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Gestação e Planejamento Reprodutivo em Mulheres Transplantadas

RESUMO

O objetivo desta revisão de literatura é trazer alguns resultados de gestação em mulheres transplantadas, propostas de avaliação pré-concepcional, pré-natal e do puerpério, incluindo a contracepção pós-parto e orientação terapêutica na concomitância da gestação e lactação. Com base nos resultados encontrados em pesquisa no PubMed sem limitação de data ou língua, discutimos a importância do planejamento reprodutivo para mulheres com transplante de órgãos sólidos e que deve ser feito desde antes da realização do transplante. Existem contraindicações formais de gestação, entretanto quando planejada, dentro de critérios clínicos, laboratoriais e uso de imunossupressão adequada e em seguimento de pré-natal especializado essa gestação é possível e com bons resultados perinatais. Salientamos também a importância do acompanhamento psicológico entre gestantes com transplantes de órgãos sólidos.

Palavras-chave
Oxigenação hiperbárica; Oxigenoterapia hiperbárica; Transplante de fígado

ABSTRACT

The objective of this literature review is to provide some pregnancy results in transplanted women, proposals for preconception, prenatal and postpartum evaluation, including postpartum contraception, and therapeutic guidance during pregnancy and lactation. Based on the results found in research on PubMed without date or language limitations, we discuss the importance of reproductive planning for women with solid organ transplants and what should be done before the transplant. There are formal contraindications to pregnancy; however, when planned, within clinical and laboratory criteria, and with adequate immunosuppression and specialized prenatal care, pregnancy is possible with good perinatal results. We also highlight the importance of psychological support among pregnant women with solid organ transplants.

Keywords
Hyperbaric oxygenation; Hyperbaric Oxygenation; Liver transplantation

INTRODUÇÃO

A melhora da qualidade de vida e das condições de saúde de mulheres com transplante de órgãos sólidos (TOS) em idade reprodutiva traz aos profissionais de saúde envolvidos com o cuidado dessas mulheres um novo desafio, que é a discussão do planejamento reprodutivo e, quando há desejo de gravidez, a garantia de seguimento pré-natal, parto e puerpério qualificados.11 Yenebere P, Doraiswamy M, Gundroo A. Overview of pregnancy in solid-organ transplantation. Curr Opin Organ Transplant. 2023;28(4):271-8. https://doi.org/10.1097/mot.0000000000001075
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Os TOS com maior ocorrência de gestação são os renais (TR), seguidos dos hepáticos (TH). Para os demais TOS, a ocorrência de gestação é rara, porém também podem acontecer. Estas devem ser alvo de cuidado multidisciplinar com atenção pela equipe transplantadora e com cuidado pré-natal e de puerpério por equipes obstétricas especializadas.

MÉTODOS

A busca na literatura evidencia importante interesse neste tema. Foi realizadas buscas em base de dados única (PUBMED) com os termos “heart transplantation AND pregnancy”; “liver transplantation AND pregnancy”; “kidney transplantation AND pregnancy” em setembro de 2023 selecionamos os artigos internacionais e os nacionais sobre o tema.

Abaixo é possível observar o número de artigos acadêmicos nacionais e internacionais sobre gestação e TOS de rim, fígado e coração, conforme busca acima descrita (Fig. 1). A frequência maior de TR e TH evidencia que se trata das condições mais frequentemente associadas a gestações, seguidas pelo transplante cardíaco. Os resultados da literatura mostram que o campo é rico em pesquisas que retratam a experiência de grupos com expertise na condução destes casos, com poucos estudos comparando intervenções ou estratégias de seguimento.

Figura 1
Número total de artigos acadêmicos e número de artigos acadêmicos brasileiros abrangendo gestação e os TOS mais frequentes (PubMed, set.2023).

RESULTADOS

Particularidades dos diferentes tipos de TOS e gestação

Rim

A associação de gestação com TR é a mais frequente e mais antiga no mundo e também no Brasil, conforme dados do Registro Brasileiro de Transplantes. Após o transplante renal, o eixo hipotálamo-hipófise-ovariano volta rapidamente ao normal, o que determina o retorno dos ciclos ovulatórios, possibilitando gestações.11 Yenebere P, Doraiswamy M, Gundroo A. Overview of pregnancy in solid-organ transplantation. Curr Opin Organ Transplant. 2023;28(4):271-8. https://doi.org/10.1097/mot.0000000000001075
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Deste modo, é fundamental que orientações reprodutivas sejam feitas antes ou imediatamente após o transplante, para que se evitem gestações não planejadas ou antes do tempo mínimo adequado após a normalização da função do enxerto.

Pode-se considerar que, dentre tantas complicações renais que envolvem a gestação, o transplante renal não é a mais grave, desde que que uma orientação pré-concepcional tenha sido feita e a gestação ocorra em momento oportuno. Mesmo assim deve ser considerado o alto risco de pré-eclâmpsia, de bacteriúria assintomática e infecção urinária e ainda o tempo de vida do enxerto, pois a gestação se caracteriza por aumento do fluxo glomerular.22 Zilli MVP, Borovac-Pinheiro A, Costa ML, Surita FG. Perinatal Outcomes in Women with Chronic Kidney Diseases. Rev Bras Ginecol Obstet. 2022;44(12):1094-101. https://doi.org/10.1055/s-0042-1753546
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Há vários estudos de grandes centros ou associações com resultados perinatais pós-transplante renal, como o Transplant Pregnancy Registry International (TPR), Registro de Gravidez de Transplante do Reino Unido, European Renal Association - European Dialysis and Transplant Association (ERA-EDTA) e Diálise e Transplante da Austrália e Nova Zelândia (ANZDATA).33 Hewawasam E, Davies CE, Li Z, Clayton P, Sullivan E, McDonald SP, et al. Determinants of Perinatal Outcomes in Dialyzed and Transplanted Women in Australia. Kidney Int Rep. 2022;7(6):1318-31. https://doi.org/10.1016/j.ekir.2022.03.015
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De forma geral, a taxa de nascidos vivos em gestantes com TR é comparável à população em geral. Quanto a via de parto, o parto vaginal é recomendado, mas a predominância é de partos cesarianas (43 a 72%) e as indicações de cesariana mais frequentes são alteração do bem-estar fetal, cesariana anterior e deterioração da função renal, sendo que durante o trabalho de parto a indicação mais frequente é a ocorrência de sofrimento fetal agudo. O risco de mortalidade materna é limitado às mulheres com distúrbios imunológicos, como lúpus eritematoso sistêmico em atividade ou vasculites sistêmicas.22 Zilli MVP, Borovac-Pinheiro A, Costa ML, Surita FG. Perinatal Outcomes in Women with Chronic Kidney Diseases. Rev Bras Ginecol Obstet. 2022;44(12):1094-101. https://doi.org/10.1055/s-0042-1753546
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Quanto aos resultados perinatais o parto prematuro em mulheres com TR é mais prevalente do que na população em geral (43% versus 10%) e seus preditores são a concomitância com a hipertensão na gestação e creatinina sérica> 1,7 mg / dL antes da gravidez.44 Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: Metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. https://doi.org/10.1186/s12882-019-1213-5
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Da mesma forma, o risco de baixo peso ao nascer (<2500 g), restrição de crescimento fetal (peso abaixo do 10º percentil para a idade gestacional), é maior nas transplantadas sendo seus preditores a hipertensão pré-gestacional, proteinúria e uso de inibidores de calcineurina.44 Shah S, Venkatesan RL, Gupta A, Sanghavi MK, Welge J, Johansen R, et al. Pregnancy outcomes in women with kidney transplant: Metaanalysis and systematic review. BMC Nephrol. 2019;20(1):24. https://doi.org/10.1186/s12882-019-1213-5
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Já a ocorrência de aborto espontâneo é a mesma da população geral, exceto se houve uso de micofenolato. O uso de micofenolato é contraindicado entre receptoras de transplantes grávidas, sendo importante a sua suspensão em mulheres transplantadas em planejamento de gestação.55 Irani RA, Coscia LA, Chang E, Lappen JR. Society for Maternal-Fetal Medicine Consult Series #66: Prepregnancy evaluation and pregnancy management of patients with solid organ transplants. Am J Obstet Gynecol. 2023;229(2):B10-B32. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2023.04.022
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A ocorrência de natimortos é discretamente maior que na população geral, mas depende muito mais da qualidade do pré-natal em detectar alterações da vitalidade fetal do que qualquer relação direta com o transplante.

Uma série de casos nacional com 22 transplantadas e 25 gestações teve média de intervalo de tempo transplante–gestação de 5 a 6 anos. Neste grupo, 65% apresentaram alguma forma de hipertensão arterial (síndrome hipertensiva) na gestação, 47% de parto prematuro e 88% de cesarianas. Entre as puérperas, 82% receberam alguma contracepção pós-parto sendo a laqueadura tubárea realizada em 1/3 dos casos.66 Mariano S, Guida JPS, Sousa MV, Parpinelli MA, Surita FG, Mazzali M, et al. Pregnancy Among Women with Kidney Transplantation: A 20-Years Single-Center Registry. Rev Bras Ginecol Obstet. 2019;41(7):419-24. https://doi.org/10.1055/s-0039-1688834
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Fígado

Doenças hepática de qualquer etiologia são sempre um desafio para o acompanhamento da gestação, pois situações de gravidade extrema em obstetrícia, como a síndrome HELLP, fígado gorduroso da gestação e colestase gravídica, podem se sobrepor à doença de base dificultando o diagnóstico e abordagem terapêutica e aumentando os riscos maternos. No TH não é diferente, pois as situações acima descritas podem ocorrer e devem ser diferenciadas de episódios de rejeição do enxerto. Ao contrário do que foi descrito acima sobre o TR, a perda do enxerto hepático, que não tem terapia de substituição, faz com que episódios de rejeição na gestação possam ser fatais.77 Bosch A, Daniel KE. Pregnancy and contraception in the post-liver transplant patient. Clin Liver Dis (Hoboken). 2023;21(6):187-90. https://doi.org/10.1097%2FCLD.0000000000000059
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Aproximadamente, 1 em cada 12 mulheres submetidas a TH estão em idade reprodutivos. As taxas de infertilidade pré-TH são altas devido à cirrose e o TH reverte essa infertilidade induzida pela cirrose. A gravidez pós-TH está associada ao aumento das taxas de hipertensão, pré-eclâmpsia, parto prematuro, baixo peso ao nascer, hemorragia pós-parto e necessidade de cesariana. A função renal alterada em TH afeta os resultados da gravidez com declínio da filtração glomerular.

Não há evidência de aumento da mortalidade fetal ou materna ou perda de aloenxerto em pós-TH quando a concepção ocorre após 6 meses de transplante. Mulheres são aconselhadas a adiar a concepção para um ano após a TH devido ao risco aumentado de instabilidade da imunossupressão e infecção neste período, pois a ocorrência destes eventos aumenta o risco de rejeição aguda.

Os melhores resultados perinatais ocorrem com imunossupressão adequada, função estável do aloenxerto e controle suficiente de comorbidades médicas. O tacrolimus é considerado o imunossupressor ideal durante a gravidez, dada a sua eficácia e segurança. A rejeição aguda deve ser tratada de forma semelhante àquela ocorrida em pessoa não grávida. Historicamente, a amamentação foi desencorajada devido à falta de dados de segurança. Dados recentes não demonstraram eventos adversos em bebês amamentados por mães que receberam tacrolimus após o transplante e, da mesma forma, o uso de azatioprina é seguro dadas concentrações insignificantes de seus metabólitos, 6-mercaptopurina (6-MP) e 6-TGN, no leite materno.88 Dokmak A, Trivedi HD, Bonder A, Wolf J. Pregnancy in Chronic Liver Disease: Before and After Transplantation. Ann Hepatol. 2021;26:100557. https://doi.org/10.1016/j.aohep.2021.100557
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,99 Costa ML, Surita FG, Passini R, Cecatti JG, Boin IF. Pregnancy outcome in female liver transplant recipients. Transplant Proc. 2011;43(4):1337-9. https://doi.org/10.1016/s0029-7844(03)00369-7
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Relatos de 5 casos acompanhados na Universidade Estadual de Campinas por equipe multidisciplinar mostram bom resultados, com gestações entre 2 a 11 anos após TH. Ainda assim ocorreu um parto prematuro, um episódio de herpes genital agudo, além de um hematoma hepático em gestante em uso de anticoagulação por antecedente de trombose venosa. Apesar das complicações, todas as 5 gestações foram bem-sucedidas. A idade gestacional média ao nascimento foi de 35,2 semanas. Não foram observadas malformações estruturais ou complicações precoces nos neonatos. Todos os casos apresentaram parâmetros hepáticos estáveis.99 Costa ML, Surita FG, Passini R, Cecatti JG, Boin IF. Pregnancy outcome in female liver transplant recipients. Transplant Proc. 2011;43(4):1337-9. https://doi.org/10.1016/s0029-7844(03)00369-7
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Recentemente houve um caso de morte materna no 51º dia pós-parto após rejeição aguda do enxerto durante a gestação, com sequência de complicações decorrentes da rejeição durante o puerpério, que determinaram a ocorrência do óbito materno (ainda não publicado).

Coração

As alterações fisiológicas da gestação impõem uma sobrecarga cardíaca e isso deve ser considerado frente a qualquer doença ou disfunção cardíaca, inclusive o transplante. Assim a funcionalidade do enxerto, bem como a avaliação do risco de rejeição em uso de imunossupressores que possam ser mantidos na gestação são o primeiro passo para se pensar na orientação pré-concepcional.

Há relatos de sucesso como uma série australiana que reporta 5 gestações em 3 transplantadas cardíacas, todas com resultados excelentes com parto vaginal, gestações de termo e aleitamento materno. Esses casos descritos têm em comum orientação pré-concepcional, fração de ejeção do ventrículo direito > 55%, mais de 2 anos de intervalo do transplante-gestação, ajuste da terapia imunossupressora antes da gestação, sendo que na gestação as 3 usaram tracrolimus e azatioprina, e uma delas também utilizou prednisona.1010 Boyle S, Sung-Him Mew T, Lust K, McKenzie S, Javorsky G, Parsonage W. Pregnancy Following Heart Transplantation: A Single Centre Case Series and Review of the Literature. Heart Lung Circ. 2021;30(1):144-53. https://doi.org/10.1016/j.hlc.2020.10.007
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Entretanto, outra questão que deve ser considerada é que, apesar da melhora da qualidade de vida das pessoas transplantadas que podem gestar, da terapêutica mais efetiva na preservação dos enxertos e do maior número de transplante ao longo do tempo, um grande estudo sobre transplante cardíaco envolvendo 157 casos mostra redução do número de gestações ao longo de quase 4 décadas de observação (1982-2017), e uma da hipóteses para isso é o melhor aconselhamento desde o pré-transplante e esclarecimento dos riscos materno-fetais quando se discute a possibilidade de gestação.1111 Punnoose LR, Coscia LA, Armenti DP, Constantinescu S, Moritz MJ. Pregnancy outcomes in heart transplant recipients. J Heart Lung Transplant. 2020;39(5):473-80. https://doi.org/10.1016/j.healun.2020.02.005
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Esse mesmo estudo aponta para resultados não tão satisfatórios, como 31% de perda gestacional, 63% de baixo peso ao nascimento, 59% de prematuridade, 23% de ocorrência de pré-eclâmpsia, 9% de rejeição do enxerto até 3 meses pós-parto, além de corroborar em mostrar aumento de defeitos congênito entre gestantes que mantiveram uso de micofenolato na gestação (3 casos, correspondendo a 23% das usuárias).

Avaliação pré-concepcional

A avaliação pré-concepcional deve fazer parte do planejamento reprodutivo em qualquer situação, mas entre pessoas com TOSs é fundamental. Deve ser realizada por equipe multidisciplinar especializada em lidar com a medicação imunossupressora, que deve ser ajustada para medicação com uso possível durante a gestação, além do controle de outras comorbidades associadas, como hipertensão arterial, doenças autoimunes, entre outras. Após ajuste de medicação, a estabilidade do enxerto deve ser avaliada antes da gestação ocorrer com avaliação laboratorial específica e de imagens.55 Irani RA, Coscia LA, Chang E, Lappen JR. Society for Maternal-Fetal Medicine Consult Series #66: Prepregnancy evaluation and pregnancy management of patients with solid organ transplants. Am J Obstet Gynecol. 2023;229(2):B10-B32. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2023.04.022
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,1212 Sarkar M, Bramham K, Moritz MJ, Coscia L. Reproductive health in women following abdominal organ transplant. Am J Transplant. 2018;18(5):1068-76. https://doi.org/10.1111%2Fajt.14697
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A proposta de tempo mínimo entre o TOS é de um ano desde que sem ocorrência de rejeição aguda e sem infecções de risco fetal para transplantes renal, hepático e cardíaco, e de dois anos para quando houver transplante de pulmão. Outra questão importante é a atualização vacinal prévia a gestação, embora algumas vacinas devam ser administradas durante a gestação (dTP-A, influenza).

Não menos importante é o suporte psicológico, que deve ser oferecido desde antes do transplante, mas também na fase de decisão por gestação e de seu planejamento. Pessoas com doenças crônicas que gestam tem muita ambiguidade de sentimentos e sensação de culpa nesse período e precisam de todo o apoio da equipe.1313 Rodrigues L, Alves VLP, Sim-Simc MMF, Surita FG. Perceptions of women with systemic lupus erythematosus undergoing high-risk prenatal care: A qualitative study. Midwifery. 2020;87:102715. https://doi.org/10.1016/j.midw.2020.102715
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Pré-natal, parto e puerpério

A assistência pré-natal é uma oportunidade de promoção de saúde. Nos casos de gestação em pessoas com TOSs, o aconselhamento reprodutivo adequado e a condição pré-gravídica influenciam diretamente a rotina de atendimento e os resultados perinatais. Todas as rotinas de pré-natal devem ser mantidas em pessoas com TOSs, e o pré-natal deve ser adaptado conforme a necessidade de avaliação daquele enxerto ou de situações clínicas específicas apresentadas pela pessoa. Fundamental é que o acompanhamento seja compartilhado entre equipe obstétrica especializada e a equipe transplantadora, com compartilhamento de informações clínicas, além do ajuste entre as expectativas da gestante com as possibilidades impostas pelo quadro clínico.

A vacinação de gestantes na rotina se faz com dTPa e Influenza a cada gestação, além da oportunidade de vacinas como COVID-19. Vacinas para hepatite B, pneumococo e meningococo podem ser ministradas se estiverem em atraso, mas se houve bom planejamento reprodutivo devem estar em dia quando a gestação ocorre.1414 Amaral E, Money D, Jamieson D, Pasupathy D, Aronoff D, Jacobsson B, et al. Vaccination during pregnancy: A golden opportunity to embrace. Int J Gynaecol Obstet. 2023;163(2):476-83. https://doi.org/10.1002/ijgo.14981
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Além da rotina laboratorial do pré-natal, que inclui sorologias (HIV, Hepatite B e C, Sífilis e Toxoplasmose), Hemograma, Sumário de Urina e Urocultura, Glicemia, Tipagem Sanguínea, devem ser incluídos a triagem para citomegalovírus, que pode reativar e causar infecção vertical. Para as transplantadas há ainda orientação de uso de profilaxia para infeção do trato urinário durante toda gestação, por serem rim único.

O aumento de volume plasmático e peso esperados na gestação torna importante, sempre que possível, o monitoramento do nível sérico dos imunossupressores e ajuste da dose. Lembramos mais uma vez que o uso de micofenolato é contraindicado na gravidez e deve ser descontinuado.55 Irani RA, Coscia LA, Chang E, Lappen JR. Society for Maternal-Fetal Medicine Consult Series #66: Prepregnancy evaluation and pregnancy management of patients with solid organ transplants. Am J Obstet Gynecol. 2023;229(2):B10-B32. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2023.04.022
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Pelo aumento da incidência de pré-eclâmpsia pura ou sobreposta em TOS (29% em transplante renal, 21% em transplante hepático) recomenda-se profilaxia da pré-eclâmpsia com ácido acetil-salicílico 100 mg ao dia e carbonato de cálcio (1 – 1,5 g ao dia) desde 1º trimestre, inclusive entre transplantadas renais.55 Irani RA, Coscia LA, Chang E, Lappen JR. Society for Maternal-Fetal Medicine Consult Series #66: Prepregnancy evaluation and pregnancy management of patients with solid organ transplants. Am J Obstet Gynecol. 2023;229(2):B10-B32. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2023.04.022
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Pelo risco restrição de crescimento fetal pelo uso dos imunossupressores ou de comorbidades associadas como hipertensão arterial e lúpus, há necessidade de vigilância seriada do crescimento e vitalidade fetal usando toda a propedêutica disponível como ultrassonografia, cardiotocografia e dopplerfluxometria seriadas.1515 Alfirevic Z, Stampalija T, Dowswell T. Fetal and umbilical Doppler ultrasound in high-risk pregnancies. Cochrane Database Syst Rev. 2017;6(6):CD007529. https://doi.org/10.1002/14651858.cd007529.pub4
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O parto deve ocorrer por via obstétrica, exceto nos casos com hipertensão portal, onde a indicação é de cesariana eletiva, ou nos casos nos quais a resolução da gestação aconteça antes das 32 semanas, quando o quadro clínico materno ou fetal grave que indicaram a resolução possam inspirar preocupações quanto à duração da indução do parto.

Mesmo entre pessoas com TOSs a taxa de gestação não planejada é elevada e deve ser feito planejamento reprodutivo e escolha de contracepção pós-parto durante o pré-natal, para que haja maior possibilidade de escolha de métodos efetivos, maior facilidade de acesso e não haja risco de gravidez subsequente com intervalo interpartal curto.

A recomendação de triagem de quadros de depressão e ansiedade existe em todas as gestações, nos casos de TOSs isso é imperativo, recomenda-se além da triagem acompanhamento psicológico de rotina.55 Irani RA, Coscia LA, Chang E, Lappen JR. Society for Maternal-Fetal Medicine Consult Series #66: Prepregnancy evaluation and pregnancy management of patients with solid organ transplants. Am J Obstet Gynecol. 2023;229(2):B10-B32. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2023.04.022
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,1616 Liu X, Wang S, Wang G. Prevalence and Risk Factors of Postpartum Depression in Women: A Systematic Review and Meta-analysis. J Clin Nurs. 2022;31(19-20):2665-77. https://doi.org/10.1111/jocn.16121
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O seguimento puerperal não pode ser negligenciado, sendo avaliados nesse período a contracepção, o aleitamento, o retorno ao tratamento basal, a oferta de contracepção, caso não tenha sido feita durante o parto, e as condições psicossociais.

Imunossupressão

Os agentes imunossupressores mais utilizados em TOSs são: Costicosteródes, Azatioprina, Inibidores da Calcineurina (Ciclosporina e Tacrolimus), Micofenolato, Inibidores celulares B e T (Sirolimus Everolimus), inibidores celulares T-seletivo (Betacept) – abaixo pode- se observar as principais características da medicação e seu uso na gestação e amamentação (Tabela 1).

Tabela 1
Terapia imunossupressora em TOS e uso na gestação e aleitamento.

Resumo das recomendações

Recentemente a Sociedade de Medicina Materno-Fetal publicou uma série de recomendações que compila estudos prévios e recomendações de várias sociedades médicas sobre o tema (Tabela 2).55 Irani RA, Coscia LA, Chang E, Lappen JR. Society for Maternal-Fetal Medicine Consult Series #66: Prepregnancy evaluation and pregnancy management of patients with solid organ transplants. Am J Obstet Gynecol. 2023;229(2):B10-B32. https://doi.org/10.1016/j.ajog.2023.04.022
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As recomendações seguem os graus de evidência científica (GRADE)

Tabela 2
Resumo das recomendações para gestação em pessoas com TOSs

CONCLUSÃO

Pessoas com TOSs que desejam gestar devem ser orientadas quanto à possibilidade da gestação, riscos tanto para a saúde do enxerto como para os resultados perinatais, a importância da escolha do momento de menor risco com adequado planejamento reprodutivo de forma multidisciplinar com equipe de transplante e ginecologista-obstetra, devem ainda receber suporte psicológico desde a programação do transplante, período pré-concepcional, gestação e período pós-parto. Além disto, é fundamental o acessoaos contraceptivos de alta eficácia quando não desejarem gravidez

AGRADECIMENTOS

Não aplicável.

  • Como citar: Surita FG, Guida JPS, Juliato CRT, Boin IFSF. Gestação e Planejamento Reprodutivo em Mulheres Transplantadas. BJT. 2023.26 (01):e3623. https://doi.org/10.53855/bjt.v26i1.542_PORT
  • FINANCIAMENTO

    Não aplicável.

DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA

Não aplicável.

REFERÊNCIAS

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Editado por

Editora de seção: Edna Montero https://orcid.org/0000-0003-1437-1219

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    20 Out 2023
  • Aceito
    22 Out 2023
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