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Cenário da Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante Pós-morte na 16ª Região de Saúde/RS

RESUMO

Introdução:

A doação e o transplante de órgãos e tecidos é um tema de interesse multiprofissional e pauta importante quanto à promoção de políticas de saúde pública referentes à aplicação dessa terapêutica.

Objetivos:

Apresentar uma análise do cenário da doação de órgãos e tecidos para transplante pós-morte na 16ª Região de Saúde do estado do Rio Grande do Sul entre os anos de 2010 e 2020, com enfoque na avaliação das negativas familiares para a doação.

Métodos:

Foi realizado um levantamento censitário dos dados referentes aos protocolos de morte encefálica realizados no período, os quais foram tabulados no Microsoft Excel, analisados por meio da construção de séries temporais e relacionados utilizando o teste qui-quadrado.

Resultados:

A análise realizada na região evidencia uma maior proporção de negativas (57,8 %) em relação aos aceites (42,2 %) para doação de órgãos e tecidos. Porém, quando observados apenas os últimos anos do período, vê-se outra realidade: de 2017 a 2019 as afirmativas para a doação corresponderam a mais de 75 % das famílias entrevistadas. No ano de 2020, no entanto, de forma atípica, não foram concluídos protocolos de morte encefálica e, portanto, nenhuma família passou pela entrevista para doação.

Conclusão:

Há uma tendência de aumento nos percentuais de doação ao longo dos anos, tanto na 16ª Região de Saúde do estado do Rio Grande do Sul como no restante do país, porém, a quantidade de transplantes realizados ainda é inferior à necessidade da população.

Palavras-chave
Doação de órgãos e tecidos; Transplante; Morte encefálica

ABSTRACT

Introduction:

The donation and transplantation of organs and tissues is a topic of multiprofessional interest and an important theme regarding the promotion of public health policies regarding the application of this therapy.

Objectives:

The objective of this article is to present an analysis of the scenario of organ and tissue donation after death, for transplantation, in the 16th Health Region of Rio Grande do Sul between 2010 and 2020, focusing on evaluating family refusals to donate.

Methods:

A census survey was carried out of the data referring to the brain death protocols carried out in the period, tabulated in Microsoft Excel, analyzed through the construction of time series and related using the chi-square test.

Results:

The analysis in the region shows a higher proportion of negatives (57.8 %) concerning acceptances (42.2 %) for organ and tissue donation. However, when only the last years of the period are observed, another reality is seen: from 2017 to 2019, the donation statements corresponded to more than 75 % of the interviewed families. In 2020, however, in an atypical way, no brain death protocols were concluded; therefore, no family underwent the interview for donation.

Conclusion:

There has been a trend toward an increase in donation percentages over the years, both in the 16th Health Region of Rio Grande do Sul and the rest of the country. However, the number of transplants performed is still lower than the population’s need.

Keywords
Organ and tissue donation; Transplantation; Brain death

INTRODUÇÃO

O transplante de órgãos, como modalidade terapêutica, constitui-se um tratamento seguro e eficaz em virtude da otimização do ato operatório, da compreensão dos mecanismos de compatibilidade, controle da rejeição e do uso de medicamentos imunossupressores¹. Trata-se de um recurso terapêutico globalmente aceito que melhora a qualidade de vida e que salva centenas de milhares de pacientes anualmente¹. Em vista disso, o processo de doação-transplante, por meio da doação de órgãos pós-morte, impacta diretamente na sobrevida de pacientes em fila de espera para transplante, sendo para a grande maioria desses doentes a única terapêutica possível. No entanto, a despeito de sua importância, esse assunto é cercado de tabus e incertezas para grande parte da população, pois, no Brasil, a doação de órgãos pós-morte é autorizada pela família.

Ainda que as taxas de doação e transplante de órgãos e tecidos variem entre países, o baixo nível de doação de órgãos é um problema universal22 Garcia CD. Manual de Doação e Transplantes: Informações práticas sobre todas as etapas do processo de doação de órgãos e transplante. Porto Alegre: Libretos, 2017. e, por isso, deve ser abordado conforme as especificidades da população e dos serviços de saúde de cada região do mundo. Dessa forma, este artigo tem vistas à análise do cenário das negativas familiares para doação de órgãos e tecidos para transplante pós-morte na 16ª Região de Saúde do estado do Rio Grande do Sul (RS) entre os anos de 2010 e 2020 com a elaboração de um parecer referente aos índices de doação de órgãos nessa localidade.

Estudo realizado por Pessoa, Schirmer e De Aguiar³ relacionou o despreparo do profissional de saúde na abordagem familiar à recusa em doar. Logo, com a observação dos percentuais de recusas das famílias abordadas para a doação de órgãos e tecidos para transplante na região estudada, há a possibilidade de analisar a efetividade das estratégias utilizadas pelo serviço de saúde local na realização deste contato. Haja vista, se evidenciados altos índices de negativas familiares para a doação, têm-se a possibilidade de apontar quais são as falhas na abordagem do serviço de saúde e, ainda, propor alternativas para corrigi-las, carreando para um desfecho satisfatório e pleno aos receptores dos órgãos e tecidos.

Estudos epidemiológicos regionais como este têm sua importância ao possibilitar o direcionamento de ações estratégicas ante às especificidades da população, uma vez que, de acordo com a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos – ABTO44 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Organ Transplantation in Brazil (2012-2019). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2019 [acesso em 2022 jul 10]. Disponível em: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2020/09/rbt-ingles-2019-leitura.pdf.
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, vê-se disparidade quanto à doação de órgãos entre as diferentes regiões e estados brasileiros. Com isso, no que concerne ao fornecimento de dados atualizados, este estudo propõe-se a estimular o desenvolvimento de ações de orientação à população sobre o tema, bem como de intervenções direcionadas para a atualização do serviço de saúde no que se refere ao transplante de órgãos.

Cabe pontuar que, a região de interesse está localizada na zona Sul-Sudeste, a qual, de acordo com Soares et al.55 Soares LSS, Brito ES, Magedanz L, França FA, Araújo WN, Galato D. Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro. Epidemiol. 2020;29:2001-17. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000100014
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, concentra o maior número de transplantes do país, sendo possível, para fins comparativos, observar se os percentuais de doação locais são condizentes ou discrepantes com os verificados na macrorregião. Ainda de acordo com o autor, a despeito das estatísticas crescentes de doação na última década, observa-se que a quantidade de transplantes realizados é substancialmente inferior à necessidade da população do país55 Soares LSS, Brito ES, Magedanz L, França FA, Araújo WN, Galato D. Transplantes de órgãos sólidos no Brasil: estudo descritivo sobre desigualdades na distribuição e acesso no território brasileiro. Epidemiol. 2020;29:2001-17. https://doi.org/10.5123/S1679-49742020000100014
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. No Brasil, por exemplo, ao final do ano de 2020, 43.642 pacientes estavam ativos na lista de espera para a realização de um transplante de órgão66 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2013-2020). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2020. [acesso em 2022 jun 4]. Disponível em: https://site.abto.org.br/publicacao/xxvi-no-4-anual/.
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.

Visto a relevância do desenvolvimento de ações direcionadas à doação de órgãos e tecidos para transplante, os resultados obtidos neste estudo permitem visualizar o futuro da doação e transplante de órgãos na região, tendo em mente uma tendência à abordagem voltada à sensibilização das famílias dos potenciais doadores quanto ao processo de doação, perante sua importância.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um levantamento dos dados referentes ao número de protocolos iniciados, bem como aqueles concluídos e autorizados, ou não, para a doação de órgãos e tecidos para transplante na 16ª Região de Saúde do Rio Grande do Sul, no período entre 2010 e 2020. A Região de Saúde em questão é composta pelos seguintes municípios: Aratiba, Áurea, Barão de Cotegipe, Barra do Rio Azul, Benjamin Constant do Sul, Campinas do Sul, Carlos Gomes, Centenário, Charrua, Cruzaltense, Entre Rios do Sul, Erebango, Erechim, Erval Grande, Estação, Faxinalzinho, Floriano Peixoto, Gaurama, Getúlio Vargas, Ipiranga do Sul, Itatiba do Sul, Jacutinga, Marcelino Ramos, Mariano Moro, Nonoai, Paulo Bento, Ponte Preta, Quatro Irmãos, Rio dos Índios, São Valentim, Severiano de Almeida, Três Arroios e Viadutos77 Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Saúde. Plano Estadual de Saúde: 2020-2023. Organização Grupo de Trabalho Planejamento, Monitoramento e Avaliação da Gestão - Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, 2021.. A população estimada desta região, de acordo com o último Censo (2010) é de 230.814 habitantes88 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2012. .

Os dados coletados envolveram, ainda, as características demográficas relacionadas ao gênero e faixa etária desta população, além de dados referentes à causa de óbito. Essas informações foram obtidas por meio das Comissões Intra-Hospitalares de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) das instituições sob investigação – hospitais terciários da referida região. Ambas as CIHDOTT consultadas são subordinadas à Organização de Procura de Órgãos (OPO) 4 - Hospital São Vicente de Paulo - Passo Fundo99 Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Saúde. Organizações de Procura de Órgãos (OPOs): o que são e onde atuam. [acesso em 2023 mai 10]. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/organizacoes-de-procura-de-orgaos-opos-o-que-sao#:~:text=As%20Organiza%C3%A7%C3%B5es%20de%20Procura%20de,e%20do%20Sistema%20Nacional%20de.
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. Para fins comparativos, também foram coletados dados de domínio público disponibilizados no Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), veículo oficial da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), para o mesmo período. O protocolo do presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da URI Erechim, sob o Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE) número 42852721.0.0000.5351, em 29 de maio de 2021.

Os dados coletados com as CIHDOTT foram tabulados no Microsoft Excel e os percentuais de cada categoria foram calculados. Em seguida, realizou-se a análise descritiva por meio da construção de séries temporais, com o objetivo de conhecer a evolução do número de protocolos de doação de órgãos realizados ao longo dos anos. A associação entre as variáveis categóricas foi investigada utilizando o teste qui-quadrado, adotando p < 0,05 como significativo. Todas as análises foram realizadas utilizando o software GraphPad Prism 9.2 (licença da URI sob serial GPS-2210048-EHT5-3C800).

RESULTADOS

A situação da doação de órgãos e tecidos para transplante na 16ª Região de Saúde, foi avaliada após a análise dos dados de 44 protocolos de morte encefálica (ME) abertos em dois hospitais de referência regional, no período compreendido entre 2010-2020, sendo este o número total de processos de doação de órgãos iniciados na região para tal período. Os dados coletados estão sumarizados na Tabela 1.

Tabela 1
Características dos potenciais doadores de órgãos e tecidos para transplante na 16ª Região de Saúde do estado do Rio Grande do Sul, no período 2010-2020.

No que se refere ao perfil etário dos potenciais doadores de órgãos, a média de idade foi de 42,40 ± 19,69 anos. A variação da distribuição por faixa etária desses potenciais doadores está elencada na Fig. 1.

Figura 1
Distribuição por faixa etária dos potenciais doadores de órgãos e tecidos para transplante na 16ª Região de Saúde do estado do Rio Grande do Sul, no período 2010-2020.

A causa de óbito dos potenciais doadores de órgãos de órgãos e tecidos também foi analisada, sendo possível observar um predomínio de acidentes vasculares cerebrais (AVC), seguidos de traumatismos cranioencefálicos (TCE), os quais correspondem a 43,47 % e 39,14 % dos óbitos, respectivamente. Na Fig. 2, pode-se observar de forma comparativa os percentuais de causa de óbito dos potenciais doadores de órgãos e tecidos na (2a) 16ª Região de Saúde do RS, (2b) no estado do Rio Grande do Sul e (2c) no Brasil.

Figura 2
Causa de óbito dos potenciais doadores de órgãos e tecidos para transplante no período de 2010 a 2020, categorizados em óbitos por AVC, TCE e outros.

Verificou-se, ainda, a situação da 16ª Região de Saúde do RS quanto ao aceite das famílias abordadas para a doação de órgãos e tecidos para transplante. Os resultados estão sumarizados na Fig. 3, na qual pode-se observar a variação anual do número de protocolos de ME iniciados e concluídos e, destes, a quantidade de doações autorizadas pelas famílias dos potenciais doadores.

Figura 3
Variação anual comparativa da quantidade de protocolos de ME iniciados, concluídos e autorizados na 16ª Região de Saúde do RS, no período 2010-2020.

A média nacional de doações por milhão de população (pmp) entre os anos de 2010 à 2020 foi de 14,25. A partir disso, a Fig. 4 mostra a variação anual de doações no Brasil (4a) e na 16ª Região de Saúde do RS (4b) tendo como referência a média nacional, representada por uma linha cinza.

Figura 4
Variação anual de doações de órgãos e tecidos para transplante pmp comparada à média nacional de doações pmp, representada pela linha cinza, no período de 2010 a 2020.

Outro tópico contemplado neste estudo diz respeito ao estabelecimento de relações entre as características dos potenciais doadores e o aceite das famílias para doação de órgãos e tecidos para transplante. Quanto a isso, não foi encontrada associação entre gênero e autorização familiar (p = 0,176), nem mesmo entre gênero e causa do óbito (p = 0,060); bem como, não houve associação entre a idade do potencial doador ou a causa do óbito com a autorização familiar (p = 0,888 e p = 0,174, respectivamente). Contudo, ao relacionar a faixa etária dos potenciais doadores e a causa do óbito, foi possível inferir que os mais jovens (< 45 anos) sofreram mais TCE, enquanto os mais velhos (> 45 anos) apresentaram maior proporção de AVC (p = 0,003).

DISCUSSÃO

A normativa organizacional do Sistema Único de Saúde (SUS) tem vistas à articulação da Rede de Atenção à Saúde, o que implica a definição de limites geográficos e populacionais para a atuação dos serviços de saúde. Nesse sentido, são delimitadas, no estado do Rio Grande do Sul (RS), sete Macrorregiões de Saúde – definidas pela Resolução CIB/RS Nº 192/2002 e revalidadas na Resolução CIB/RS Nº 188/20181010 Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Saúde. Resolução Nº 188/18 - CIB / RS/ Anexo II - Definição das Macrorregiões de Saúde - Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, 2018. [acesso em 2023 mai 10]. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/upload/arquivos/carga20180633/22173349-cibr188-18.pdf.
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- as quais subdividem-se em trinta Regiões de Saúde - instituídas por meio das Resoluções CIB/RS Nº 555/2012, Nº 26/2013 e Nº 499/20141111 Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Saúde. Resolução Nº 499/14 – CIB / RS - Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, 2014. . Destas, destaca-se a 16ª Região de Saúde, foco de interesse deste estudo, localizada na Macrorregião Norte, como pode-se visualizar na Fig. 5, cujo território refere-se à área de atuação da 11ª Coordenadoria Regional de Saúde77 Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Saúde. Plano Estadual de Saúde: 2020-2023. Organização Grupo de Trabalho Planejamento, Monitoramento e Avaliação da Gestão - Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul, 2021..

Figura 5
Distribuição das Macrorregiões e Regiões de Saúde do estado do Rio Grande do Sul (RS).

Na referida região, observou-se que, para o período compreendido entre 2010 e 2020, foram abertos 44 protocolos de morte encefálica (ME), quando somados os protocolos iniciados nos dois hospitais de referência regional. Quanto a esse conjunto de potenciais doadores de órgãos, percebe-se uma ampla distribuição nas faixas etárias, com idades variando entre 5 e 75 anos, sendo a média de idade de 42,40 anos. Essa variabilidade no perfil etário dos pacientes permite uma análise mais acurada do cenário de doações, apesar de o número total de protocolos abertos na 16ª Região de Saúde ser insuficiente para permitir uma conclusão precisa. Outrossim, em relação ao gênero, 56,81 % (25/44) eram homens e 43,18 % (19/44) eram mulheres, dado que se assemelha ao observado no país neste período: 59,37 % do gênero masculino e 40,63 % do feminino44 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Organ Transplantation in Brazil (2012-2019). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2019 [acesso em 2022 jul 10]. Disponível em: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2020/09/rbt-ingles-2019-leitura.pdf.
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, 1818 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro brasileiro de transplantes (RBT). Jan/Dez 2016. 2016 [acesso em 2022 abr 6]. Disponível em: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/.
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, 1919 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro brasileiro de transplantes (RBT). Jan/Dez 2017. 2017 [acesso em 2022 abr 6]. Disponível em: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/.
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, 2020 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro brasileiro de transplantes (RBT). Jan/Dez 2018. 2018 [acesso em 2022 abr 6]. Disponível em: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/.
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Ao analisar a causa de óbito destes potenciais doadores de órgãos observou-se um predomínio de AVC, seguidos de TCE. Outras causas de óbito por ME no período compreendem encefalites infecciosas, anóxia pós-parada cardiorrespiratória e tumores cerebrais. Como pode-se observar na Figura 2, essa é uma tendência que não se restringe à 16ª Região de Saúde, mas torna-se ainda mais evidente quando se observam dados estaduais e nacionais para o período, em que os óbitos por TCE e AVC correspondem à 87,35 % e 86,20 %, respectivamente44 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Organ Transplantation in Brazil (2012-2019). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2019 [acesso em 2022 jul 10]. Disponível em: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2020/09/rbt-ingles-2019-leitura.pdf.
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, 66 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2013-2020). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2020. [acesso em 2022 jun 4]. Disponível em: https://site.abto.org.br/publicacao/xxvi-no-4-anual/.
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, 1818 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro brasileiro de transplantes (RBT). Jan/Dez 2016. 2016 [acesso em 2022 abr 6]. Disponível em: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/.
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, 1919 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro brasileiro de transplantes (RBT). Jan/Dez 2017. 2017 [acesso em 2022 abr 6]. Disponível em: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/.
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, 2020 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Registro brasileiro de transplantes (RBT). Jan/Dez 2018. 2018 [acesso em 2022 abr 6]. Disponível em: https://site.abto.org.br/conteudo/rbt/.
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Quanto ao aceite das famílias abordadas para a doação de órgãos e tecidos para transplante, verificou-se que na 16ª Região de Saúde do RS, até o ano de 2016, o número de autorizações familiares para a doação esteve bem abaixo do número de protocolos concluídos nos hospitais da região, chegando a ser zero nos anos de 2011 e 2015, dado que representa o quão expressivos foram os percentuais de negativas familiares para doação no período (56,82 %). A partir de 2017, a porcentagem de autorizações elevou-se, passando a representar 100 % dos protocolos concluídos neste ano e no ano subsequente; já em 2019, obtiveram-se 75 % de autorizações.

Dentre as possíveis causas desse aumento, destaca-se a mudança na forma de atuação das equipes de saúde que se deu nesse período, uma vez que, de acordo com relatos destas, foram oportunizados cursos de formação profissional voltados à entrevista familiar, com vistas a atuação empática, respeitosa e acolhedora da equipe, e por consequência, mais efetiva quanto à doação. No ano de 2016, ano que marcou a transição nos índices de doação, foram oportunizados pelas Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos do RS (CNCDORS), cursos de capacitação profissional para profissionais de todo o estado do RS, tais como: Curso de Doação e Transplantes de Órgãos para Médicos Intensivistas; Curso de Formação de Coordenador Intra-Hospitalar de Transplantes; Curso de Comunicação em Situações Críticas e Curso de Doação e Transplantes para Profissionais de CIHDOTT2121 Rio Grande do Sul. Secretaria Estadual da Saúde. CNCDORS - Cursos realizados em 2016 - Porto Alegre: Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul [acesso em 2022 dez 09]. Disponível em: https://saude.rs.gov.br/cncdors-cursos-realizados-em-2016.
https://saude.rs.gov.br/cncdors-cursos-r...
.

O ano de 2020, particularmente, foi atípico, marcado pela chegada da epidemia de COVID-19 no Brasil, sendo o primeiro caso da doença, no país, confirmado no dia 26 de fevereiro em São Paulo (SP)2222 UNA-SUS - Universidade Alerta do SUS. Coronavírus: Brasil confirma primeiro caso da doença. 2020 [acesso em 2022 mai 20]. Disponível em: https://www.unasus.gov.br/noticia/coronavirus-brasil-confirma-primeiro-caso-da-doenca.
https://www.unasus.gov.br/noticia/corona...
. Essa doença rapidamente teve seu status elevado à pandemia pela Organização Mundial de Saúde2323 UNA-SUS - Universidade Alerta do SUS. Organização Mundial de Saúde declara pandemia do novo Coronavírus. 2020 [acesso em 2022 mai 16]. Disponível em: https://www.unasus.gov.br/noticia/coronavirus-brasil-confirma-primeiro-caso-da-doenca.
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e demandou uma rápida adaptação dos serviços de saúde para suprir as necessidades locais da COVID-19 em detrimento de outras áreas da saúde, dentre elas, a doação e o transplantes de órgãos e tecidos. Na 16ª Região de Saúde, por exemplo, no ano de 2020 apenas um protocolo de ME foi iniciado e nenhum foi concluído, portanto, nenhuma família passou pela entrevista para doação, conforme Figura 3. Os dados encontrados nesta análise seguem uma tendência observada, em virtude da pandemia, em todos os centros de transplante do mundo: “Austrália, Itália, Espanha, Portugal, Finlândia, França e Inglaterra quase suspenderem completamente sua atividade, enquanto EUA e Alemanha reduziram em quase 50 %”2424 Ferreira GF. Desafios do transplante na pandemia da Covid-19 . ABTO News. 2020 [acesso em 2022 mai 12]. São Paulo (SP), Ano 23 - nº 1, p. 3, jan./jun.,33 Pessoa JLE, Schirmer J, De Aguiar BR. Evaluation of the causes for Family refusal to donate organs and tissue. ACTA Paulista de Enfermagem. 2013;26:323-30. https://doi.org/10.1590/S0103-21002013000400005
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.

No Brasil, a queda nas taxas de doação e de transplante de órgãos e tecidos com doador falecido não foi tão grande como se temia com o anúncio da pandemia66 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2013-2020). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2020. [acesso em 2022 jun 4]. Disponível em: https://site.abto.org.br/publicacao/xxvi-no-4-anual/.
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. De acordo com a ABTO66 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2013-2020). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2020. [acesso em 2022 jun 4]. Disponível em: https://site.abto.org.br/publicacao/xxvi-no-4-anual/.
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, a taxa de doadores efetivos, que era de 18,1 por milhão de população (pmp), em 2019, e estava projetada para ultrapassar os 20 pmp em 2020, caiu 12,7 %, voltando ao patamar obtido em julho de 2017, de 15,8 pmp. Ainda, segundo a ABTO66 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2013-2020). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2020. [acesso em 2022 jun 4]. Disponível em: https://site.abto.org.br/publicacao/xxvi-no-4-anual/.
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, observou-se que as taxas variaram entre as regiões e entre períodos, de acordo com a gravidade regional da pandemia: as regiões Norte (N) e Nordeste (NE) apresentaram as maiores taxas de queda nos índices de doação, 43 % e 28,3 %, respectivamente; enquanto a região Sul (S) teve uma queda intermediária (13 %); as regiões Centro-Oeste (CO) e Sudeste (SE), por sua vez, foram as que apresentaram as menores taxas de queda, 4,5 % e 5,6 %, nesta ordem.

As discrepâncias entre as cinco regiões brasileiras não se restringem ao impacto da pandemia do COVID-19 nos índices de doação e transplantes de órgãos e tecidos. Essa disparidade entre as regiões nas taxas de efetivação das doações e dos transplantes, já era realidade antes da pandemia66 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2013-2020). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2020. [acesso em 2022 jun 4]. Disponível em: https://site.abto.org.br/publicacao/xxvi-no-4-anual/.
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. Segundo Marinho, Cardoso e Almeida2525 Marinho A, Cardoso SS, Almeida VV. Efetividade, produtividade e capacidade de realização de transplantes de órgãos nos estados brasileiros. Cad Saúde Pública. Rio de Janeiro. 2011, 27(8):1560-1568. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2011000800011
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, as regiões CO, S e SE detém as maiores taxas de atendimento das necessidades de transplantes, em detrimento das observadas nas regiões N e NE. Sabendo dessa variabilidade e, a fim de padronizar os resultados inferidos por esse estudo, optou-se pela utilização da média nacional de doações por milhão de população (pmp) como referência para análise epidemiológica do cenário regional de doações, sendo que para o período de 2010 a 2020 a média nacional de doações foi de 14,25 pmp44 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Organ Transplantation in Brazil (2012-2019). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2019 [acesso em 2022 jul 10]. Disponível em: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2020/09/rbt-ingles-2019-leitura.pdf.
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, 66 ABTO – Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos Transplantes no Brasil e em cada Estado (2013-2020). Registro brasileiro de transplantes (RBT). 2020. [acesso em 2022 jun 4]. Disponível em: https://site.abto.org.br/publicacao/xxvi-no-4-anual/.
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.

Por meio da análise da Figura 4a, que mostra o perfil de doações de órgãos e tecidos para transplante no Brasil, é possível observar que os índices nacionais de doações vêm apresentando uma tendência de crescimento linear ao longo dos anos, com exceção ao ano de 2020, conforme sobredito. Essa tendência, entretanto, não se reproduz na Figura 4b, que mostra o perfil na 16ª Região de Saúde do RS, na qual, ao invés da linearidade, é possível verificar variação anual heterogênea do número de doações pmp em torno da média nacional. Ademais, ainda na Figura 4b, pode-se observar que a 16ª Região de Saúde esteve acima da média nacional de doações de órgãos apenas nos anos de 2010, 2012, 2017, 2018 e 2019.

De fato, não se pode deixar de destacar a importância da promoção de intervenções voltadas à coparticipação das famílias frente à doação de órgãos e tecidos para transplante, à exemplo, a 16ª Região de Saúde do RS só atingiu índices de doação pmp superiores à média nacional por três anos consecutivos após a implementação, pelas CIHDOTT, de uma remodelação na forma de abordagem familiar quanto à possibilidade da doação de órgãos e tecidos para transplante.

Estudo realizado por De Moraes e Massarollo2626 De Moraes EL, Massarollo MCKB. Family refusal to donate organs and tissue for transplantation, Revista Latino-Americana de Enfermagem. 2008; 16:458–464.https://doi.org/10.1590/S0104-11692008000300020.
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elencou diferentes motivos que levam familiares a recusarem a doação de órgãos e tecidos para transplante, dentre eles: a situação desesperadora vivenciada com a hospitalização, a falta de confiança relacionada à doação de órgãos, a falta de compreensão/aceitação do diagnóstico de morte encefálica, luto e cansaço pela perda de um ente querido, as crenças religiosas, o despreparo do profissional de saúde que realiza a entrevista e o conflito entre os familiares sobre a decisão. Com isso, observa-se que a abordagem voltada à coparticipação das famílias enlutadas, instruindo-as quanto ao processo de doação-transplante, seja imprescindível para a manutenção dos percentuais de doação.

Dentre as associações possíveis entre as características dos potenciais doadores de órgãos e tecidos para transplante da 16ª Região de Saúde do RS, foi possível, por fim, inferir que TCE levaram à óbito uma maior proporção de indivíduos jovens (< 45 anos), enquanto os AVC acometeram com maior frequência indivíduos mais velhos (> 45 anos). Esse dado vai ao encontro do observado no país, em que os eventos traumáticos levam à óbito, em sua maioria, jovens entre 20 e 49 anos2727 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Estatísticas Vitais. Óbitos por ocorrência segundo capítulo CID-10 [Internet]. Brasília (DF): Datasus; 2019 [acesso em 2022 jun 21]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/obt10br.def.
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. Ademais, no que se refere ao perfil epidemiológico do AVC no Brasil, em concordância com a análise realizada neste estudo, observa-se um aumento da sua incidência com o avançar da idade, além de outros fatores de risco cardiovascular.

As conclusões em relação aos resultados obtidos têm alcance limitado devido ao fato de se tratar de um estudo regional; entretanto, os dados poderão ser utilizados para fins comparativos com outros estudos de cunho semelhante. Além disso, o número de protocolos abertos por ano na região é muito baixo (1 a cada 2-3 meses) para permitir uma análise e uma conclusão robusta. Outrossim, no ano de 2012, não foram registrados dados referentes ao gênero, idade e causa do óbito de três potenciais doadores de órgãos e tecidos, sendo estes subtraídos dos testes estatísticos que avaliaram estas características.

Embora a ausência de dados referentes ao motivo para a não-doação de órgãos na região seja fator limitante desta análise, uma vez que este parece ser um fator imperativo para se alcançar êxito na transmutação do desfecho do processo doação-transplante, é possível relacionar a não-doação à incipiente propagação de informação sobre os conceitos de morte encefálica e de doação de órgãos e tecidos para transplante.

Para Bjelland e Jones2828 Bjelland S, Jones K. A Systematic Review on Improving the Family Experience After Consent for Deceased Organ Donation. Progress in Transplantation. 2022;32(2):152-66. https://10.1177/15269248221087429
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, a baixa alfabetização em saúde das famílias abordadas associada à falta de habilidades de comunicação da equipe de saúde são causas de mal-entendidos sobre a morte encefálica e, consequentemente, de negativas à doação. Logo, se empregados os resultados obtidos em estudos como este para o aperfeiçoamento de políticas públicas, programas e campanhas que visem à capacitação dos profissionais de saúde e orientação da população, eleva-se a probabilidade de alcançar o desfecho desejado: a doação.

CONCLUSÃO

A doação de órgãos e tecidos para transplante pós-morte apresenta-se como um objeto de discussão multifacetário, isso porque, quando em pauta, proporciona análises por diferentes óticas sociais: científica, judicial e cultural. Primeiramente, o transplante apresenta-se como uma forma de tratamento, reconhecido pela ciência médica como terapêutica eficaz para doenças orgânicas. No entanto, normativas legais específicas orientam a execução desse recurso terapêutico, sendo imprescindível a sua realização conforme a legislação vigente no país. No Brasil, a exigência legal da autorização familiar para a doação, por sua vez, proporciona a análise da terceira ótica social, a das convicções morais, éticas e religiosas da população, além do seu nível de conhecimento sobre o tema.

O resultado da articulação das diferentes facetas do processo de doação-transplante consiste na efetivação da doação de órgãos e tecidos, a qual pode ser avaliada pela observação dos índices de captação de órgãos realizadas em determinado local e período. Assim, os resultados obtidos com esse estudo permitem um diagnóstico epidemiológico valioso quanto à efetividade das estratégias utilizadas pelo serviço de saúde local e quanto à compreensão da comunidade a respeito do tema.

Como observado, no decorrer do artigo, há uma tendência de aumento nos percentuais de doação ao longo dos anos, tanto na região como no restante do país, porém, a quantidade de transplantes realizados ainda é inferior à necessidade da população. A análise dos dados encontrados na 16ª Região de Saúde do RS com relação a doação de órgãos e tecidos para transplante está em consonância com o nível nacional, o que permite inferir que as afirmativas familiares a respeito da doação vêm aumentando nos últimos anos, uma vez que correspondem a mais de 75 % das respostas obtidas a partir do ano de 2017. Em contrapartida, como sobredito, a avaliação global dos percentuais de doação, no período de 2010 a 2020, evidencia maior proporção de negativas em relação aos aceites para doação de órgãos e tecidos (57,8 % e 42,2 %, respectivamente).

Conclui-se, portanto, que os percentuais de doação de órgãos e tecidos na 16ª Região de Saúde do RS estão abaixo do ideal, seja por dificuldade diagnóstica, logística e técnica ou devido às negativas familiares à doação. Por isso, a atuação das CIHDOTT locais de forma mais enfática no estímulo à doação de órgãos e tecidos para transplantes se mostra como ferramenta importante para atingir níveis de doação condizentes com as necessidades locais de transplante.

De fato, só é possível o aumento do número dos transplantes de órgãos, e consequentemente, do suprimento das necessidades de transplante da população, com o aumento no número de doações. Por isso, algumas barreiras à doação de órgãos devem ser eliminadas, tais como o despreparo do profissional de saúde no contato com a família do provável doador e a desinformação da comunidade sobre a doação de órgãos e tecidos para transplante.

Assim, espera-se que os resultados apresentados neste estudo sejam utilizados para orientar o desenvolvimento de ações estratégicas de incentivo à doação de órgãos e tecidos, que visem o aprimoramento da comunicação entre as partes, a disponibilidade de cuidados de qualidade no final da vida para o doente e sua família, bem como o direcionamento de suporte de apoio ao processo de luto à família pela morte do ente querido.

Conforme o exposto, por fim, potencializa-se a realização de estudos futuros de cunho semelhante, visando aprimorar o diagnóstico dos fatores envolvidos na determinação das taxas de doação-transplante no país. Ademais, esta análise permitiu a observação de um fato que não estava previsto - o impacto da pandemia de COVID-19 sobre os índices de doações de órgãos. Sendo este, portanto, um tema digno de pesquisas futuras sobre o assunto.

AGRADECIMENTOS

Agradecimento aos que prestaram assistência técnica para escrita e edição gráfica do artigo, Itamar Luis Gonçalves e Carlos Antônio da Silva.

  • Como citar: Silva IC, Oldoni AE, Zanardo JC, Jacobina LP. Cenário da Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante Pósmorte na 16ª Região de Saúde/RS. BJT. 2023.26 (01):e3023. https://doi.org/10.53855/bjt.v26i1.511_PORT
  • FINANCIAMENTO

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Editado por

Editora de seção: Ilka de Fátima Santana F Boin https://orcid.org/0000-0002-1165-2149

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2022
  • Aceito
    14 Ago 2023
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