conceito de ME. Este dado é preocupante, uma vez que este representa um conhecimento básico para se pensar no diagnóstico de ME e demonstra que esse assunto deve ser mais disseminado entre os estudantes.

Sobre as informações de ME, essas podem ser difundidas por toda a população, porém, é importante que se tenha uma maior abordagem pelos profissionais da saúde, uma vez que eles estão diretamente ligados aos procedimentos que serão tomados nesta situação, desde o diagnóstico da morte encefálica até a abordagem da família para possíveis esclarecimentos. Portanto, é importante que os futuros médicos estejam aptos a diagnosticar a ME e falar sobre o assunto. Na pesquisa, 84,2 % dos acadêmicos não se sentem aptos a diagnosticar a morte encefálica enquanto no estudo de Reis et al.,55 Reis FPD, Gomes BHP, Pimenta LL, Etzel A. Brain death and tissue and organ transplantation: the understanding of medical students. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013;25:279-283. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20130048.
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90,3 % dos alunos entrevistados não se sentiam aptos. Em parte, isso se deve ao contato limitado que os estudantes têm com esses temas, principalmente na prática acadêmica.

Além de aspectos clínicos para a determinação de morte encefálica, também existe a necessidade legal de realizar alguns exames complementares para estabelecer este diagnóstico. O exame ao ser escolhido leva em consideração a situação clínica do paciente e a disponibilidade local, podendo ser eles o eletroencefalograma, doppler transcraniano ou cintilografia e arteriografia cerebral. No estudo, quando questionados sobre os exames que poderiam ser usados para fazer o diagnóstico de ME, 79 % dos alunos selecionaram o eletroencefalograma, 23,9 % a arteriografia e 23,2 % o doppler transcraniano, porém, 29,7 % dos acadêmicos marcaram erroneamente a tomografia computadorizada e 8,7 % o exame de fluido cerebroespinal. Já no estudo de Reis et al.,55 Reis FPD, Gomes BHP, Pimenta LL, Etzel A. Brain death and tissue and organ transplantation: the understanding of medical students. Revista Brasileira de Terapia Intensiva. 2013;25:279-283. http://dx.doi.org/10.5935/0103-507x.20130048.
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81,95% selecionaram o eletroencefalograma, 35,8 % dos entrevistados selecionaram a arteriografia e 35,4 % o doppler transcraniano.

A doação de órgãos exige que os familiares tomem uma difícil decisão, visto que estão passando por um momento de muita dor e angústia causadas pela impactante notícia de morte. Se não há uma boa compreensão sobre o processo de doação, os familiares podem ficar apreensíveis e indecisos por não disporem de muito esclarecimento, o que gera um grande problema na realização dos transplantes que é a recusa familiar, sendo este um dos principais responsáveis pela falta de órgãos disponibilizados para o processo de transplantes. No presente estudo, apenas 33,1% dos acadêmicos selecionaram que para a doação de órgãos ocorrer é necessário a vontade dos familiares, os outros 66,9% optaram por alterativas como: apenas o querer do paciente ou identificação da carteira de identidade civil ser suficiente para o processo.

Ainda sobre o processo de transplantes, no Brasil a população dispõe do Sistema Único de Saúde (SUS) que tem o maior programa público de transplantes do mundo visto que financia 92% dos procedimentos feitos no país.1010 Morais TR, Morais MR. A importância da educação na promoção da doação de órgãos. Revista Brasileira em Promoção da Saúde. 2012;25(3):251-252. http://dx.doi.org/10.5020/18061230.2012.p251.
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Através do questionário aplicado no estudo, 85,6 % dos entrevistados afirmam que o SUS custeia tanto transplantes intervivos como os de doador falecido.

Por fim, quando questionados sobre a intenção de ser um doador de órgão, 79,9 % dos participantes responderam que gostariam de ser doadores, 3,6 % não querem doar e 16,5 % nunca pensaram sobre o assunto. Os valores são menores do que os obtidos no estudo de Galvão et al.,88 Galvao FH, Caires RA, Azevedo-Neto RS, Mory EK, Figueira ER, Otsuzi TS, Machado MC. Conhecimento e opinião de estudantes de medicina sobre doação e transplante de órgãos. Revista da Associação Médica Brasileira. 2007;53:401-406. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-42302007000500015.
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onde 90% dos acadêmicos tinham a intenção de ser um doador de órgãos, entretanto foram melhores do que no estudo de Dutra et al.,1111 Dutra MMD, Bonfim TAS, Pereira IS, Figueiredo IC, Dutra AMD, Lopes AA. Knowledge about transplantation and attitudes toward organ donation: a survey among medical students in northeast Brazil. In Transplantation proceedings. 2004;36(4):818-820. http://dx.doi.org/10.1016/j.transproceed.2004.03.066.
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no qual apenas 69,2 % tinham esta mesma intenção.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo mostram que dos acadêmicos de medicina de Mafra – SC que responderam ao questionário, a maioria apresenta conhecimento teórico sobre morte encefálica e transplante de órgãos. Este dado poderia ser resultado do método de abordagem disponibilizado durante a formação no curso, porém, quando os participantes foram questionados sobre se eles se sentem aptos para realizar o diagnóstico da morte encefálica a maior parte dos participantes respondeu que não, salientando que esta dificuldade pode estar intimamente ligada a pouca experiência prática do tema.

O estudo mostrou ainda que a grande maioria dos alunos gostariam de ser doadores de órgãos, provavelmente isso se explica pela maior familiaridade dos acadêmicos com os transplantes, visto que o estado de Santa Catarina possui bons índices de realização desse procedimento.

Esses dados nos remetem que os participantes possuem interesse acerca do tema, logo poderia ser desenvolvido programas educativos buscando maior esclarecimento da população geral sobre o assunto, incentivando as pessoas a manifestarem o desejo de ser um doador e assim resultando em melhores índices de captação de órgãos para transplante no país. Entretanto, mais estudos são necessários para avaliar aspectos práticos da ME e TO e se os acadêmicos estão tendo este contato durante sua graduação.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos os envolvidos para que esta pesquisa se concretizasse. Aos participantes que reservaram um tempo para responder o questionário e aos editores que prestaram ajuda na correção e escrita deste trabalho, nosso muito obrigado.

  • Como citar: Belli AV, Kalil GKMOG. Análise do Conhecimento dos Acadêmicos de Medicina de Mafra-SC Acerca da Morte Encefálica e Transplante de Órgãos BJT. 2023.26 (01):e3123. https://doi.org/10.53855/bjt.v26i1.513_PORT
  • FINANCIAMENTO

    Não aplicável.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Os dados serão fornecidos mediante solicitação.

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Editado por

Editora de seção: Ilka de Fátima Santana F Boin https://orcid.org/0000-0002-1165-2149

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    27 Abr 2023
  • Aceito
    17 Ago 2023
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